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Vedação do anatocismo e limitação dos juros a 12% ao ano por instituições não financeiras

01/06/1999 às 00:00
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Apelação de executada por factoring, alegando a vedação do anatocismo e de taxas de juros superiores a 12% ao ano para instituições não financeiras.

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ___VARA CÍVEL DE TERESINA

FULANA DE TAL & CIA. LTDA., firma comercial devidamente qualificada nos autos da AÇÃO DE EXECUÇÃO FORÇADA que move AGIOTAGEM FACTORING ANÔNIMA S.A., também qualificada, vêm, respeitosamente, perante V. Exa., dentro do prazo de lei, interpor RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL, com esteio no art. 513 e seguintes do Código de Processo Civil, esperando, desde já, sejam remetidos os presentes autos ao competente Tribunal ad quem, onde espera ser totalmente reformada a r. decisão atacada.

N. Termos,
P. Deferimento.

A presente apelação cível é fruto de uma decisão judicial que é digna de entrar no anedotário jurídico piauiense, e se baseia nos seguintes pontos, a fim de ser totalmente reformada:

1- Preliminarmente:

1.1 - Cerceamento de defesa: art. 330, I e 740, § único, pela não realização de audiência e perícia contábil dos valores pagos, recebidos e devidos;

2 - No mérito:

2.1 - Os juros pactuados foram de 6,5% ao mês, enquanto a lei somente admite cobrança de até 1,0% mensal;

2.2. A Apelada não é instituição financeira, não podendo cobrar juros acima de 12% ao ano;

2.3. É vedado o anotocismo em nosso sistema jurídico;

2.4. A força vinculante dos contratos não tem eficácia frente a ilegalidade visível e abusiva de suas cláusulas;


1. PRELIMINARMENTE

Afirma o MM. Juiz a quo ser aplicável à espécie o art. 330, I, do CPC, ou seja, que existem somente provas documentais a serem apreciadas, decidiu, liminarmente, a contenda.

A r. atitude de Sua Excelência é repreensível de censura e reforma, por contrariar dois dos Princípios Constitucionais mais firmes e atuantes do Estado de Direito Brasileiro - Cerceamento de Defesa e, conseqüentemente, da Ampla Defesa.

Com efeito, vejamos o que diz a petição de embargos (fls. 04):

"A Embargante protesta, finalmente, para fins de comprovação do alegado, pela utilização de todos os meios de prova em direito admitidos, como juntada posterior de documentos, exames, perícia contábil, arbitramento, requisição de informações bancária, ouvida do representante da Exeqüente, ouvida de testemunhas, cujo rol segue logo abaixo, e, bem como informações a serem prestadas pelo Sr. José Aldo Lima Ferro sobre a efetivação do negócio e tudo mais que necessário se fizer para esclarecimento da verdade...".

O cerceamento de defesa se faz presente por dois aspectos:

1) porque ao impedir que não fosse feito perícia contábil referente aos juros embutidos nos 13 (treze) cheques colacionados aos autos pela Embargante, a fim de se chegar ao valor que ora se executa, cerceou o MM. juiz a possibilidade de fazer provar que o contrato de confissão de dívida (Escritura Pública) com garantia hipotecária está vinculado, nitidamente, aos referidos cheques e notas promissórias que também faziam parte do negócio, ou seja, é como se os bens dados em garantia não tivessem qualquer relação jurídico-comercial com os juros cobrados abusivamente, à base de 6,5% ao mês.

2) porque ao impedir as partes, as testemunhas (Srs. Pedro Barbosa Campos e João Janduhy Bezerra) e o Sr. José Aldo Lima Ferro de serem ouvidos, fez "vistas-grossas" de novos elementos probatórios que seriam, certamente, ventilados nos autos, além da "coragem e convicção" que teria de ter o sócio-proprietário da Exeqüente em afirmar que o dinheiro emprestado não é fruto de agiotagem, já que era amigo do sócio-proprietário da Executada.

