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Ação direta de inconstitucionalidade contra alíquotas progressivas no IPTU

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01/07/2000 às 00:00
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A CORRETA EXEGESE:

, os impostos tenham caráter pessoal e sejam graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Aliás, sobre essa expressão, assevera PAULO DE BARROS CARVALHO:

          Redundância tosca, que podemos relevar da parte do político, mas inadmissível quando recebe a chancela descritiva do cientista. A cláusula sempre que possível está pressuposta em toda e qualquer regulação da conduta, por um motivo muito simples : as normas jurídicas incidem, exclusivamente, no campo dos comportamentos possíveis, representando inusitado absurdo deôntico regular a conduta necessária (é permitido respirar, é obrigatório respirar; ou é proibido respirar), ou a conduta impossível (é proibido, permitido ou obrigatório ir ao planeta Marte no próximo fim de semana). A região material sobre que incide o Direito para governar as relações de interpessoalidade, orientando-as no caminho da realização dos conteúdos axiológicos que a sociedade persegue, é uma e somente uma: a região da conduta possível. Tanto assim que a supressão radical da cláusula em nada prejudica ao produto legislado. (PAULO DE BARROS CARVALHO, Curso de Direito Tributário, 6a ed., São Paulo, Saraiva, 1.993, p. 132)

Mas, data venia, é evidente que não poderia, pela simples leitura da expressão sempre que possível, prosperar essa exegese de HARADA, porque não podem ser interpretados isoladamente os arts. 145 e 156. Seria um atentado à Constituição, porque o simples bom senso demonstra que não haveria razão para a existência do art. 182, se o Município pudesse instituir, com base no art. 156, ou no art. 145, alíquotas progressivas, livremente, por lei municipal, sem qualquer limitação.

É óbvio que a Constituição não pode ter normas supérfluas, nem conflitantes. Assim, qual poderia ser a finalidade dos §§ 2º e 4º do art. 182 da Constituição, com todas as exigências para que pudesse ser permitida a cobrança das alíquotas progressivas do IPTU, se essa cobrança fosse permitida, sem qualquer limitação, com base no § 1º do art. 156 ? Afinal de contas, a atividade exegética também exige, além dos indispensáveis conhecimentos jurídicos, um mínimo de bom senso.

Se o Município pudesse livremente instituir alíquotas progressivas do IPTU, em função do valor venal do imóvel, ou em função de sua utilização, ou sobre o imóvel não edificado, isso seria a própria licença para o confisco, total e indiscriminado, e é curial que essa exegese não condiz, também, com a normatização constitucional pertinente ao direito de propriedade, resguardado como cláusula pétrea, verbis:

          Art. 5º , XXIV- a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;...

A prosperar a exegese proposta pelo Autor acima citado, virtualmente desapareceria a garantia da propriedade, constante do catálogo imutável do art. 5º, porque seria muito fácil desapropriar sem indenizar, pela simples utilização da progressividade das alíquotas do IPTU.

É interessante citar, para melhor comprovação da necessidade de limitação da competência tributária municipal pertinente ao IPTU, que pela proposta de emenda constitucional referente à reforma tributária, ora em tramitação no Congresso Nacional, o § 1º do art. 156 passará a vigorar com a seguinte redação:

          Art. 156, § 1º – O imposto previsto no inciso I poderá ser progressivo, nos termos de lei municipal, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade, e terá suas alíquotas máximas fixadas em lei complementar.(grifamos)

É claro que o Município tem autonomia, mas precisa respeitar os princípios fundamentais do ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal tem 246 artigos, em seu texto permanente, e constitui princípio básico de hermenêutica que não se pode interpretar uma norma isoladamente. A exegese deve ser sistemática.

É o que ensina TEMÍSTOCLES CAVALCANTI :

          os conflitos entre preceitos contraditórios da própria Constituição, ou aparentemente divergentes, devem ser interpretados em função do sistema constitucional. (TEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, Do Controle da Constitucionalidade, Forense, p. 47)

Por essa razão, não é possível, pela simples leitura superficial do art. 145 § 1º ou do art. 156 § 1º , entender que o Município poderá, através de lei municipal, criar alíquotas progressivas, de acordo com os mais variados critérios que a fértil imaginação do legislador possa produzir. A interpretação tem que ser sistemática, e a única progressividade permitida pela Constituição Federal para as alíquotas do IPTU é a progressividade no tempo, destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade, conforme previsto no § 4º do art. 182, que permite à Prefeitura exigir, nos termos de lei federal, que o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, promova seu aproveitamento. Caso isso não ocorra, o proprietário será obrigado a parcelar sua propriedade, ou a construir, sob pena de ficar sujeito ao IPTU progressivo no tempo, ou à desapropriação. Esse é o entendimento que se impõe, em decorrência também da utilização do termo sucessivamente, no caput do § 4º , in fine.

