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Habeas corpus suspendendo ação penal baseada em provas ilícitas

24/06/1998 às 00:00
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Aplicação da Teoria dos Frutos da Árvore Venenosa.

EXMO. SR. DR. DESEMBARGADOR DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - 2ª. REGIÃO.

DAVID ZANGIROLAMI, brasileiro, casado, advogado, inscrito na OAB, seção do Rio de Janeiro, sob o n.º. 80.049, com escritório à Rua Evaristo da Veiga, n.º. 35, sl. 909, centro, Rio de Janeiro, vem, mui respeitosamente, perante Vossas Exelências, impetrar uma ordem de

HABEAS CORPUS

a favor de DÉCIO PELAJO, brasileiro, casado, comerciante, portador da carteira de identidade n.º. 1896777 (IFP), inscrito no CPF sob o n.º. 022.222.727-34, residente e domiciliado à Rua Vieira Souto, n.º. 432, ap. 401, Ipanema, Rio de Janeiro, e LUIZ ANTÔNIO BARBOSA DE CASTRO, brasileiro, casado, comerciante, portador da carteira de identidade nº. 02159788-5 (IFP), inscrito no CPF sob o nº. 019.922.477./15, residente e domiciliado à Rua Belfort Roxo, nº. 266, aptº. 1103, Copacabana, Rio de Janeiro, que ora encontram-se como Réus no processo n.º 96.0064203-6, juntamente com outros acusados, por força de despacho exarado (fls.232) pelo Excelentíssimo Sr. Dr. Juiz da 25ª. Vara Federal do Rio de Janeiro, (autoridade coatora), conforme fatos e fundamentos que pede venia para expor:


FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS

No ano de 1990, o Banco Central iniciou processo administrativo, por suposta infração por parte da Pelajo Associados DTVM S/A . Ocorre porém, que para chegar as conclusões contidas no processo administrativo, os agentes públicos desta Instituição, ao arrepio do artigo 5º., X, XII e LVI da Constituição Federal e da Lei 4.595/64, art. 38, "quebraram" o sigilo bancário dos Pacientes e dos outros acusados, sem qualquer respaldo legal.

Fato contínuo, as peças do processo administrativo foram remetidas, conforme fls. 07 da ação penal, ao Ministério Público Federal, e este, através de seu representante legal, propôs a ação penal, sem sequer observar a ilegalidade gritante existente.

Ora, hoje a Constituição Federal proclama no artigo 5º., LVI, serem inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Se a Lei Maior assim o diz, evidente não mais poderem ser admitidas as provas obtidas em afronta à dignidade humana e àqueles direitos fundamentais de que trata a Lei das Leis.

Ocorre porém, que inobstante a determinação legal decorrente deste direito fundamental, os Pacientes, juntamente com outros acusados, foram denunciados no processo n.º. 96.0064203-6, pelo Ministério Público Federal, sendo a denúncia recebida na conformidade do despacho exarado as fls. 232 pelo Excelentíssimo Sr. Dr. Juiz da 25ª Vara Federal do Rio de Janeiro, em afronta ao artigo já citado do Pergaminho Constitucional, e a Lei 4595/64, art. 38.

Conforme se denota da denúncia acostada aos autos, a mesma foi inteiramente fundamentada em comprovantes de depósitos bancários, cheques, extratos (fls. 12 a 54), declaração de imposto de renda (fls. 105 a 117, 120 a 179, 201 a 213, 215 a 223) e outras informações bancárias ou financeiras, obtidas todas ilicitamente (fls. 12 a 54, Isto porque, nunca houve, por parte das autoridades administrativas que formaram o processo administrativo, autorização judicial para praticar a quebra de sigilo bancário e financeiro dos acusados.