A respeito do tema, este Egrégio Tribunal já se manifestou na seguinte decisão:

"Embargos à Execução.
          Tratando os autos de matéria fática, cuja prova deve ser produzida em audiência, o julgamento antecipado da lide caracteriza o cerceamento de defesa.
          Acolhimento da preliminar de nulidade da sentença. Decisão unânime, de acordo com o parecer da douta Procuradoria Geral de Justiça".
(ApC nº 8.246 - São João do Piauí - Rel. Des. Antônio Ribeiro de Almeida, julgado em 17.11.92).

Outros tribunais também possuem idêntico pensamento:

"Há impossibilidade de julgamento antecipado da lide quando a questão é de fato e de direito e a prova depende de produção em audiência, tempestivamente requerida".
(STF, REsp nº 91.388-2/SC - Rel. Min. Luiz Rafael Mayer - RT 538/236).

"Se os fatos que envolvem a causa são pertinentes e relevantes, sobe os quais é imperiosa a prova, não cabe o julgamento antecipado da lide".
(STF - Resp nº 97.709 - Rel. Luiz Rafael Mayer - RTJ 114/663).

O cerceamento de defesa, desta feita, não só se encontra visível dado a não realização da audiência onde seriam ouvidas as partes e as testemunhas arroladas, como e, principalmente, porque não foi feita perícia-contábil nos cheques acostados aos autos. Sobre a questão a jurisprudência de nosso Sodalícios também é uniforme, conferimos:

"Tratando-se de matéria técnica, a prova pericial se impõe, a representar cerceamento de defesa o seu indeferimento, em oposição ao princípio do contraditório e da ampla defesa, ex vi do disposto no art. 5º, LV, da CF".
(TAMG - AI nº 158.873-2 - Rel. Dr. Ximenes Carneiro - julgado em 18.08.93).

"Tratando-se de questão que depende de conhecimento especial de técnico para o esclarecimento da verdade, útil e necessária é a realização de perícia".
(TJPR - ApC nº 14.982-6 - Rel. des. Sydney Zappa - julgado em 10.04.91).

"CÉDULA RURAL PIGNORATÍCIA E HIPOTECÁRIA. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PEDIDOS REITERADOS DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA CONTÁBIL. APLICAÇÃO DO ART. 516 DO CPC. Com suporte no art. 516 do CPC, desconstitui-se a sentença que deixou de apreciar e valorizar a realização de perícia contábil. Tal prova é indispensável para o deslinde da causa. Fica caracterizado o cerceamento de defesa se o pedido reiterado de prova pericial não foi apreciado. A prova pericial é decisiva para delimitar os tópicos trazidos em ser de embargos, em especial o item excesso de execução. Desconstitui-se a sentença, oportunizando a apreciação do pedido expresso de perícia e posterior decisão com enfrentamento das questões de mérito. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA".
(APC nº 195097977 - 9ª Câmara Cível do TJRS - Rel. Des. Antônio G. Tanger Jardim).

Na verdade, nobres Julgadores, o que se observa é que houve, nitidamente, cerceamento ao princípio constitucional da ampla defesa. A Constituição Federal procura estabelecer parâmetros nos quais as partes podem litigar de igualdade de condições.

O direito ao devido processo legal, desta feita, não foi assegurado à Apelante, encontrando-se o processo eivado de nulidades. Precisamos derrotar o entendimento de que o juiz não é parte do processo: não que seja parte interessada em ajudar ou prejudicar um dos demandados, mas parte que procura e se satisfaz vendo comprido a paz social, que se projeta no ideal de justiça distribuído, e ele somente pode julgar com exatidão se dar às parte oportunidades de apresentarem suas teses, suas provas. A propósito do tema o Prof. José Roberto Bedaque, que também é juiz de direito do TACSP assim se manifesta sobre o direito à prova como garantia constitucional, na obra Garantias Constitucionais do Processo Civil, da Ed. Revista dos Tribunais, 1999, que tem como Coordenador José Rogério Cruz e Tucci, pag. 169:

"O direito à prova é componente inafastável do princípio do contraditório e do direito de defesa. O problema não pode ser tratado apenas pelo ângulo do ônus (CPC, art. 333). Necessário examiná-lo do ponto de vista da garantia constitucional ao instrumento adequado à solução das controvérsias, dotado de efetividade suficiente para assegurar ao titular de um interesse juridicamente protegido em sede material, a tutela jurisdicional.
     Para que o processo possibilite real acesso à ordem jurídica justa, necessária a garantia da produção da prova, cujo titular é, em princípio, a parte, mas não exclusivamente ela, pois ao juiz, como sujeito interessado no contraditório efetivo e equilibrado e na justiça das decisões, também assiste o poder de determinar as provas necessárias à formação de seu convencimento".

