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ACP contra improbidade administrativa

23/12/1998 às 00:00
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Duas petições iniciais de ações civis públicas contra prefeitos do interior do Estado de Goiás, acusando-os de improbidade administrativa por uso de bens e de servidores públicos

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE MARA ROSA

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Comarca de Mara Rosa-GO:

O Ministério Público do Estado de Goiás, através de seu representante legal nesta Comarca, vem perante este juízo, com base na Lei Federal nº 8.429/92, propor AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA em desfavor de:

Gutemberg Guimarães de Souza, brasileiro, casado, bancário, 38 anos de idade, nascido em 19.01.59, natural de Ituiutaba-MG, filho de Ramiro Izidoro de Sousa e Maria Guimarães de Sousa, residente na Rua Santa Catarina, nº 498, nesta cidade;

fazendo-o pelos motivos fáticos e jurídicos que passa a expor:


I - DOS FATOS

Em outubro do ano passado, o réu, então Prefeito Municipal de Mara Rosa, adquiriu para si um trator tipo Massey Fergusson 50X, cor vermelha, pagando pelo mesmo a importância de aproximadamente R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), comprando-o junto ao Sr. Onézio Luiz de Mendonça, conhecido por "Nego Mendonça" - segundo informações do próprio réu (Termo de declarações de fl. 20).

O aludido trator comprado pelo réu apresentava estado geral ruim, inclusive a pintura, estando com o motor desmontado e faltando algumas peças, além de haver outras estragadas (Termo de declarações de fl. 02).

Em face disso, o réu mandou que o caminhão muck da prefeitura buscasse o referido trator na fazenda do "Nego Mendonça", e que o levasse a seguir para a oficina do Nivaldo ("Mecânica Três Irmãos"), ordem esta atendida prontamente pelos respectivos servidores municipais.

Já na mencionada oficina, o trator adquirido pelo réu foi submetido a uma revisão geral, na qual constatou-se a necessidade de se trocar várias peças e equipamentos, cuja relação foi entregue ao réu, que ali se encontrava presente, pelo proprietário do estabelecimento (Termo de depoimento de fl. 04).

Tendo em vista que na garagem da prefeitura havia um trator de mesma marca e modelo, também estragado, pertencente a municipalidade (ofício de fl. 23), o réu, ciente disso, ordenou que o servidor Valdimirson Ferreira Bie, operador da pá carregadeira da prefeitura (Termos de depoimento de fls. 06 e 08), buscasse-o e o levasse até a oficina do Nivaldo, que já estava autorizado pelo mesmo a retirar-lhe todas as peças e equipamentos necessários a equipar o trator comprado pelo réu. E assim foi feito.

Foram retiradas do trator da prefeitura e colocadas no trator do réu as seguintes peças e equipamentos: 01 (um) par de estribos, 01 (uma) balança completa, 01 (uma) roda traseira com pneu, 01 (uma) tampa do diferencial, 01 (um) pára-choque dianteiro e 01 (um) acoplamento do câmbio do motor.

Realizado o serviço ordenado pelo réu, o trator da prefeitura, já como sucata, foi levado de volta para a garagem municipal, onde se encontra até hoje (Laudo de Avaliação de fl. 15).

O trator adquirido pelo réu, ao contrário, foi todo arrumado, estando apto para funcionar, tendo recebido até uma pintura nova.

Destarte, por tudo o que se colheu ao longo da investigação materializada no inquérito civil público adiante, somado à confissão do réu (fl. 20), tem-se caracterizada, estreme de dúvidas, a prática de atos de improbidade administrativa por parte deste que, dolosamente, apropriou-se de bem público (peças e equipamentos de trator) em proveito próprio, com enriquecimento ilícito, na satisfação de interesse exclusivamente particular, em prejuízo do erário municipal e em infração a todos os princípios que regem a Administração Pública.

De seu turno, as peças e equipamentos acima elencados, objetos da "troca" ordenada ilegalmente pelo réu, tiveram seus preços orçados por lojas revendedoras dos produtos Massey Fergusson, na base de peça nova, sendo que no conjunto alcançaram como preço mais barato a quantia de R$ 2.361,00 (dois mil trezentos e sessenta e um reais), consoante demonstrado pelos orçamentos de fls. 13 e 14 dos autos.

Tal cifra revela e quantifica o dano imposto ao patrimônio público deste município pelas ilicitudes cometidas pelo réu, cujo montante, devidamente corrigido, deverá ser ressarcido ao erário municipal pelo mesmo. Isto sem considerar o gasto tido com o transporte de ambos os tratores para a oficina e o serviço dos funcionários utilizados para tanto, que não foi possível valorar.


