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Ação direta de inconstitucionalidade contra alíquotas progressivas no IPTU

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01/07/2000 às 00:00
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DOUTRINA:

O princípio constitucional da isonomia é representado no âmbito tributário pelo da capacidade contributiva (art. 145 § 1º da Constituição Federal). A progressividade é uma exceção, haja vista que a Constituição, ao decompor o princípio da capacidade contributiva, expressamente previu as hipóteses em que se impunha a progressividade, como, v.g., o fez com o imposto sobre a renda e proventos.

AIRES FERNANDINO BARRETO explica que não é permitida a progressividade das alíquotas, mas a Constituição, excetuando os tributos fixos, exige que os impostos sejam proporcionais, para que seja observado o referido princípio da capacidade contributiva:

          "...se o discrímen se dá pelo valor de cada imóvel, estar-se-á a por em condição altamente privilegiada (infringindo a Constituição) os inúmeros proprietários (seja de casas, lojas, unidades autônomas destinadas a locação, seja de loteamentos inteiros), cujos imóveis, de per si considerados têm um valor baixo. Em outras palavras, o titular de um único imóvel de, por exemplo, R$500.000,00, ficaria sujeito ao IPTU, em razão (ainda por hipótese) de uma alíquota de 2%, enquanto outro, titular de centenas de imóveis de pequeno valor, sujeitar-se-ia ao imposto em razão de alíquotas de, v.g., 0,5%. Haveria nítida e injustificável ofensa ao princípio da igualdade. Mais que isso, sua própria inversão. (AIRES FERNANDINO BARRETO, Impostos Sobre a Propriedade Imobiliária, in Revista de Direito Tributário, 58-SP: RT, 227 p.)

Leciona, ainda, o mesmo Autor:

          A progressão das alíquotas do IPTU, tirante hipótese extrema, adiante versada, não é admitida pela Constituição de 1.988. Essa é a conclusão que se impõe em face das disposições constantes dos artigos da nova Constituição da República, interpretados sistematicamente. A "mens legis", aí claramente apontada –independentemente de qual tenha sido o propósito do legislador – somente permite interpretação nesse sentido. É preciso, antes de tudo, afastar a conclusão simplista, no sentido de que o disposto no art. 145 § 1º , da Constituição Federal, ao impor a graduação dos impostos segundo a capacidade econômica do contribuinte, possa justificar sua progressividade. O que o princípio da capacidade contributiva exige é que todo e qualquer imposto seja "ad valorem", vedando, a "contrariu senso", a criação dos chamados impostos fixos. A progressão, todavia, é algo inteiramente diverso da simples graduação. A graduação e a progressão dos impostos distinguem-se radicalmente, pelos seus respectivos fundamentos e, às vezes, até pelas formas por que foram operacionalizadas. O fundamento da progressão, no sistema da Constituição de 1.988, não é o princípio da capacidade contributiva (AIRES FERNANDINO BARRETO, Imposto Predial e Territorial Urbano- IPTU, in Curso de Direito Tributário, IVES GANDRA DA SILVA MARTINS- Coord., 5ª edição, Belém, CEJUP, 1.997)

Essa é também a opinião de IVES GANDRA MARTINS, JOSÉ EDUARDO SOARES DE MELO e MARCO AURÉLIO GRECO. Este último, após expor entendimento semelhante ao de AIRES FERNANDINO BARRETO, conclui que:

          Não há na Constituição dois tipos de progressividade do IPTU. Há apenas a que sirva para assegurar a função social do imóvel, nas hipóteses, através do regime e pelos instrumentos consagrados no art. 182 da CF (MARCO AURÉLIO GRECO, IPTU- Progressividade – Função Social da Propriedade, in Revista de Direito Tributário, no. 52, p. 120).

CARLOS MANGUEIRA critica a fundamentação doutrinária dos Acórdãos de nossa Corte Suprema. Cita o voto do Min. MOREIRA ALVES, Relator do primeiro processo que tratou do assunto, e cujo pensamento vem sendo seguido, até hoje, no sentido de que o IPTU é um imposto real. Diz o Autor:

          Discordamos, "data venia", da fundamentação de nossa Corte Suprema. Com efeito, não é por ser um imposto de natureza real que não se aplica o princípio da capacidade contributiva ao IPTU. Aliás, a própria classificação dos impostos em pessoais e reais é falha pois, sendo a obrigação tributária uma relação jurídica, é de sua essência que haja um sujeito passivo, um sujeito ativo, um objeto e um vínculo de atributividade. Ora, sujeito passivo da obrigação tributária sempre será a pessoa - física ou jurídica -, jamais o objeto. Os impostos, portanto, sempre terão natureza pessoal. (CARLOS OCTAVIANO DE MEDEIROS MANGUEIRA, IPTU : Capacidade Contributiva, Progressividade, Função Social da Propriedade e Vedação ao Confisco. A Visão do STF, datavenia, artigos, novembro de 99 - http://www.datavenia.inf.br/artigos/octaviano.html)

