III. Dos fundamentos sobre os quais se assentam os direitos do consumidor:
Não é necessário dizer que os direitos do consumidor tem suas origens na Constituição da República Federativa do Brasil que já em seu artigos 5º, inciso XXXII, dispõe que "O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". Desta determinação legal, pelo menos, duas conclusões fundamentais e práticas podem ser tiradas de pronto:
A primeira é que a defesa do consumidor recebeu, agora, o status de direito fundamental, que não pode ser sequer objeto de emenda constitucional, conforme previsão do artigo 60, § 4º, inciso IV, da Lei Maior.
A segunda é que o responsável primeiro por essa defesa é o Estado, nele incluído também o Poder Judiciário, que tem a obrigação de viabilizar, na forma da lei, uma defesa eficiente e rápida para os consumidores que tiverem seus direitos lesados.
Em razão da elevação desse direito ao status constitucional, é apropriado afirmar que "Qualquer lei ordinária tendente a revogar a Lei nº 8.078/90, excluindo a proteção do consumidor do mundo jurídico, é lei ineficaz (5), visto ser ofensiva à norma constitucional." (Leandro Cardoso Lages, advogado em Teresina, PI).
Continuando em sua trajetória de garantir uma defesa eficaz ao consumidor, a Carta Magna determinou, em seu artigo 24, inciso VIII, que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (....) responsabilidade por danos causados (....) ao consumidor.
A magnitude dada pela Constituição Federal à defesa do consumidor percebe-se ainda na disposição contida no Artigo 170, inciso V, da Carta Magna. A defesa do consumidor faz parte agora dos princípios gerais que regem as atividades econômicas, ao lado da soberania nacional, do respeito da propriedade privada e da livre concorrência.
Assim, não podem os fornecedores, como sempre fizeram, alegar que estão amparados pelo direito de propriedade, da livre iniciativa e da livre concorrência, para justificar uma possível lesão ao consumidor.
Para dar eficácia, da forma mais rápida e ágil possível, a determinação constitucional de que o Estado promoveria, na forma da lei, a defesa do consumidor, a própria Constituição previu, no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, deveria elaborar o código de defesa do consumidor.
Assim é que, embora tardiamente, no dia 11 de setembro de 1990 foi promulgado o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, Lei 8.078, que entrou em vigor 180 após sua publicação.
Numa leitura mais ampla e sistemática da Constituição, pode-se dizer que a defesa do consumidor está implicitamente contemplada no inciso I do Artigo 3º da Carta Magna, ao dispor que "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária".
Isso sem esquecer dos outros objetivos previstos neste mesmo artigo 3º, quais sejam: o dever de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos, sem preconceitos e discriminação.
Ora, sem buscar uma defesa irrestrita do consumidor e sem buscar proteger a parte mais frágil na relação de consumo de uma forma eficaz, jamais se "construirá uma sociedade livre, justa e solidária" e nunca se "erradicará a pobreza e a marginalização e se reduzirá as desigualdades sociais".
A igualdade, a justiça, a liberdade e a solidariedade humana só existem quando se instituem direitos concretos e mecanismos eficientes à disposição do hipossuficiente, para que este possa fazer frente às lesões que querem impor aos seus interesses e direitos. Isto é tornar efetivo o princípio da igualdade, qual seja, "tratar de forma desigual os desiguais na proporção em que se desigualam".
IV. Das Preliminares:
Contestando os termos da exordial ministerial, a empresa-ré em longo arrazoado, pugnou pela carência de ação por ilegitimidade ativa, alegando que as disposições da Lei nº 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor – e os demais diplomas legais elencados naquele venábulo são inaplicáveis ao caso em questão, por não tratar a ação de defesa de direitos e interesses de consumidores de qualquer natureza.
Alega, ainda, que o Ministério Público só tem legitimidade para propor ação civil pública tendo por objeto a tutela de interesses ou direitos difusos ou coletivos. No tocante à tutela coletiva de interesses ou direitos individuais homogêneos, menciona a empresa-ré que a legitimidade do Ministério Público restringe-se à tutela dos direitos individuais homogêneos indisponíveis, argumentando que os interesses tutelados na ação proposta são exclusivamente individuais disponíveis, posto que os indivíduos que participaram da promoção realizada pela ré são pessoas facilmente identificáveis e os direitos discutidos são absolutamente divisíveis e disponíveis por consistirem em direitos patrimoniais os quais podem ser renunciados, transacionados ou não exercitados.
