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Primeira ação contra o apagão, em Taubaté (SP): petição indeferida

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SEÇÃO III

Ainda sobre o caráter de continuidade do serviço público e a distribuição de energia elétrica em função da proteção aos consumidores, a ANEEL, utilizando dos poderes outorgados, baixou a Resolução nº 024 em 27 de janeiro de 2000, onde estabelece as normas para interrupções no serviço, prazos prévios para sua comunicação aos consumidores e, em 29 de novembro de 2000, a Resolução nº 456 (em anexo), através da qual estabeleceu, de forma atualizada e consolidada, as condições gerais do fornecimento de energia elétrica. A Resolução nº 456/2000 fixa em seus artigos 90 e 91, as hipóteses nas quais a concessionária poderá efetuar a suspensão do fornecimento de energia, entre as quais não é previsto o racionamento. Além disso, o artigo 95 diz que:

"A concessionária é responsável pela prestação de serviço adequado a todos os consumidores, satisfazendo as condições de regularidade, generalidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, modicidade das tarifas e cortesia no atendimento, assim como prestando informações para a defesa de interesses individuais e coletivos."

"Parágrafo Único: não se caracteriza como descontinuidade do serviço a suspensão do fornecimento efetuada nos termos dos artigos 90 e 91 desta resolução, tendo a vista a prevalência do interesse da coletividade" (grifo nosso)

Logo, a própria ANEEL não enquadra a hipótese de racionamento entre aquelas que justificariam a descontinuidade do serviço. Sobre a responsabilidade da concessionária perante os usuários e consumidores, aplica-se integralmente o disposto na Resolução nº 456/2000 que no seu artigo 101 diz:

"Na utilização do serviço público de energia elétrica fica assegurado ao consumidor, dentre outros, o direito de receber o ressarcimento dos danos que, porventura, lhe sejam causados em função do serviço concedido". (grifo nosso)

Ocorre que a própria Resolução nº 456/2000 diz em suas "Disposições Gerais", mais precisamente em seu artigo 117, diz que:

"Ocorrendo à restrição ou insuficiência dos meios para o atendimento aos consumidores, nos termos do Decreto nº 93.901 de 09 de janeiro de 1987, as condições estabelecidas nesta Resolução poderão, a critério da ANEEL, ser suspensas parcial ou integralmente, enquanto persistir a limitação." (grifo nosso)

Porém, o Decreto nº 93.901 de 09 de janeiro de 1987, que dispõe sobre o estabelecimento de medidas e procedimentos, relativos ao racionamento de energia elétrica, exige o emprego de uma ordem específica para o corte no fornecimento, que deverá ser observada nos seguintes termos:

Art. 4° A execução do racionamento de energia elétrica deverá obedecer à seguinte ordem de prioridade:

1ª) utilização supérflua;

2ª) iluminação pública;

3ª) poder público, não compreendidos os serviços públicos essenciais;

4ª) residência;

5ª) comércio e serviço;

6ª) indústria e classe rural;

7ª) transporte e comunicações;

8ª) instalações militares;

9ª) estabelecimentos hospitalares;

10ª) serviços essenciais. (grifo nosso)

Logo, nos moldes que a lei exige, não se pode aceitar o desligamento puro e simples da energia de toda uma região ou blocos de região, como vem sendo proposto pelas concessionárias, sob orientação do Poder Público. Em Direito, as normas não contém palavras inúteis, ou seja, se há uma ordem esta deve ser seguida em toda a sua extensão, não havendo a possibilidade de se cortar, no presente caso, a energia do comércio ou indústria, por exemplo, antes de se esgotarem os cortes em utilização supérflua, iluminação pública, Poder Público (serviços não essenciais) e residências. Assim, do modo em que se propõe o corte no fornecimento de energia elétrica, ele é ILEGAL e não pode ser aceito.