Analisa-se, ainda, que ao cercear a produção livre de provas à Recorrente, o próprio magistrado a quo não teve elementos probatórios suficientes e essenciais a dar uma decisão justa e equilibrada. Havendo cerceamento de defesa, a igualdade real fica abalada. Cândido Dinamarco já afirmava que "o processo deve ser adotado de meios para promover a igualdade entre as partes", e um deles, seguramente é que o juiz participe, ativamente, da produção das provas, e conclui o renomado jurista: "O contraditório efetivo e equilibrado de que se fala a doutrina exige que os litigantes combatam com paridade de armas".

Observa-se, é que preocupado em julgar o processo o mais rápido possível, entendendo que a matéria era exclusivamente jurídica, o MM. Juiz singular deu elevado valor à técnica em detrimento da justiça. Neste aspecto, José Roberto Bedaque (obra já citada) já se posicionou no seguintes termos:

"Não se pode esquecer que a ciência processual evoluiu. Modificou-se a visão dos problemas processuais, cujas soluções devem atender, preferencialmente, as necessidades do direito material. Hoje pensa-se mais em justiça e menos em técnica, muito embora esta não possa ser ignorada".

E conclui seu pensamento, trazendo visão do não menos estudioso Cândido Dinamarco, em sua obra A Instrumentalidade, in verbis:

"É preciso romper preconceitos e encarar o processo como algo que seja realmente capaz de alterar o mundo, ou seja, de conduzir as pessoas à ordem jurídica justa. A maior aproximação do processo ao direito, que é uma vigorosa tendência metodológica hoje, exige que o processo seja posto ao serviço do homem, com o instrumental e as pontencialidades de que dispõe, e não o homem a serviço de sua técnica".

O certo mesmo é que não se justifica a motivação do MM. juiz de primeiro grau em julgar antecipadamente a lide, por entender, também que não havia necessidade de dilatação de elementos probatórias, porque o autos estavam conclusos à Sua Excelência desde 03 de agosto de 1998 (fls. 48) e a lide somente foi julgada em 22 de março de 1999 (fls. 54), ou seja, mais de 210 dias que o processo esteve parado. Neste grande espaço de tempo poderia, perfeitamente, ter o MM. Juiz a quo autorizado o prosseguimento do feito com a produção de provas; no entanto não fez, preferindo descumprir os princípios da Ampla Defesa e do Contraditório.

A melhor maneira de preservar a imparcialidade do magistrado é submeter sua atividade a princípio do contraditório e impor-lhe o dever de motivar as decisões. Neste diapasão, a decisão ora atacada não se encontra bem fundamentada, exatamente por ter como parâmetros elementos probatórios pérfidos, longe de exprimir a real verdade dos fatos. Tanto assim que Cappelletti afirmou que "a atividade probatória oficial não é incompatível com a imparcialidade. Basta sejam fundamentadas as decisões e proferidas após efetivo contraditório entre os litigantes".

Assim, e por considerar que o direito ao princípio do contraditório e da ampla defesa é condição de validade de qualquer meio de prova, de um julgamento justo e correto, e por entender que a decisão de primeiro grau se esteia em elementos totalmente divergentes da verdade, já que não houve audiência entre as partes, ouvida de testemunhas e, principalmente, considerando a impossibilidade legal por determinação do MM. juiz singular em permitir perícia-contábil nos cheques acostados aos autos e examinação às das contas bancárias da Recorrida da quais foram descontados os juros decorrentes de negociação de agiotagem, requer dos ilustrem membros que compõem esta Egrégia Câmara Cível atender a preliminar de cerceamento de defesa, remetendo o presente processo ao MM. juiz a quo a fim de que cumpra os princípios da Ampla Defesa e do Contraditório, com a conseqüente determinação a fim de que seja produzido todos os elementos probatórios e que haja um julgamento justo e embasado no direito.

