PARECER JURÍDICO
Processo adm nº ______________
Interessado: _______________
EMENTA: SOLICITAÇÃO DE PARECER SOBRE A INCORPORAÇÃO DE GRATIFICAÇÃO DE TEMPO INTEGRAL DE 100%. FUNDAMENTO NO ARTIGO 51, §2º DA LEI MUNICIPAL Nº 345/92, NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, BEM COMO NO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. PARECER OPINANDO PELA NÃO INCORPORAÇÃO DA REFERIDA GRATIFICAÇÃO EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE LEI MUNICIPAL NESSE SENTIDO.
I - RELATÓRIO
Foi enviado, a esta Consultoria, requerimento da servidora ________________no sentido de que teria direito, em tese, de incorporar uma gratificação de tempo integral de 100% que a mesma teria recebido, segundo ela, por mais de 10 anos consecutivos.
A requerente anexou ao processo contracheque, documentos pessoais e parecer jurídico da lavra do Dr. Ricardo de Lima datado de 05/06/2012.
É o relatório.
II – DA FUNDAMENTAÇÃO
O Município segue o princípio da legalidade, ou seja, só pode realizar aquilo que está previsto em lei.
No Direito administrativo, esse princípio determina que a Administração Pública, em qualquer atividade, está estritamente vinculada à lei. Assim, se não houver previsão legal, nada pode ser feito. No princípio genérico, a pessoa pode fazer de tudo, exceto o que a lei proíbe. No princípio específico, a Administração Pública só pode fazer o que a lei autoriza, estando engessada na ausência de tal previsão. Seus atos têm que estar sempre pautados na legislação.
Segundo o Professor Alexandre Mazza, em sua obra Manual de direito administrativo, 2013, pág 75:
“Inerente ao Estado de Direito, o princípio da legalidade representa a subordinação da Administração Pública à vontade popular. O exercício da função administrativa não pode ser pautado pela vontade da Administração ou dos agentes públicos, mas deve obrigatoriamente respeitar a vontade da lei”.
De acordo com o magistério de Hely Lopes Meirelles, obra Direito administrativo brasileiro, p. 87, com destaques nossos: “As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos.
Também relatando sobre o mesmo princípio, a Professora Flávia Bahia Martins, em sua obra: Direito Constitucional, 2011, editora Ímpetus, 2ª edição, Niteroi-RJ, faz uma distinção entre a aplicação da legalidade para os particulares e para o Poder Público, vejamos:
“Para o particular, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo, senão em virtude de lei (aqui em sentido amplo ou material, referindo-se a qualquer espécie normative), diante de sua autonomia da vontade. Já quanto ao administrador, deverá ser adotado o princípio da legalidade em sentido estrito, pois só é possível fazer o que a lei autoriza ou determina”.
Nesse mesmo sentido, podemos analisar a doutrina de Marçal Justen Filho[1] quando preconiza que:
“O princípio da legalidade está abrangido na concepção de democracia republican. Significa a supremacia da lei (expressão que abrange a Constituição), de modo que a atividade administrative encontra na lei seu fundamento e seu limited validade”.
Além disso, o Professor Matheus Carvalho[2] é mais firme em sua posição quando afirma que “Não havendo previsão legal, está proibida a atuação do ente público e qualquer conduta praticada ao alvedrio do texto legal será considerada ilegítima”.
Ao analisar o caso concreto, vê-se que a requerente é servidora municipal há mais de 20 anos e que, segundo ela, recebeu gratificação de tempo integral por mais de 10 anos consecutivos no percentual de 100%.
Como se sabe, os servidores municipais são regidos por seu estatuto, a lei nº 345/92, este que prevê em seu artigo 51, §2º que “as gratificações e os adicionais incorporam-se ao vencimento ou provento, nos casos e condições previstos em lei” (grifo nosso), ou seja, para que ocorra a incorporação tem que haver uma lei municipal determinando em que casos poderiam-se incorporar determinadas gratificações.
Realizada busca nos arquivos do município, não foi localizada nenhuma norma que tratasse sobre essa referidas incorporações de gratificações.
Como já retratado acima, a administração só pode fazer aquilo que está previsto em lei. O estatuto do servidor dá a previsão de incorporação, mas nos casos previstos em lei, ou seja, necessário se fazia a criação para a regulamentação ou não dessas incorporações, tratando-se assim de uma omissão legislativa.
Apesar de já haver parecer jurídico no sentido de conceder a incorporação da gratificação à servidora (parecer datado de 05/06/2012), esta atual procuradoria não está vinculada a opinião pretérita, tendo autonomia para proferir outro entendimento, apesar de respeitar o nobre parecerista Dr Ricardo de Lima, este que emitiu seu parecer dentro da sua discricionariedade jurídica.
Além disso, urge salientar que, mais uma vez, este município é regido por estatuto próprio (lei nº 345/92), não se aplicando a CLT aos seus servidores.