Neste passo, a requerida argumentou que, muito embora os sujeitos cujo autor pretende defender tenham em comum a participação de promoção realizada pela empresa-ré, tal fato não enseja a homogeneidade do direito pleiteado eis que não decorrem de situações fáticas e jurídicas idênticas, não podendo ser o direito requerido ser qualificado como homogêneo, sendo necessário que essa verificação seja feita caso a caso.
A ré, ainda contestando a legitimidade ativa do órgão ministerial, invoca o artigo 129, inciso III da Constituição Federal, a Lei 7.347/85, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, para dizer que a Ação Civil Pública não se presta para a defesa dos direitos individuais homogêneos (item 20).
Em verdade, é difícil, em tese, distinguir, de pronto, a diferença entre interesses difuso, coletivo e individual homogêneo. Somente na prática, através dos pedidos formulados é que se pode identificar, em cada ação, qual a espécie de interesse coletivo.
Atento às dificuldades que a doutrina e a jurisprudência tem tido para a caracterização desses tipos de interesses, NELSON NERY JÚNIOR apresenta um método simples e eficaz para que se faça corretamente tal qualificação: identificar o interesse a partir da pretensão a ele relativa.
"A pedra de toque do método classificatório é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Da ocorrência de um mesmo fato, podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais. O acidente com o ‘Bateau Mouche IV’, que teve lugar no Rio de Janeiro recentemente, pode ensejar ação de indenização individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que têm interesse na manutenção da boa imagem desse setor da economia (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Público em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes. (direito difuso). Em suma, o tipo de pretensão é que classifica um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual"
Nas ações judiciais, para se identificar os interesses discutidos, deve-se, portanto, verificar quais são os pedidos formulados. É comum encontrar, na mesma petição inicial, pedidos relativos a mais de uma espécie de interesse.
Nas ações coletivas, por exemplo, contra escolas, discutindo valores de mensalidades, no sentido de se adequar os procedimentos de cobrança às normas legais, o interesse é coletivo. Mas, se a mesma ação contém pedido de devolução, aos alunos, de quantias pagas indevidamente, o interesse é individual (tratado de forma coletiva em face de sua homogeneidade).
No caso em comento, há que se delinear claramente que tipo de direito o Ministério Público Estadual está defendendo, através da ação civil pública intentada, analisando-se os objetivos da mesmas (os pedidos), quais sejam: a) condenação de ré na obrigação de fazer, consistente em cumprir a promessa feita, entregando o valor do prêmio estipulado, devidamente corrigido, a todos consumidores do Estados do Mato Grosso do Sul que tenham satisfeito as condições originariamente veiculadas; b) abstenção de fazer publicidade enganosa em futuros concursos a serem por ela promovidos; e c) a fixação da obrigação da ré de, ao realizar qualquer outro concurso, exibir - para conhecimento, análise e possíveis correções de irregularidades, quer em nível administrativo quanto judicial - aos órgãos de defesa do consumidor, o regulamento da promoção a ser feita e suas condições, bem como a forma e o meio de divulgação ao público.
Através dos dois últimos pedidos, o autor busca proteger interesses e direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; que o artigo 81, parágrafo único, inciso I, do CDC, denomina de difusos.
Já no primeiro pedido, o interesse é individual homogêneo, posto que decorrente de origem comum que consiste na negativa infundada da ré de entregar o prêmio prometido a quem satisfez as condições inicialmente exigidas.
Quanto a defesa dos direitos difusos, pelo entendimento exposto pela própria ré, a legitimidade do Ministério Público é incontestável.
Embora a ré aceite também a legitimidade do Ministério Público para a defesa dos direitos e interesses individuais homogêneos, ela pugna pela ilegitimidade ad causam do autor com base em quatro argumentos.
Primeiro. as disposições da Lei nº 8.078/90 são inaplicáveis ao caso em questão, por não tratar a ação de defesa de direitos e interesses de consumidores de qualquer natureza.
Segundo. O Ministério Público só tem legitimidade para propor Ação Civil Pública para a defesa de direitos difusos e coletivos.