SEÇÃO IV

Pelo princípio da eventualidade, imaginando ser necessária a discussão de matéria constitucional em sede de recurso, a AUTORA pré-questiona o que segue: em obediência à vontade do legislador constitucional, evidenciada no artigo 175 da Constituição Federal, a omissão do Poder Público em antever e garantir meios adequados ao suprimento da demanda por energia elétrica, feriu a sua incumbência de prestar este serviço à sociedade, devendo pois, ser obrigado, através das concessionárias destes serviços a mantê-los ou, na impossibilidade, indenizar pelos danos, conforme os seguintes artigos da Carta Magna:

Art. 175. - Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. (grifo nosso)

Art.37 -As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (grifo nosso)


SEÇÃO V

Dos fatos expostos, percebe-se que houveram indícios suficientes de que o sistema energético brasileiro, conforme conhecimento anterior dos órgãos responsáveis e do Governo Federal, encaminhava-se para um ponto de estrangulamento e nada foi feito. A situação que hoje vivemos sempre foi, então, previsível, evitável e desnecessária, obrando o Poder Público com inarredável culpa pelo atual iminência de colapso energético.

Em razão dos argumentos jurídicos sobre a concessão dos serviços públicos e das garantias legais e constitucionais que devem ser observadas, não há dúvida de que as concessionárias causarão prejuízos aos usuários e consumidores de energia elétrica com os cortes previstos, prejuízos muitas vezes irreparáveis. Também ficou claro a responsabilidade objetiva das concessionárias para com os usuários e consumidores pelos seus atos e prejuízos que eventualmente dêem causa e, além disso, que o sistema de racionamento deve seguir uma forma pré-ordenada, sob pena de considerarem-se ilegais os cortes que contrariem esta ordem legal definida. Porém, evidencia-se que, mesmo seguindo a ordem, os prejuízos deverão ser ressarcidos aos usuários e consumidores, uma vez que o Poder Público, ao qual responde a concessionária, obrou com culpa pelo problema que levará ao corte no fornecimento.

Os autores, em particular, demonstraram a necessidade do pedido ora formulado, em razão do caráter irreversível dos danos que podem vir a sofrer com os cortes de energia elétrica aos seus equipamentos, uma vez que o serviço que presta tem caráter de imediatidade, não podendo ser interrompido ou reposto.


SEÇÃO VI

De acordo com o Dr. José Roberto Spoldari, a ação cominatória, hoje, está disciplinada pelo artigo 461 do Código de Processo Civil, na redação da Lei 8.952/94. Por conseguinte, no dizer de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, "A ação prevista no Código de Processo Civil, artigo 461 é condenatória e, portanto, de conhecimento. Nada obstante, tem eficácia executivo-mandamental, pois abre ensejo à antecipação da tutela (artigo 461, parágrafo 3º), vale dizer, autoriza a emissão de mandado para execução específica e provisória da tutela de mérito ou de seus efeitos".

Esclarecem, ainda, que "Agora, portanto, a regra do direito privado brasileiro – civil, comercial, do consumidor - quanto ao descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer é da execução específica, sendo exceção à resolução em perdas e danos. Trata-se de regra mista, de direito material e de direito processual, inserida no Código de Processo Civil. Lei federal que é, o Código de Processo Civil pode conter normas de direito processual e de direito material. Assim como existem regras de direito processual no Código Civil (e.g. artigos 136, 178, 363, 366, 623 II, 1116 e outros), no Código de Processo Civil também há dispositivos reguladores de direito material, notadamente nas ações que se processual por procedimento especial (ação possessória, consignação em pagamento, usucapião, depósito etc.). O caso no Código de Processo Civil, artigo 461 é um desses, já que nele existem regras materiais e processuais ao mesmo tempo (Código de Processo Civil Comentado, 3ª edição, Ed. RT, notas 2 e 6 ao artigo 461).

De outro lado, como esclarece o conceituado Desembargador Kazuo Watanabe, "O legislador de 1994 (Lei nº 8952), em vez de ação especial, preferiu criar um provimento especial de processo de conhecimento para a tutela das obrigações de fazer ou não fazer. Embora aluda simplesmente a "obrigação de fazer ou não fazer", o artigo 461 tutela não só a obrigação negocial como também o dever decorrente de lei" ( Reforma do Código de Processo Civil, coordenação do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Saraiva, 1996, págs.43/47). Acrescenta que "tutela específica das obrigações de não fazer pode ser obtida por demandas repressivas e também através de demandas preventivas (...)". Valeu-se o legislador, no artigo 461, da conjugação de vários tipos de provimento, especialmente do mandamental e do executivo lato sensu, para conferir a maior efetividade possível à tutela das obrigações de fazer ou não fazer".