Apesar de algumas opiniões jurídicas se manifestarem no sentido de que as gratificações recebidas de forma contínua por mais de 10 anos devem ser incorporadas aos vencimentos, essa posição é prevista nas normas da CLT (Consolidação das normas trabalhistas), normas não aplicáveis ao presente caso.
Vejamos a Súmula 372 do TST que trata sobre a incorporação de gratificações quando empregados exercem função de confiança com gratificação por mais de 10 anos:
GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO. SUPRESSÃO OU REDUÇÃO. LIMITES (conversão das Orientações Jurisprudenciais nos 45 e 303 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005
I - Percebida a gratificação de função por dez ou mais anos pelo empregado, se o empregador, sem justo motivo, revertê-lo a seu cargo efetivo, não poderá retirar-lhe a gratificação tendo em vista o princípio da estabilidade financeira. (ex-OJ nº 45 da SBDI-1 - inserida em 25.11.1996)
II - Mantido o empregado no exercício da função comissionada, não pode o empregador reduzir o valor da gratificação. (ex-OJ nº 303 da SBDI-1 - DJ 11.08.2003)
Como se vê, a previsão diz respeito aos empregados, estes que são regidos pela CLT, fundamento impossibilitado de ser observado por Município em que seus servidores são regidos por estatuto próprio.
Para corroborar a não possiblidade da incorporação da gratificação de tempo integral, vejamos a jurisprudência correlacionada ao caso:
Ementa: Direito adquirido. Gratificação extraordinária. Incorporação. Servidora estatutária. 1. Cessada a atividade que deu origem à gratificação extraordinária, cessa igualmente a gratificação, não havendo falar em direito adquirido, tampouco, em princípio da irredutibilidade dos vencimentos. 2. Recurso extraordinário a que se nega provimento. STF - RECURSO EXTRAORDINÁRIO RE 338436 CE (STF) Data de publicação: 20/11/2008
Ementa: Servidores do CNPq: Gratificação Especial: inexistência de direito adquirido. Ao julgar o MS 22.094, Pleno, 02.02.2005, Ellen Gracie, DJ 25.02.2005, o Supremo Tribunal decidiu que os servidores do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, quando convertidos de celetistas em estatutários, não fazem jus à incorporação da Gratificação Especial, dada a inexistência de direito adquirido a regime jurídico. STF - AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO RE-AgR 425579 RJ (STF) Data de publicação: 06/06/2007.
Ementa: GRATIFICAÇÃO DE CARGO EM CONFIANÇA Servidor público municipal aposentado. Pretensão de incorporação, aos vencimentos de aposentadoria, de vantagens decorrentes do exercício de cargo em comissão. Inadmissibilidade. Ausência de previsão legal que defina a possibilidade de incorporação. Recurso improvido. TJ-SP - Apelação APL 00136776420088260278 SP 0013677-64.2008.8.26.0278 (TJ-SP) Data de publicação: 27/06/2013
Ementa: SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. GRATIFICAÇÃO PERCEBIDA PELO EXERCÍCIO EM CARGO COMISSIONADO, CHEFIA E ASSESSORAMENTO. VERBA DE CARÁTER TRANSITÓRIO. PRETENDIDA INCORPORAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE, ANTE A AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. INVERSÃO DOS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. BENEFICIÁRIO DA GRATUIDADE JUDICIÁRIA. OBSERVÂNCIA DO ART. 12 DA LEI N. 1.060 /50. REMESSA E RECURSO PROVIDOS. Essas gratificações só podem ser percebidas enquanto o servidor está prestando o serviço que as enseja, porque são retribuições pecuniárias pro labore faciendo e propter laborem. Cessado o trabalho que lhes dá causa ou desaparecidos os motivos excepcionais e transitórios que as justificam, extingue-se a razão de seu pagamento. Daí por que não se incorporam automaticamente ao vencimento, nem são auferidas na disponibilidade e na aposentadoria, salvo quando a lei expressamente o determina, por liberalidade do legislador (Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 26 ed., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 458). TJ-SC - Apelacao Civel AC 226144 SC 2004.022614-4 (TJ-SC) Data de publicação: 22/02/2005.
CONCLUSÃO
Portanto, esta procuradoria entende no sentido de que, após buscas nos arquivos normativos do ente, não existe norma regulamentando a possibilidade de incorporação de gratificação exigida pela requerente, razão pela qual OPINO pelo indeferimento do pedido da requerente, uma vez que a Administração Pública é pautada na obrigação de seguir e obedecer o princípio constitucional da legalidade, ou seja, só faz aquilo que está previsto em lei.
Desta feita, por ser este parecer meramente de caráter OPINATIVO, remeta-se o processo para apreciação do Chefe do Executivo, sendo este competente para decidir quanto à incorporação ou não da referida gratificação.
É o parecer. S.M.J
Água Branca-AL, 22 de fevereiro de 2017.
Notas
[1] JUSTEN FILHO, Marçal – Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Fórum, 4ª ed.2009
[2]CARVALHO, Matheus – Manual de Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 3ª edição. 2016