Petição Destaque dos editores

Ação civil pública contra fotossensores

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XI. DO DEVER DE RESTITUIR EM DOBRO O
QUE COBROU E RECEBEU INDEVIDAMENTE:

          Em seu artigo 964, reza o Código Civil:

          "Art. 964 - Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir".

          Outrossim, o Código de defesa do Consumidor determina no parágrafo único do artigo 42 que os valores correspondentes à devolução devem ser corrigidos, em dobro e acrescidos dos juros legais:

          "Art. 42. (....).

          Parágrafo único - O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro ao que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".

          Neste diapasão, cumpre esclarecer que os réus promoveram, bem como vêm promovendo a cobrança de multas impostas por mecanismo eletrônico-fotográfico inabilitado e que não tem o condão de dizer com objetividade e precisão se o cidadão efetivamente cometeu a infração que lhe é imputada. Destarte, cabe ao Judiciário tomar as medidas cabíveis no sentido de compelir os réus a recomporem os prejuízos causados, restituindo aos consumidores-cidadão em dobro, acrescido de correção monetária e juros legais, ex vi do que dispõe o parágrafo único do artigo 42 da Lei 8.078/90, todo o dinheiro recebido indevidamente.

          O dever de restituir decorre diretamente da postura ilegal e imoral adotada pelos requeridos. Como é cediço em Direito, todo aquele que causa prejuízo a outrem é obrigado a indenizar. E não há de ser diferente no caso em apreço, haja vista as inúmeras arbitrariedades cometidas por todos os demandados.

          Cumpre ressaltar que a exceção de "engano justificável", contemplada no parágrafo único do já mencionado art. 42, não se configura no caso vertente, pois os reclamados agiram com dolo intenso desde o início e mesmo alertado por várias ações judiciais, leis, notícias em jornais e recursos administrativos interposto perante o Detran, nada fizeram para cessar a mesquinha e usurária cobrança. O próprio Governador reconheceu a ilegalidade dos fotossensores, tanto é que fez deles uma de sua plataforma de campanha.

          O parágrafo único do predito artigo 42 do CDC contempla uma sanção imposta àqueles que, ao agirem com má-fé, locupletaram-se em detrimento do cidadão-consumidor. Aqui, o fulcro do conceito ressarcitório encontra-se deslocado para a convergência de três forças: o "caráter punitivo" , o "caráter preventivo" e o "caráter compensatório" da norma. Tem cunho punitivo, pois a condenação à repetição do indébito, em dobro, avulta-se como um castigo para aquele que infringiu a lei. É de inspiração preventiva, já que evitará que a lesão se perpetue a outros membros da sociedade. Por fim, tem natureza compensatória, pois ressarcirá o cidadão-consumidor dos prejuízos experimentados.

          E é exatamente isto que o autor pretende obter, atendendo a um anseio eminentemente social. A condenação dos réus na devolução em dobro servirá como um alerta a muitos outros ramos da sociedade que têm por costume fazer cobranças vexatórias, abusivas e indevidas. Com efeito, muitos órgãos do próprio Governo haverão de pensar duas vezes antes de exigir quantias indevidas, evitando-se com isso que a lesão se perpetue na sociedade.

          Para finalizar, convém salientar que caso propugne a defesa pela aplicação do Código Civil, só fará ratificar as verdades preditas neste venábulo, máxime porque ausentes as exceções contempladas nos artigos 969, 970 e 971 daquele códex.


XII. DA NECESSIDADE DE SE DESCONSIDERAR A PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA RÉ:

          No presente caso é indiscutível a necessidade de se desconsiderar a personalidade jurídica da empresa ré, atingindo por conseguinte o patrimônio dos seus sócios em caso de impossibilidade de se restituir aos cofres públicos e aos cidadãos-consumidores lesados os valores obtidos ilicitamente através de um contrato nulo ab initio.

          Foi de grande valia o avanço doutrinário, jurisprudencial e legislativo no que tange a não confusão do patrimônio dos sócios e da empresa. Sim, porque era grande a quantidade de casos de sócios e proprietários de empresas que se aproveitavam desse princípio para fraudar a lei e cometer diversas ilicitudes, apostando que não seriam responsabilizados pois todos os atos praticados os foram em nome da empresa, escudando-se na personalidade jurídica.

          Nesta ordem de idéias, a doutrina abraçou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que foi depois acolhida pelos legisladores e pretórios. Hoje, os responsáveis pelo dano não podem mais se ocultar atrás da personalidade jurídica. Caso a empresa, a associação ou a cooperativa não possuam condições financeiras para indenizar, os seus diretores, prepostos e agentes respondem pelos atos praticados.

