EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ANDREA SILVA MENDES, já qualificada, vem diante de Vossa Excelência apresentar as razões do pedido revisional em RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL, fustigando o venerável Acórdão de fls. 109, nos autos de HABEAS CORPUS n° _________, da Colenda __________ Câmara, do Egrégio Tribunal de Alçada Criminal, do Estado de São Paulo, impetrado contra o ato do MM. Juiz de Direito da ____ Vara Criminal, da Comarca de Praia Grande, Estado de São Paulo, tendo por paciente FULANO DE TAL, pelos fatos e fundamentos que se seguem:
PRELIMINARMENTE :em favor do paciente, a fim de obstar seu formal indiciamento, nos autos do processo criminal n° _________, em trâmite perante a __ Vara Criminal da Comarca de Praia Grande, Estado de São Paulo, até o julgamento do mérito, em virtude do princípio constitucional do estado de inocência, disposto no artigo 5°, inciso LVII, da Magna Carta.
O formal indiciamento do paciente, antes do julgamento do mérito, irá causar gravame irreparável, maculando seu prontuário funcional, além de inviabilizar a aprovação em qualquer outro concurso público, haja vista que ele vinha pelejando outro cargo público, tendo concorrido aos últimos concursos de ingresso à Magistratura Paulista, inclusive, logrou aprovação na primeira fase do 170 ° concurso. Nos concursos de ingresso do Ministério Público Paulista e da Procuradoria da Fazenda Nacional também obteve aprovação.
Há que se considerar as agruras e transtornos que, a injusta e ilegal, decisão de recebimento da peça acusatória, bem como, a denegação da ordem, pelo V. Acórdão, podem causar ao pa-ciente.
Se revestem, a latere, de entranhado desrespeito ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, portanto, devem ser prontamente jugulados.Além do mais, é manifesta a nulidade, por omissão de formalidade essencial na peça acusatória, não se descreve em todos os seus elementos, uma figura típica; conforme disposto no art. 564, inciso IV, do Código de Processo Penal e, segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. (STJ, 5ª T. HC 1.271-8 -RS, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU, 29 jun. l992, p. 10330; STJ, 5ª T. HC 1.701-CE, Rel. Min. Flaquer Scartizzini, DJU, 4 de maio l992, p. 5895; STJ - HC - Rel. Costa Leite RSTJ 07/108)
Diante do exposto, demonstrada a existência dos pressupostos do fumus bonis juris e periculum in mora, pois há grande possibilidade de haver dano ao paciente, este aguarda que haja por bem V. Exa., num gesto de estrita justiça, conceder a liminar.
DO FATO :, do artigo 319, do Código Penal, por entender a ilustre Promotoria Pública, ter deixado de praticar, indevidamente, ato de ofício, não se lavrando auto de prisão em flagrante e conseqüente prisão de _______________, pela prática de crime de furto qualificado, na modalidade tentada, no exercício da função de delegado de polícia, para satisfazer interesse e/ou sentimento pessoal.
Na defesa preliminar, o paciente demonstrou, justificadamente, ter praticado o ato de ofício que lhe competia, conforme o disposto no artigo 5°, do Código de Processo Penal, instaurando, de imediato, o inquérito policial n° __________, mediante portaria, para cabal apuração dos fatos, devido seu convencimento jurídico, pois os fatos narrados a priori pelo miliciano e partes não firmaram sua opinio delicti, quanto aos indícios de autoria, porque, naquele momento, havia dúvida insanável sobre o elemento subjetivo da conduta da suposta autora, havendo fortes indícios de crime impossível por obra da suposta vítima.
Assim, o paciente, por se tratar a prisão em flagrante de medida de exceção, amparado pelos princípios do estado de inocência e in dubio pro reo, quanto a interpretação probatória, instaurou o inquérito policial, o qual serviu de embasamento à denúncia da Promotoria Pública, processo n° __________, da _____ Vara Criminal da comarca de Praia Grande, não havendo, portanto, qualquer prejuízo a persecutio criminis, tampouco a notitia criminis foi subtraída da apreciação judicial.
