Capa da publicação Aquisição de bens por credenciamento na lei das estatais (Lei 13.303/2016)
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Possibilidade de previsão do instituto do credenciamento pelas normas regulamentares internas das estatais em face do regime da Lei n. 13.303/2016

16/11/2018 às 11:20
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Analisa-se a possibilidade de aquisição de bens pela via do credenciamento no regime de contratações públicas da Lei das Estatais (Lei Nacional nº 13.303/2016).

A Lei nº 13.303/2016 estabeleceu a novíssima sistemática das contratações no âmbito das Estatais. Esta mesma Lei regulamenta o disposto no arts. 22, inciso XXVII, última parte, 37, inciso XXI, bem como o disposto no art. 173, §1º, inciso III, da Constituição Federal[1], lei maior do Estado Brasileiro. Isso significa que a referida Lei é instrumento que promove a plena eficácia do disposto na Carta Magna. 

Pois bem. Percebe-se que há uma nítida intenção dos constituintes originário e derivado de estabelecer uma distinção entre o regime licitatório regente das pessoas jurídicas de direito público interno que têm natureza jurídica eminentemente pública, tais como Administração Direta, Autarquias e Fundações Públicas (encartado na tradicional Lei nº 8.666/1993), e o regime licitatório das pessoas jurídicas que, não obstante pertençam a administração pública, tem natureza jurídica de direito privado: empresas públicas e sociedades de economia mista (estabelecido na Lei 13.303/2016).

O motivo dessa segregação de regimes não é outro senão a necessidade de garantir maior flexibilização, gerencialismo e eficiência nas relações comerciais travadas pelas empresas públicas e sociedade de economia mista, em face de sua natureza de direito privado, conforme cristalinamente disposto no art. 173, §1º, inciso II, da CF/1988[2]. Entretanto, o constituinte não abriu mão de que na preparação e na celebração dessas relações comerciais observem-se os princípios regentes da Administração Pública. Em síntese: há uma hibridez de regimes, porém, a prevalência, no caso das estatais, é da natureza privada.

Essas explanações iniciais servem para descortinar a característica mais evidente da nova legislação das estatais: mais eficiência e menos entraves burocráticos. De tal sorte, considerando que o novo regime licitatório e contratual das estatais torna as condições pré-contratuais, contratuais e pós-contratuais mais flexíveis e menos engessadas, não é nenhum despautério afirmar que há uma relativa liberdade concedida às estatais no sentido da regulamentação interna dos dispositivos da Lei nº 13.303/2016. Isso porque o art. 173, §1º, inciso III, da CF/88, a nosso ver, impõe tão somente a condição de que sejam respeitados os primados regentes da Administração Pública, com nobre escopo de evitar desvirtuamento da gestão das estatais.

Nesse sentido, observa-se que o art. 40 da referida Lei dispõe que “As empresas públicas e as sociedades de economia mista deverão publicar e manter atualizado regulamento interno de licitações e contratos, compatível com o disposto nesta Lei, especialmente quanto a: IV – Procedimentos de licitação e contratação direta” (Destacamos). De outro giro, o Decreto Federal regulamentador da lei das estatais (Decreto nº 8.945/2016), reforça esse entendimento aqui defendido em seu art. 71, §1º, reiterando que o regulamento disporá sobre os institutos não autoaplicáveis da Lei nº 13.303/2016.

Aqui cabe interpretação gramatical, lógica e também teleológica: diferentemente do regime de licitações e contratos absolutamente público (Lei 8.666/1993), a deontologia do art. 40 da lei regente das estatais apresenta permissão para cada estatal regulamentar internamente sua gestão de licitações e contratos, obviamente não se apartando das diretrizes da referida lei e da Constituição Federal.

Perceba-se que o rol dos incisos do referido art. 40 não é taxativo, uma vez que o caput traz o advérbio de modo “especialmente”, cuja semântica contextual é a de que outros institutos podem ser acrescidos, desde que compatíveis com o regime legal posto. Sendo assim, é possível afirmar que o regulamento interno de licitações e contratos possa prever o instituto do credenciamento.

Nos termos do disposto no inciso IV do Anexo I da Instrução Normativa SLTI/MP 05/2017, entende-se por credenciamento o ato administrativo de chamamento público destinado à pré-qualificação de todos os interessados que preencham os requisitos previamente determinados no ato convocatório, visando futura contratação, pelo preço definido pela Administração. Ou seja, é modelo de contratação pública na qual há um fator excludente de qualquer possibilidade de disputa entre os fornecedores, a exemplo de valor referenciado por órgão oficial.

 Embora a Lei nº 13.303/2016 não mencione expressamente o credenciamento, este instituto é espécie de inexigibilidade de licitação[3], nos termos do art. 30 da referida lei, pois não há nenhuma viabilidade de competição. Portanto, em face do art. 40, inciso IV, é possível que o regulamento de determinada estatal trate do credenciamento, com liberdade relativa, observados os axiomas da Administração Pública e as diretrizes da norma hierarquicamente mais elevada (Lei das Estatais).