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2. QUANTO AO MÉRITO

Vejamos o que consta na Escritura Pública de Confissão de Dívida (fls.08/v), sobre a taxa de juros pactuada:

"Então, perante as ditas testemunhas, cujo OUTORGANTE-DEVEDOR, me foi dito que confessa devedor a OUTORGADA CREDORA da quantia de R$ 396.680,18 (trezentos e noventa e seis mil, seiscentos e oitenta reais e dezoito centavos), que ele OUTORGANTE DEVEDOR deverá efetuar o respectivo pagamento da dívida acima confessada, em 01 (uma) parcela, dívida acrescida de juros de 6.5 % a.m., totalizando o valor de R$ 434.988,02 (Quatrocentos e trinta e quatro mil novecentos e oitenta e oito reais e dois centavos), representada pela nota promissória de igual valor, com vencimento para 02/07/96, pagável nesta praça...".

É bom que recordemos ao que diz o art. 1º, caput, da Lei de Usura, (Dec. N. 22.626/33), ainda em vigor, in verbis:

"É vedado, e será punido nos termos desta Lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal".

Vê-se, pois, que é necessário saber-se qual o valor da taxa de juros. O art. 1063 responde à questão:

"Serão também de 6% (seis por cento) ao ano os juros devidos por força de lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada".

Assim, em quaisquer contratos, que não tenha uma das partes Instituição Financeira, o que não é o caso, o máximo de juros que pode ser estipulados legalmente é de 12% ao ano. Este é o entendimento do Prof. Álvaro Villaça, em sua obra Teoria Geral da Obrigações, 5ª edição, Ed. Rev. dos Tribunais, pag. 23:

"Certo é, como vimos, que os interessados podem, livremente, convencionar juros, todavia, devem observar o limite consignado pelo Dec. N. 22.626, de 07.03.33 (conhecido por Lei de Usura), que, pelo seu art. 1º, é de doze por cento ao ano ou um por cento ao mês".

O mesmo raciocínio lógico-jurídico é seguido por Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil , 4º Vol., 14ª edição, p. 337) que aponta que "o decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933 parcialmente modificado pelo Decreto-lei nº 182, de 5 de janeiro de 1938, reprimindo os excessos da usura, vedou a estipulação, em quaisquer contratos, de taxas superiores ao dobro legal (art. 1º). Nessas condições, presentemente, em todo e qualquer contrato, a taxa de juros não pode ultrapassar de 12 ao ano, vedando-se mais, a pretexto de comissão, receber taxas maiores que as permitidas pela lei (art. 2º)".

Vale lembrar, ainda, que os contratos celebrados nestas condições são nulos de pleno direito, como a próprio Decreto-lei estabelece em seu art. 11, a seguir:

"O contrato celebrado com infração desta Lei é nulo de pleno direito, ficando assegurada ao devedor a repetição do que houver pago a mais".

O certo que houve ledo engano por parte do magistrado sentenciante em admitir como válida a cláusula que estabeleceu juros de 6,5% ao mês, o que dá mais de 70% ao ano, superior em muito à legal convencionada, que é de 12 %, quando disse o seguinte (fls.53), in verbis:

"Ora, quando a Embargante se deslocou até o Cartório competente para formalizar, através da Escritura Pública de Confissão de Dívida com Garantia Hipotecária - fls. 08/10 -, aceitação da dívida dantes contraída, o fez consciente de qual seria o valor do débito que estava a acolher, razão esta que, livre e espontaneamente apôs a sua assinatura no supradito documento público, aceitando, em conseqüência, a quantia ali lançada e avençada, formalizando destarte, um contrato com a Embargante, no qual se acha convencionada a taxa de juros a ser cobrada por ocasião do correspondente pagamento".