Ainda na defesa preliminar, ele demonstrou que a denúncia era inepta, sendo o autor carecedor de ação, pois não se respeitou o disposto no artigo 41, do Código de Processo Penal, haja vista que não se descreveu qual o interesse e/ou sentimento pessoal do paciente para não se praticar o ato de ofício, impossibilitando, por isso, que se defenda do fato que se lhe imputa e apresente as provas necessárias para formar o convencimento do juiz, violando, destarte, o princípio constitucional do contraditório.
Continuando, na denúncia não se efetuou a proposta de suspensão condicional do processo, embora presente os requisitos legais exigidos pela Lei n° 9.099/95.
No entanto, a denúncia foi recebida pelo MM. Juiz de Direito da ________Vara Criminal, da comarca de Praia Grande, aos 20 de outubro de l998, o qual entendeu estar preenchida as formalidades legais.
Em seguida, impetrou-se Habeas Corpus perante o Tribunal de Alçada Criminal, do Estado de São Paulo, em virtude de discordar do entendimento do MM. Juiz de Direito, contudo a ordem foi denegada, alegando ser inadmissível examinar-se com profundidade matéria probatória nos estritos limites do Habeas Corpus.
O prequestionamento de matéria constitucional foi exercido na defesa preliminar e no Habeas Corpus.
DO DIREITO :.
II - A suposta infração penal imputada ao paciente exige, em seu tipo penal, que o funcionário público deixe de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou seja, a omissão deve ser feita indevidamente, isto é, a conduta omissiva há de ser indevida, injusta, ilegal.
O paciente, no exercício da função de delegado de polícia, diante do fato concreto apresentado pelo policial militar e partes, diante de seu convencimento jurídico e, sendo insanável, naquele momento, a colheita probatória quanto ao animus rem sibi habendi, isto é, a intenção de ter a res junto de si, da suposta autora, instaurou o inquérito policial n°_________, para apurar cabalmente a autoria delitiva, haja vista que a priori havia indícios de crime impossível por obra da suposta vítima.
A jurisprudência do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, JUTACRIM 91/92, Rel. Carvalho Neto, dispõe que:
"Compete privativamente ao Delegado de Polícia discernir, entre todas as versões que lhe sejam oferecidas por testemunhas ou envolvidos em ocorrências de conflito, qual a mais verossímil e, então, decidir contra quem adotar as providências de instauração ou autuação em flagrante."
(Rec. 455.463-2 - 1ª Câmara - J. 28.05.87 - Rel. Juiz Carvalho Neto)
O inquérito policial n° ________ serviu de embasamento à denúncia da Promotoria Pública, processo n°______, em trâmite na ______Vara Criminal daquela comarca, não havendo, portanto, prejuízo a persecução penal e abstração da notitia criminis ao Poder Judiciário.
A lavratura do auto de prisão em flagrante, por se tratar de medida cautelar, é indispensável a coexistência dos dois pressupostos: fumus boni juris e periculum in mora, ou seja, a aparência jurídica da possibilidade de êxito contra o indiciado, na ação a ser instaurada, e a necessidade da permanência do indiciado no cárcere para assegurar o resultado final do processo ou para tutelar a ordem pública.
Assim, o paciente instaurou o inquérito policial, pois, naquele momento fático, havia fortes indícios de flagrante preparado, chamado crime de ensaio, não havendo o fumus boni juris.
O ilustre mestre Nelson Hungria ensina que: "Há crime de ensaio ou de experiência quando alguém, insidiosamente, provoca outrem à prática de um crime e, simultaneamente, toma as providências necessárias para surpreendê-lo na flagrância da execução, que fica, assim, impossibilitada ou frustrada." (cf. Comentários, cit. V. 1. T. 2, p.105).
Daí a Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal: "Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação".
Portanto, não estando presente o fumus boni juris, isto é, a existência de indícios de autoria e materialidade delitiva, naquele momento, da apresentação da ocorrência ao plantão policial, o paciente, então, praticou, justificadamente, o ato de ofício que lhe competia, instaurando o inquérito policial, conforme dispõe o artigo 5°, do Código de Processo Penal, fundamentando sua conduta funcional nos princípios constitucionais da presunção de inocência e favor rei, haja vista a dúvida fundada sobre a prova fática da infração penal.