O representante do Parquet Federal, corroborando a malfadada atitude, inicia a peça inaugural acusatória, utilizando-se das seguintes palavras. In verbis:

"Fiscalizações levadas a cabo pelo Banco Central e pela Receita Federal apuraram algumas irregularidades na financeira, consubstanciados em:"

Deste instante, até o item 4 da denúncia, o MPF descreve uma série de fatos, depósitos e transferências bancárias entre os quatro acusados, entre eles o Paciente, sendo que, toda esta conduta foi fundamentalmente "comprovada" com provas absolutamente ilegais, e infelizmente a denúncia foi aceita pelo douto juiz a quo, (fls. 232.),com um condão de mais repleta normalidade, o que torna-o, neste instante, a autoridade coatora.

Neste sentido vale citar Ada Pellegrini Grinover, in "As provas Ilícitas na constituição" pg. 3.

"... portanto, o ingresso da prova ilícita no processo, contra constitutionem, importa na nulidade absoluta dessas provas, que não podem ser tomadas como fundamento por nenhuma decisão judicial." (grifei)

"Retornando-se a teoria da tipicidade _ inicialmente concebida em relação ao direito penal, de onde é possível extrair que a conduta que não se insere no tipo é juridicamente inexistente _ as provas ilícitas, porque consideradas inadmissíveis pela constituição, não são por estas tomadas como provas. Trata-se de não ato, não-prova, de um nada jurídico, que as remete à categoria da inexistência jurídica.

A conseqüência da inexistência jurídica, consiste em que o ato, carecendo dos elementos que o caracterizariam como ato processual, é ineficaz desde sua origem. As provas ilícitas, portanto, devem ser consideradas como inexistentes e totalmente ineficazes, retroagindo a sua ineficácia ao momento do seu nascedouro." (grifei)

"A denominada doutrina do "fruto da árvore venenosa" (fruit of the poisonous tree) dos norte-americanos, merece, realmente, atenção. Pouco importa se o CPP erige, ou não, à categoria de nulidade a prova colhida ilicitamente. Como bem diz Véliz Mariconde, o processo penal cumpre uma dupla função de tutela jurídica: protege o interesse social pelo império do direito, isto é, pela repressão do delinqüente, e o interesse individual (e também social) pela liberdade pessoal. (cf. Derecho procesal penal, Buenos Aires, 1982, v.2, cap. III, n. 5, p. 127). De nada valeria a ação repressiva do Estado, se, para a obtenção dos meios probatórios, os órgãos agentes do poder público transgredissem aquela "serie mínima de libertades y garantías que conformam, em conjunto, lo que antes se llamaba seguridad individual y ahora se menciona como dignidad humana" (Processo Penal, 1992, v. 3, p. 210, Fernando Da C. T. Filho).

Partidários desta doutrina, encontram-se hoje os mais ilustres juristas da Nação. Em recente julgamento do Supremo Tribunal Federal, de 30/06/93, o Ministro Sepúlveda Pertence afirmou em seu voto que essa doutrina "é a única capaz de dar eficácia à garantia constitucional da inadimissibilidade da prova ilícita". Cabe ressaltar, que a esse entendimento aderiram os Mins. Francisco Rezek, Ilmar Galvão, Marcos Aurélio e Celso de Mello.

No mesmo sentido se pronunciou o STJ ao apreciar o Recurso Especial de nº. 037566/RS, do qual foi relator o Ministro Demócrito Reinaldo: In verbis:

"TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA COM BASE EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO-FISCAL. IMPOSSIBILIDADE.

sigilo bancário do contribuinte não pode ser quebrado com base em procedimento administrativo-fiscal, por implicar indevida intromissão na privacidade do cidadão, garantia esta expressamente amparada pela Constituição Federal (art. 5º. inciso X). ..."

PROCESSO PENAL - AÇÃO PENAL - REQUISIÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - TRANCAMENTO - FALTA DE JUSTA CAUSA - 1. Promotor de Justiça pode requisitar informações e documentos às instituições financeiras destinadas a instruir inquérito policial, ressalvadas as hipóteses de sigilo. (STJ. Rel. Mins. Costa Lima, 1991, RHC nº. 1290).