Terceiro. A legitimidade do órgão ministerial para a tutela coletiva de interesses ou direitos individuais homogêneos restringe-se a direitos individuais, homogêneos, indisponíveis, indivisíveis de pessoas não identificáveis, cujo direitos patrimoniais não possam ser renunciados, transacionados ou exercitados livremente.
Quarto. A homogeneidade do direito pleiteado não está presente, "porque não decorre de situações fáticas e jurídicas idênticas".
A aplicação da Lei nº 8.078/90, à lide discutida, já foi suficiente e exaustivamente demonstrado linhas atrás, não havendo nada mais a discutir sobre o assunto neste quadro.
Quanto a afirmação da ré de que o Ministério Público só tem legitimidade para propor Ação Civil Pública para a defesa de direitos difusos e coletivos é no mínimo contraditória. Ela própria admite, no item 21 de sua contestação, este tipo de legitimidade, tendo inclusive, no item 19, também de sua resposta, fundamentado esse seu entendimento no artigo 6º, inciso VII, alínea "d", da Lei Complementar nº 75, que dispõe que o Ministério Público tem "legitimidade para propor ação civil coletiva visando a proteção de interesses individuais (....) homogêneos".
Como se não bastasse, todos os demais diplomas legais mencionados pela ré, nos itens 15 a 19, prevêem a referida legitimidade da instituição ministerial: a Constituição Federal, nos artigos 127, "caput" e 129, incisos III e IX, combinados com os seus artigos 5º, inciso XXXII, e.170, inciso V; o Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 82, inciso I, 81, parágrafo único, inciso III e 91 e 117; a Lei 7.347/85, em seu artigo 21; e a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, em seu artigo 6º, inciso VII, alínea "d".
Bem se vê, pelos argumentos apresentados pela ré, que ela sequer sabe a diferença entre ação civil pública e ação civil coletiva e para que serve uma e outra.
Para elucidar de vez a questão, deve-se dizer que a ação civil pública, criada pela Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e elevada em nível constitucional pelo artigo 129, III, da atual Carta Magna, serve, tecnicamente falando, para a defesa dos direitos difusos e coletivos.
Já a ação civil coletiva, criada pelo artigo 91 (6) do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.098/90), com suporte nos artigos 127 e 129, inciso IX, da Constituição Federal, é um instrumento processual para se efetuar a defesa dos interesse individuais homogêneos do cidadão, precipuamente do cidadão-consumidor.
Apesar de sua clara distinção, o uso indistinto da ação civil pública e da ação civil coletiva quando se tratar de defesa de interesse individual homogêneo tornou-se comum, com o uso mais acentuado desta última, em virtude naturalmente da estreita ligação e interligação que passou a ter a LACP e o CDC, com a previsão legal contida no artigo 21 daquela lei, que lá foi inserida pelo artigo 117 do Codecon e da previsão contida no artigo 103, "caput", do CDC, no sentido de que as ações coletivas, lato sensu, servirão para a defesa dos direitos difuso, coletivo e individual homogêneo.
A possível alegação, mesmo que consciente, da impossibilidade do uso da ação civil pública no lugar da ação civil coletiva não tem a mínima procedência, em virtude da referida integração existentes entre as duas leis (7.347 e 8.098), em face do fato de que não é o nome da ação que vai determinar se o Ministério Público tem ou não legitimidade para defesa dos interesses individuais homogêneos do consumidor e da previsão legal contida no artigo 83 da Lei Protetiva dispor que: "Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela."
Enfrentando essa questão, a 5ª Câmara do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo decidiu, à unanimidade, que é "irrelevante a indicação de outro nome para a demanda", desde que seja observado, "no processamento, o rito da ação civil coletiva". (7)
Por outro lado, a assertiva de que "a legitimidade do órgão ministerial para a tutela coletiva de interesses ou direitos individuais homogêneos restringe-se a direitos individuais homogêneos, indisponíveis, indivisíveis de pessoas não identificáveis, cujo direitos patrimoniais não possam ser renunciados, transacionados ou exercitados livremente" é totalmente equivocada. Direitos individuais homogêneos com essas características não existem.
O que busca a lei, ao fixar a referida legitimidade para o Ministério Público, é que os interesses individuais pertinentes às pessoas naturais sejam visualizados em seu conjunto, de forma coletiva e impessoal, transcendendo a esfera de interesses meramente individuais, para passarem a constituir interesses da coletividade como um todo. Pouco se importando se este direito, visto isoladamente, é individual, disponível e divisível. Nesse sentido, vale a afirmação de que, em relação de consumo, a ofensa a um membro da sociedade é uma ofensa a toda coletividade.
