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Loterias estaduais podem explorar concursos de prognósticos

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04/09/2017 às 14:00
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IV - DA SÚMULA VINCULANTE N.° 2 – POSICIONAMENTO DO STF

A Emenda Constitucional n.º 45/2004 introduziu as Súmulas Vinculantes[25], no âmbito do Supremo Tribunal Federal, inserindo mais um útil e célere instrumento de controle jurisdicional da constitucionalidade, de observância obrigatória pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, objetivando:

“a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsias atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questões idênticas” (CF, art. 103-A, caput e § 1º).

A direção da Súmula vinculante n.º 2 impede que os Estados-Membros e o Distrito Federal editem atos normativos primários (leis ou decretos autônomos) sobre a matéria, mas não veda que as loterias aptas a funcionar, nos termos do Decreto-Lei n.º 204/67, bem como outras que reclamem iguais direitos, editem atos normativos secundários disciplinando a sua organização e funcionamento, inclusive no que concerne a realização do fomento social e a contratação de obras ou serviços públicos mediante chamamento público e licitação, nos termos da lei, bem como regulamentar, por atos normativos secundários, os respectivos serviços lotéricos em âmbito estadual.

Tratando-se de controle concentrado em que uma lei ou ato normativo autônomo é declarado constitucional ou inconstitucional – caso das ações declaratória de constitucionalidade e direta de inconstitucionalidade – há pouca margem para dúvidas: ou se aplica ou não se aplica a norma em questão, conforme o resultado do julgamento.

Contudo, tratando-se de enunciado interpretativo, sintético por sua própria natureza, é possível aplicações restritivas ou ampliativas, dependendo de discernimentos puramente subjetivos do órgão julgador, com acesso imediato e ágil ao STF, servindo não só para que a própria Corte Suprema esclareça eventuais dúvidas, como para assegurar o exato cumprimento do respectivo enunciado.

Ante tal subjetividade, ao STF compete admitir ou não, reclamação na hipótese de indevida aplicação da Súmula vinculante, ao dispor:

“Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso” (CF, art. 103-A, § 3º).

Em sessão de 30 de maio de 2007, o STF editou o seguinte enunciado, in verbis:

“Súmula vinculante nº 2 – É inconstitucional lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.”

Referido enunciado sumular vem provocando nos meios jurídicos variadas interpretações, destacando-se duas correntes:

i)       as loterias estaduais, existentes quando da edição do Decreto-Lei n.º 204/67, podem continuar funcionando, mas com as limitações constantes daquele diploma;

ii)      as loterias estaduais, podem funcionar com os mesmos e similares concursos de prognósticos explorados pelo governo federal, como estariam habilitadas a explorar o serviço público estadual de loterias, no âmbito do respectivo território, em concorrência simétrica e harmonica com a loteria federal.

O STF ainda não se pronunciou sobre o alcance dos artigos 1° e 32, do Decreto-lei nº 204/67.

Bem asseverou a Min. ELLEN GRACIE, ao prestar informações, na ADPF 128[26]

“as várias decisões desta Casa, todas prolatadas em ações diretas de inconstitucionalidade, que embasaram a edição da Súmula Vinculante nº 2 trataram tão-somente, (1) da caracterização das atividades de bingos e loterias como espécies de sistemas de consórcios e sorteios, bem como (2) do reconhecimento da competência privativa da União para desempenhar a atividade legiferante sobre esse tema’ (fls. 227). Nas ações diretas que serviram de inspiração ao enunciado da súmula vinculante nº 2, nada se definiu sobre o regime de exploração dos serviços lotéricos pelos Estados, de sorte que ‘o debate desse assunto, de maneira inaugural, no procedimento de edição da Súmula ora em análise representaria manifesta extrapolação dos limites traçados pelos julgamentos que a fundamentaram.”

Por outro lado, compete reforçar que, quando a Súmula Vinculante n.º 2, do STF se refere à inconstitucionalidade de “lei ou ato normativo estadual ou distrital” que disponha sobre loterias ou bingos, está aludindo, obviamente, a ato normativo primário formal e materialmente legislativo (lei) ou materialmente legislativo (decreto autônomo).

A Súmula Vinculante resulta de “reiteradas decisões sobre matéria constitucional” (CF, art. 103-A, caput), quando só os atos normativos primários é que podem ser objeto de controle concentrado ou difuso da constitucionalidade pelo STF, segundo sua própria e assentada jurisprudência.

  Quanto aos atos normativos secundários – decretos regulamentares, instruções normativas, portarias, resoluções – todos se subordinam à lei, não podendo inovar na ordem jurídica.

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“Desse modo, não se estabelece confronto direto entre eles e a Constituição. Havendo contrariedade, ocorrerá uma de duas hipóteses: i) ou o ato administrativo está em desconformidade com a lei que lhe cabia regulamentar, o que caracterizaria ilegalidade e não inconstitucionalidade; ii) ou é a própria lei que está em desconformidade com a Constituição, situação em que ela é que deverá ser objeto de impugnação.”[27]

 Na mesma linha vem decidindo o STF:

“Decreto regulamentar não está sujeito ao controle da constitucionalidade, dado que se o decreto vai além do conteúdo da lei, pratica ilegalidade e não inconstitucionalidade. Somente na hipótese de não existir lei que preceda o ato regulamentar, é que poderia este ser acoimado de inconstitucional, assim sujeito ao controle da constitucionalidade.”[28]

Assim sendo, não estão os Estados-Membros impedidos de editar atos normativos secundários, disciplinando a organização e o funcionamento de suas loterias, inclusive a contratação de obras ou serviços mediante licitação pública e chamamento público para o fomento social, bem como regulamentando os respectivos serviços lotéricos, desde que amparados por leis que não conflitem com a Constituição Federal.

