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Dissolução de cooperativa fraudulenta

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Petição inicial na qual é pedida a dissolução de uma cooperativa em fraude à CLT (inclui a liminar deferida)

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ PRESIDENTE DA MM JCJ DE BARRETOS

           MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, com base nos artigos 127 caput e 129, incisos II e III da CF e na Lei 7.347/85, vem, respeitosamente, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

(COM PEDIDO DE LIMINAR)


           em face de

           SUCOCÍTRICO CUTRALE LTDA, estabelecida no Acesso à Rodovia SP 310, 3.800 - Araraquara/SP;

           JOSÉ CUTRALE JÚNIOR, agricultor, estabelecido no Acesso à Rodovia SP 310, 3.700 - Araraquara/SP;

           COOPERBA - COOPERATIVA DOS TRABALHADORES RURAIS DE BARRETOS E REGIÃO LTDA, estabelecida na rua 36, Nº 822, Vila Baroni, Barretos/SP, com fundamento nos fatos e razões de direito a seguir aduzidos.



FATOS

           A Secretaria da Promotoria de Justiça de Barretos encaminhou à Procuradoria Regional do Trabalho desta Região, pelo ofício PJB 77/97 (Documento nº 1, fl. 05) expediente organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Barretos contendo denúncia de terceirização ilegal por parte dos dois primeiros reclamados, dentre outras empresas, e cooperativismo fraudulendo por parte do segundo.

           O expediente foi recebido e convolado, inicialmente, no Procedimento Investigatório nº 685/97 e, posteriormente, no Inquérito Civil Público nº 195/97 (Documento nº 1, fl. 139), composto por um volume principal e dois Anexos (respectivamente, Documentos nº 1, 2 e 3), em cujo desenrolar foram juntadas as peças de informação de fls. 12 a 188 dos autos principais, fls. 01 a 218 do Anexo II e fls. 02 a 20 do Anexo II, restando comprovada a denúncia em relação aos ora réus.

           Comprovou-se que a reclamada SUCÍTRICO CUTRALE LTDA tem por objeto social "a produção, indústria, comércio, importação e exportação de produtos e sucos hortifrutícolas em geral, seus derivados, subprodutos e resíduos" (Documento nº 1, fls. 144/145), e o segundo reclamado tem por atividade a produção de frutas cítricas, que vende à primeira reclamada (Documento nº 1, fls. 178/188).

           Ficou igualmente demonstrado que a primeira reclamada terceirizou os serviços de colheita, contratando a terceira reclamada (Doc. 1, fls. 175/177).

           O conjunto da prova coligida revela, finalmente, que a colheita da laranja é atividade-fim da primeira ou do segundo reclamados, e que os "cooperados" são, na verdade, empregados da indústria do suco ou do produtor rural, sendo a cooperativa reclamada mera fachada para ocultar essa relação de emprego para subtrair dos trabalhadores rurais os direitos advindos da relação de emprego e, na contrapartida, possibilitar ao real empregador a fuga às suas obrigações, também decorrentes do contrato laboral.

           Eloqüentes, nesse sentido, os comprovantes de pagamento emitidos pela "cooperativa" (Documento nº 1, fl. 78 e Documento nº 2, fls. 27/33), indicativos da extrema miséria a que o trabalho "cooperativado" reduziu os trabalhadores rurais.

           As cartas, escritas de próprio punho por trabalhadores (Documento nº 1, fls. 74/76) indicam o grau de contradição entre a entidade pseudo-social e o seu quadro de sócios. E desmascaram a falácia da cartilha de fl. 79 do ICP, em que se vê um bonito jovem, urbano e louro, explicando a um ignorante trabalhador rural a fascinante e mágica opção pelo cooperativismo, maravilhosa forma de combate ao desemprego e eficaz instrumento de melhoria de vida...

           Os depoimentos de trabalhadores rurais, dirigentes da cooperativa e prepostos das reclamadas, colhidos em juízo, também são muito eloqüentes.

           Nos autos da reclamatória nº 99/97 (1) , assim depôs o presidente da "cooperativa"-reclamada (Documento nº 2, fl. 90):

           "(...) o líder procura trabalhadores no campo para aderirem à cooperativa (...)"

           "(...) antes de ser presidente, o depoente era empreiteiro da SERCOL (...)"

           "(...) o depoente comparece ao campo de trabalho para orientar o pessoal e passar o serviço (...)"