Pergunta-se, agora, será que o MM. juiz singular quis, de fato, dizer que o Código Civil admite a feitura de contratos constando cláusula estabelecendo juros acima de 12% ao ano?

Outro grave erro de raciocínio jurídico da decisão recorrida diz respeito à interpretação erroneamente dada à jurisprudência colacionada aos autos pela Recorrente, do eminente Des. Antônio de Freitas Rezende, que diz que "Só podem ser cobrados juros em empréstimos de dinheiro se houver contrato e nele tenha cláusula expressa fixando os juros", sendo que em nenhum momento tal arresto estabelece que os juros fixados no contrato são, necessariamente, os juros devidos, que devem ser cobrados.

Nossos Tribunais já firmaram jurisprudência no sentido de que somente podem cobrar juros acima de 12% ao mês Instituições Financeiras, estando os particulares jungidos a este limite, já que não se trata de mútuo bancário:

"Operação meramente comercial.
     Credor de que não integra o sistema financeiro nacional. Impossibilidade de cobrar taxas de juros variáveis obedecendo a flutuação do mercado - Provimento em parte, do recurso.
     Os juros de taxas variáveis, decorrentes da flutuação do mercado, somente podem ser cobrados nas operações realizadas pelas instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.
     Nas cobranças estritamente comerciais, há de serem observadas as disposições da Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), que impõem juros de 6% ao ano, vedada qualquer estipulação que implique em aumento correspondente ao dobro da taxa legal".
(Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba - ApC nº 93.006421 - Rel. Des. Evandro de Souza Neves - j. em 10/12/93).

"RECURSO ESPECIAL ASSENTADO EM DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. ESCRITURA DE GARANTIA HIPOTECARIA ANTECIPADA DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS. SÚMULA NUMS. 596 E 121 - STF.
     1. PRINCIPALMENTE NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS VIGORAM OS BROCARDOS "JURA NOVIT CURIA" E "DA MIHI FACTUM DABO TIBI JUS", PODENDO O MAGISTRADO APLICAR AS NORMAS LEGAIS PERTINENTES, MESMO QUE NÃO INVOCADAS EXPRESSAMENTE PELO INTERESSADO.
     2. CONFORME JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE, EM REGRA, AO MÚTUO BANCÁRIO, NÃO SE APLICA A LIMITAÇÃO DOS JUROS EM 12% AO ANO, ESTABELECIDA NA LEI DE USURA (DECRETO NUM. 22.626/33, ART. 1.). INCIDÊNCIA DA SÚMULA 596 - STF.
     3. NO TOCANTE À CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS, PERMANECE EM VIGOR A VEDAÇÃO CONTIDA NA LEI DE USURA, EXCETO NOS CASOS EXCEPCIONADOS EM LEI, O QUE NÃO OCORRE COM O MÚTUO BANCÁRIO COMUM, TRATADO NOSPRESENTES AUTOS.
     4. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PROVIDO".
(RESP 115485/RS - J. EM 19/02/1998 -REL. MIN. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO - TERCEIRA TURMA DO STJ).

"APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE DEVEDOR. NOTA PROMISSÓRIA. COBRANÇA EXTORSIVA DE JUROS E ANATOCISMO. REDUÇÃO DO VALOR DA EXECUÇÃO AOS LIMITES DA PERMISSÃO LEGAL. RECURSO PROVIDO. A correção monetária é devida pelo sujeito passivo da obrigação quando convencionada pelas partes. A capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada, é vedada mesmo em favor das instituições financeiras, salvo quando na forma prevista por lei especial. A Lei da Usura, Decreto 22.626, de 7.4.33, encontra-se em vigor, mas com incidência limitada `as operações realizadas por particulares. Em havendo excesso, pode o juiz reduzir o valor da cartulação limite correto do debito para não decretar a nulidade da execução".
(DJ-MS, 08.06.89, pag. 04 RTJE-67.164 (ACÓRDÃO). TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MS, ApC nº 2169/89).

2.2. APELADA NÃO É INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, IMPOSSIBILIDADE DE COBRAR JUROS ACIMA DE 12% AO ANO.