Há que se entender, nesta altura de evolução do direito processual brasileiro, que a grande inovação introduzida pela Lei 8.078/90 constitui-se no tratamento coletivo conferido aos direitos individuais, quando decorrentes de origem comum.
Assim, equivocou-se completamente a impugnada. Primeiro, porque a disponibilidade do direito material não retira a legitimidade do Ministério Público, desde que os direitos lesados sejam individuais homogêneos. Segundo, porque a lei nunca exigiu que os direitos individuais homogêneos fossem inidentificáveis e indivisíveis, mas sim que eles contivessem alto conteúdo social, como ocorre no caso em questão. Terceiro. A lei não nega o caráter individual dos "direitos individuais homogêneos". O direito individual homogêneo, por definição legal, é individual, disponível e identificável. Se assim não fosse, a própria denominação de direito individual homogêneo encerraria a mais absurda contradição.
Para deixar bem claro esses aspectos da questão, ainda não bem entendidos pela ré, traz-se a colação a definição dada pelo Juiz do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Dr. Teori Albino Zavascki, para direitos individuais homogêneos:
"Direitos individuais homogêneos são, como já se disse, simplesmente direitos subjetivos, individuais, divisíveis e integrados ao patrimônio de titulares certos, que sobre eles exercem, com exclusividade, o poder de disposição. Nessas circunstâncias, e ao contrário do que ocorre com os direitos coletivos e difusos (que por não terem titular determinado são defendidos, necessariamente, por substitutos processuais), os direitos individuais, em regra, só podem ser demandados em juízo pelos seus próprios titulares. O regime de substituição processual aqui é exceção e, como toda exceção, merece interpretação restrita, podendo ser invocado somente nas hipóteses e nos limites que a Lei autorizar (CPC, art. 6º)." (In estudos realizados em torno da "Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos", citado pelo Ministro Demócrito Reinaldo no ACÓRDÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - RECURSO ESPECIAL Nº 97.455 – SP - Reg. nº 96.0035101-5).
Em complementação a lição supra, cita-se o artigo 25, inciso IV, letra "a", da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que dispõe:
"Art. 25 - Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos".
Como se vê, o Ministério Público tem legitimidade para a defesa de dois tipo de direitos individuais: o indisponível e, quando homogêneo, o disponível.
Não teria sentido a lei criar legitimidade para o Ministério Público defender direitos individuais homogêneos e exigir que tais direitos fossem indisponíveis. Para a defesa dos direitos individuais indisponíveis não precisa sequer a pluralidade de lesados nem a origem comum da lesão, basta apenas a ofensa ao direito indisponível de um único cidadão para que o órgão ministerial esteja legitimado a agir. Isto é o que se depreende da leitura do artigo 127, "caput", in fine (8), da Constituição Federal.
Deve-se dizer ainda que não é a disponibilidade ou não de um direito individual que vai definir se o Ministério Público tem ou não legitimidade para a causa. Há, necessariamente, que se verificar se este direito individual é puro, plúrimo ou homogêneo e se, neste último, há interesse social em jogo. No caso vertente, sem dúvida alguma, o direito defendido é individual homogêneo e há interesse social envolvido, o que autoriza o Ministério Público a agir.
Nesse passo, vale relembrar as lições de Nelson Nery Júnior, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, (in "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor", Ed. Forense Universitária, 1991):
"O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ACP, não apenas na defesa dos direitos difusos e coletivos, mas de outros direitos individuais. A CF, art. 129, XI, autoriza a lei infraconstitucional a cometer outras atribuições ao MP, desde que compatíveis com sua função institucional de atuar no interesse público, defendendo os direitos sociais e os individuais indisponíveis(CF, art. 127, "caput"). Assim, por exemplo, é constitucional e legítima a atribuição, pelo CDC, art. 82, I, de legitimidade do MP para ajuizamento da ação coletiva na defesa de direitos individuais homogêneos, já que essa defesa coletiva é sempre de interesse social (CDC, art. 1º), ditada no interesse público.
(....).