II - DO DIREITO

Prevê o artigo 37, § 4º, da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

...

§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Regulamentando tais dispositivos constitucionais, temos a Lei Federal nº 8.429/92 que descreve as infrações contra a probidade administrativa e explicita as respectivas sanções a serem aplicadas quando da prática daqueles atos ilícitos por qualquer agente público ou terceiro que deles se beneficie.

Para os fins desta lei, considera-se agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outro vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em qualquer entidade pública ou mesmo privada, desde que nesta última hipótese o Estado concorra com mais da metade de seu patrimônio (art. 2º). Nesse conceito (de sujeito ativo da infração) está inserido o réu que exerceu o cargo de Prefeito Municipal de Mara Rosa no período compreendido entre 1.993/96.

No pólo oposto, ou seja, como sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa temos a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Territórios, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidades para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual (art. 1º).

Pois bem, tendo o réu se utilizado de maquinário e mão-de-obra municipal para realizar tarefa/serviço de cunho particular, além de apropriar-se ilegalmente de bem público (peças e equipamentos de trator) incorporando-o ao seu patrimônio pessoal, fazendo-o no exercício pleno do cargo de prefeito; assim agindo incidiu, por conseguinte, na prática das infrações tipificadas no artigo 9º, caput e incisos IV e XI, e artigo 11, caput e inciso I, da Lei nº 8.429/92. Senão vejamos:

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

...

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

XI - incorporar, por qualquer forma, a seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei;

...

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;

...

Nessa vertente e observado o vínculo com tais infrações, tem-se que o réu está incurso nas sanções elencadas no artigo 12, incisos I e III, presentes no mesmo texto legal:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

...

I - na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos;

...

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.

Em verdade, o réu, como prefeito municipal, gestor maior do patrimônio público do município de Mara Rosa, deveria ser o primeiro a dar o exemplo de legalidade, moralidade, trato impessoal da coisa pública e lealdade à entidade que dirigiu até 31 de dezembro do ano passado. Todavia, ao invés, realizou operação ilícita, sem qualquer interesse público ou causa justa, com a finalidade exclusiva de se beneficiar economicamente, obtendo vantagem indevida em prejuízo do erário municipal (enriquecimento ilícito com desvio de função e de finalidade).


III - DO PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA ESPÉCIE:

Ao Ministério Público incumbe à proteção do

patrimônio público e da probidade administrativa por expressa determinação contida nos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal; arts. 114 e 117, inc. III, da Constituição Estadual; e Leis Federais nº 7.347/85, 8.429/92 e 8.625/93.

A Lei Federal nº 8.429/92 - mais importante no contexto aqui analisado e mola propulsora da ação em tela - contém os mecanismos jurídicos adequados à tutela do patrimônio público lato sensu, dando ao Ministério Público a legitimidade expressa para atuar na punição do ímprobo:

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Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

...

§ 4º. O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.

Em razão das provas que compõem o inquérito civil público que acompanha esta peça, tem-se como cabalmente configurados os ilícitos contra a probidade administrativa, estando também quantificado o dano ao erário municipal e individualizada a responsabilidade do réu para efeito de aplicação das sanções previstas no artigo 12, incs. I e III da Lei nº 8.429/92.


IV - DOS PEDIDOS:

Por todo o exposto, o Ministério Público requer:

1- seja a presente ação recebida, autuada e processada na forma e no rito preconizado no art. 17 da Lei nº 9.429/92;

2- que seja o réu Gutemberg Guimarães Sousa citado pessoalmente, via mandado, para responder aos termos desta ação no prazo legal, sob pena de ser-lhe decretada a revelia, permitindo-se ao oficial de justiça utilizar-se da exceção prevista no art. 172, § 2º, do Código de Processo Civil;

3- que seja liminarmente decretada a indisponibilidade dos bens do réu (imóveis, veículos, linha telefônica, etc.) com as comunicações de praxe, nos termos e conforme autorizado pelo art. 7º da Lei nº 8.429/92, visando futuro ressarcimento ao erário municipal e o pagamento das multas civis a serem fixadas na sentença condenatória; medida acautelatória que se impõe em razão da notícia de que o réu está transferindo seus bens para terceiros para frustrar a prestação jurisdicional aqui invocada, situação esta suficientemente constatada pelo documento de fl. 26, cuja "transação" realizou-se sintomaticamente nos dias em que suas contas foram rejeitadas pela Câmara Municipal;