           "(...) havia fiscal da Cutrale no local de trabalho (...) que indicam apenas as quadras que devem ser colhidas (...)"

           "(...) os reclamantes trabalhavam das 7 às 17 horas ou das 8 às 17 horas (...)"

           "(...) recebe R$ 1.200,00 por mês, ´pro labore´ (...)"

           "(...) o pessoal que trabalhava para a Sercol é o mesmo que trabalha na cooperativa, havendo pequena variação (...)"

           Tais afirmações provam que a cooperativa foi a forma escolhida para o trabalho antes realizado pelos "gatos", ou empreiteiros, atividade à qual se dedicava - e dedica - ainda seu presidente e outros "líderes" de turma, a maior parte oriunda da SERCOL.

           Revelam, também, que os trabalhadores eram e são buscados para integrar o quadro da cooperativa, inexistindo a adesão espontânea.

           Demonstra haver subordinação dos trabalhadores ao empreiteiro e ao fiscal da indústria, que indicava o local de trabalho e a existência de jornada diária de trabalho.

           É eloqüente, ainda, em revelar que a miséria da maioria serve para aquinhoar alguns com salários dez vezes maior que o mínimo a título de retirada mensal patronal.

           No mesmo sentido os depoimentos dos trabalhadores, colacionados às fls. 56 a 109 do Anexo I ao ICP (Documento nº 2), também colhidos em juízo, sob o crivo do contraditório:

           "(...) não fez parte de nenhuma cooperativa; compareceu a uma assembléia, ´mas somente ouviu´ e não participou de nenhuma votação; recebia pagamentos do empreiteiro Luiz Carlos; (...) os fiscais da primeira reclamada [i.e. Sucocítrico Cutrale] andavam ´direto´ nas fazendas (...)" . (2)

           "(...) não aderiu à Cooperba (...); foi contratado pelo empreiteiro; assinavam um papel em branco (...); nem sabe o que é cooperativa; nunca foi convidado a aderir à cooperativa" (3)

           "(...) foi procurado para trabalhar através da cooperativa; não participou de assembléia; trabalhavam das 7 às 17 horas; o sr. João Bérgamo era o fiscal da turma e dava instrução para a turma; o sr. Jão Bérgamo também era empreiteiro da Sercol; aderiu à cooperativa porque não havia outra maneira de trabalhar." (4)

           A colheita é parte do processo produtivo da indústria, que a determina, subordina, orienta e fiscaliza, consoante explica a testemunha da Cutrale Eliseu Attilio Nonino:

           "há um acompanhamento por parte da indústria, por amostragem, aos pomares de clientes e da própria Cutrale; que é a indústria quem define quando ocorre o estágio ideal de maturação da laranja" (5)

           Como será visto a seguir, a prova elucida a trama ao revelar fatos que as reclamadas buscam ocultar por meio de documentos, tentando sufocar com a forma um conteúdo evidente.



DIREITO

           O contrato de trabalho, na dicção do artigo 442 da CLT, "é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego". Assim, sempre que, numa relação entre duas pessoas, estiverem presentes os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT, haverá uma relação de emprego, um contrato de trabalho, com as conseqüências dele decorrentes.

           Isso significa que o contrato de emprego pode estar presente mesmo quando as partes dele não trataram ou quando aparentar cuidar-se de outra coisa. O que importa, para o ordenamento jurídico, é o fato e não a forma com que o revestem: daí que o contrato de trabalho pode ser inclusive tácito, bastando estarem presentes, de fato, os seus requisitos, para ser reconhecido e declarado.

           É o princípio da primazia da realidade, que significa que, "em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos", consoante Américo Plá Rodriguez . (6)

           Da mesma forma, todas as vezes em que os agentes dessa relação tácita ou expressa se houverem de forma a negar a incidência das normas trabalhistas nessa relação, a conduta é cominada com a pena de nulidade pelo artigo 9º consolidado, cuja dicção é peremptória:

           "Art. 9º. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação."

           A cominação do preceito fulmina todo o arcabouço jurídico-formal construído e porque a verdadeira relação contratual, empregatícia, dá-se entre os tomadores e os trabalhadores rurais.



TERCEIRIZAÇÃO

           Terceirizar é prática administrativa que permite a uma empresa cometer a terceiros a realização de atividades para a quais não foi criada. Atividades de apoio, sem relação com sua atividade-fim, sem influência na consecução de seu objeto social, e que exijam especialização técnica de quem, pessoa ou empresa, as desenvolverá. A jurisprudência pacificou-se, aliás, ao tolerar a terceirização tão só da atividade-meio, consoante indica o enunciado 331, III, da Súmula do C. TST.