Tem-se, pois, que o disposto no artigo 461 do Código de Processo Civil cuida não somente de obrigações de fazer ou não fazer de origem negocial, como também de deveres legais de abstenção, tolerância, permissão ou prática de fato ou ato. O mesmo Desembargador Watanabe esclarece que "As obrigações de não fazer, como bem observa Barbosa Moreira, podem consistir em a) não fazer; b) tolerar(não oferecer resistência); c) permitir; d) abster-se. A violação dessa espécie de obrigação pode consistir em ato instantâneo ou em atos sucessivos ou ainda em violação de caráter permanente. O Capítulo III do Livro II cogitou apenas de violação por ato instantâneo. Fala, assim, em desfazimento do ato ou em perdas e danos, não sendo possível o desfazimento do ato (artigos 642 e 643). Ocorre, no entanto, que há violações que são permanentes (v.g. uso indevido do nome comercial) e que podem ensejar a tutela específica consistente em cessação da violação. E as violações sucessivas (v.g. repetidas exibições de uma peça em violação do direito de alguém), hipótese em que, relativamente às exibições futuras, é possível cogitar-se de tutela específica da obrigação de não fazer. Bem se percebe, assim, que tutela específica das obrigações de não fazer podem ser obtidas por demandas repressivas e também através de demandas preventivas. Estas, por prevenirem a violação são mais eficazes. Igualmente em relação às demandas preventivas, os provimentos mandamental e executivo latu sensu têm particular importância, na conformidade do que ficou acima exposto".

Acrescenta, ainda, que "A execução específica ou a obtenção do resultado prático correspondente à obrigação pode ser alcançado através do provimento mandamental ou do provimento executivo lato sensu ou da conjugação de ambos. Através do provimento mandamental, que deve ser cumprida sob pena de configuração de crime de desobediência, portanto mediante imposição de medida coercitiva indireta. Isto, evidentemente, sem prejuízo da execução específica, que pode ser alcançada através de meios de atuação que sejam adequados e juridicamente possíveis, e que não se limitam ao pobre elenco que tem sido admitido pela doutrina dominante. E aqui entra a conjugação do provimento mandamental com o provimento executivo lato sensu, permitindo este último que os atos de execução do comando judicial sejam postos em prática no próprio processo de conhecimento, sem necessidade de ação autônoma".

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Assevera que dentre os vários meios de execução possíveis, as medidas de sub-rogação de uma obrigação em outra de tipo diferente são bastante eficazes, pois "Bem se percebe que não estamos falando de sub-rogação comum, que é a conversão da obrigação de fazer ou não fazer descumprida em perdas e danos. E sim de sub-rogação propiciadora da execução específica da obrigação de fazer e não fazer ou obtenção do resultado prático-jurídico equivalente". Exemplificando, lembra o dever legal de não poluir (obrigação de não fazer). Descumprida, poderá a obrigação de não fazer ser sub-rogada em obrigação de fazer (v.g. colocação de filtro, construção de um sistema de tratamento de efluente etc...) e, descumprida esta obrigação sub-rogada de fazer poderá ela ser novamente convertida desta feita em outra de não fazer, como cessar a atividade nociva. A execução desta última poderá ser alcançada coercitivamente, inclusive através de atos executivos determinados pelo Juiz e atuados por seus auxiliares, inclusive com a requisição, se necessário, de força policial (parágrafo 3º do artigo 461).