Ficou mais do que evidenciado pela própria Escritura de Confissão de Divida que os juros pactuados, ilegalmente, foram de 6,5% ao mês. Neste sentido, não poderia jamais a Apelada argüir em seu favor a possibilidade de estipulação de juros acima de 1% ao mês, a menos que fosse Instituição Financeira, isto porque o art. 192, § 3º da CF/88 é norma de eficácia limitada, dependendo de lei complementar para ter eficácia plena, aliás como reiteradamente têm decidido nossas Cortes de Justiça, vejamos:

"JUROS. NÃO PREVALECE O LIMITE GENÉRICO, DO DECRETO N 22.626/33, EM RELAÇÃO ÀS OPERAÇÕES COM AS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO. APLICAÇÃO DA LEI Nº 4.595/64. PRECEDENTES: RE 78.953".
(Rec. Ext. nº 77575/SP - REL. MIN. BILAC PINTO - j. em 1975/11/18 - PRIMEIRA TURMA DO STF).

"EMBARGOS INFRINGENTES. ART. 192, PARÁGRAFO 3º DA CF. LIMITE DE JUROS. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA LIMITADA. RECURSO PROVIDO. O art. 192, parágrafo 3º, da CF é norma constitucional de eficácia limitada, dependendo, para sua plena exeqüibilidade, de regulamentação por lei infraconstitucional".
(TJMS - Embargos Infringentes nº 447856.01/96 - julgado em 15.04.96, unanimemente).

Por outro lado, não poderia ser alegado a favor da Apelada a concessão legal para cobrar juros acima de 1% mensal por ser empresa de Factoring. Isto porque estas instituições não fazem parte do Sistema Financeiro Nacional, cuja atividade se caracteriza pela negociação comercial de créditos e de prestação de serviços, ou seja, o contrato de faturização é aquele em que um comerciante cede a outro os créditos, na totalidade ou em parte, de suas vendas a terceiros, recebendo o primeiro do segundo o montante desses créditos, mediante o pagamento de uma remuneração. Vale observar que no presente caso não se trata de operação de factoring, visto que não foram negociados títulos ou direitos de outras pessoas ou agentes, mas empréstimos de dinheiro à Apelante a juros exorbitantes de 10% mensais, no começo do negócio e, finalmente à base de 6,5%, como ficou evidenciado e declarado na Escritura Pública de Confissão de Dívida.

Pertinente ao caso, trago o seguinte julgado sobre a impossibilidade legal das empresas de Factoring emprestarem dinheriro a juros como se fossem Instituições Financeiras, acima de 1% mensal, vejamos:

"COMERCIAL - FACTORING - Atividade não abrangida pelo Sistema Financeiro Nacional - Inaplicabilidade dos juros permitidos à instituições financeiras.
     I - O Factoring distancia-se de instituição financeira justamente porque seis negócios não se abrigam no direito de regresso e nem na garantia representada pelo aval ou endosso. Daí que nesse tipo de contrato não se aplicam os juros permitidos às instituições financeiras. É que as empresas que operam com o factoring não incluem no âmbito do Sistema Financeiro Nacional.
     II - O empréstimo e o desconto de títulos, a teor do art. 17, da Lei 4.595/64, são operações típicas, privativas das instituições financeiras, dependendo sua prática de autorização governamental".
     III - Recurso não conhecido".
(REsp nº 119.705-RS - 3ª T. - STJ - j. em 07.04.98 - Rel. Min. Waldemar Zweiter).

2.3. É VEDADO O ANOTOCISMO EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO

Se não bastasse a cláusula ilegal e abusiva que estabeleceu juros mensais de 6,5 ao mês, ficou bem claro que também incidiam juros sobre juros na relação comercial praticada pelas partes.

Este tipo de operação é terminantemente proibido em nosso sistema jurídico nacional, segundo estabelece o art. 4º, da Lei de Usura, in verbis:

          "É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aso saldos líquidos em conta corrente de ano a ano".
(grifo nosso).