           Conseqüentemente, a atividade-fim não pode ser cometida a terceiros, sob pena de violação dos artigos 2º e 3º da CLT, uma vez que transfere a estranhos a responsabilidade pela realização de tarefas que são essenciais, e permanentes à consecução do objetivo social do empreendimento.

           A terceirização se dá, ainda, através de contrato firmado entre iguais, pessoas jurídicas que vendem e compram obra certa. Contrato entre empresa e trabalhador é contrato de emprego, não de prestação de serviços.

           Ora, o plantio, o trato cultural e a colheita são atividades típicas, essenciais e permanentes dos dois primeiros reclamados. Ainda que possam ser descontinuados, como as colheitas, que são sazonais, não são eventuais, porque se repetem e, mais, são imprescindíveis à realização do negócio.

           Não é possível à primeira reclamada terceirizar a colheita de laranja para a produção de cítricos, porque o tipo de suco a ser fabricado depende da fruta colhida. Esta é a razão pela qual a indústria fiscaliza a colheita, analisa amostra dos frutos em laboratório, determina o talhão (quadra) a ser colhido.

           Ainda que, por absurdo, a indústria de suco pudesse abrir mão desse controle, ainda que se admita que a colheita de laranja passe ao largo de sua atividade-fim, não é possível admitir que produtor agrícola terceirize serviços agrícolas, sob pena de se fazer letra morta os artigos 2º e 3º da CLT, e de se possibilitar o afastamento da empresa em relação ao objetivo para o qual foi constituída.

           Nos autos da Reclamatória Trabalhista nº 890/97, proposta por Gervalino Ribeiro da Rocha (mais 2) em face da primeira e terceira reclamadas, perante essa JCJ (Documento nº 1, fls 142/149), assim a Corte a quo, presidida pela MM Juíza do Trabalho dra. Adriene Sidnei de Moura David, fundamentou sua decisão:

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           "A primeira reclamada, SUCOCÍTRICO CUTRALE LTDA, admite ter terceirizado o trabalho relativo à colheita de laranja, substituindo assim a mão de obra rural, fato esse que resta revelado através do contrato levado a efeito entre a empresa e a Cooperativa, cujo objeto era a execução dos serviços de colheita (...)

           "Demonstram-nos os documentos de fls. 90/105, que a primeira reclamada tem por objeto social a produção, indústria, comércio, importação e exportação de produtos e sucos hortifrutícolas em geral, seus derivados, subprodutos e resíduos, a agricultura e a pecuária em geral e a prestação de serviços correlatos (...). Ora, parece óbvio que sem a matéria prima ou o produto natural, inviável seria para a reclamada Cutrale cumprir seu objeto social e manter a sua própria existência. Sem que trabalhadores coloquem-se à sua disposição, a fim de que os frutos sejam colhidos, nas fazendas de sua propriedade e posteriormente industrializados, de nada adiantaria a reclamada possuir o maquinário e o capital. Concluímos que o reclamante ativava-se em funções inerentes à atividade-fim da reclamada."

           Se, ad argumentandum, alguma dúvida pode haver em relação à primeira reclamada, nenhuma hesitação há em reconhecer como atividade-fim de produtor rural o plantio, os tratos culturais e a colheita, razão de ser de seu negóio.

           Patente, a ilegalidade da terceirização de atividades e serviços agrícolas, uma vez que essenciais à consecução dos objetivos sociais dos dois primeiros reclamados.



SUBORDINAÇÃO

           A subordinação do cooperado aos empreiteiros em benefício dos tomadores de serviço restou indubitavelmente demonstrada, porque todos os depoimentos são unânimes em revelar que havia jornada de trabalho diária e semanal, dependência jurídica dos trabalhadores ao empreiteiro e deste aos tomadores.

           As equipes de trabalhadores rurais trabalhavam cada qual com um empreiteiro, hierarquicamente superior aos trabalhadores, e não raro os mesmos que os contratavam antes do advento das "cooperativas", na mesma rotina a que se sujeitam agora, quando neles pregaram o tão pomposo quanto falso título de "cooperados".