          Em Ribeirão Preto (SP), foi adotada uma legislação do IPTU que instituía alíquotas progressivas em função do número de terrenos urbanos de que o contribuinte fosse proprietário. Assim, os proprietários de mais de dez terrenos urbanos pagariam alíquotas maiores:

          Por isso os lançamentos de IPTU progressivo em Ribeirão Preto são nulos em quaisquer circunstâncias, por inconstitucionalidade das leis complementares municipais 312/94, 501/95 e 524/95, editadas sem o amparo da lei federal complementar a que se refere o art. 182, § 4º, da Constituição.
     E ainda porque, não fora a inconstitucionalidade referida, os lançamentos ainda atropelam o art. 2º da Lei Complementar Municipal 524/95 e o § do art. 5º c.c. art. 10, I, e art. 16, todos da Lei Complementar municipal 501/95.
(WALDO ADALBERTO DA SILVEIRA JÚNIOR, O IPTU Progressivo – http://www.jus.com.br)

Sobre a criatividade na edição de leis municipais inconstitucionais, fala ROMULO CAVALCANTE MOTA :

          A criatividade dos Prefeitos do Rio de Janeiro é tão grande que eles inventaram a tripla progressividade. É o IPTU mais progressivo de todos os Municípios brasileiros. Por que motivo?

          As alíquotas aumentam, por região, de acordo com a localização do imóvel. Existem no Município do Rio de Janeiro, as regiões A, B, C, Orla Marítima e Lagoa. As alíquotas da região A são menores e vão crescendo até chegar à Orla Marítima e à Lagoa Rodrigo de Freitas.

          Também aumentam as alíquotas de acordo com a metragem dos imóveis. Na medida em que aumentam as áreas, a metragem quadrada, aumentam as alíquotas. Esta é a razão pela qual, no Rio de Janeiro, estão medindo os imóveis. Quanto maior a metragem maior será a alíquota progressiva.

          Finalmente, a terceira progressividade do imposto predial do Rio de Janeiro, é de acordo com o uso do imóvel, residencial ou não residencial. O imóvel residencial tem alíquotas menores e o não residencial, alíquotas maiores.

          Outros Municípios brasileiros adotam alíquotas progressivas, de acordo com o valor venal do imóvel, pura e simplesmente. Existe Município cuja criatividade consiste em dar descontos. E assim, cada um imagina uma maneira de burlar a Lei Maior e aumentar o imposto. (ROMULO CAVALCANTE MOTA, O IPTU Progressivo, http://www.jus.com.br):

Existem, é claro, algumas opiniões divergentes. Na jurisprudência, podemos citar decisões antigas do Tribunal de Justiça de São Paulo, e da 5ª Câmara do Tribunal de Alçada Cível, também de São Paulo:

          "IPTU - Progressividade - Lei Municipal que adota o sistema de alíquotas graduais progressivas por classes de valor venal - Função social da propriedade - Constitucionalidade - Aplicabilidade do art. 156, I e § 1º., da CF. Lei Municipal que adota o sistema de alíquotas graduais progressivas por classes de valor venal na apuração do IPTU, para assegurar a função social da propriedade, não pode ser considerada inconstitucional por falta de definição em lei federal sobre o que seja função social da propriedade, pois a própria CF, ao estabelecer em seu art. 156, I e § 1º., que compete aos municípios instituir impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana - e tais podem ser progressivos de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade -, não impôs a edição de qualquer norma de caráter federal para tal finalidade."
(TACivSP, Ap. 632.800-9, 5ª. Câm., j. 21.08.96, Rel. Juiz Joaquim Garcia, v.u., RT 734/356)

          "IPTU - Progressividade - Norma que discrimina a setorização imobiliária, separando os imóveis residenciais dos demais, e depois, em cada um dos grupos estabelece faixas com base no valor venal. Fim social atendido - Legalidade - Inteligência da Lei Municipal 10.921/90 e 156, § 1º., da CF. IPTU - Progressividade - Lotes não edificados - Faculdade do poder público instituir além da progressividade prevista no § 1º., do art. 156, da CF, outra, para forçar o proprietário a dar a devida destinação ao imóvel."
(TJSP, Ap. 491.019-8, 5ª Câmara, j. 24.11.93, Rel. Juiz Silvio Marques Neto, v.u., RT 701/87).

Na Doutrina, podemos citar KIYOSHI HARADA:

"A progressividade do IPTU prevista no § 4º. do art. 182, como veremos na secção seguinte, é a progressividade específica para ordenamento das funções sociais da cidade, só podendo ser exercitada através da modalidade ali prevista: a progressividade no tempo. Já aquela referida no § 1º do art. 156 é a progressividade genérica, podendo ser exercitada através de qualquer das modalidades retro-analisadas para assegurar o cumprimento da função social da propriedade, bem como para regular qualquer matéria que se insira no âmbito das atribuições do Município, como já era pacífico na doutrina e jurisprudência.