          A Constituição Federal, o Código do Consumidor e a Lei de Combate à Improbidade Administrativa, como instrumentos de justiça que são, patrocinam o arrimo ao consumidor indefeso, esbulhado em seus direitos e à Administração Pública, proporcionando o acesso àquilo que lhes é próprio. Objetiva a legislação através de métodos assépticos, elidir as máculas advindas da malsinação das relações de consumo e das relações contratuais escusas que alguns administradores públicos promovem em conluio com representantes de empresas particulares.

          Como se percebe, os verdadeiros responsáveis pelo golpe, para consumá-lo, valeram-se da personalidade jurídica da empresa, apostando na impunidade. Cônscios dos abusos e das ilegalidades cometidas, os sócios da .............. permaneceram anônimos, utilizando sempre o nome da entidade para ilidir qualquer responsabilidade individual.

          Para evitar, portanto, que os culpados fiquem impunes, o que representaria um sério estímulo à imoralidade e injuridicidade, cumpre desde já responsabilizar solidariamente todos os sócios da ré que contribuíram para a consumação do golpe. A continuar como está, jamais haverá a realização da Justiça, mas sim o prestígio aos matreiros astutos, pela inocuidade do provimento jurisdicional.

          Para que tal iniqüidade não ocorra, mister se faz a desconsideração da personalidade jurídica da ............., a fim de que seus dirigentes e demais responsáveis cumpram com o seu dever, indenizando e reparando os danos causados a terceiros e ao próprio erário público.

          Certo é que a pessoa jurídica tem existência distinta da de seus membros, cujo capital não se confunde com o daquela. Entretanto, isto não os avaliza a praticarem atos que comprometam o vigor patrimonial da sociedade, mormente quando em prejuízo de inúmeras pessoas.

          É o que reza o Código do Consumidor, em seu artigo 28, "caput" e § 5º, "in verbis":

          "Art. 28 - O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração.

          (....).

          § 5º Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores".

          Daí a necessidade da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de sujeitar os bens de todos os responsáveis pelos danos causados aos cidadão-consumidores e ao erário público aos efeitos da sentença condenatória, assegurando o resultado útil do processo.

          Nesse sentido merece transcrição o magistério de Arruda Alvim:

          "Inocorrendo suporte da pessoa jurídica para arcar com as conseqüências, o juiz pode desconsiderá-la e responsabilizar o verdadeiro autor da prática do ilícito. Por isso mesmo, e principalmente, se a empresa não tiver meios para pagar, poderá o juiz, aplicando o art. 28 em questão, desconsiderá-la condenando o próprio fornecedor".

          Mais adiante, acrescenta o emérito jurista:

          "Havendo prejuízo, nexo de causalidade entre a prática e o dano e pretendendo estar o responsável resguardado sob a capa de uma sociedade, esta deve ser desconsidera".

          Neste ensejo, merece destaque a lição da insigne Maria Helena Diniz:

          "Ante a sua grande independência e autonomia devido ao fato da exclusão da responsabilidade dos sócios, a pessoa jurídica, às vezes tem-se desviado de seus princípios e fins, cometendo fraudes e desonestidades, provocando reações doutrinárias e jurisprudenciais que visam coibir tais abusos; surge a figura da "desconsideração ou da desestimação da pessoa jurídica", o disregard of the legal entity do direito anglo-saxão, ou da "penetração da pessoa jurídica", o Durchgriff, do direito alemão.

          A desconsideração ou penetração permite que o magistrado não mais considere os efeitos da personificação ou da autonomia jurídica da sociedade para atingir e vincular a responsabilidade dos sócios, com o intuito de impedir a consumação de fraudes e abuso de direito cometidos, por meio da personalidade jurídica, que causem prejuízos ou danos a terceiros". (Curso de Direito Civil Brasileiro - 10 Volume - Teoria Geral do Direito Civil - Editora Saraiva)

          Outra não é a orientação jurisprudencial:

          "Apelação Cível. Indenização cumulada com perdas e danos. Carência de Ação. Legitimidade passiva do sócio da pessoa jurídica para figurar no pólo passivo da ação. Teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Provimento.

          É parte legítima para figurar no pólo passivo da ação ajuizada contra empresa que causou prejuízos ao consumidor, os sócios que por ela são responsáveis, na medida em que sobre eles recairão os ônus da demanda. Aplica-se na espécie a teoria da desconsideração da personalidade jurídica." (AC, B-XV, 42.169-4. Três Lagoas. Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Mello. 2a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 21-03-95. DJ-MS, 05-05-95, pág. 03).

          "Apelação Cível. Embargos de Terceiro. Sócios de sociedade irregular. Falta de bens. Penhora em bens dos sócios. Possibilidade. Teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Provido.

          (...)