4- que seja o réu Gutemberg Guimarães de Sousa condenado nas sanções civis relacionadas no artigo 12, incisos I e III, pela prática das infrações descritas respectivamente no artigo 9º, caput, incisos IV e XI, e artigo 11, caput, inciso I, todos da Lei nº 8.429/92;

5- que seja o réu condenado nos ônus da sucumbência;

6- que seja o Município de Mara Rosa cientificado da presente ação e, caso queira, integrar o pólo ativo da demanda;

7- requer, finalmente, provar o alegado por qualquer meio de prova admitido em nosso ordenamento jurídico, pleiteando, desde já, a juntada dos documentos anexos que fazem parte do conjunto probatório contido no inquérito civil público nº 02/96, que tramitou nesta Promotoria de Justiça, acatando-se os preceitos legais que regem a matéria.

Dá-se à causa o valor de R$ 2.361,00 (dois mil trezentos e sessenta e um reais).

Mara Rosa, 22 de Outubro de 1998.

Carlos Alexandre Marques

em desfavor de:

Nelson Pereira Vasconcelos, brasileiro, casado, médico, 54 anos de idade, filho de Joaquim Pereira Vasconcelos e Maria Leite Vasconcelos, natural de São Francisco de Goiás, C.I. nº 154.964 SSP-GO, CPF nº 036.498.141-53, residente na Praça Teófilo Vieira Motta, nº 208, nesta cidade;

fazendo-o pelos motivos fáticos e jurídicos que passa a expor:


I – DOS FATOS

Em 10 de outubro de 1.995 foi instaurado pela Promotoria local inquérito civil público para apurar irregularidades

administrativas cometidas pelo réu, no exercício do cargo de Prefeito Municipal de Petrolina, elencadas em representação subscrita por vereadores deste Município, amparada por farta documentação.

Dentre as ilicitudes apontadas na mencionada representação, destaca-se a "utilização de servidores públicos municipais para trabalho em residências particulares".

Cumpre lembrar que o réu Nelson Pereira Vasconcelos é o atual Prefeito Municipal de Petrolina-GO, tendo assumido o cargo em 1º de janeiro de 1.993.

Realizada a investigação por esta Promotoria de Justiça em sede de inquérito civil público, apurou-se que o Prefeito Municipal realmente usou e continua a usar em benefício próprio dos serviços de funcionários públicos municipais, pagos exclusivamente pelos cofres da prefeitura, tanto para trabalho particular em sua residência (serviços gerais) como em seu hospital (auxiliar de laboratório), garantindo-lhe com isso vantagem patrimonial indevida em razão do exercício do cargo público para o qual foi eleito.

Submeteram-se a essa situação, por exemplo, os irmãos Deusimar Soares Ribeiro e João Batista Soares.

O primeiro, que foi afastado no final do ano passado, trabalhava na prefeitura (estatutário) exercendo a função de jardineiro, estando sob a sua responsabilidade a tarefa de cuidar dos jardins das praças, da poda de árvores e da grama, etc. Todavia, em total desrespeito à legislação vigente, o réu, na sua condição de "chefe", desde o início de sua gestão, passou a utilizar dos serviços do nominado servidor para trabalhos rotineiros em sua residência, tais como jardinagem, poda das trepadeiras do muro, serviço de pedreiro, cultivo de horta, etc. Era mesmo o "pau para toda obra" do prefeito, ou seja, aquele que ficava por conta de fazer os serviços gerais da casa, sempre que assim lhe era ordenado. Lógico, recebendo seu salário tão só da municipalidade.

O segundo foi contratado pela prefeitura desta cidade em novembro de 1.994 para trabalhar como auxiliar laboratorial (comissionado), tendo sido imediatamente "lotado" no Hospital São José, estabelecimento privado do qual o réu é sócio, estando nesse mister até hoje. Lá, o mesmo presta serviços no laboratório do referido hospital, como empregado particular, mas recebendo seu salário apenas do tesouro municipal. João Batista cumpre horário regular no hospital do prefeito, com jornada que se inicia às 08:00 horas e termina às l7:00 horas, com intervalo de duas horas para almoço. Na prefeitura, ao contrário, não aparece nem para receber seu salário que é pego diretamente no banco.