..............................................................

Positivamente, não há como condicionar o exercício da extrafiscalidade genérica (§ 1º. do art. 156) ao exercício da extrafiscalidade específica (§ 4º. do art. 182)."
(KIYOSHI HARADA, Sistema Tributário na Constituição de 1988 - Tributação Progressiva. São Paulo, Saraiva, 1991, págs. 233 e 234).

Mais recentemente, esse mesmo autor, advogado, Diretor da Escola Paulista de Advocacia, Professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo, ex- Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, insiste que o IPTU não é imposto real, e cita a Súmula 539 do STF, entendendo que não se coaduna com a jurisprudência que considera o IPTU um imposto real:

          Atualmente, não mais vigora a classificação doutrinária dos impostos em pessoais e reais, isto é, aqueles que levam em conta os aspectos pessoais do contribuinte na dosagem da carga tributária, e aqueles decretados sob a consideração única da matéria tributável, com total abstração das condições individuais do contribuinte. Outrora, eram exemplos típicos dos segundos o IPTU e o ITR. Como imposto de natureza pessoal temos o imposto sobre a renda das pessoas físicas, ainda que, com gradual despersonalização; as classificações cedulares dos rendimentos desapareceram; as deduções de despesas diminuíram; a graduação de alíquotas está limitada à apenas duas faixas, (grifamos, para ressaltar o engano do Autor, porque além das duas faixas a que se refere, existem os descontos fixos, que fazem com que, na prática, exista um número infinito de faixas de tributação progressiva) assim mesmo, por imposição constitucional; se dependesse do legislador ordinário teríamos uma alíquota única para todos.

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          Ironicamente, o IPTU, outrora protótipo de imposto de natureza real, vem caminhando no sentido de sua personalização, de forma cada vez mais crescente. Prédios situados nas periferias, habitados por seus proprietários, são isentos. Proliferaram as legislações especiais instituindo os mais diversos privilégios fiscais (isenção, redução de alíquota, redução da base de cálculo etc), tudo em função de aspectos subjetivos do contribuinte.

          Essa inversão vem ocorrendo, de forma cada vez mais acentuada, a partir do advento da Súmula 539 do STF que prescreve: "É constitucional a lei do Município que reduz o imposto predial urbano sobre imóvel ocupado pela residência do proprietário, que não possua outro".

          Hoje, não é mais possível classificar os impostos, "a priori", em reais ou pessoais, impondo-se o exame do fato gerador a cada caso concreto. Para se ter uma idéia, só em relação aos aposentados foram apresentadas, dentre outras, as seguintes proposituras legislativas visando isenção ou redução do IPTU: aposentado com mais de 65 anos que possua um único imóvel; aposentado enfermo; aposentado que tenha participado da FEB; aposentado que ganhe até cinco salários mínimos; aposentado que tenha plantado árvore frutífera no quintal do prédio etc.

          À toda evidência, a divisão dos impostos em reais e pessoais, segundo a doutrina clássica, já perdeu a nitidez. Só o exame do fato gerador do imposto, em todos os seus aspectos, possibilitará a sua classificação.

          Entretanto, o STF decidiu que o IPTU não poderá ser graduado segundo a capacidade contributiva por ser imposto de natureza real (RREE 153.771; 192.732; 193.997; 194.036;197.676; 204.827)

          Outrossim, em julgamento realizado em 08-04-99, aquela alta Corte de Justiça declarou a inconstitucionalidade da tributação progressiva do ITBI do Município de São Paulo - art. 10, II da Lei nº 11.154/91 - sob o fundamento de que "imposto de natureza real que é, não pode variar na razão presumível da capacidade contributiva do sujeito passivo" (RE 234.105-SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO).

          Na verdade, exatamente a graduação de alíquotas, em função do valor venal dos bens adquiridos pelo contribuinte, conferiam caráter pessoal a esse imposto. Com a sua supressão o ITBI passou a ser imposto de natureza real; todos os contribuintes, ricos, pobres ou médios, indistintamente, sujeitar-se-ão a uma mesma alíquota.

          Para finalizar, essas decisões da Corte Suprema, "data venia", não guardam harmonia com o teor da sua Súmula 539. (KIYOSHI HARADA, Breve Comentário Acerca das decisões do STF sobre a Natureza Real do IPTU e do ITBI a Impedir a Progressividade Fiscal – http://www.jus.com.br)

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Sobre o autor
Gilberto Schäfer

Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Guaíba (RS), Professor de Direito Constitucional da ESM/AJURIS, Mestre e Doutorando em Direito Público pela UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHÄFER, Gilberto. Ação direta de inconstitucionalidade contra alíquotas progressivas no IPTU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16206. Acesso em: 23 dez. 2024.

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