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ACP sobre nulidades de cláusulas de contrato de financiamento agrícola

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Cláusula de Assistência Técnica


  • Lei 8.171 de 17.01.1991

           Constam, ainda, nos instrumentos contratuais, cláusulas que atribuem aos mutuários o pagamento de assistência técnica a empresas escolhidas e conveniadas ao banco mutuante. Na espécie, figura na relação contratual a empresa PLANATEC, sendo expresso no instrumento contratual o valor do percentual a ser pago à referida empresa que presta serviços ao banco acionado e com ele mantém convênio.

           Esta, a exemplo de tantas outras cláusulas, é abusiva de acordo com o Código do Consumidor, eis que transfere o banco responsabilidade a terceiros de sua confiança, estabelecendo, unilateralmente preços de serviços a serem suportados pelos mutuários.

           Todavia, o que mais impressiona é o fato da lei agrária ter dispositivo específico a este respeito:

           Lei 8.171, de 17/01/91

           Art. 17 - O Poder Público manterá serviço oficial de assistência técnica e extensão rural, sem paralelismo na área governamental ou privada, de caráter educativo, garantindo atendimento gratuito aos pequenos produtores e suas formas associativas, visando...

           Apesar da cláusula afirmando que o atendimento governamental é gratuito, o Banco do Brasil determina contratualmente que o mutuário pague até 2% ( dois por cento ) para a PLANATEC a título de assistência técnica.

           Qualquer valor pago a este título é injusto e ilegal.



Preços Mínimos e Armazenamento


  • Lei 8.174, de 30.01.91

           A política de preços mínimos decorrente da lei 4.504 de 30.11.64 estabelece no artigos 85 e seus parágrafos, que:

           a fixação dos preços mínimos deverá ser feita no mínimo sessenta dias antes da época do plantio em cada região e reajustados, na época da venda, de acordo com os índices de correção fixados pelo Conselho Nacional de Economia.

           Os parágrafos primeiro e segundo do dispositivo referido determinam os fatores a serem considerados para a fixação do preço mínimo e consistem esses fatores no custo efetivo da produção, acrescidos do transporte para o mercado mais próximo e a margem de lucro do produtor, que não poderá ser inferior a trinta por cento (30%).

           A política do governo federal nos últimos anos simplesmente proibiu qualquer espécie de lucro na lavoura nacional. Não bastasse isto, a fixação de critérios irreais para a fixação do preço mínimo, há muito vem trazendo prejuízos vultosos aos agricultores.

           O Banco do Brasil igualmente insere no valor de seus "adicionais" um percentual destinado a armazenagem do produto. A este respeito, veja-se o que estabelece a legislação em vigor:

           Lei 4.504/64

           Art. 85, § 2º - as despesas de armazenamento, expurgo, conservação e embalagem dos produtos agrícolas correrão por conta do órgão executor da política de garantia de preços mínimos, não sendo dedutíveis do total a ser pago ao produtor.

          

Multas Estabelecidas nos Contratos de Crédito

           Os contratos de acesso ao crédito rural estabelecem multas por inadimplência e multas em decorrência da mora. Nas duas situações as multas são fixadas, cumulativamente, contra texto expresso do artigo 71 do Decreto Lei 167/67.

           O instituto jurídico da multa, que decorre da lei exige para a sua configuração a mora, instituto este de direito civil conceituado no artigo 955 do Código Civil que afirma: "considera-se em mora o devedor que não efetuou o pagamento, e o credor que não o quiser receber no tempo, lugar e forma convencionados". No artigo 963 do mesmo diploma legal é expresso que "não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora".

           Na espécie, a abusividade das cláusulas contratuais constituem elementos inerentes à relação obrigacional condicionantes ao não pagamento, sob pena de enriquecimento ilícito do banco acionado e ruína do mutuário. Assim, ao rigor da lei nenhum mutuário pode sofrer a penalidade da multa de 10% pelo simples decurso do prazo sem o pagamento do crédito rural contraído, eis que à obrigação principal encargos acessórios absolutamente nulos se acrescem por culpa exclusiva do credor, o que é constatável à leitura das cláusulas contratuais. A dívida nesse caso é ilíquida e a culpa inexistente, razões pelas quais a multa é indevida.

