XIII. DA NECESSIDADE DA INDISPONIBILIZAÇÃO DOS BENS DOS AGENTES PÚBLICOS ENVOLVIDOS, PREPOSTOS E DIRETORES DA ENTIDADE RÉ PARA ASSEGURAR O RESULTADO ÚTIL DO PROCESSO:
A responsabilidade do ex e do atual Diretor do Detran/MS e dos representantes legais da empresa ré já foi claramente evidenciada nos itens anteriores. Agora, neste tópico, cumpre demonstrar que a indisponibilidade dos bens dessas pessoas torna-se imprescindível para o efetivo ressarcimento dos danos causados aos cidadãos-consumidores e à Administração Pública.
A Constituição Federal consagra, em seu artigo 5º, inciso XXXII, o sistema de proteção ao consumidor, impondo ao Estado o dever de zelar pela lisura das relações de consumo, "in verbis":
"Art. 5o – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(....);
XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor."
Já em seu artigo 37, § 4º, dispõe sobre a defesa do Patrimônio Público:
"Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."
O escopo do constituinte foi propiciar o grau máximo de celeridade, presteza e efetividade na tutela de interesses coletivos, evitando com isso a dispersão e vulgarização das práticas abusivas e dos atos de improbidade administrativa.
Para tanto impôs ao Estado o dever de zelar por tais interesses, promovendo a defesa do consumidor e da Administração Pública, através de órgãos especializados e mecanismos adequados ao desempenho desta missão.
E quando o texto constitucional se reporta ao vocábulo "Estado", o faz na mais ampla acepção da palavra, referindo-se indistintamente a todos os poderes integrantes do Estado Democrático de Direito. Com efeito, não apenas ao Poder Executivo incumbe o desempenho dessa missão atribuída pela Carta de 1988, mas também ao Poder Legislativo, aos Tribunais de Conta ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.
Assim fica a cargo do Estado-Executor a fiscalização das relações de consumo (hoje realizada pelo PROCON) e das práticas administrativas lesivas ao patrimônio público (Tribunais de Conta), além da assistência jurídica às vítimas pobre de práticas abusivas, atualmente desempenhada pela Defensoria Pública do Consumidor (defesa dos interesses individuais) e pelo Ministério Público (defesa dos interesses individuais indisponíveis, homogêneos, coletivos e difusos).
Por seu turno, o Poder Legislativo se obriga a traçar as diretrizes básicas para a defesa do cidadão-consumidor e do erário público, inovando o ordenamento jurídico com a aprovação de leis que assegurem a efetiva proteção de seus interesses. Nesse campo, aliás, várias foram as contribuições propiciadas pelo legislador. A título de ilustração, pode-se citar as Leis 8.078/90 e 8.429/92, como exemplo do comprometimento parlamentar com o dever imposto pela Constituição Federal. Estas leis trouxeram inúmeras inovações em matéria de tutela jurídica do consumidor e do patrimônio público, principalmente no que tange à prevenção e à reparação de danos, nulidade de cláusulas contratuais leoninas e combate às práticas comerciais abusivas e aos atos de improbidade.
A título de esclarecimento, transcreve-se alguns artigos das leis supracitadas.
Primeiramente, a Lei 8.078/90:
"Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
(....).
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos".
Agora, a Lei 8.429/92:
"Art. 7º. Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.
Art. 8º. O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta Lei até o limite do valor da herança.
(....).
Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.
§ 1º. O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.
§ 2º. Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais."
Por fim, cumpre ao Estado-Juiz, diante de situações concretas que lhe forem submetidas, apreciar a plausibilidade do direito invocado e o espectro do dano causado, a fim de realizar com imparcialidade a justa composição da lide, adotando as medidas necessárias à efetiva proteção dos lesados.
Como se vê, a Constituição Federal conferiu ao Estado a árdua missão de promover a defesa do consumidor e do patrimônio público, tarefa por vezes extremamente difícil. E para consumar na prática aquilo que o constituinte anteviu na teoria, os Poderes Públicos devem estar unidos, envidando esforços conjuntos para executar o postulado constitucional. Judiciário, Executivo e Legislativo, cada qual em sua esfera, devem garantir primado da lei e a defesa do cidadão.
Todavia, esta garantia constitucional seria inócua caso não fossem admitidas, no âmbito de uma relação processual, medidas destinadas a assegurar o resultado útil do processo e a efetiva satisfação da pretensão deduzida em juízo. De nada adiantará obter um provimento favorável após vários anos de batalha judicial, se os réus já houverem dilapidado seus respectivos patrimônios, frustrando assim futura execução de sentença para o azar dos consumidores e do próprio Patrimônio Púbico.
Para se evitar tamanha injustiça, cumpre tomar-se, "ab initio", medidas constritivas incidentes sobre os bens de todos responsáveis pelo ressarcimento, sujeitando-os aos efeitos da sentença que vier a ser prolatada.
A corrente moderna do Processo Civil preocupa-se muito mais com a praticidade e utilidade das medidas judiciais do que com os excessivos rigores formais que, de resto, só atravancam o desenvolvimento da técnica processual e a pronta e eficaz prestação jurisdicional.
O Direito Processual não mais se apraz com a simples composição da lide por meio da cognição. Mais que isso, preocupa-se com a efetiva satisfação do crédito ou da pretensão estampada na petição inicial.