           A mesma sentença (Documento nº 1, fl. 145), em que a Cooperbsa figura como reclamada, verificou a existência da subordinação dos "cooperados" à indústria no desempenho de seu trabalho:

           "Cediço que o empresário detémo controle e direção dos fatores de produção, entre eles a força de trabalho, parece claro que a mão-de-obra voltada ao desenrolar da atividade-fim da indústria está necessariamente a ela subordinada. Do contrário, chegaríamos ao cúmulo de admitir que o "dono" do empreendimento possa deixar que terceiros, ou o próprio trabalhador, ative-se do jeito que entender melhor.

           "Assim, mesmo que pudéssemos admitir que o reclamante fosse cooperado, certo é que esteve de qualquer forma subordinado à reclamada, eis que inserido na empresa, sendo seu trabalho imprescindível ao desenvolvimento da atividade empresarial."

           A subordinação é, em realidade, inerente ao quadro de impossibilidade de terceirização e sua conseqüência mais visível, porque os tomadores têm que dirigir a atividade agrícola, sob pena de ver comprometidos os seus objetivos sociais.



FORNECIMENTO ILEGAL DE MÃO-DE-OBRA

           A leitura dos artigos 3º, 4º e 7º da Lei 5674/71 leva à conclusão de cooperativa é uma organização de pessoas que visam ajudar-se mutuamente. Unem-se para multiplicar sua própria capacidade de consecução de bens, serviços ou mercados para si mesmos. Por isso, um dos princípios caracterizadores das cooperativas é o da dupla qualidade, pelo qual cada associado é, ao mesmo tempo, cliente e fornecedor.

           Esse traço evidencia-se na cooperativa de produção agrícola, por exemplo, para a qual cada cooperado fornece o que produz e, em troca, obtém facilidade de armazenamento, transporte, colocação no mercado, além de poder adquirir instrumentos de trabalho de forma facilitada. Ou, ainda, na cooperativa de médicos, para a qual o médico fornece algumas horas de sua agenda, e recebe um mercado e serviços de apoio (laboratórios, equipamentos radiológicos etc) aos quais não teria acesso sem a cooperativa.

           Cooperar significa trabalhar junto. Para trabalhar junto (ou seja: ao lado de), é preciso haver identidade profissional ou econômica entre os que entre si cooperam. Isso significa que fazendeiros cooperam com fazendeiros, industrais com industriais, médicos com médicos, engenheiros com engenheiros etc. Quando existe multiplicidade de profissões nos quadros da cooperativa, ela é, com certeza, fraudulenta, como é o caso das cooperativas-rés, nas quais convivem empreiteiros e colhedores.

           Além dessa igualdade de atividade, há que haver igualdade social, que decorre da natureza do trabalho e se espelha na forma pela qual esse trabalho é desenvolvido.

           Para que se possam ombrear, os cooperados hão de exercer completo domínio sobre o seu trabalho, de forma a que possam realizá-lo com ou sem a participação dos demais cooperados. A cooperativa não altera a natureza do trabalho; apenas organiza, facilita, melhora, proporciona ganhos melhores, otimiza recursos. Esse domínio pode ser técnico, se o profissional necessita apenas de seus conhecimentos e habilidades para desenvolvê-lo (médico, por exemplo). E pode ser material, se o profissional depende também de equipamentos para realizá-lo (por exemplo, motoristas de táxi, analistas de sistema).

           Isso é essencial porque o trabalhador que não detiver tais conhecimentos ou equipamentos, que, enfim, não puder dominar técnica e materialmente o seu próprio trabalho sempre dependerá de alguém para operar. E essa dependência quebra a possibilidade de haver igualdade entre os que se associam, porque quem detiver mais conhecimento e/ou equipamento dominará a sociedade e dela extrairá mais do que o outro, que será dominado.

           Daí que somente aquele que possa desenvolver individualmente o seu trabalho pode se cooperar. O trabalho que exige equipe exclui a autonomia da vontade em sua execução, porque o membro da equipe realiza apenas parte do todo, não exerce o domínio sobre ele e é forçado a se sujeitar a horários e regras de outrem. É, portanto, subordinado. A subordinação do trabalho impede que o trabalhador seja cooperado, porque a igualdade técnica e social não será jamais alcançada.

           Além disso, o trabalhador, cuja atividade seja subordinada por natureza, não vende trabalho, mas força de trabalho. O médico, por exemplo, vende tratamento da doença. O advogado vende a defesa do cliente. O taxista, o transporte. O analista, um software. Eles decidem quando, de que forma e com que meios cumprirão seu contrato, e não interessa ao cliente quando, como ou quanto tempo o profissional dedicará ao estudo do seu caso.