A defesa do direito individual puro não pode ser feita pelo Ministério Público, exceto se for indisponível e houver autorização legal para tanto. No entanto, o feixe de direitos individuais, ainda que disponíveis, que tenham origem comum, qualifica esses direitos como sendo individuais homogêneos, dando ensejo à possibilidade de sua defesa poder ser realizada coletivamente em juízo. Essa ação coletiva é deduzida no interesse público em obter-se sentença única, homogênea, com eficácia erga omnes da coisa julgada(CDC, art. 103, III), evitando-se decisões conflitantes. Por essa razão está o Ministério Público legitimado a propor em juízo a ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos(Constituição Federal, art. 129, IX; CDC, art. 82, I)".
Cabe também citar os ensinamentos da Professora Ada Pellegrini Grinover sobre o tema, em parecer publicado na Revista de Direito do Consumidor, Ed. RT, vol. 5, pp. 213/217, sobre a importância do artigo 81, do Código de Defesa do Consumidor, para o nosso ordenamento jurídico:
"Por esse dispositivo – complementado pelos arts. 91-100 do Código de Defesa do Consumidor quanto aos interesses (ou direitos) individuais homogêneos – o ordenamento pátrio marcou um importante passo no caminho evolutivo das ações coletivas, iniciado pela LACP (Lei n.º 7.347/85). Esta só havia cuidado da defesa de interesses difusos e coletivos (transindividuais de natureza indivisível), voltando-se à proteção dos consumidores e do ambiente, em sentido lato, na dimensão da indivisibilidade do objeto. Agora, com o inc. III do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor, complementado pelos arts. 91-100 do mesmo Código, o sistema brasileiro abre-se para o tratamento coletivo da tutela de direitos subjetivos individuais, que podem ser defendidos isoladamente, na linha clássica, mas que também podem ser agrupados em demandas coletivas, dada sua homogeneidade. É a transposição, para o ordenamento jurídico brasileiro, das class actions for damages ou dos mass tort cases do sistema da common law".
Mesmo que fosse possível identificar todos os consumidores lesados, a legitimidade do Ministério Público estaria presente, conforme o ensinamento de Paulo de Tarso Brandão, ao falar sobre interesses individuais homogêneos:
"Sob outro prisma, é impossível deixar-se de considerar que, em determinadas situações, embora não exista uma relação jurídica-base entre as pessoas que tenham tido lesados certos interesses e ainda que sejam perfeitamente identificadas ou identificáveis, a lesão decorrente de uma causa comum pode ser de tal ordem que a busca da tutela de forma individual determine a cada um suportar custas que simplesmente inviabilize a demanda; em outras situações, a parte lesada, considerando as suas possibilidades ou as do autor da lesão, encontre-se em "desvantagem estratégica" em relação a este; e/ou, ainda, que a necessidade das demandas individualizadas são um fator constante de sobrecarga do sistema judiciário e, consequentemente, um elemento determinante da demora na prestação jurisdicional."(Ação Civil Pública, Obra jurídica Editora, p.98).
É oportuno e não extrapola reprisar, embora com outras palavras, o que já disse Nery Júnior: o interesse social, em se tratando de relação de consumo, independentemente da situação fática ocorrente, está caracterizado tão somente por se tratar de direito fundamental do cidadão (defesa dos direitos do consumidor, por determinação dos artigos 5º, XXXII e 170, V, da Constituição Federal) e, por isso mesmo, estabelecido, em nível infraconstitucional, por normas de ordem pública e de interesse social (artigo 1º da Lei 8.078/90).
Se nesta condição, o Ministério Público não tem legitimidade para agir, quem o teria? E se ninguém tivesse legitimidade para tanto, quem defenderia os interesses de mais de 8.000 consumidores lesados, já que a ré afirmou, no item 50, à f. 41, que a promoção denominada "Cartelas Olímpicas" tinha por objetivo a distribuição de 8.732 prêmios e ela não comprovou nos autos a entrega de nenhum desses prêmios?
A assertiva de que a homogeneidade do direito pleiteado não está presente, "porque não decorre de situações fáticas e jurídicas idênticas" não se sustenta.
O argumento da requerida de que "os sujeitos que o autor defende têm em comum a participação de promoção realizada pela empresa-ré" não afasta, de forma alguma, a origem comum da lesão. Pelo contrário, serve para demonstrá-la, posto que a lesão aos direitos dos consumidores se deu em virtude de terem todos eles participado de uma mesma promoção fraudulenta, sofrendo, no seu conjunto, o mesmo tipo de ofensa.