A jurisprudência, ainda, entende que:
"A determinação do auto de prisão em flagrante pelo Delegado de Polícia não se constitui em um ato automático, a ser por ele praticado diante da simples notícia do ilícito penal pelo condutor. Em face do sistema processual vigente, o Delegado de Polícia tem o poder de decidir da oportunidade ou não de lavrar o flagrante"
(HC 215.540-01, 4ª Câmara - J. 29.10.91 - Rel. Juiz Passos de Freitas - RT 679/351)
Manifesta, portanto, a ausência de justa causa para o processo penal, uma vez que o funcionário público praticou, justificadamente, o ato de ofício que lhe competia.
III - No que tange à denúncia, o Código de Processo Penal, em seu artigo 41, exige a descrição do fato em todas as suas circunstâncias.
A descrição do fato deve ser precisa, não se admitindo a imputação vaga, imprecisa, ou transcrição de texto de lei, que impossibilite ou dificulte o exercício de defesa. O autor deve incluir na peça inicial todas as circunstâncias que cercam o fato, sejam elas elementares ou acidentais, que possam, de alguma forma, influir na apreciação do crime e na fixação e individualização da pena.
Por esse motivo, é essencial que o acusador, ao formular a denúncia narre claramente os fatos que está a imputar ao futuro réu, a fim de que este tenha pleno conhecimento da acusação, podendo elaborar sua defesa e produzir as provas necessárias, sob pena de inépcia da inicial, por violação ao princípio do contraditório.
O princípio do contraditório exige ciência bilateral dos atos e termos do processo, aliada à possibilidade de contrariá-los.
O objetivo principal da garantia não é a defesa, entendida no sentido negativo de resistência, de oposição, mas sim a influência, tomada como direito ou possibilidade de atuar na formação do convencimento do juiz e no resultado do processo, ou seja, a efetiva contrariedade à acusação.
A denúncia ofertada não descreveu qual o interesse ou sentimento pessoal do paciente para não se lavrar o auto de prisão em flagrante da suspeita.
O crime de prevaricação exige dolo específico para sua consumação, ou seja, a finalidade de satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Interesse pessoal é a vantagem pretendida pelo funcionário, seja moral ou material.
Sentimento pessoal diz respeito ao afeto do funcionário para com as pessoas, como simpatia, ódio, vingança etc.
A jurisprudência entende que:
"Para se caracterizar o crime de prevaricação, na hipótese em que o funcionário deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, para satisfazer sentimento pessoal, é necessário que a prova dos autos revele que o ato comissivo decorreu de afeição, ódio, contemplação, ou para promover interesse pessoal seu, como expressamente alude o Código Penal, ainda fonte de entendimento da lei repressiva, em vigor. Se, ao contrário, a omissão decorreu de erro do funcionário, ou por dúvida quanto à interpretação de lei, ou de ordem de serviço, não se pode falar em prevaricação, para cuja prática se exige o dolo específico"
( TFR - Rec. Rel. José Cândido - DJU 14.10.82, p. 10.363)
A não descrição da elementar essencial da infração penal, consistente no interesse ou sentimento pessoal, impossibilita que o paciente se defenda do fato que se lhe imputa e apresente as provas necessárias, violando, por conseguinte, o princípio do contraditório.
A jurisprudência pacífica entende ser inepta a denúncia que não descreve, não especifica, qual o interesse e/ou sentimento pessoal.
"No crime de prevaricação, inepta a denúncia que não especifica o sentimento pessoal que anima a atitude do autor"
(STF - RHC - Rel. Décio Miranda - RTJ 111/288)
"Não é suficiente que a denúncia cuidando do delito de prevaricação, afirme, genericamente, que o acusado agiu para satisfazer de interesse pessoal. É preciso que o especifique e consigne de expresso, em que consistiu tal interesse, sob pena de inépcia"
(TACRIM - SP - HC - Rel. Camargo Sampaio RT 578/361)
"Cuidando-se de crime de prevaricação, é inepta a denúncia que não especifica o interesse ou sentimento pessoal que o acusado buscou satisfazer, por infringência ao artigo 41, do Código de Processo Penal ."