No Tribunal Regional Federal - 2ª. Região - já houve pronunciamento a respeito, onde em Sessão Plenária, por maioria, foi decidido negar provimento ao agravo 94.02.23467-5/ES, mantendo-se o despacho agravado, in verbis: (Relatora: Desembargadora Federal Julieta Lídia Luns)

"PROCESSUAL - CONSTITUCIONAL - SIGILO BANCÁRIO - ART. 5º. DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

A privacidade do cidadão é direito fundamental e vem assegurado na Constituição Federal que em seu art. 5º. de forma exaustiva, garante a inviolabilidade dos direitos pertinentes ao exercício da personalidade, dentre os quais se inclui o patrimônio. E tal regra constitucional, somente através de autorização judicial se pode afastar.

Semelhante ao caso sob judic, houve por parte do Banco Central a quebra do sigilo Bancário dos Pacientes através de mera resolução administrativa. Ocorre porém, que indigitado ato administrativo, data venia, trata-se de um afronta a preceito constitucional. Neste sentido, vale transcrever o relatório do já citado agravo. In verbis:

"Trata-se de quebra de sigilo bancário, através de resolução administrativa, o que, segundo meu entendimento, afronta preceito constitucional, vez que incluindo-se o sigilo bancário dentre os direitos assegurados ao cidadão, direito a privacidade, somente por deliberação ou determinação judicial poderia o Banco Central obter informações necessárias ao exercício de sua atividade.

Entretanto no caso dos autos, sem qualquer motivação o Banco Central pretendeu a ruptura do sigilo bancário, o que levou as partes interessadas à cautela judicial, e invertendo-se circunstâncias, obteve sua mantença quando em verdade poderia o próprio Banco Central requerer o levantamento do sigilo. É o relatório".

Analisando-se detidamente os arts. 12, 16, 18, 27, 39, § 5º., e 47 do CPP, chega-se à conclusão inarredável de que a propositura da ação penal pressupõe a existência de elementos de convicção sobre o fato e sobre sua autoria. É justamente a falta de existência de elementos de convicção sobre os fatos que se analisa, pois a nulidade das provas apontadas combinado a doutrina do "fruto da árvore venenosa", implicará necessariamente no trancamento da ação penal por força desta writ, pois as provas questionadas são o pilar de sustentação do processo. Admitindo-se a ilegalidade das provas questionadas, admitindo-se que tratam-se de um não ato, não-prova, ficará evidenciado, data venia, que falta a denúncia um elemento imprescindível, ou seja, indício probatório, já que, além das provas bancárias serem, em tese, ilegais, da mesma forma serão, as subsequentes.

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Partilhando desta opinião, inúmeros os julgados. Devemos demostrar preliminarmente, como vem se comportando a jurisprudência sobre os meios ilegais de provas e o meio legal para deter as denúncias que tiveram como "fonte inspiradora" tais elementos. (Habeas Copus nº. 96.02.20225-4/RJ - Relator: Desembargador Federal Castro Aguiar - Ementa e Relatório - ps. Por unanimidade foi concedido - In verbis:

"PENAL - HABEAS COPUS - IMPOSTO DE RENDA - APURAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO - PROCESSO FISCAL EM CURSO - CRIME DE SONEGAÇÃO FISCAL - LANÇAMENTO ARBITRADO COM BASE EM EXTRATOS OU DEPÓSITOS BANCÁRIOS.

I - Denúncia oferecida antes do término de processo administrativo fiscal representa açodamento do Ministério Público. Assim como a Fazenda Nacional não pode ajuizar execução fiscal, enquanto houver a pendência de recursos na esfera administrativa, porquanto somente após o julgamento de tais recursos o débito passa a ser inscrito em dívida ativa, também não pode o Ministério Público, ante disso, propor ação penal, até porque inexiste ainda ilícito fiscal. Se não há sequer ilícito tributário, muito menos se pode pensar na existência de ilícito penal.