Isso é um exemplo de extrafiscalidade, ou seja, de utilização do tributo como instrumento para a obtenção de finalidades diversas daquela da simples arrecadação de dinheiro. A alíquota progressiva somente pode ser admitida quando o imóvel não cumpre sua função social, o que poderia ocorrer, por exemplo, com terrenos urbanos não edificados, e o maior exemplo em Belém de propriedade que há muitos anos não cumpre sua função social é o "buraco da Palmeira". Inexiste, porém, a lei federal, e a norma do § 4º acima referido é claramente uma norma de eficácia contida.

Em relação aos imóveis residenciais, de uso próprio ou alugado, ou em relação aos imóveis edificados não residenciais, não pode haver esse tipo de penalização, através de alíquotas progressivas. Seria uma espécie de imposto ROBIN HOOD, isso se o dinheiro chegasse às mãos dos pobres. Os imóveis residenciais, sejam próprios ou alugados, cumprem igualmente sua função social, e não existe qualquer justificativa para que seja exigida uma alíquota maior em relação aos de maior valor venal, porque a função social da propriedade não pode ser confundida com a redistribuição da riqueza ou com o simples confisco.

Também quanto aos imóveis não residenciais, cujas alíquotas são muito mais altas (de 0,5% até 2,00%), enquanto que as alíquotas dos residenciais variam de 0,15% até 0,6%, não existe qualquer razão para essa tributação progressiva. Afinal de contas, em que sua utilização poderá estar prejudicando a função social da propriedade? É evidente que os estabelecimentos comerciais e industriais, as lojas, supermercados, escritórios e etc., geram empregos, rendas, tributos federais, estaduais e municipais e prestam à população serviços certamente indispensáveis.

Também aqui pode ser observada grave afronta ao princípio constitucional da isonomia, já referido pelas manifestações doutrinárias antes transcritas. A única progressividade constitucional, no entendimento do Pretório Excelso, é a progressividade no tempo, para atender à função social da propriedade, mas a legislação do IPTU, em Belém, é progressiva, não apenas em função do valor venal do imóvel, mas também em função de sua destinação.

Dessa maneira, se o contribuinte possui um imóvel de valor venal elevado, digamos, de R$600.000,00 (seiscentos mil reais), estará sujeito ao pagamento de um IPTU de R$3.600,00 (três mil e seiscentos reais, a uma alíquota de 0,60%), isso se o imóvel é residencial. Se, no entanto, esse mesmo imóvel for não residencial, o mesmo contribuinte já estará sujeito a um lançamento no valor de R$12.000,00 (doze mil reais, a uma alíquota de 2,00%).

Supondo-se, ainda, outro contribuinte, que ao em vez de ser proprietário de um só imóvel, no valor de R$600.000,00, possua sessenta imóveis, no valor de R$10.000,00 (dez mil reais) cada, nessa hipótese, o contribuinte estará sujeito ao pagamento de um IPTU total no valor de R$900,00 (novecentos reais, a uma alíquota de 0,15%), se os imóveis forem residenciais, ou ao pagamento de um valor total de R$6.000,00 (seis mil reais, a uma alíquota de 1,0%), caso os imóveis sejam não residenciais.

Dessa forma, por um mecanismo capaz de anular o princípio constitucional da isonomia, os contribuintes pagariam R$12.000,00 (doze mil reais), ou R$6.000,00 (seis mil reais), ou R$3.600,00 (três mil e seiscentos reais), ou, ainda, R$900,00 (novecentos reais). Isso, esquecendo a hipótese do contribuinte cujas centenas de imóveis estejam dentro da faixa de isenção, porque seu valor venal seja inferior a 9.000 UFIR.

É evidente o caráter confiscatório dessa tributação. AIRES BARRETO (obra citada) explica:

          Seria confiscatório o imposto que ultrapassasse a "renda ótima" do imóvel, isto é, o valor que o imóvel receberia, se fosse alugado, p. ex., em um exercício financeiro. A tributação sobre a riqueza seria, na verdade, um imposto sobre a presumível renda que se poderia obter a partir dessa riqueza.

Não existe, assim, qualquer razão lógica, nem jurídica, para essa tributação, confiscatória do patrimônio de particulares, e francamente inconstitucional, nem para o conseqüente enriquecimento indevido dos cofres municipais, que aliás com certeza não ocorrerá, porque muitos contribuintes, tendo em vista os valores exorbitantes cobrados, não têm outra alternativa, salvo a inadimplência.