A jurisprudência também é posiciona no sentido de não admitir o anatocismo:

"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. ESCRITURA PÚBLICA DE COMPOSIÇÃO DE DÍVIDAS. COBRANÇA DE CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. VEDAÇÃO. ABATIMENTO NO VALOR DO DÉBITO. ANÁLISE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS.
     I - À MINGUA DE AUTORIZAÇÃO LEGAL, É VEDADA A COBRANÇA DE CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS EM ESCRITURA PÚBLICA DE COMPOSIÇÃO DE DÍVIDA.
     II - A CONCESSÃO DO ABATIMENTO PROPORCIONAL DO QUANTUM DEVIDO RESULTOU DA ANÁLISE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS, O QUE NÃO PODE SER REVISTO NESTA INSTÂNCIA (SÚMULA N. 05, DO STJ).
     III - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO".
(STJ - REsp nº 1087 - Rel. Min. Cláudio Santos - j. em 26/02/1996 - Órgão Julgador 3ª T).

"A capitalização de juros (juros de juros) é vedada pelo nosso direito, mesmo quando expressamente convencionada, não tendo sido revogada a regra do art. 4º do Decreto nº 4.595/64. O anatocismo, repudiado pelo verbete nº 121 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, não guarda relação com o enunciado nº 596 da mesma Súmula".
(RESP. 1.285, 14.11.89, 4º T STJ, Rel. Min. Sávio de Figueiredo Teixeira, in JSTJ-TRF 6/163).

"EXECUÇÃO - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - PROIBIÇÃO - Ainda que convencionada pelas partes contratantes, continua vedada pelo nosso direito a capitalização de juros. Decisão unânime, acorde com o parecer ministerial".
(TJPI - ApC nº 98.000273-7 (Teresina) - Rel. Des. Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho - julgado em 14.09.98).

Desta forma, requer de Vossas Excelências julgar procedente o pedido para anular a sentença de fls. a fim de que outra seja elaborada, observadas as formalidades da lei e, via de conseqüência, anular a Escritura Pública de Confissão de Dívida, visto que nesta foram cobrados juros sobre juros, numa operação financeira proibida por lei.

2.4. DA FORÇA VINCULANTE DOS CONTRATOS - INEFICÁCIA FRENTE A ILEGALIDADE VISÍVEL E ABUSIVA DE SUAS CLÁUSULAS.

Aponta a Apelada que o contrato é lei entre as partes e que, por isso mesmo, não pode ser rescindido ou afastadas as cláusulas que as partes livre expontaneamente acertaram e se comprometeram a cumprir.

Na verdade, Excelências, a teoria do pactum sund servanda não tem mais arrimo em nossa jurisprudência e doutrina modernas, frente à ilegalidade das cláusulas e abuso de poder de uma das partes em impor à outra a sua vontade. Neste aspecto, é que não pode vingir a cláusula que estipula juros de 6,5% ao mês, quando a lei, claramente, estipula que somente podem ser cobrados até 1,0% mensal.


3. DOS PEDIDOS

, que seja acatado o pedido de nulidade da sentença por não ter o MM. Juiz a quo dado oportunidade da Apelante de fazer prova em audiência e cerceado o direito de apresentar perícia-contábil nos cheques e notas promissórias acostadas aos autos;

2) No mérito, caso não seja atendido a preliminar acima apontada, que anule-se a cláusula que estabelece juros mensais de 6,5%, tendo em vista que o Código Civil e a Lei de Usura somente admitem contratos feitos por particulares, não sendo uma das partes Instituição Financeira, o que é o caso, já que empresas de Factoring não são consideradas como tal, à base de 1,0% ao mês, devendo, neste caso, ser remetidos aos autos ao Contador Judicial a fim de que novos cáulculos sejam efetuados, onde se provara, certamente, que é a Recorrida que deve à Recorrente e não esta à Apelada.

N. termos,
P. deferimento.

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Sobre o autor
Joseli de Lima Magalhães

advogado em Teresina (PI)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, Joseli Lima. Vedação do anatocismo e limitação dos juros a 12% ao ano por instituições não financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 32, 1 jun. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16065. Acesso em: 22 nov. 2024.

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