II - É ilegítimo o lançamento do imposto de renda arbitrado com base apenas em extratos ou depósitos bancários. (Súmula nº. 182 TFR)

III - A violação de sigilo bancário implica em violação da esfera privada, constitucionalmente protegida entre os direitos e garantias fundamentais. Essa violação somente poderá ocorrer com o respeito ao devido processo legal e ao contraditório, ou com suporte na Lei nº. 4.595/64, hipótese não verificadas.

IV - Ordem de HC concedida." (grifei)

RELATÓRIO - "... Não se justifica, pois, a presente ação penal, nos termos em que foi proposta, seja pelo não esgotamento da via administrativa, seja por falta de fundamento legal, já que o imposto considerado sonegado e devido está sendo apontado com base apenas em extratos e depósitos bancários.

Demais disso, os extratos bancários, como adquiridos, constitui prova ilegalmente obtida e, como tal, imprestável, gerando, em conseqüência, a pronta nulidade da ação penal. A violação do sigilo bancário implicou em violação da esfera privada, constitucionalmente protegida entre os direitos e garantias fundamentais. Essa violação somente poderia ocorrer com o respeito ao devido processo legal e ao contraditório, ou com suporte na Lei 4.595/94, hipóteses não verificadas." (grifei)

EMENTA - TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA COM BASE EM MEDIDA CAUTELAR PENAL REQUERIDA PELO MP. IMPOSSIBILIDADE.

O sigilo bancário é protegido pelo art. 5º., X e XII, da Constituição Federal.

A violação desse sigilo, admitindo-se possa ocorrer apesar da redação do item XII do art. 5º., só é possível:

  1. para aferir fatos específicos e previamente enunciados, e não de forma genérica, correspondendo a uma verdadeira devassa na vida econômica do contribuinte;
  2. no interesse da instrução penal, havendo processo criminal regularmente instaurado;
  3. se determinado pela autoridade judiciária competente.

Inexiste o procedimento de "medida cautelar penal", de que se valeu o MPF, para obter a quebra do sigilo bancário dos impetrantes.

Segurança concedida.

(Mand. Seg. nº. 05868/RJ - 94.02.16133-3, Rel. Des. Fed. Silvério Cabral)



Ex positis, após sábia e douta apreciação de Vossas Exelências, exímios julgadores é que,

PRELIMINARMENTE

requer, tendo em vista a existência em tese de violação frontal aos artigos 5º. inciso X, XII e LVI da Constituição Federal e artigos 38 da Lei 4595/64 (fumus boni juris) e ainda, o constrangimento que o Paciente irá sofrer com o interrogatório marcado para o dia 13 de março, conforme despacho de fls. 233 (periculum in mora), a suspensão da ação penal, até o julgamento do mérito desta write.

No mérito, tendo a denúncia sido oferecida com base em provas absolutamente ilegais, conforme demostrado nas linhas acima, e ainda, considerando a "doutrina do fruto da árvore venenosa" é que requer, após pedidas as informações à autoridade coatora e observados os trâmites legais, haja por bem mandar expedir, a favor dos pacientes retroqualificados, ordem para trancar a ação penal por falta de justa causa, haja vista, a utilização de prova ilícita, tudo na conformidade dos artigos 648, I e do CPP, c/c 5º. X, XII e LVI e do Pergaminho Constitucional e Lei 4595/64, assim como os fundamentos doutrinários jurídicos acima narrados.

J U S T I Ç A .

Pede Deferimento.

Rio de Janeiro, 11 de março de 1997.

DAVID ZANGIROLAMI
O A B / RJ 80.049
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Sobre o autor
David Zangirolami

advogado no Rio de Janeiro

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANGIROLAMI, David. Habeas corpus suspendendo ação penal baseada em provas ilícitas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 25, 24 jun. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16248. Acesso em: 23 dez. 2024.

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