           Não cabe supor que o Banco do Brasil, histórico implementador do crédito rural, desconheça a legislação específica a essa modalidade de crédito, como o Decreto 167/67 que ele próprio cita nos contratos de adesão firmado com os mutuários. Conhecendo, então, a legislação, é de questionar-se por que o Banco do Brasil, cumula indevidamente multas de 10% pelo atraso de qualquer pagamento e pela inadimplência, ciente de que são inacumuláveis esses percentuais a título de multa?

           Por que uma instituição do porte do Banco do Brasil cumula indevidamente correção monetária e comissão de permanência, quando tem o dever legal de conhecer o direito sumulado contra esta prática abusiva?

           E estes questionamentos poderiam desdobrar-se, ainda, a respeito das cláusulas de juros remuneratórios e moratórios, inadimplência, depósito, taxa referencial e tantas outras reiteradamente julgadas ilegais e que permanecem insertas nos contratos padronizados do crédito agrícola.

           Em sendo o contrato eivado de ilegalidades certo é que a mora atribuída aos mutuários decorre, na realidade, das práticas contratuais abusivas levadas a efeito pelo próprio banco. A resistência do banco acionado à legalidade das cláusulas contratuais faz imprescindível a atuação do Poder Judiciário, compelindo-o ao cumprimento da lei, especialmente as que regem o Crédito Rural, a Lei de Repressão contra a Ordem Econômica e o Código do Consumidor.

          

Indenização. Perdas e Danos. Planos Econômicos.

           Pretende também o Sindicato autor que os integrantes de sua categoria obtenham sentença declaratória dos percentuais corretos referente aos meses de janeiro de 1989, março e abril de 1990, com a finalidade de expurgar dos contratos não quitados os valores indevidos registrados a este título e, de outro lado, a condenação do banco acionado a indenizar os agricultores e agro-industriais que já efetivaram o pagamento dos contratos indexados em percentuais superiores aos efetivamente devidos.

           Com efeito, na aplicação dos indexadores, houve-se o banco acionado em acrescer no mês de janeiro de 1989 em todos os contratos agrícolas no estado do RS. o percentual de 70,28%, quando o índice de correção monetária a ser adotado em relação ao aquele mês é de 42,72%, ou o fator 1,4272.Nesse sentido a decisão publicada na Revista Jurídica do mês de maio de 1995, às páginas 140/143:

           Crédito Rural. Decidiu a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que o índice de correção monetária a ser adotada com relação ao mês de janeiro de 1989 é de 42,72%, ou fator 1,4272.

           Idêntico fenômeno se deu na contratualidade quanto ao mês de março de 1990. Naquele mês os preços agrícolas tiveram um reajuste de 41,28% e os contratos foram indexados com o percentual de 84,32%. Decisões publicadas recentemente atestam que o Superior Tribunal de Justiça adotou posicionamento, segundo o qual os contratos agrícolas para o mês de março de 1990 devem ser corrigidos usando o BTN e não o IPC, conforme ementa a seguir:

           ...em assim sendo o fator de atualização para o mês de março de 1990, inobstante os fundamentos aduzidos na sentença, entendendo ser aplicável o IPC, outro não pode ser aquele estabelecido pelo btn, na ordem de 41,28%, que era o indexador oficial, plenamente aplicável para os financiamentos rurais.

           ora, se para a generalidade dos casos que devem merecer atualização monetária o indexador é o btn, diferente não pode ser para também em relação aos créditos oriundos do financiamento rural. e, na medida em que o indexador deve ser o btn e observado que a variação ocorrida no mês de março de 1990 foi de 41,28%, deve ser o fator de atualização monetária para aquele mês (19)

           Para melhor elucidar a posição dos agricultores e agro-industriais, vale afirmar que existem nessa situação de contratos indexados duas categorias: aqueles que não efetuaram os pagamentos e ainda estão em débito para com o Banco acionado em razão desses indexadores indevidos e os que já efetuaram os pagamentos nesses percentuais altíssimos e pretendem a devolução das importâncias pagas indevidamente, a maior. Para os primeiros basta a sentença declaratória do percentual a ser aplicado nos contratos quanto aos meses de janeiro de 1989 e março de 1990, o que reduzirá significativa parcela da dívida contraída, podendo, inclusive, oportunizá-los à securitização. Para os segundos, faz-se indispensável a condenação do banco à indenização dos valores cobrados ilegalmente.