          Não encontrados bens de propriedade irregular, é cabível a penhora em bens dos sócios.

          A teoria da desconsideração da personalidade jurídica ajusta-se a casos em que a fraude é praticada através daquela personalidade." (AC, q, 890. Dourados. Rel. Des. José C. C. Castro Alvim. 2a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 12-02-88. DJ-MS, 18-03-88, pág. 07).

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          "Apelação Cível. Adjudicação compulsória. Transação. Dação em pagamento. Atos praticados por sócio-gerente de sociedade de responsabilidade limitada. Atos ‘Ultra Vires Societatis’. Desconsideração da personalidade jurídica. Órgão da sociedade. Nulidade dos atos praticados. Provida.

          (...)

          Praticando o sócio gerente da sociedade atos ‘ultra vires societatis’, inescusável que se aproveitou da personalidade jurídica dela. Ocorre, no caso, a chamada desconsideração da personalidade jurídica, pois foi ela o instrumento de fraude ou abuso de direito imputáveis aos sócios, no caso, ao sócio. (...)." (AC, n, 645. Costa rica. Rel. Des. José Augusto de Souza. 2a Turma Cível Isolada. Unânime. J. 15-06-88. DJ-MS, 16-09-88, pág. 05).

          "Apelação Cível. Ação revocatória. Doação a descendentes. Execuções e falências já aparelhadas. Insolvência caracterizada. Sócios que avalizaram títulos para a firma. Improvida.

          O princípio da impenetrabilidade do absolutismo do direito da personalidade jurídica pode ser afastado pela doutrina da desconsideração quando, numa sociedade por cotas de responsabilidade limitada, composta apenas de pessoas da família, estas avalizam títulos para a entidade e a sombra da empresa pretendam frustar o cumprimento de suas obrigações." (Acórdão publicado RTJMS -32/122. - AC, m, 732. Campo Grande. Rel. Des. Sérgio Martins Sobrinho, Turma Cível. Unânime. J. 17-12-85. DJ-MS, 21-02-86, pág. 12).

          Fruto de dilemas intermináveis, a dúvida quanto a responsabilização das pessoas físicas, em razão do inadimplemento das pessoas jurídicas, exauriu-se quando da publicação do supracitado artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, consagrando-se o princípio da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade. É a facilitação da defesa do consumidor ao vivo e em cores.

          Por outro lado, o artigo 1.518 do Código Civil dispõe que os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação, acrescentando, no seu parágrafo único, a responsabilidade solidária dos cúmplices, in verbis:

          Art. 1.518 – Os bens do responsável pela ofensa ou violação de direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação.

          Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores, os cúmplices e as pessoas designadas no art. 1.521.

          A separação absoluta entre a existência da pessoa jurídica de direito privado e a dos seus membros, tal como prevista no artigo 20 do Código Civil Brasileiro, constitui-se em um dos pilares da construção teórica acerca da outorga da personalidade jurídica e agrupamento de pessoas ou bens.

          Ocorre que essa estrutura, por si só, não conseguiu evitar fraudes e abusos cometidos. A par disto, o legislador, sabiamente, penetrou no âmago da questão, onde pessoas, mascaradas de personalidade jurídica, enriquecem ilicitamente, deixando cidadãos-consumidores inocentes e, às vezes, a própria Administração Pública à margem de suas pretensões e direitos.

          Ora, no caso sub judice não restam dúvidas de que houve efetivo abuso de direito, excesso de poder e infração às regras supracitadas por parte da empresa e seus sócios, ao causarem os sobreditos prejuízos.

          Como se não bastasse tudo o que já foi dito, cita-se, finalmente, o que a lei de combate a improbidade pública dita a respeito do caso. Eis o seu teor:

          "Art. 3°- As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

          (....).

          Art. 5º. Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.

          Art. 6º. No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.

          Art. 7º. Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

          (....).

          Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

          § 1º. O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil."

          Assim, tendo-se em vista o conjunto teórico-probatório exposto nesta peça, está caracterizada a legitimidade passiva da empresa e das pessoas físicas que a compõe, cujos bens devem sujeitar-se aos efeitos da condenação.

          Ante o exposto, é de se concluir que, mais que tautologia, constitui já um truísmo altercar sobre a necessidade da desconsideração da personalidade jurídica da entidade ré, a fim de que, amoldando os infratores da lei aos parâmetros da legalidade e da moralidade, sejam eles compelidos a ressarcir os danos efetivados, de forma a expungir qualquer estímulo à ilicitude e imoralidade, garantindo-se também o resultado útil do processo.

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Sobre os autores
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido ; ALMEIDA, Luiz Antônio Freitas. Ação civil pública contra fotossensores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 36, 1 nov. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16210. Acesso em: 23 nov. 2024.

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