Assim, vê-se que a ré não consegui demonstrar a ausência da origem comum dos direitos individuais ofendidos.
Assim, já resulta caracterizado uma perda de tempo ficar altercando sobre a legitimidade do autor e a respeito da adequação do uso da ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos, posto que, como exigem a doutrina e a jurisprudência, a relevância social da tutela coletiva desse tipo de interesse está presente na demanda, mesmo porque, quando se trata de relação de consumo, o interesse social resulta da próprio norma (artigo 1º do CDC (9)), além do que, na defesa desse direito, é possível o manejo de qualquer tipo de ação, desde que o instrumento escolhido seja capaz de propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos e interesses lesados dos consumidores e o rito imprimido seja o mesmo da ação civil coletiva, como ocorre no presente caso.
A preliminar de ilegitimidade do autor e da inadequação do uso da ação civil pública devem ser, portanto, repelidas.
B)Da preliminar de carência de ação pela falta de interesse de agir:
Ainda em sede de preliminar, a empresa-ré, com fundamento no artigo 3º do Código de Processo de Civil, alega a carência de ação por falta de interesse de agir do autor para exigir que ela se abstenha de publicidade enganosa, aduzindo que é desnecessária a invocação do Judiciário para providência jurisdicional pleiteada, baseando-se na máxima de que a todos se impõe o que determina a lei.
Segundo ela, não se faz presente a condição de admissibilidade do exercício da ação por parte do autor, porque, se a lei veda expressamente a veiculação de publicidade enganosa, não há a razão para uma decisão judicial tão somente para condenar alguém a cumprir a lei.
Não tem sentido é requerer ao Judiciário que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa sem que a tanto não esteja obrigado por lei. Se as disposições legais vigentes não contemplam penalidades suficientes para desincentivar a ré de fazer publicidade enganosa, é conveniente, necessário e oportuno que o Ministério Público requeira ao Poder Judiciário que lhe imponha a obrigação de não fazer publicidade que contrarie a Lei Protetiva e, com isso, dê prejuízo ao consumidor.
A iniciativa ministerial está embasada no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal e nos artigos 6º, incisos IV, VI e VII, e 84 do Código de Defesa do Consumidor, que têm a seguinte redação:
"Art. 5º. (....):
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei". (CF)"
"Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
(....);
VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
(....).
Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(....);
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
(....);
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, (....);
(....).
Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(....).
§ 4º. O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ 5º. Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial." (CDC).
A tentativa da empresa-ré de afastar a questão da apreciação do Judiciário deixa claro sua intenção de continuar com as práticas desleais que vem utilizando, com enormes lesões aos consumidores, bem como com prejuízo aos demais fornecedores do ramos, em virtude de patrocínio de concorrência desleal, que também é repelida pela Lei nº 8º078/90.
Permitir que a ré reine absoluta no mercado de consumo, sem barreira e controle algum, é coisa que o Ministério Público não deve fazer, posto que, como Instrumento do Estado Democrático, estaria ferindo o disposto nos artigos 5º, inciso XXXII, e 170, incisos IV e V, da CF.
O interesse de agir estaria ausente se o autor estivesse pleiteando algo que não estivesse previsto em lei ou que a contrariasse. A alegação é, portanto, descabida.
I.Do mérito da questão:
C)Da decadência do direito pleiteado:
A alegação de que os participantes da promoção Cartelas Olímpicas não têm nenhum direito ao recebimento de prêmios, por ter ocorrido a decadência dos seus direitos não tem sentido algum.
Segundo a ré, o prazo para o participante da promoção exercer seu direito ao recebimento do prêmio era de 180 dias contados a partir do dia 15.8.1996. Assim, do seu ponto de vista, por ter a ação sido proposta tão somente em 26.2.2000, é manifesta a decadência do direito de reclamar o prêmio.
Efetivamente, o artigo 6º da Lei 5.768/71 dispõe que:
"Art 6º Quando o prêmio sorteado, ou ganho em concurso, não for reclamado no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, caducará o direito do respectivo titular e o valor correspondente será recolhido ao Tesouro Nacional no prazo de 10 (dez) dias pelo distribuidor autorizado."
