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Horário especial para realização de concurso público em virtude de religião

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Mandado de segurança em que o impetrante requer o direito de fazer a prova de concurso público em horário diferenciado em razão de sua crença religiosa.

         EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA ____ VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE RORAIMA

          HURBETH SILVA DE ALMEIDA, brasileiro, solteiro, servidor público federal, portador da Cédula de Identidade nº 1.138.953 SSP/MA, inscrito no CIC/MF sob o nº 304.282.973-15, residente e domiciliado à Av. Sebastião Diniz, nº 1493, São Vicente, nesta Cidade, vem, por seu advogado in fine assinado, à presença de V. Exa., através de seu advogado ao final assinado, nos termos do artigo 5º, inciso LXIX da Constituição Federal de 1988, impetrar o presente MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR contra ato da Diretora Geral da Escola de Administração Fazendária - ESAF, pelas seguintes razões:

         O impetrante, inscreveu-se no concurso público de provas e títulos para Assistente Jurídico de 2ª Categoria, dos Quadros de pessoal da Advocacia Geral da União, conforme faz prova seu cartão de confirmação de pré-inscrição anexo (doc. 02), há pouco recebido, onde especifica data e horário das provas objetivas e subjetivas, a serem realizadas nos dias 10.04.99 (sábado) e 11.04.99 (domingo), respectivamente.

         Acontece excelência, que o ora impetrante, é de profissão religiosa protestante, cristão por convicção, e membro regular da Igreja Adventista do Sétimo Dia (doc. 03), instituição religiosa de alcance mundial, que tem como ponto de fé e doutrina, a guarda dos mandamentos de Deus, tal qual expressos na Bíblia Sagrada, em Êxodo 20:3-17. Acreditamos que, os grandes princípios da Lei de Deus, são incorporados nos Dez mandamentos e exemplificados na vida de Cristo, acreditamos ainda que a salvação é inteiramente pela graça, e não pelas obras, mas seu fruto é a obediência aos dez mandamentos, dentre os quais tem-se a guarda do sábado (Êxodo 20:8-11). Segundo o relato bíblico, o bondoso Criador, após seis dias da Criação, descansou no sétimo dia e instituiu o sábado para todas as pessoas, como memorial da Criação (Gênesis 2:1-3). Sendo assim, o quarto mandamento da Lei de Deus requer a observância deste sábado do sétimo dia como dia de descanso, adoração e ministério, em harmonia com o ensino e prática de Jesus, o Senhor do Sábado. A prazerosa observância deste tempo sagrado duma tarde a outra tarde, do pôr-do-sol ao pôr-do-sol, é uma celebração dos atos criadores e redentores de Deus.

         Voltando à questão, entende o impetrante que, ao marcar a realização das provas objetivas para a data de 10.04.99 (sábado), a impetrada não respeitou o direito constitucional de livre profissão religiosa, em especial daqueles que crêem na necessidade de observância dos mandamentos divinos, tal qual expressos na Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada, o manual do cristão.


DA PROVA PRÉ-CONSTITUIDA

         A data prova não consta no Edital ESAF nº 91/98 (doc. 04).

         O Impetrante não recorreu administrativamente à ESAF (responsável pela elaboração e aplicação das provas), pois não havia tempo hábil, eis que recebeu o cartão com a data das provas no dia 30 de março do corrente ano. Sendo a sede da ESAF em Brasília, o recebimento do cartão dois dias antes do feriado da semana santa e prova no Sábado seguinte, tal recurso nem chegaria as mãos da direção da Escola.

         O motivo acima expendido suprime a necessidade do recurso até a última instância administrativa.


DO FUMUS BONI JURIS

         Reza o art. 5º , VIII, da CF/88, in verbis:

         Art. 5º (...)

         

VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

         

Entende o impetrante que ao marcar a prova em dia de sábado, fere a impetrada, de maneira específica, o texto constitucional, em relação àqueles que professam o credo já mencionado acima (adventistas do sétimo dia), ficando na prática, cerceados de seus direitos de concorrerem em certames públicos, em virtude de sua profissão de fé. Ademais, atente-se para o fato de que o horário de funcionamento normal das repartições públicas federais, é no período de segunda a sexta da semana, com algumas exceções, o que não é o caso da Advocacia Geral da União, que não funciona aos sábados, domingos ou feriados.

         Pontes de Miranda, citado por José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional Positivo assim coloca a liberdade de culto:

         "Compreendem-se na liberdade de culto a de orar e a de praticar os atos próprios das manifestações exteriores em casa ou em público, bem como o recebimento de contribuições para isso" (grifos do autor).

         O professor Celso Ribeiro Bastos juntamente com Ives Gandra Martins em Comentários à Constituição do Brasil, editora Saraiva, Volume 2, página 57, ao comentar o art. 5º, VIII, relata o seguinte:

         "Caso muito curioso que até de certa forma robustece o que dissemos acima, por cuidar-se de exoneração de um direito de votar, e não de prestar serviço militar, deu-se com a sua invocação por parte de membros de certas religiões que obstavam a prática de atos aos sábados até as dezoito horas. Impetraram medida de segurança objetivando que o prazo para a realização do pleito fosse distendido de molde tal a poderem cumprir o dever de voto, sem ferir as suas convicções religiosas."


DO PERICULUM IN MORA

         A prova já está prestes a realizar-se no dia inicialmente fixado, qual seja, o dia 10.04.99, havendo evidente perigo na demora da prestação da tutela, daí o se justificar a liminar pretendida, para que se consiga prestar o exame a tempo.