Na realidade, nenhum administrador tributário poderia dar-se ao luxo de desconhecer a teoria de Arthur Laffer, economista da Universidade de Pepperdine, nos Estados Unidos. A Curva de Laffer mostra a relação existente entre as alíquotas do imposto e o total da arrecadação tributária, de modo que nem sempre o aumento da tributação gera um aumento de arrecadação, se a atividade econômica decresce. Esse economista apresentou seu estudo ao Presidente Ronald Reagan, para convencê-lo de que reduzir as alíquotas dos impostos poderia resultar em maiores arrecadações para o governo.

Em Belém, a Sefin realizou um recadastramento, aumentando o valor venal dos imóveis, o que veio somar-se à exigência das alíquotas progressivas, que já vinham sendo cobradas, antes mesmo da entrada em vigor da lei 7.934/98, cujo art. 6º estabelece as alíquotas inconstitucionais, causando assim a insatisfação popular, porque na situação atual, de recessão econômica e desemprego, após cinco anos sem reajustes salariais, com uma inflação acumulada de 85%, aumentar impostos é o mesmo que reduzir a arrecadação tributária.

No Município de Belém, antes mesmo desse recadastramento, os índices de inadimplência já vinham aumentando proporcionalmente a essas alíquotas progressivas, o que levou a Prefeitura, conforme noticiado, a executar milhares de contribuintes.

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É curial, portanto, que nas Tabelas II, III e IV, aprovadas pelo art. 6º da Lei 7.934, de 29.12.98, são inconstitucionais todas as alíquotas progressivas em função do valor venal do imóvel, ou progressivas em função de sua utilização, como não residencial, bem como todas as alíquotas referentes aos imóveis não edificados (tabela IV).

Assim, na Tabela II, referente aos imóveis edificados próprios e alugados, a única alíquota constitucional é a mais baixa, de 0,15%.

Na Tabela III, referente aos imóveis não residenciais, as quatro alíquotas são todas inconstitucionais, porque são progressivas em função da utilização do imóvel e em função de seu valor venal.

Finalmente, na Tabela IV, referente aos imóveis não edificados, todas as alíquotas são inconstitucionais, primeiro porque progressivas em função do valor venal do imóvel, e depois porque não preenchem os requisitos do multicitado art. 182 da Constituição Federal, para a instituição da progressividade extrafiscal no tempo.

A Prefeitura costuma alegar, judicialmente, que a cobrança de alíquotas progressivas em função do valor venal do imóvel configura a chamada progressividade fiscal, que encontraria amparo no art. 145 § 1º , em conjunto com o art. 156, I, da Constituição Federal em vigor, sendo inaplicável ao IPTU o disposto nos §§ 2º e 4º do art. 182. Esse entendimento, contudo, coerente com o de KIYOSHI HARADA, já foi claramente desautorizado pelo Supremo Tribunal Federal:

          Ementa: Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal. IPTU. Progressividade. O Plenário desta Corte, ao julgar o RE 153.771, relativo à progressividade do IPTU, firmou o entendimento de que " no sistema tributário nacional é o IPTU inequivocamente um imposto real" e assim sendo, sob o império da atual Constituição, não é admitida a progressividade fiscal do IPTU, quer com base exclusivamente no seu art. 145 § 1o , porque esse imposto tem caráter real, que é incompatível com a progressividade decorrente da capacidade econômica do contribuinte, quer com arrimo na conjugação desse dispositivo constitucional (genérico) com o art. 156, § 1º (específico). O Acórdão recorrido julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade em causa, porque deu ao art. 160, § 1º , da Constituição do Estado de São Paulo (que reproduz o art. 145 § 1º da Carta Magna Federal) interpretação diversa da que esta Corte tem dado ao princípio constitucional federal reproduzido pela Constituição Estadual. Recurso extraordinário conhecido e provido, para julgar procedente a ação direta de inconstitucionalidade, declarando, com eficácia "erga omnes", inconstitucional o art. 1º da Lei 11.152, de 30 de dezembro de 1.991, do Município de São Paulo, na parte que altera a redação dos arts. 7º e 27 e respectivos parágrafos da Lei 6.989, de 29 de dezembro de 1.966, com a redação que lhes foi conferida pelas Leis nos. 10.394, de 20 de novembro de 1.987, 10.805, de 27 de dezembro de 1.989 e 10.921, de 30 de dezembro de 1.990. (RE 199281/SP, Rel. Min. Moreira Alves, Publicação DJ data 12.03.99, pp. 00018, EMENT VOL 01942-03 PP – 00625)

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Sobre o autor
Gilberto Schäfer

Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Guaíba (RS), Professor de Direito Constitucional da ESM/AJURIS, Mestre e Doutorando em Direito Público pela UFRGS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHÄFER, Gilberto. Ação direta de inconstitucionalidade contra alíquotas progressivas no IPTU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16206. Acesso em: 23 dez. 2024.

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