Esse assunto já foi suficientemente tratado na inicial, nos seguintes termos:
"O prazo prescricional de 180 dias para o recebimento do prêmio estatuído no artigo 6º do Decreto 70.951 não se aplica ao caso vertente, dado que os participantes da promoção não ganharam os prêmios porque deixaram de reclamá-los, mas porque a reclamada se negou a entregá-los, sob alegações e justificativas não aceitáveis. Em verdade, o que deve ocorrer no caso presente é uma indenização a ser levada a efeito pela empresa promotora.
A perda do direito à ação, na espécie, por se tratar de direito pessoal, só se dará após o transcurso de vinte anos."
Por essas razões, percebe-se não só que a argüição de decadência não prospera, como também constata-se que a requerida age de forma desonesta. Nega-se ela a fazer a retribuição devida a quem, na época correta, a reclama, para, posteriormente, de forma altamente reprovável e desleal, alegar a ocorrência da decadência do direito ao recebimento do prêmio.
Pelo que parece, a ré não lesou apenas o consumidor, mas também, a Administração Pública, posto que não comprovou que tenha recolhido, no prazo legal, ao Tesouro Nacional, o valor correspondente ao prêmio não reclamado, como exigido no final do sobredito artigo 6º da lei que rege a matéria.
D)Da alegada ausência de qualquer direito ao recebimento de prêmios por ocorrência de irregularidades no certame:
A alegação de que os participantes da promoção Cartelas Olímpicas não têm nenhum direito ao recebimento de prêmios por constatação de ilegibilidade e de borrões das coordenadas alfanumérica e do código de segurança, em razão da ocorrência de reação química entre o corante utilizado nas tampinhas e o material vedante não faz sentido, porque essa questão é estranha a esse processo. Tal situação, se verificada durante o cumprimento da decisão judicial, deverá ser resolvida, como se detalhará abaixo, em liquidação de sentença que se fará por artigo, mediante a feitura de perícia.
Deve-se deixar bem claro que, em caso de dúvida, a questão deve ser resolvida em favor do consumidor.
Mister se faz esclarecer que o Ministério Público não busca obrigar a ré a entregar prêmios a quem não tem direito, mas a todos aqueles que demonstrar, em caso de dúvida, em liquidação de sentença, que faz jus à recompensa prometida, por ter satisfeito as exigência.
Se aceitasse o raciocínio equivocado da ré ficava fácil para ela promover concursos milionários, em prejuízo aos consumidores e às demais empresas concorrentes dela, para, a final, se negar a entrega do prêmio, sob a alegação de que houve problema na confecção do material.
Apesar do impedimento ao recebimento levantado ser alheio a discussão que ora se trava, há que se analisar o mérito da alegação feita, com o fim de se comprovar que ela é infundada. Constitui-se em uma das tantas desculpas que a ré já apresentou para não cumprir a promessa feita.
Diz-se infundada, porque a ré só alega e nada prova, como seria o seu dever, além de que, em virtude dos princípios da facilitação da defesa do consumidor e da inversão do ônus da prova, reinantes em relação de consumo, não se pode obrigar o consumidor a comprovar o que o fornecedor está a alegar em sua defesa, principalmente quando se trata de prova técnica que só ele tem conhecimento.
Isso sem considerar o fato que existem comprovação nos autos que desmentem a versão da ré. A própria Alcoa Alumínio S.A., citada por ela à f. 45, deixou claro que as tampilhas que apresentaram falha na impressão (e não ilegibilidade por reação química) não chegaram sequer a ser colocadas no mercado, posto que o problema foi detectado e corrigido a tempo. (f. 284, penúltimo parágrafo, do PA 34/96).
Com esse simples esclarecimento, a Alcoa Alumínio S.A., empresa que fabricou e fez a impressão nas tampinhas de plástico, coloca por terra a alegação da ré, mesmo porque, pelas palavras desta empresa, o problema detectado inicialmente e corrigido antes de o produto ser colocado no mercado não estava ligado a ilegibilidade e a borrões das coordenas alfa-numérica e do código de segurança, em razão da ocorrência de reação química entre o corante utilizado nas tampinhas e o material vedante, como afirma a ré, mas dizia respeito a falha na impressão das tampinhas.
Cabe observar, também, a respeito dessa alegação, que a Alcoa só fabricou e fez a impressão nas tampas de plástico. Assim, como a ré explica a negativa de entrega de prêmios em relação às combinações alfanuméricas encontradas nas tampinhas de metal e nos selos de copo "post mix" dos refrigerantes?