Registre-se que o STF julgou inconstitucional o Decreto n.º 25.723, de 16.11.99, do Executivo fluminense, por entendê-lo um “decreto autônomo” que disciplinava exaustivamente a exploração de bingos no Estado do Rio de Janeiro, cumprindo sublinhar, porém, que esse decreto não revogou, expressa ou implicitamente, o art. 1º do Decreto Estadual n.º 23.299/97, acima referido, uma vez que só cuidava de bingos. Todavia, as demais disposições do Decreto Estadual nº 23.299/97, perderam a sua eficácia, pelo mesmo motivo que levou o STF a declarar a inconstitucionalidade do Decreto Estadual nº 25.723/99, ou seja, regular a exploração de bingos à revelia de legislação federal.

Em idêntico sentido ainda o voto do Min. CARLOS AYRES BRITTO, em ação direta de inconstitucionalidade versando sobre o problema das loterias estaduais:

“A normatização estadual ou distrital de caráter específico pressupõe uma simultânea ou, quando menos, uma anterior legislação de caráter inespecífico. E de autoria, sobremais, da própria esfera de Poder autorizante: a União Federal. Noutros termos, para que o Distrito Federal e os Estados-Membros possam legislar sobre aspectos específicos de um dado sorteio, é preciso que haja uma lei federal complementar que trace o regime jurídico central desse mesmo jogo ou loteria. (...) Aí, por certo, já atribuída uma identidade a cada qual dos jogos e competições, o que sobejar é que pode ser objeto de autorização dita específica, para adaptar a concreta exploração de um determinado sorteio a decisões e estruturação administrativa de cada Estado-Membro ( e aqui é de se lembrar a concreta formação de Conselhos de Administração e Fiscalização, assim como o direcionamento de receitas para custeios desse ou daquele programa governamental)”[29]

   O Min. CELSO DE MELLO, em Reclamação 5716/PE, impetrada pela ARPE – Agência de Regulação de Serviços Públicos Delegados do Estado de Pernambuco, em juízo de estrita delibação, assim decidiu:

“...Vislumbro, assim, ao menos em juízo de estrita delibação, a configuração, na espécie, de uma situação de possível ruptura da harmonia federativa, o que faria incidir a norma inscrita no art. 102, I, “f”, da Constituição.

...

O exame da presente reclamação – como já acentuado - permite vislumbrar aparente situação caracterizadora de conflito federativo, eis que a controvérsia versada na ação civil pública proposta pela União contra a parte ora reclamante, autarquia estadual, envolve, fundamentalmente, discussão sobre o relacionamento normativo entre a União Federal e o Estado de Pernambuco, em contexto de evidente conflituosidade capaz de romper a harmonia e de afetar o convívio institucional no âmbito da Federação brasileira.

...

Sendo assim, e em juízo de estrita delibação, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a suspender, cautelarmente, a eficácia da decisão proferida pelo ilustre magistrado que ora figura como reclamado na presente sede processual (Ação Civil Pública nº 2007.83.00.017870-1, 10ª Vara Federal de Recife/PE, Apenso, fls. 156/166), sustando, ainda, até final julgamento desta reclamação, o andamento de referido processo judicial.”

Outro elemento a amparar a presente legal opinion extraido da ADI 2.847/DF, em que o Eminente Min. CARLOS AYRES BRITTO afirma:

“Se é correto ajuizar que apenas a União pode originariamente legislar sobre essa ou aquela espécie de sorteio (e assim excluí-lo da ilicitude contravencional), não parece verdadeiro, contudo, afirmar que somente ela pode explorá-lo.

(...)

Instituído, ou autorizado que seja um determinado jogo pela pessoa jurídica central da Federação (ainda que por lei ordinária, tão somente) qualquer das duas entidades estatais periféricas (Estado-membro ou Distrito Federal), pode concorrer com ela, União Federal. Pode, no território de cada qual delas, competir com o Governo Central pela preferência dos apostadores”

Prossegue o Ministro fazendo uma distinção basilar: a competência legislativa não induz ao monopólio do jogo pela União Federal. Por conseguinte, os Estados (e do Distrito Federal) possuem competência residual para tratar de suas loterias (art. 25 da CR/88).

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Sobre o autor
Paulo Horn

Presidente da Associação dos Antigos Alunos de Direito da UFRJ - ALLUMNI FND. Mestrando em Direito da Cidade pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro UERJ. Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1990) - FND/UFRJ. Atualmente é Vice-Presidente da Loteria do Estado do do Rio de Janeiro, Autarquia, onde iniciou como chefe da assessoria jurídica em 2007, Vinculada a Secretaria de Estado da Casa Civil do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público. Especialista em Direito do Consumidor, pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, em parceria com a Universidade Estácio de Sá (2004) - EMERJ/UNESA. Especialista em Direito Constitucional, Administrativo e Tributário, pela Universidade Estácio de Sá (2009) UNESA. Exerceu os cargos de Diretor Geral de Administração e Finanças, da Secretaria de Estado de Turismo do Rio de Janeiro - SETUR (2003/2006) e Presidente do Conselho Fiscal da Companhia de Turismo do Estado do Rio de Janeiro - TURISRIO (2005/2007), Diretor Administrativo e Financeiro da Fundação Casa França-Brasil, da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro. FCFB (1995/1999). Membro da Comissão de Direito Constitucional da OAB e do IAB, onde integra a Comissão Especial para Exame dos Projetos de Lei visando à regulação de jogos e entretenimento no Brasil. Membro da Academia de Direito Eleitoral e Político - ABRADEP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HORN, Paulo. Loterias estaduais podem explorar concursos de prognósticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5178, 4 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/60206. Acesso em: 29 mar. 2024.

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