Em veras, a prestação jurisdicional não está completamente entregue com o julgamento de mérito, eis que o réu poderá opor-se aos efeitos da condenação, restando ao autor apenas o direito de promover a execução da sentença. E ainda aqui, se o executado não possuir bens suficientes para a satisfação do crédito, todos os esforços envidados pelo autor serão inúteis, apesar de ter realizado inúmeras despesas para resgatar seu crédito, tais como o desembolso de custas judiciais e honorários advocatícios.
Portanto, mister se faz a indisponibilização de todos os bens existentes em nome da Empresa ............, de seus representantes legais e do ex e atual Diretor-Geral do Detran. Com esta medida, garante-se, antecipadamente, o resultado útil do processo, sem o risco de se pleitear um provimento inócuo ante a escassez patrimonial. Com efeito, o conjunto de bens registrados em nome dos responsáveis pela recomposição dos danos, provavelmente, é assaz vultoso e capaz se fazer frente às indenizações pleiteadas.
O Código Buzaid perfilhou com afinco esta nova tendência processual, conferindo ao magistrado, diante de um caso concreto e em hipóteses excepcionais, certa dose de liberdade para adotar as providências necessárias à garantia do regular deslinde do processo e da efetiva outorga da prestação jurisdicional, com a conseqüente entrega do bem da vida. Trata-se do Poder Geral de Cautela, prerrogativa conferida ao juiz, em função do múnus público que desempenha na relação processual.
O Poder Geral Cautelar do juiz atua como um poder integrativo da eficácia global da atividade jurisdicional. Se esta tem finalidade declarar o direito de quem tem razão e satisfazer esse direito, deve ser dotada de instrumentos para a garantia do direito enquanto não definitivamente julgado e satisfeito.
Através deste poder, o magistrado adota, de plano, as medidas imprescindíveis para garantir a eficácia de futura sentença de mérito, primando pela presteza e pela efetividade da tutela jurisdicional. Aliás, muito injusto seria o Direito Processual, caso não albergasse tais providências.
Assim, na concessão de liminares, tanto em relação à antecipação da tutela quanto em razão de medida acautelatória, o critério que o magistrado deverá levar em conta, mediante um juízo de certa forma discricionário, é a garantia de eficácia da decisão que vier a ser proferida, ou seja, a garantia de um resultado útil, o que pode ser aquilatado por dois requisitos fundamentais: o fumus boni juris e o periculum in mora.
A indisponibilização dos bens registrados em nome dos réus supramencionados constitui medida imprescindível ao sucesso da demanda, tendo-se em vista o perigo existente na eventual espera pelo provimento jurisdicional definitivo. O desfecho de qualquer litígio judicial demanda tempo, havendo assim fundado receio de danos aos cidadãos-consumidores. Ademais, no caso vertente, mesmo com a decretação da procedência do pedido, os cidadãos e a Administração Pública poderão ficar sem obter qualquer ressarcimento, já que os réus poderão, a qualquer tempo, desfazer-se de seus pertences, frustrando os escopos instrumentais do processo.
Não é necessário muito esforço para vislumbrar a enorme área de risco a que ficarão submetidos os lesados caso esta medida constritiva não seja decretada de imediato. Com efeito, se isto vier a ocorrer, os réus irão procurar se desfazer de suas posses, alienando ou doando bens de sua propriedade, reduzindo-se à insolvência, tudo no afã de se esquivarem à responsabilidade de reparar os danos.
Daí a imprescindibilidade da decretação da indisponibilidade dos bens registrados em nome dos réus. Trata-se de uma medida assecuratória e acautelatória, através da qual se busca prevenir lesões graves e de difícil reparação, de moldo a tornar efetiva, na prática, a proteção que com essa medida se busca.
Por outro lado, a fumaça do bom direito elucidou-se no delinear desta exposição. A ofensa aos princípios da legalidade, publicidade, da moralidade e da impessoalidade, o dolo e as tergiversações dos réus, o propósito livre e premeditado de auferir ganhos por meios ilícitos, bem assim as determinações da Constituição da República Federativa do Brasil, da Lei 8.078/90 e da Lei A Lei n° 8.429/92 bastam para vaticinar as conseqüências dos atos praticados pelos réus. Por certo, finda a pendência, o cidadão-consumidor e a Administração Pública hão de lograr êxito em sua pretensão, quão fortes são os argumentos, consubstanciados na boa-fé e nos imperativos legais. O conjunto das legislações citadas, que se ajusta com perfeição ao caso, torna indeclinável o dever de ressarcir os danos causados, demonstrando, assim, a presença do fumus boni juris.
Essa medida mostra-se indispensável considerando o significativo valor do prejuízo, bem como a real possibilidade de dilapidação do patrimônio e a conseqüente ineficácia do provimento jurisdicional principal.
Consigne-se, ainda, que o direito material acha-se suficientemente demonstrado nos documentos que instruem esta inicial, o mesmo ocorrendo com a possibilidade do perigo que poderá representar a demora da prestação jurisdicional final conforme já ressaltado.
Fica, assim, claramente evidenciada a necessidade de amparo judicial urgente para afastar de pronto os riscos de perecimento dos bens que representam a garantia de eficácia da sentença de mérito postulada por meio desta ação civil pública.