Concessão de Medida Liminar


  • Do fumus boni Juris e do Periculum in mora

           Pretende a autora provimento jurisdicional a ser concedido liminarmente no sentido de suspensão das cláusulas abusivas estatuídas nos contratos agrícolas e de crédito rural até o julgamento final da ação promovida.

           Para a concessão da liminar entende ter demonstrado a conjugação dos requisitos indispensáveis ao deferimento da medida, realçando amplamente a aparência do bom direito através da farta jurisprudência e da amplitude legislativa que conforta o assunto.

           O Periculum in Mora decorre do prejuízo em potencial, -- danos morais e patrimoniais, -- a que estão sujeitos os agricultores, agro-industriais e pecuaristas gaúchos, sofrendo nas mais diversas cidades o assédio constrangedor do banco acionado no sentido de pagamento de débitos decorrentes dos contratos rurais, com ameaças de prisão e tendo seus nomes escritos nos cadastros negativos de inadimplentes , em razão dos débitos contraídos para custeio e investimento agropecuário.

           Terras estão sendo entregues em pagamento dos débitos e as áreas plantadas diminuem consideravelmente para a próxima safra. O só fato de constar cadastramento negativo da maior parte dos responsáveis pelo setor produtivo do RS. autoriza a concessão da medida liminar de suspensão das cláusulas contratuais abusivas até julgamento final da ação ora promovida.

           A par destas razões, inegável que para a efetividade do processo torna-se imprescindível a concessão de liminar, o que é previsto na Lei da Ação Civil Pública e no Código do Consumidor, a assegurar também a "efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".

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           Pelo Exposto, com fundamento nos preceitos normativos já declinados no preâmbulo da inicial, na parte expositiva e demais disposições legais de aplicação à espécie, Requer:

           Concessão de Medida Liminar inaudita altera pars para determinar a suspensão da eficácia das cláusulas contratuais abusivas e ilegais constantes nas cédulas de crédito rural pignoratícias e hipotecárias, de custeio e investimento que estabeleçam:

  • a ilegalidade dos juros de mora superiores a 1% ao ano nos contratos de crédito rural, o que é previsto no artigo 5º, parágrafo único do Decreto Lei 167/67;
  • a abusividade das cláusulas contratuais que estabelecem cumulativamente a correção monetária e a comissão de permanência, de acordo com a súmula 30 do Superior Tribunal de Justiça;
  • a impossibilidade da existência de depósito referente à safra plantada e a colheita futura, conforme julgados do Tribunal de Alçada do RS e do Superior Tribunal de Justiça;
  • a ilegalidade dos juros remuneratórios estabelecidos em patamares superiores à Constituição Federal, à Lei de Usura e à Lei da Economia Popular;
  • a capitalização de juros;
  • a invalidade da multa de 10% a incidir sobre valores decorrentes das cláusulas de Inadimplência, por ser esta cláusula flagrantemente ilegal, eis que a mesma contém as cumulações indevidas de correção monetária e comissão de permanência, bem como juros moratórios superiores a 30% ao mês;
  • a abusividade da cláusula de Assistência Técnica, em que o banco escolhe empresa a ele vinculada para a prestação de serviços, estabelecendo unilateralmente os preços dos serviços a serem suportados pelos mutuários;
  • A ilegalidade na cobrança do armazenamento do produto, eis que esta despesa, de acordo com o artigo 85 parágrafo segundo da Lei 4.504/64 deve ser suportada por conta do órgão executor da política de garantia de preços mínimos, que por evidente não são os mutuários;
  • A ilegalidade na indexação, em janeiro de 1989, de todos os contratos agrícolas em percentual de 70,28% quanto o correto seria 42,72%;
  • A ilegalidade na indexação, em março de 1990, de todos os contratos agrícolas em percentual de 84,32 % quanto o correto seria 41,28%.

           Caso seja entendimento do Magistrado o indeferimento da pretensão de suspensão da cláusula referente ao depositário, requer, em alternatividade sucessiva, seja deferida liminarmente aos interessados que tiverem ciência da ação e ingressarem na forma da lei, a substituição das obrigações de depositário de grãos pela hipoteca de fração de terras equiparável ao valor do depósito;

           Considerando os efeitos da decisão a ser prolatada, no que diz respeito à tutela dos interesses individuais homogêneos,

           Requer A Expedição de Edital com ampla publicação na imprensa do Estado do Rio Grande do Sul para dar ciência a todos-- agricultores, pecuaristas e agro-industriais - do ajuizamento e objeto da ação proposta e das medidas liminares concedidas, para em conformidade com os artigos 94 e 104 da lei 8.078, requererem, no prazo de trinta dias, a suspensão de ações individuais que tramitam nas mais diversas comarcas do estado do RS., a fim de evitar a pulverização de julgamentos individuais com o risco sempre presente de decisões contraditórias.