Já Candido Dinamarco, em seu conhecido "A reforma do Código de Processo Civil", esclarece que o artigo 461 do Código de Processo Civil é oriundo do Código de Defesa do Consumidor e "deve ser interpretado em sistema com o artigo 83 daquele, segundo o qual (mutatis mutandis), todas as espécies de ações são admissíveis, para a tutela jurisdicional nas obrigações de fazer e não fazer". Assim, falar "em todas as espécies de ações significa incluir as espécies de tutela que se obtém no processo de conhecimento (constitutiva, condenatória ou meramente declaratória) e também a tutela executiva e a cautelar". Esclarece que o caput do artigo 461 foi redigido com vista ao processo de conhecimento, tanto que dita regras para o conteúdo da sentença que julgar procedente o pedido. Entende-se que se tratará de sentença condenatória, constitutiva ou meramente declaratória. E, "Conceder a tutela específica em sentença significa constituir ou desconstituir uma situação jurídica, segundo os desígnios do direito material, ou condenar o demandado a fazer ou não fazer a que estava obrigado (segundo os critérios acima: violação a proibições ou a comandos positivos). O objetivo é sempre a obtenção do resultado prático que deveria ter sido produzido mediante o adimplemento, ou seja, mediante a conduta do obrigado. As atividades jurisdicionais, nesses casos, são substitutivas do adimplemento e, na medida do possível, buscam realizar situações finais desejadas pela ordem jurídica. A chamada tutela condenatória não tem, por sí só, capacidade de oferecer ao titular de direitos o resultado que ele veio a juízo buscar. Toda condenação só produzirá efeitos se acatada pelo obrigado mediante adimplemento superveniente ou se efetivada mediante as atividades inerentes ao processo de execução. Em vista disso é que, para a efetivação dos resultados práticos ditados em sentença, os parágrafos do artigo 461 dispõe uma série de medidas de apoio a esta, seja motivar o obrigado (multas), seja para remover coercitivamente a resistência oposta (v. parágrafo 5º)." ( pags.152/153)


SEÇÃO VII

Em face ao exposto, com base dos artigos 273, Inciso I e 461 do Código de Processo Civil, requer:

1. Que seja LIMINARMENTE determinado que a RÉ NÃO REALIZE corte no fornecimento de energia elétrica a AUTORA a partir de 1º de junho, ainda que sob determinação do Governo Federal, visto que os danos deste ato, se houverem, serão irreversíveis e que seja estabelecida multa diária pelo descumprimento de ordem judicial que impeça o corte;

2. Que esta condenação LIMINAR seja confirmada posteriormente por Sentença;

3. Caso a RÉ com ou sem a antecipação da tutela, efetue cortes no fornecimento de energia, que seja obrigada a ressarcir a AUTORA pelos prejuízos decorrentes desta atitude, com base em apuração dos prejuízos apurados posteriormente em relação ao tempo e extensão dos cortes efetuados;

4. Que seja estabelecida multa diária pelo descumprimento de ordem judicial que impeça o corte.

Dá-se a causa, para efeitos de alçada, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil Reais).

Protesta provar o alegado por todos os meios de provas permitidos e, especialmente, por depoimento pessoal da RÉ, por seu representante legal, o que desde já, requer.

Taubaté, 17 de maio de 2001


Notas

1. Matéria "Governo confirma cortes a partir de 1º de junho" – Jornal Folha de São Paulo on-line (https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u21175.shl)

2. Matéria "Eletropaulo vai propor apagões em sistema de rodízio" – Jornal Folha de São Paulo on-line (https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u21733.shl)

3. https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u18470.shl

4. https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u21783.shl

5. Matéria "FHC investiu menos do que Collor e Itamar em energia" – Jornal Folha de São Paulo on-line (https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u21301.shl)

6. Reportagem "O país no escuro", edição nº 156, páginas 82-94. Na Internet: https://epoca.globo.com/semanal/_materias/brasil9a.htm

7. Matéria "Chuva pode não ser culpada por crise" – Jornal Folha de São Paulo on-line (https://www.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u18491.shl)

8. Definição de Deocleciano Torrieri Guimarães in "Dicionário Técnico Jurídico", editora Rideel, 1995.

9. Definição de Marcus Cláudio Acquaviva in "Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva", editora Jurídica Brasileira, 1993.

10. Definição de Deocleciano Torrieri Guimarães in "Dicionário Técnico Jurídico", editora Rideel, 1995.

11. Definição de Marcus Cláudio Acquaviva in "Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva", editora Jurídica Brasileira, 1993.

12. Hely Lopes Meirelles in "Direito Administrativo Brasileiro", 23ª Edição, editora Malheiros.

13. Reportagem "O país no escuro", edição nº 156, páginas 82-94. Na Internet: https://epoca.globo.com/semanal/_materias/brasil9a.htm

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Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Sérgio ; LOPES, Rogério et al. Primeira ação contra o apagão, em Taubaté (SP): petição indeferida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. -822, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16417. Acesso em: 25 abr. 2024.

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