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ACP para impedir prédio desobedecendo ao plano de urbanização

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01/06/1999 às 00:00
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DA AFRONTA DO EMPREENDIMENTO AOS PRINCÍPIOS DA LEI MUNICIPAL DA OPERAÇÃO URBANA FARIA LIMA

Como primeira ilegalidade, devemos ressaltar o nítido afastamento da Comissão Normativa de Legislação Urbanística não apenas dos princípios da Lei Municipal nº 11.732 de 14 de março de 1995, mas dos mais comezinhos princípios de direito.

Ora, ao estabelecer a lei municipal a competência da CNLU para analisar os casos de pedido de aprovação de obras com base na operação urbana "Faria Lima", está claro que está concedendo um poder discricionário a essa comissão. Todavia, o poder discricionário não se confunde com arbítrio e com o afastamento de todo e qualquer princípio legal. É preciso que o Poder Público, no uso da discricionariedade, observe o interesse público e tome decisões dentro do escopo da lei que lhe conferiu esse poder discricionário.

Nesse sentido, permitimo-nos reproduzir a definição de discricionariedade do Prof. Celso Antonio Bandeira de Melo(6):

"Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair, objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente"

Assim, é evidente que a discricionariedade possui certos limites para que seja exercida (o cumprimento do dever de adotar a solução mais adequada), sendo certo que, uma vez ultrapassados esses limites, não há mais discrição, e sim desvio de finalidade, o que significa evidente afastamento do interesse público. O Prof. Bandeira de Melo prossegue em seu magistério, expondo com clareza quais são esses limites(7):

"Assim, a discricionariedade existe, por definição, única e tão-somente para proporcionar em cada caso a escolha da providência ótima, isto é, daquela que realize superiormente o interesse público alvejado pela lei aplicanda. Não se trata, portanto, de uma liberdade para a Administração decidir ao seu talente, mas para decidir-se do modo que torne possível o alcance perfeito do desiderato normativo. Logo, para verificar-se se o ato administrativo se conteve dentro do campo em que realmente havia discrição, isto é, no interior a esfera de opções legítimas, é preciso atentar para o caso concreto. Esta esfera de decisão legítima compreende apenas e tão-somente o campo dentro do qual ninguém poderá dizer com indisputável objetividade qual é a providência ótima, pois mais de uma seria igualmente defensável. Fora daí não há discrição.

Com efeito, considerada cada situação com sua fisionomia e coloração específicas, poder-se-á, algumas vezes, verificar que a satisfação de finalidade normativa reclamaria, para além de qualquer dúvida possível, unicamente o ato "A" e não o ato "B"; o deferimento de cada pretensão e não seu indeferimento, ou vice-versa. Vale dizer: haverá casos em que pessoas sensatas, equilibradas, normais, serão todas concordes em que só um dado ato – e não outro – atenderia à finalidade da lei invocada; ou, então, assentirão apenas em que, de todo modo, determinado ato, com certeza objetiva, não a atenderia. Segue-se que, em hipóteses desse jaez, se a Administração agir de maneira inversa, evidentemente terá descumprido a finalidade legal"

Partindo de tais considerações, acerca da possibilidade de controle jurisdicional dos atos que extrapolam a discricionariedade, assim conclui o insigne Professor(8):

"Donde – e este é o ponto a que quis chegar ao cabo de tudo o que foi exposto – em quaisquer outros casos nos quais a mente humana possa acordar em que diante do caso concreto uma só conduta era razoavelmente admissível para satisfazer a finalidade legal, só ela poderá ser validamente adotada, nada importando que a norma haja conferido liberdade para o administrador praticar o ato tal ou qual, pois se a lei exige a adoção de providência ótima, não basta que seja apenas uma dentre as abstratamente comportadas nela. Disto decorrerá então, evidentemente, o reconhecimento de que o administrado pode buscar provar tal fato"

Finalmente, acerca do papel do Poder Judiciário, conclui taxativamente o jurista(9):

"Assim, é óbvio que o Poder Judiciário, a instâncias da parte, deverá invalidar atos que incorram nos vícios apontados, pois nesses casos não há realmente discrição, mas vinculação, ou a discrição não se estende até onde se pretendeu que exista, já que – repita-se – discricionariedade é margem de liberdade que efetivamente exista perante o caso concreto."