         Pelo já conhecido princípio da isonomia, temos que todos são iguais perante a lei, mas também temos conhecimento do princípio da eqüidade, que é o sentimento do justo e do injusto, onde o magistrado deve apreciar o caso dos iguais igualmente e dos desiguais, desigualmente, donde concluímos que a quebra da isonomia é plenamente justificável em alguns casos, justamente para que se assegure a verdadeira igualdade

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         É importante ressaltar que em momento algum o impetrante será, em detrimento de outros, privilegiado caso lhe seja concedido o provimento desejado, isto porque em primeiro lugar, ele ficará do horário de início das provas até o pôr-do-sol (17h59min) do sábado a tarde, e isto é claro, na presença de fiscais da comissão aplicadora das provas, incomunicável, isolado dos demais candidatos que estarão fazendo a prova, garantindo-se com isso, o indispensável sigilo, depois, terá reduzido seu tempo disponível para realização da referida prova, que normalmente será de 05 (cinco) horas de duração e o impetrante pede apenas 50% (cinqüenta por cento) deste tempo, ou seja, 02 (duas) horas e meia para realizar sua prova, encerrando-se assim às 20:30 horas. Não por se julgar melhor preparado que outros candidatos, muito pelo contrário, mas simplesmente para poupar maiores trabalhos para a comissão e não se alongar demais.

         Somando-se então a longa espera do candidato, com a reduzido tempo que terá para responder às questões, conclui-se que antes de ser um privilégio, será na verdade até prejudicial para o mesmo, isto do ponto de vista lógico. Entretanto, suportará de bom grado, o candidato impetrante, tais conseqüências, mas manterá intactos seus princípios, sua convicção religiosa e seu credo.

         Diante do exposto, requer o impetrante:

  1. - que seja concedido a medida liminar, determinando-se à Comissão Aplicadora das Provas que seja realizada as provas objetivas, no período de 18:00 às 20h.30min. do dia 10.04.99, isto é, depois do pôr-do-sol, do dia de sábado, pelo calendário usual, ficando o mesmo, incomunicável e devidamente vigiado por fiscais, no horário das 13:00 horas até às 18:00 horas, garantindo-se assim, o necessário sigilo e a incomunicabilidade;
  2. - a notificação da autoridade coatora, Diretora Geral da Escola de Administração Fazendária, para que no prazo legal, preste as informações necessárias;
  3. - a manutenção da liminar, e ao final seja julgado procedente no mérito a presente ação;
  4. - A intimação do Órgão Ministerial para manifestalção;

         Dá-se à causa, o valor de R$ 100,00 (cem reais), meramente para efeitos fiscais.

         Boa Vista/RR., 06 de abril de 1999.

Pp. Alexander Ladislau Menezes
OAB/RR 226

     
     

DECISÃO

         O Impetrante, candidato inscrito no concurso público para o cargo de Assistente Jurídico de 2ª Categoria da Advocacia Geral da União, pretende liminar para que possa realizar a prova marcada para Ter início às 13:00h de amanhã somente a partir das 18:00h, concordando ficar incomunicável desde os fechamentos dos portões, sob argumento de que sua religião proíbe atividades no hiato entre às 17:59h da Sexta e 17:59h do Sábado.

         Instruem a inicial os documentos pertinentes, dentre os quais o comprovante de inscrição.

         É a questão.

         À primeira vista, afigura-se plausíveis os pressupostos da liminar pleiteado: a uma, porque a opção religiosa não pode ser motivo de privação de direito (inciso VIII, art. 5ª, da CF/88); a duas porque a alternativa de manter o candidato incomunicável desde o início da realização da prova (13:00h) tanto preserva seu direito quanto a igualdade de oportunidades com os demais candidatos e o sigilo das provas; a três, porque o não deferimento da liminar alijará, sem possibilidade de reversão, o candidato do certame público.

         Diante do exposto defiro liminar para determinar à Diretora da Escola de Administração Fazendária/ESAF, por si e por sua representante em Roraima, que assegure ao candidato Hubert Silva de Almeida participar da prova objetiva do concurso público para o cargo de Assistente Jurídico/ 2ª classe da AGU, cuja a realização se dará no dia 10.04.99 (Sábado), devendo o mesmo ingressar no horário previsto e ficar incomunicável desde o início da realização das provas para os demais candidatos (13:00h) até as 18:00h, quando, somente então, lhe será facultado fazer referida prova objetiva.

         Notifique-se a Exma. Sra. Diretora da ESAF pelo correio, com AR em mão própria, e intime-se a representante da ESAF em Roraima - responsável pela execução da aludida prova e que poderá ser encontrada na Delegacia da Receita Federal neste Estado - , por mandado.

         O Oficial de Justiça encarregado da intimação deverá certificar, também, que o candidato seja admitido nos termos desta decisão, devendo o mesmo comparecer no local da prova às 13:00h e às 18:00h.

         Cumpra-se com a urgência que o caso requer.

         Publique-se.

Boa Vista, 09 de Abril de 1999

Dr. Helder Girão Barreto
Juiz Federal Substituto

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Sobre os autores
Alexander Ladislau Menezes

advogado em Roraima

Helder Girão Barreto

Juiz Federal Substituto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MENEZES, Alexander Ladislau ; BARRETO, Helder Girão. Horário especial para realização de concurso público em virtude de religião. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 31, 1 mai. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16124. Acesso em: 19 abr. 2024.

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