           O operário e o trabalhador rural, cujas tarefas se desenvolvem tipicamente de forma coletiva e sob subordinação de gerentes e turmeiros, não vendem um produto porque contribuem para a realização apenas de parte dele. O operário da Volkswagen, por exemplo, não monta veículo: aperta parafuso ou encaixa peças ou opera máquinas. O veículo é o produto do dispêndio da força de trabalho de milhares de operários. O trabalhador rural não realiza a colheita: extrai ou encaixota ou carrega a fruta ou corta a cana ou limpa o pasto ou capina a cultura. O produto resulta do esforço de milhares de rurícolas, nunca de um só.

           Não importa se o pagamento é feito por horas ou produção, o que o trabalhador vende é o seu esforço, a sua energia, a sua inteligência: não o resultado final dela.

           Só vende trabalho (isto é: o produto de seu esforço) quem pode realizá-lo independentemente de outrem, com seus próprios meios e da forma que ele próprio determine. Quem assim não pode proceder, em decorrência da natureza da atividade, vende força de trabalho, vende a si mesmo.

           Além disso, é preciso que o profissional ou empresário (rural ou urbano) queira se cooperar. Esse traço é fundamental para caracterizar uma cooperativa. Ninguém pode ser obrigado a se associar, porque a voluntariedade é essência de toda associação, cooperativa ou não. É a affectio societatis, vontade de se associar, que garante a idoneidade de qualquer corporação.

           Em conclusão, somente o profissional, que detenha os conhecimentos e possua os equipamentos necessários ao seu trabalho e que o possa realizar individualmente, pode se unir, querendo, em cooperativa, com outros profissionais que exerçam a mesma profissão, detendo o mesmo domínio técnico ou material sobre o seu trabalho, para fornecer à cooperativa esse trabalho e dela receber vantagens que, de outra forma, não obteria.

           Conseqüentemente, cooperativa não se presta a fornecer mão-de-obra, porque, nesse caso, o beneficiário é o terceiro tomador e não o cooperado.

           O E. TRT da 15ª Região já se posicionou no sentido de que "a cooperativa, na sua essência, visa a ajuda mútua dos associados e não de terceiros. Fornecer mão de obra sob o manto de cooperativa de trabalhadores rurais é burla à lei trabalhista." (Documento nº 2, fls. 185/191). (7)

           No mesmo sentido, o E. TRT da 2ª Região, para quem, "quando o fim almejado pela cooperativa é a locação de mão de obra de seu associado, a relação jurídica revela uma forma camuflada de um verdadeiro contrato de trabalho". (Documento nº 2, fls. 192/195). (8)

           Mais recentemente, em despacho que concedeu medida liminar, o MM Juiz Presidente da JCJ de Matão, dr. Manoel Carlos Toledo Filho, assim se expressou sobre o tema:

           "No nosso modo de ver, é inviável querer cogitar-se de cooperativas de trabalho ou de mão de obra, mormente no meio rural. E isto porque a colheita, enquanto forma de direcionamento e escoamento da produção, exige disciplina e comando. Alguém, no campo, tem de coordenar os colhedores, fornecendo material, distribuindo tarefas, dividindo os eitos, fiscalizando a colheita e determinando os momentos de início e fim do labor. " (Documento nº 2, fls. 210/218) (9)

           E acrescenta:

           "Os efeitos nocivos da atividade pelas cooperativas desenvolvida são facilmente perceptíveis. Causaram elas, e ainda têm causado, uma completa precarização das relações de trabalho, alijando da proteção formal estipulada pelo Diploma Consolidado toma uma massa de rurícolas desta região. E isto porque a adesão ao suposto sistema cooperativista passou a ser quase uma condição sine qua non para a obtenção de labor no campo."

           É, portanto, ilegal o fornecimento de mão de obra por qualquer tipo de cooperativa, por absoluta incompatibilidade entre esse tipo de atividade e os princípios e normas legais que regem o cooperativismo.

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Sobre os autores
Ricardo Wagner Garcia

Procurador do Trabalho da PRT 4ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Ricardo Wagner ; DAVID, Adriene Sidnei Moura. Dissolução de cooperativa fraudulenta. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 25, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16235. Acesso em: 5 nov. 2024.

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