João Roberto Santos Régnier faz considerações que apontam no mesmo sentido, criticando com contundência os que entendem serem os atos administrativos ditos discricionários não passíveis de qualquer controle por parte do Poder Judiciário(10):

"Com efeito, não se pode aceitar que, sendo assim, pretenda-se, em nome da cultuada discricionariedade administrativa, inibir a eficácia jurídica de sorte a colocar tais situações – como, por consequência, a ação do administrador público – ao largo da análise jurisdicional porque os aspectos subjetivos de avaliação circunstancial (decisão e deliberação) em certo momento, apresentem-se logicamente inacessíveis, sob pena de sobrevir substituição da vontade em formação.

A mais de tanto, pode-se dizer que, pela discricionariedade administrativa, na verdade cultua-se não o Direito, mas, alegoricamente, a lei; assim, curiosamente, a possibilidade do arbítrio e da impunidade.

Ora, jamais deveria ter havido, hoje muito menos deve haver – governamental que seja, e principalmente governamental –, ação livre de responsabilidade. E essa, no Brasil, quando necessária sua fixação, somente pode ser buscada, verificada e cumpridamente dosada através da prestação jurisdicional."

Portanto, a discricionariedade deve ser entendida como a obrigação, por parte do Poder Público, de adotar a melhor solução em determinado caso concreto, e tal poder é conferido pela impossibilidade do legislador prever de antemão qual a solução de acordo com o interesse público face à determinadas situações fáticas. Jamais a discricionariedade pode ser confundida com um "cheque em branco", para que o detentor desse poder possa agir da maneira que bem entender e afastar-se por completo do interesse público, interesse esse que é a razão de ser da existência dos Poderes constituídos.

No caso em tela, à luz do magistério do Prof. Bandeira de Melo acima reproduzido, e levando-se em conta os objetivos da lei da Operação Urbana Faria Lima, fica nítida a extrapolação, por parte da CNLU, dos limites da discricionariedade e da afronta aos mais comezinhos princípios de bom senso, limites e princípios esses que podem e devem ser controlados pelo Poder Judiciário. Demonstradas tais inadequações entre o espírito da lei e o interesse público e a aprovação da construção pretendida, resta evidente a necessidade de anulação da aprovação da obra em questão. Passemos a tais inadequações:

A primeira inadequação é evidente: a Lei da Operação Urbana Faria Lima visava criar condições para que os imóveis da região possuíssem um padrão urbanístico mais adequado à nova realidade, em face da construção da Nova Avenida Faria Lima. Algumas diretrizes da Operação Urbana Faria Lima, expostas no art. 5º da Lei Municipal mencionada, deixam claros tais objetivos.

Para ficarmos apenas em alguns exemplos, devemos mencionar que o inciso II do art. 5º, por exemplo, mencionando tais diretrizes, prevê a abertura de espaços de uso público, compatíveis com a dinâmica de desenvolvimento de áreas de lazer e circulação, o inciso III prevê a criação de condições ambientais diferenciadas que visem promover a valorização da paisagem urbana e melhorar a infra estrutura e a qualidade ambiental, o inciso X prevê a criação de áreas verdes e ciclovias, etc.

Ora, a criação de áreas de lazer, espaços abertos ao público, áreas verdes, etc., é evidentemente incompatível com a aprovação de obras de grande porte, geradoras em potencial de trânsito elevado, utilização diferenciada da infra estrutura urbana, e diversos outros males urbanos que já foram abordados no tópico acerca da legitimidade ativa. É evidente que esse tipo de obra impossibilita ou torna inócua as áreas de lazer previstas na lei. Ressalte-se que, como lembra o Prof. Michel Themer, a lei não possui palavras inúteis, e portanto as diretrizes do art. 5º da Lei Municipal em questão devem obrigatoriamente ser levadas em conta pela CNLU.

Além disso, como segunda afronta ao interesse público podemos mencionar que a lei municipal em questão prevê a criação de três áreas "diretamente beneficiadas" e uma área "indiretamente beneficiada" pela Operação Urbana, sendo evidente que as obras de maior porte justificam-se nas áreas diretamente beneficiadas, cuja influência das mudanças viárias da região é mais acentuada, enquanto que, nas áreas indiretamente beneficiadas (vale dizer, indiretamente atingidas pelas mudanças urbanas da região), a influência é menor. Trata-se de uma conclusão evidente do que se pode depreender da lógica da Lei da Operação Urbana Faria Lima.