O réu, em declaração nesta Promotoria de Justiça, teceu as seguintes considerações sobre tais fatos, negando-os em parte:

"que não existe qualquer servidor público municipal exercendo serviço para particulares e recebendo tão só dos cofres públicos, nem para o declarante nem para qualquer outra pessoa ou secretário; que entre os anos de 1994/95, trabalhou para o declarante como pedreiro o Sr. João Jacinto, sendo que este trabalhava na obra durante o dia e às 18;OO assumia seu posto na prefeitura na manutenção da iluminação pública; que o declarante remunerou João com dinheiro próprio; que a sua empregada doméstica trabalha para o declarante que também lhe paga com dinheiro próprio pelos serviços a ele prestados; que João trabalha no período noturno somente, estando livre para trabalhar como autônomo durante o dia; que são estes os únicos casos de servidores que prestam serviço ao declarante de natureza particular; que não existe na prefeitura servidor pago pelos cofres municipais e que esteja trabalhando só para particulares..."

Ao fazer uso desta prática repugnante, o réu obteve enriquecimento ilícito impondo um prejuízo de igual valor ao erário municipal, do qual, aliás, o réu deveria ser o maior defensor, vez que eleito pelo povo para isso.

Destarte, por tudo o que se colheu ao longo da investigação materializada no inquérito civil público anexo, tem-se claramente a prática de ato de improbidade administrativa por parte do réu que, dolosamente, utilizou e continua a utilizar ilegalmente em benefício próprio do trabalho de servidores públicos municipais, na satisfação de interesse exclusivamente particular com enriquecimento sem causa, em prejuízo ao erário e em infração a todos os princípios que regem a Administração Pública.

Em suma, dentre outros, o réu tinha ao seu dispor, por determinação dele próprio, um funcionário da prefeitura para fazer todo o tipo de trabalho braçal em sua casi e um outro mais capacitado para trabalhar no laboratório de seu hospital, ambos às expensas do tesouro municipal (desvio de finalidade).

Como custo desta conduta ilegal e imoral, arcado até esta data somente pela municipalidade, tem-se a importância atualizada de R$ 6.048,00 (seis mil e quarenta e oito reais), resultado da soma das remunerações percebidas pelos aludidos servidores, levando-se em conta o período que indevidamente prestaram serviços particulares ao réu (fls. 238).

Não fosse isto suficiente, o próprio réu noticiou novas irregularidades da mesma espécie envolvendo sua governanta e seu pedreiro, ambos funcionários da prefeitura. É um verdadeiro acinte!


II – DO DIREITO

Prevê o artigo 37, § 4º, da Constituição Federal:

Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

...

§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Regulamentando este dispositivo constitucional temos a Lei nº 8.429/92 que traz as sanções a serem aplicadas quando da prática de ato de improbidade administrativa por qualquer agente público ou terceiro beneficiado.

Para os fins desta lei, considera-se agente público todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em qualquer entidade pública ou mesmo privada desde que o Estado concorra com mais da metade de seu patrimônio. Nesse conceito está inserido o réu - Prefeito Municipal desta cidade.

O dano ao patrimônio público municipal, in casu, caracteriza-se pela utilização ilegal do trabalho de servidores públicos em serviços particulares, por conta do dinheiro público, gerando enriquecimento ilícito do agente público beneficiado.

Assim, o réu que se utilizou de servidores públicos municipais com prejuízo ao erário e enriquecimento ilícito próprio, tem o seu comportamento infracional tipificado no artigo 9º, caput e inciso IV, e artigo 11, caput e inciso I, da Lei nº 8.429/92:

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

...

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta Lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

...

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;

...

As sanções para tais práticas infracionais estão elencadas nos incisos do artigo 12, I e III, da mesma Lei:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:

...

I - na hipótese do art. 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos;

...

III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.

O réu, como prefeito municipal, gestor maior do patrimônio público desta cidade, deveria ser o primeiro a dar o exemplo de legalidade, moralidade, trato impessoal da coisa pública e lealdade à entidade que dirige. Porém, mesmo ciente de seu caráter ilegal, auto-beneficiou-se ao contratar e ordenar que servidores públicos municipais trabalhassem em serviços fora de sua função e de origem privada, continuando a remunerá-los com o dinheiro da municipalidade como se eles estivessem trabalhando corretamente em suas funções junto ao Poder Público Municipal, resultando locupletamento ilícito.

A questão em tela é o exemplo mais claro do abuso praticado em desfavor do contribuinte e de todos os cidadãos, notadamente daqueles que com dificuldade mantém por conta própria os seus empregados.

Na realidade, pelo que se vê aqui, o réu considera a prefeitura como sendo sua propriedade particular e os servidores públicos como sendo seus empregados, fazendo o que bem quer com o patrimônio público municipal, administrando-o somente para a satisfação de suas vontades, desprezando o interesse coletivo e sobretudo a lei.