           A Citação do banco acionado, qualificado no preâmbulo desta petição, na pessoa de seu representante legal, para que responda à presente, se o desejar, sendo julgada procedente a ação Civil Pública para declarar a nulidade das cláusulas contratuais retro declinadas.

           A condenação do banco acionado ao pagamento, a título de indenização, aos litisconsortes devidamente habilitados, das perdas e danos decorrentes da indexação dos contratos nos percentuais indevidos nos meses de janeiro de 1989 e março/abril de 1990 e ressarcimento de cláusulas abusivas, sendo condenado, ainda, ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, nos parâmetros estabelecidos no Código de Processo Civil.

           A Intimação do douto representante do Ministério Público para todos os atos processuais, considerando a relevância dos interesses tutelados e a função institucional do Ministério Público bem como a obrigatoriedade de sua presença na Ação Civil Pública.

           A Produção de todas as provas admissíveis à espécie, juntando os documentos indispensáveis à propositura da ação, e requerendo a produção de prova pericial, levantamentos, arbitramentos, e o que mais se fizer necessário para elucidar a realidade fática.

           Requer, igualmente, a inversão do ônus da prova, de acordo com o Código do Consumidor;

           Dá à causa o valor de R$ 3.662.025.400,00

           Porto Alegre, 10 de novembro de 1995

Paulo César Moreira Teixeira
oab 8.737

Rita Maria de Faria Corrêa Andreatta
oab 12.362


NOTAS

  1. Artigo 2º da Lei da Ação Civil Pública, também aplicável à defesa de interesses difusos ou coletivos dos consumidores, conforme artigo 90 do Código do Consumidor.
  2. Artigo 93 do Código do Consumidor. Ambos os aspectos da competência são textuais nas leis citadas, o que é afirmado ainda em obra de HUGO NIGRO MAZZILLI, em "A DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS EM JUÍZO". Editora Saraiva, 1995. p.207 e seguintes.
  3. JULGADOS TARGS 82/264.Relator Juiz de Alçada DR.JANIR DALL´AGNOL
  4. JULGADOS TARGS 81/207.Relator Juiz de Alçada DR.MOACIR ADIERS
  5. JULGADOS TARGS 84/324.Relator Juiz de Alçada DR.JOÃO ADALBERTO M. FERNANDES
  6. JULGADOS TARGS 81/314-320. Relator Juiz de Alçada DR. JOÃO PEDRO FREIRE.
  7. JULGADOS TARGS 93/207-211. Relator Juiz de Alçada DR.MÁRCIO OLIVEIRA PUGGINA.
  8. JULGADOS 94/ 212-216. Relator Juiz de Alçada DR. MOACIR LEOPOLDO HAESER.
  9. JULGADOS DO TARGS 94/ 316-318. Relator Juiz de Alçada DR.JOÃO ADALBERTO MEDEIROS FERNANDES.
  10. JULGADOS DO TARGS - 94/212. Relator Juiz de Alçada MOACYR LEOPOLDO HAESER
  11. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RECURSO ESPECIAL. 50.478-3 SC - 4ª TURMA. RELATOR MINISTRO FONTES DE ALENCAR. DJU 12.12.1994.
  12. ADITIVO DE RE-RATIFICAÇÃO À CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA N.94/00486.
  13. Idem, Cláusula escrita sob a denominação INADIMPLEMENTO.
  14. CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA 94/00486 -2 fls.04.
  15. Idem.p.189/190.
  16. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO in voto prolatado em julgamento de habeas corpus n.2.155-0 SP 6ª Turma do STJ. Publicado em Revista Jurídica 207- janeiro, 1995 p.99/104.
  17. Documento 3
  18. Superior Tribunal de Justiça. Recursos Especiais nº 52.247-1 SP e outros publicados em Revista Jurídica maio/1995, p.1140
  19. Idem.
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Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Paulo César Moreira ; ANDREATTA, Rita Maria Faria Corrêa. ACP sobre nulidades de cláusulas de contrato de financiamento agrícola. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 24, 21 abr. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16028. Acesso em: 17 nov. 2024.

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