No caso dos autos, a obra realiza-se indubitavelmente em área "indiretamente beneficiada", vale dizer, indiretamente atingida pelas mudanças viárias da região. Ora, a simples consulta ao mapa em anexo, ou o mínimo de conhecimento do local, mostra a enorme distância entre a Rua Hungria e a Avenida Nova Faria Lima, e a lei municipal em questão assim o reconhece, ao definir a região como "indiretamente beneficiada". Se mudanças urbanas houveram na Rua Hungria decorrentes da construção da Avenida Faria Lima, tais mudanças são pequenas e indiretas!!!!

Nesse ponto, e aí há indubitável afastamento do interesse público, deve-se observar que a obra foi autorizada no coeficiente máximo permitido para o local e com a taxa de ocupação máxima. Com efeito, o art. 14, III e IV, alínea "a" da Lei da Operação Urbana em questão, aplicável às áreas indiretamente beneficiadas por força do art. 16 da mesma Lei, assim deixa explicitado.

"III – Para qualquer lote com área superior a 1.000 m2 (mil metros quadrados), será concedido, de forma onerosa, o aumento do potencial construtivo do lote, estabelecido na legislação vigente de uso e ocupação do solo, acrescido, quando for o caso, dos incentivos dos incisos I e II deste artigo, até atingir o índice máximo de 4 (quatro) vezes sua área, desde que atenda às demais exigências da legislação vigente e às disposições complementares estabelecidas no artigo 15 desta Lei;

IV – Para lotes com área superior a 1.000 m2 (mil metros quadrados), além do benefício constante no inciso II deste artigo, e desde que atendidas suas exigências, serão concedidos, de forma onerosa, mais os seguintes benefícios;

a) aumento da taxa de ocupação para uso comercial e de serviços até o limite de 70% (setenta por cento) da área do lote;".

Portanto, a obra foi aprovada com o coeficiente de aproveitamento máximo e com a taxa de ocupação máxima em local definido pela lei como indiretamente atingido. Como justificar a aprovação de uma obra com índices urbanísticos máximos, que seria justificável apenas em local onde a mudança urbana foi máxima, num local onde nitidamente a mudança urbana foi mínima, local esse que a lei classifica como indiretamente atingido?

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Há uma terceira inadequação entre o empreendimento e o interesse público: a própria CNLU, na mesma região do local da obra, havia aprovado até o momento, apenas, a instalação de atividades comerciais de pequeno potencial de degradação urbana, tais como escritórios, consultórios etc (Z8-CR1-II). Até o momento referida Comissão não havia, ainda, quebrado a horizontalidade do bairro!!! A existência desse precedente fica bastante clara no parecer do conselheiro da CNLU, Dr. Alberto R. Botti emitido em outro processo administrativo (1996-0.029.558-1), que pedimos vênia para transcrever trecho (doc. 19):

"O magnífico trabalho elaborado pela equipe técnica da SEMPLA nos processos 13-000-211-96*80 e 13-000-204-96*14, estabelecendo condições especiais de uso para os lotes de Z1-012 e Z1-013 contidas nas áreas indiretamente beneficiadas pela Lei 11.732, representa sem dúvida a solução inteligente e correta para, sem prejuízo da preservação necessária das mencionadas zonas, permitir usos alternativos que atendam aos princípios da Lei.

Assim, a proposta formulada e já aprovada no caso do processo 13-000-204-96*14, qual seja: na equiparação das características do uso e ocupação do solo vigentes para os corredores Z8-CR1-II deve em nosso entender ser aprovada por esta Comissão, como parâmetro de uso nas áreas indiretamente beneficiadas, representadas pelas Z1-012 e Z1-013 mencionadas"

Como se vê, através da solução já adotada pela CNLU em caso semelhante ao presente, não houve a necessidade de "engessar" ou "congelar" o bairro, pois há a possibilidade de aprovação de determinados critérios urbanísticos sem prejuízo da qualidade de vida dos moradores da zona 1 e de toda a cidade de São Paulo. Porque no caso em tela a CNLU entendeu conveniente quebrar esse precedente?

Mas não é só

A quarta inadequação da aprovação da obra ao interesse público diz respeito ao verdadeiro absurdo que representa a construção de uma obra desse tipo em plena zona 1. Novamente transcrevemos trecho do parecer do ilustre conselheiro da CNLU, Dr. Alberto R. Botti, acerca da importância de tais locais para a cidade de São Paulo:

"As zonas Z1 representam sem dúvida um dos últimos redutos de preservação de uma cobertura arbórea bastante importante, chegando mesmo a provocar micro-climas, constituindo-se assim num dos últimos pulmões verdes que restam em São Paulo.