(STJ - HC - Rel. Costa Leite RSTJ 07/108)
Patente, portanto, a falta do preenchimento do requisito previsto no artigo 41, do Código de Processo Penal, pois impõe-se que a denúncia descreva de forma clara e precisa a conduta criminosa, a fim de poder o réu exercer com amplitude sua defesa sabendo do que é acusado, sob pena de nulidade da peça acusatória, conforme preceitua o artigo 564, inciso IV, do Código de Processo Penal.
A doutrina tem sustentado que :
"A descrição do fato deve ser precisa e conter todas as circunstâncias, uma vez que, no processo penal, o réu se defende dos fatos, pouco importando a classificação jurídica dada na denúncia. A acusação são os fatos, e é com eles que deve haver correlação na sentença"
A jurisprudência tem sustentado que, sucinta ou extensa, o que a denúncia precisa é descrever fatos, de modo que o acusado, sabendo exatamente das imputações que lhe são feitas, possa exercer o seu direito `a ampla defesa. (STJ, 5ª T. HC 1.271-8 -RS, Rel. Min. Edson Vidigal, DJU, 29 jun. l992, p. 10330)
IV - A proposta de suspensão condicional do processo, conforme dispõe o artigo 89, da Lei n° 9.099/95, não foi ofertada na denúncia, tampouco no interrogatório judicial, embora presentes os pressupostos necessários, desatendendo, portanto, o preceito legal e o entendimento jurisprudencial.
PROCESSO - Incidência da Lei n° 9.099/95 - Denúncia recebida sem proposta ao acusado das alternativas previstas nos artigos 76 e 89 da nova Lei - Inadimissibilidade.
"Constatada a incidência da Lei n° 9.099/95, não fica ao arbítrio do representante do Ministério Público oferecer ou não as propostas alternativas à condenação previstas nos artigos 76 e 89 daquela Lei. Em que pese a equivocada redação destes dispositivos, o vocábulo poderá , tal como exegese já pacífica do artigo 77 do CP, deve ser entendido como alusivo às hipóteses em que o acusado não satisfaça a todos os requisitos legais para usufruir do benefício. Observa-se que todos os benefícios previstos na Lei n° 9.099/95 constituem direitos públicos subjetivos do acusado - ainda que o tempo verbal em que alguns foram formulados esteja eventualmente no condicional - ensejando a sua negação, presentes os requisitos autorizadores, a impetração do Habeas Corpos ou Mandado de Segurança para sua imediata restauração.
Não é dado, assim, ao representante do Ministério Público propor ou não ao seu alvedrio, acordo com o acusado visando à aplicação da pena restritiva de direito ou multa (art. 76) ou à suspensão do processo (artigo 89). Presentes todos os pressupostos legais, não há como recusar o acordo; por outro lado, verificada a ausência de alguns desses requisitos, cumpre ao MP, ao oferecer a denúncia, submeter à decisão do juiz suas razões para não apresentar a proposta. Ordem concedida para que se ofereça à paciente proposta de suspensão do processo nos termos do artigo 89, da Lei n° 9.099/95" (TACRIM - 2ª Câm.; HC n° 290.606/6; rel. Juiz Erix Ferreira; j. 13.06.1996; v.u.) RT 733/575
Portanto, indiscutível é a reforma do V. Acórdão fustigado pelo presente recurso observando o posicionamento jurisprudencial e legal, tendo em vista a ausência de justa causa para o processo penal, a inépcia da inicial, sendo elementos justificados para a concessão da ordem de Habenas Corpos para trancamento do processo, instrumento da ação penal promovida a desfavor do paciente, ou, data vênia entendimento contrário, a declaração de nulidade da exordial e atos subsequentes .
Ante o exposto, requer a recorrente seja o presente recurso conhecido e provido, reformando o V. Acórdão do Habenas Corpos n° _______________, da Colenda ____________ Câmara do Egrégio Tribunal de Alçada Criminal, do Estado de São Paulo, determinando a ordem de Habeas Corpos para trancamento do processo penal, instrumento da Ação Penal promovida contra o paciente FULANO, pelo MM. Juiz de Direito, da ___________Vara Criminal da Comarca de Praia Grande, Estado de São Paulo.
Termos em que,
pede deferimento.
Santos, 25 de janeiro de 1.999