Legitimando o entendimento aqui articulado, citemos a doutrina de Ronny Charles e Dawilson Barcelos[4], in verbis:

A Lei nº 13.303/2016 parece ter optado, em nossa opinião, de maneira correta, por conferir maior liberdade às estatais para regulamentar as disposições gerais de licitações às suas especificidades. Nesse prumo, a referida Lei permite (determina) que as empresas públicas e as sociedades de economia mista publiquem e mantenham atualizado regulamento interno de licitações e contratos “compatíveis com aquilo por ela disposto.

Ao definir que o regulamento seja compatível com a disciplina legal, a lei admite que ele, desde que respeitando as bases estabelecidas pela lei e seus princípios básicos, possa adequar-se às necessidades da estatal. Essa liberdade se amplia, quando compreendido que o regime licitatório da Lei das estatais estabeleceu um modelo (ou modalidade) flexível e não possui formato tão detalhista como a Lei nº 8.666/1993.

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Ademais, considerando que no novo regime de contratações das estatais as relações contratuais deslocam-se para o caráter privado, é possível aplicar, com a devida moderação, o primado da autonomia da vontade: para que a finalidade e o escopo institucional da Estatais sejam alcançados, pode-se realizar os atos que a lei não proíbe. É dizer: desde que respeitadas as bases gerais da lei nº 13.303/2016, não havendo proibição expressa, é possível a realização de ato negocial/gerencial não expressamente proibido pelas normas regentes.

Com efeito, considerando que não há qualquer proibição legal ou normativa que impeça a utilização do credenciamento para a aquisição de bens[5], e tendo em vista a plasticidade normativa da Lei nº 13.303/2016, abre-se verdadeiro espaço para interpretação ampliativa, no sentido de se admitir que compras ou outra forma de aquisição de bens possam ser realizadas a partir do credenciamento de fornecedores interessados e habilitados.

Portanto, ante tudo que foi exposto, e em conclusão, reiteramos categoricamente que é plenamente possível a utilização do credenciamento para aquisição de bens no âmbito das estatais, sob a ótica da nova sistemática legal e institucional de contratações de tais entidades.

É o Parecer. 


Notas

[1] CF/1988, art. 173, §1º, inciso III: § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da Estatais, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública.

[2] 173, §1º da Constituição Federal: “§ 1º, inciso II: “A lei estabelecerá o estatuto jurídico da Estatais, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:  II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

[3] “É regular a utilização do credenciamento em casos cujas particularidades do objeto a ser contratado indiquem a inviabilidade de competição, ao mesmo tempo em que se admite a possibilidade de contratação de todos os interessados em oferecer o mesmo tipo de serviço à Administração Pública”. (TCU, enunciado do Acórdão 1545 – Plenário, Relator: Aroldo Cedraz).  

[4] Barcelos, Dawilson. Torres, Ronny Charles L. de. Licitações e Contratos nas Empresas Estatais: regime licitatório e contratual da Lei 13.303/2016. Salvador: Jus Podivm, 2018, p. 267.

[5] Importa informar que, sob o manto da Lei nº 8.666/1993, a Jurisprudência do TCU é avessa à aquisição de bens pela via do credenciamento. Tal método pré-contratual é admitido pela Corte de Contas federal apenas para a contratação de prestação de serviços. Nesse sentido, o Acórdão 1.738/2017 – 1ª Câmara, Relator, Min. Bruno Dantas. Entretanto, tal jurisprudência em nada afeta as contratações realizadas sob a égide da Lei nº 13.303/2016, uma vez que, como reiterada e exaustivamente já mencionamos, é outro regime, outra visão, outro diploma incompatível com o regime da Lei 8.666/1993. De tal sorte, qualquer juízo restritivo do TCU ou de qualquer outro órgão de controle tornou-se, no atual estado de coisas, irrelevante e obsoleto quanto se tratar de contratações no âmbito das Estatais.

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Sobre o autor
Antonio Sabino da Silva Filho

Advogado inscrito na OAB/BA sob o nº 3.2569, atuando na advocacia privada e Pública (advogado e Chefe do Setor Jurídico da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares - EBSERH). Servidor público federal há mais de 10 anos, Pós-Graduado em Gestão Pública, palestrante e consultor na áreas de direito administrativo disciplinar, licitações, contratos e convênios na região do Vale do São Francisco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA FILHO, Antonio Sabino. Possibilidade de previsão do instituto do credenciamento pelas normas regulamentares internas das estatais em face do regime da Lei n. 13.303/2016. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5616, 16 nov. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/69467. Acesso em: 24 nov. 2024.

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