A lenta destruição das áreas verdes de preservação do sul – Guarapiranga -, agora acelerados pelo reconhecimento dos órgãos públicos estaduais – como amplamente noticiado – de sua incapacidade em encontrar alternativas que pudessem deter o fenômeno, vem tornar ainda mais aguda a necessidade de preservação das citadas Z1"

Na mesma esteira de entendimento, o Prof. José Afonso da Silva fornece importante magistério acerca da necessidade de critério para a alteração de zoneamento(11):

"A alteração do zoneamento é medida que se impõe com frequência, quer porque durante sua execução se perceberam desvios ou inadequações, que precisam ser corrigidas, quer porque a dinâmica urbana exige a revisão periódica das normas e atos de zoneamento geral do Município. Recomenda-se, nessas alterações, muito critério, a fim de que não se façam modificações bruscas entre o zoneamento existente e o que vai resultar da revisão. É preciso ter em mente que o zoneamento constitui condicionamento geral à propriedade, não indenizável, de tal maneira que uma simples liberação inconseqüente ou um agravamento menos pensado pode valorizar demasiadamente alguns imóveis, ao mesmo tempo que desvaloriza outros, sem propósito. É conveniente que o zoneamento resulte da revisão ou da alteração constitua uma progressão harmônica do zoneamento revisado ou alterado, para não causar impacto, que, por sua vez, geram resistências que dificultam a implantação e execução. É prudente avançar devagar, mas com firmeza, energia e justiça."

Ora, a zona 1, que nitidamente beneficia não apenas seus moradores, mas toda a coletividade da cidade de São Paulo, fica claramente ameaçada no caso dos autos, onde se pretende a construção de um edifício que quebra totalmente a horizontalidade do local, protegida por lei e motivo pelo qual muitos dos moradores pagaram mais caro por seus imóveis para gozar a qualidade de vida de que gozam.

Finalmente, há uma quinta incongruência entre a aprovação da obra e o interesse público: o trânsito que será gerado pela obra e que não pode ser comportado pelas Marginais do Rio Pinheiros.

Com efeito, por ocasião das dicussões do projeto, compareceram dois técnicos da CET e emitiram parecer verbal acerca do mesmo no que diz respeito ao tráfego de veículos. Segundo esses respeitáveis técnicos, a capacidade máxima de veículos suprotáveis na Marginal é de 5.000 veículos/hora, ou seja, 1000 veículos/hora por pista. Atualmente, ainda segundo a CET, a Marginal Pinheiros está recebendo um fluxo de 4.800 veículos/hora, havendo portanto uma folga de apenas 200 veículos/hora na capacidade viária do logradouro público em questão. Um único prédio que fosse construído na região ocuparia essa folga, mas graças à esdrúxula e inoportuna "Resolução" da CNLU, supra citada, há mais quatro projetos de edifícios possivelmente a serem protocolados para tramitar em referida Comissão. Além disso, um Shopping Center está sendo construído na região (Shopping Vila Lobos), e um hotel está com seu projeto já tramitando nos órgãos competentes da Prefeitura.

O técnico da CET que emitiu o parecer durante as reuniões da CNLU para examinar e dar parecer quanto ao caso ora em exame, sendo membro efetivo daquela Comissão, afirmou que tais novas construções de prédios na Rua Hungria (Marginal Pinheiros – pista local) no trecho da Z1 – Jardim Paulistano, só deveriam ser permitidas caso 2 (duas) novas faixas de rolamento, uma na pista expressa, junto ao rio e outra na pista local, fossem acrescidas. Se somarmos a isso o acréscimo de tráfego a ser trazido pelo Shopping Center Villa Lobos e pelo hotel mencionado a ser construído no estacionamento do Shopping Eldorado, aquele dentro do raio de influência do empreendimento (que é tecnicamente definido como de 8 Km), e este situado ao lado, em terreno justaposto a Z1 do Jardim Paulistano, como bem acentuavam os técnicos da CET, o trânsito já congestionado no entorno da ponte Eusébio Matoso ao lado da qual fica o Shopping eldorado ficará paralisado por muito mais tempo do que já está ocorrendo. Sendo a Marginal Pinheiros a segunda via estrutural mais importante da metrópole paulistana e sendo a área no entorno da ponte Eusébio Matoso, um nó viário dos mais importantes ao articular a Av. Francisco Morato com a Av. Rebouças através da Av. Eusébio Matoso, e ao constituírem-se essas vias de acesso em vetores de tráfego dos mais importantes direicionados ao centro, situado na região dos Jardins e da Av. Paulista, como ao próprio Centro Histórico, é possível aquilatar-se o prejuízo de tais adensamentos para a vida econômica, social e cultural da cidade.