A Professora Maria Sylvia Zarella di Pietro faz considerações que guardam estreita relação com as ilicitudes aqui impugnadas. A sua lição sobre o tema merece destaque:

"Não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho, à ética das instituições. A moralidade exige proporcionalidade entre os meios e os fins a atingir, entre os sacrifícios impostos à coletividade e os benefícios por ela auferidos; entre as vantagens usufruídas pelas autoridades públicas e os encargos impostos à maioria dos cidadãos.

Por isso mesmo, a imoralidade salta aos olhos quando a Administração Pública é pródiga em despesas legais, porém inúteis, como propaganda e mordomia, quando a população precisa de assistência médica, alimentação, moradia, segurança, educação, isso sem falar no mínimo indispensável à existência digna.

Não é preciso, para invalidar despesas deste tipo, entrar na difícil análise dos fins que inspiraram a autoridade; o ato em si, o seu objeto, o seu conteúdo contraria a ética da instituição, afronta a norma de conduta aceita como legítima pela coletividade administrativa."

A ilegalidade imputada ao réu é evidente, ainda mais quando observado o enquadramento da conduta aqui descrita em outros textos normativos incriminadores como o Código Penal e o Decreto-Lei nº 201/67.

Ao Ministério Público incumbe à proteção do patrimônio público e da probidade administrativa por expressa determinação contida nos arts. 127 e 129, III, da Constituição Federal; arts. 114 e 117, III, da Constituição Estadual; Leis nº 7.347/85 e 8.625/93.

A Lei nº 8.429/92, que descreve as infrações contra a probidade administrativa, traz em seu bojo os mecanismos jurídicos adequados à tutela do patrimônio público lato sensu, dando ao Ministério Público a legitimidade expressa para atuar na punição do ímprobo:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

...

§ 4º. O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.

Em face das provas que compõem o inquérito civil público, desmembradas para amparar esta ação, tem-se como cabalmente configurados os ilícitos contra a probidade administrativa; estando também quantificado o dano ao erário municipal e individualizada a responsabilidade do réu para efeito de aplicação das sanções elencadas no artigo 12, I e III, da Lei nº 8.429/92.


III – DOS PEDIDOS

Por todo o exposto, o Ministério Público requer:

1- seja a presente ação recebida, autuada e processada na forma e no rito preconizado no art. 17 da Lei nº 9.429/92;

2- que seja o réu citado pessoalmente, via mandado, para responder aos termos desta ação no prazo legal, sob pena de ser-lhe decretada a revelia, permitindo-se ao Oficial de Justiça utilizar-se da exceção prevista no art. 172, § 2º, do Código de Processo Civil;

3- que seja liminarmente decretada a indisponibilidade dos bens do réu visando futuro ressarcimento ao erário municipal e pagamento das multas civis a serem fixadas na sentença condenatória, medida acautelatória que se impõe em razão da notícia de que o réu está transferindo seus bens para terceiros para frustrar a prestação jurisdicional aqui invocada, tudo conforme autorizado pelo art. 7º da Lei nº 8.429/92;

4- que o réu seja afastado temporariamente de suas funções, sem prejuízo da remuneração, para conveniência da instrução processual e objetivando garantir a eficácia da aplicação da lei, segundo disciplinado no art. 20, parág. único, da Lei nº 8.429/92, evitando-se, desse modo, a perpetuação das irregularidades trazidas à tona nesta petição;

5- que seja o réu Nelson Pereira Vasconcelos condenado nas sanções civis alistadas no art. 12, I e III, pela prática das das infrações descritas respectivamente nos arts. 9, caput e inciso IV, e 11, caput e inciso I, todos da Lei nº 8.429/92;

6- que o valor da condenação seja revertido em proveito da entidade pública lesada (art. 18 da Lei nº 8.429/92);

7- que seja o réu condenado nos demais ônus da sucumbência;

8- requer, finalmente, provar o alegado por qualquer meio de prova admitido em nosso ordenamento jurídico, pleiteando, desde já, a juntada dos documentos anexos que fazem parte do conjunto probatório colhido no inquérito civil público nº 01/95, em trâmite nesta Promotoria de Justiça.

Dá-se à causa o valor de R$ 6.048,00 (seis mil e quarenta e oito reais).

Petrolina, ___ de junho de 1.996.

Carlos Alexandre Marques

promotor de Justiça
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Sobre o autor
Carlos Alexandre Marques

Promotor de Justiça em Goiás. professor de Direito Constitucional e Direito da Criança e do Adolescente na Faculdade Anhanguera de Anápolis/GO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Carlos Alexandre. ACP contra improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16135. Acesso em: 24 abr. 2024.

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