Ora, apenas um hotel como o mencionado (Hotel Eldorado) já é mais do que suficiente para ultrapassar a pequena folga de 200 veículos/hora mencionada pelos técnicos da CET. Aliás, o próprio crescimento natural da região já seria suficiente para tal "estouro".

Diante disso, prosseguindo nessa lógica selvagem, irracional e predatória, alguns já propõem a construção das duas pistas adicionais na Marginal, a fim de permitir o fluxo adicional decorrente dessas obras e construções. Ora, não bastam sugestões de que tais vias sejam feitas para que se considerem as mesmas como fatos concretos e reais. É preciso que sejam aprovadas tais diretrizes em um Plano Diretor para a cidade, como determina a Constituição Federal em seu art. 182. Nada disso está feito e muito menos tais diretrizes constam da proposta de Plano Diretor enviada pelo Poder Executivo Municipal, no início de 1998, ao exame da Câmara Municipal.

Além de não constarem tais pistas adicionais nem das propostas de planos viários legalmente aprovadas, não existem recursos destinados a tais obras. Os recurso obtidos com a venda de direito de construir, até agora da ordem de 40 milhões de reais, não chegaram nem a pagar a abertura da expansão por 4 Km da Avenida Faria Lima, que custou cerca de 40 milhões de reais. Não se pode alegar portanto que a própria Operação Urbana dá condições financeiras para que tal extensão seja implantada.

Ora, diante de tudo isso, é evidente que essa "solução" de construção de duas pistas na verdade nada soluciona de definitivo quanto ao tráfego. Só uma ampliação do sistema de transporte coletivo e um adequado remanejamento da Lei de Zoneamento em sentido restritivo poderá alcançá-lo. Por outro lado, tais novas pistas, se fossem construídas, iriam agravar o problema de enchentes da região em decorrência da maior proximidade entre a via pública e o rio, ao promover maior impermeabilização do solo. Além disso, repugna aos mais elementares princípios democráticos que se gaste dinheiro público para aumentar a capacidade da Marginal Pinheiros (o que certamente teria preço astronômico, pois não há espaço físico sobrando que permitisse se construir essas duas pistas adicionais a não ser por imenso viaduto sobre os trens que por ali passam entre as pistas existentes e o rio Pinheiros) apenas para que alguns tenham o direito de gerar trânsito através de empreendimentos de necessidade bastante duvidosa. É óbvio que a solução correta seria uma racional ocupação do solo e o desenvolvimento de um transporte coletivo de qualidade, capaz de retirar os automóveis das ruas, como por exemplo uma rede de metrôs.

No caso em tela, a CNLU possui os instrumentos para promover essa ocupação racional do solo urbano, que seria o de restringir ao máximo usos geradores de tráfego por automóvel, como defende a entidade autora, mas ao invés disso prefere extrapolar seu poder discricionário para proteger interesses privados predatórios em detrimento da qualidade de vida da população.

Infelizmente, o parecer dos técnicos da CET foi prestado oralmente na reunião da CNLU em que houve a aprovação contestada na presente lide. Todavia, caso os réus neguem a veracidade desse parecer, a autora poderá produzir prova nesse sentido, no curso da instrução processual.

Portanto, resumidamente, fica claro que não há justificativa possível para a aprovação de obra com índices urbanísticos máximos, em área indiretamente atingida, em uma zona horizontal e estritamente residencial, em nítido desacordo com as diretrizes fixadas em lei, com produção de trânsito acima do que a cidade pode suportar e com precedentes do próprio órgão que aprovou tal obra em sentido contrário!!! A extrapolação da discricionariedade é evidente e comezinha.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRAMEGNA, Marcus Vinicius. ACP para impedir prédio desobedecendo ao plano de urbanização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16011. Acesso em: 23 abr. 2024.

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