É necessário analisar também aqui a afirmação da ré de que a ilegibilidade e os borrões atingiram também o código de segurança. Ora, se o referido código de segurança era só para controle interno da ré, para se evitar fraude, o que tem a ver o consumidor se na tampa de plástico (ou de metal ou nos selos dos copos "post mix") o referido código não estava legível?
O que importava, e ainda importa, para o consumidor, conforme a própria contestação da ré, é que fosse satisfeito as condições impostas e amplamente divulgada por ela. A comprovação de fraude, com o fim de se negar o prêmio, é obrigação da ré fazer em um processo regular, onde sejam obedecidos os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e não a manus militari e de forma enganosa e mentirosa.
Nessa linha de raciocínio e de acordo com o que prevê o código do consumidor que é lei especial e mais recente que o Decreto nº 70.951/72 que regulamenta a Lei nº 5.768/71, não tem sentido negar, com fundamento no artigo 17, parágrafo 2º, deste Decreto, a entrega dos prêmios prometidos, sob a alegação de que as rolhas plásticas, metálicas, selos "post mix" ou cartelas apresentaram defeitos ou vícios que impediram a verificação de sua autenticidade ou do direito ao prêmio.
Além do mais, a Lei nº 5.768/71 e o Decreto nº 70.951/72 que a regulamentou não se prestam a referendar condutas desonesta dos promotores de concurso, como é o caso da ré, que fica a alegar mil desculpas para cumprir a promessa feita.
Se os argumentos infundados da ré servisse para lhe eximir da responsabilidade que ela assumiu com milhares de consumidores, bastaria que ela própria mandasse fazer impressões errôneas e enganosas para que ela pudesse ficar livre de pagar qualquer prêmio prometido.
É para dirimir questões como estas é que existe Poder Judiciário, ao qual recorreu o Ministério Público, com o fim de que os direitos dos consumidores sejam respeitados.
O que efetivamente ocorreu é que a empresa-ré, menosprezando a capacidade de organização dos consumidores, fez a distribuição das tampinhas, selos "post mix" e cartelas por região, de modo a dificultar o êxito dos consumidores em obter as coordenadas que dariam direito ao recebimento do respectivo prêmio cujo valor estava impresso na cartela premiada. Ocorre, porém, que, em virtude de os consumidores terem se organizado e trocado informações inclusive através da internet, foi a ré surpreendida com um grande número de ganhadores, bem superior a sua expectativa inicial. Obrigada a arcar com a responsabilidade que para si criou, a ré, mas que depressa, começou a criar inúmeros obstáculos e desculpas para poder descumprir o prometido, entre estas desculpas se encontra a ora analisada de que houve problemas com a legibilidade das coordenadas alfanuméricas e dos códigos de segurança impressos nas tampinhas.
Há de se deixar consignado que os riscos decorrentes dos produtos oferecidos ao público são de responsabilidade do fornecedor. Esta é a conseqüência do reconhecimento do princípio da vulnerabilidade do consumidor, previsto no artigo 4º, I, do CDC.
É inconcebível, nesse sentido, e contrária ao princípio da boa-fé objetiva, a alegação feita pela ora impugnada para se desobrigar do contrato celebrado, pois a obrigação surge no momento da realização da oferta. A falha na impressão das tampinhas só poderia ser alegado no momento prévio ou contemporâneo à formação do contrato. Após a divulgação da oferta os riscos correm por conta do fornecedora.
O fundamento jurídico da obrigação da empresa-fornecedora reside nas expectativas que venha criar em virtude da exibição da mensagem publicitária. O consumidor, que teve sua escolha determinada pela publicidade, precisa ter confiança de que a oferta reflete a vontade efetiva do fornecedor. Em nenhum momento, o participante foi informado, pela publicidade veiculada, que além de obter as coordenadas alfanuméricas premiadas deveria também satisfazer as exigências de qualquer código de segurança identificador das tampinhas. Trata-se, em última instância, de evitar o exercício abusivo do direito à publicidade, que não pode se converter em meio de influências das escolhas dos consumidores sem qualquer responsabilidade para o fornecedor.
A ausência de força vinculante da mensagem publicitária comportaria a possibilidade da prática de incontáveis abusos. A fornecedora poderia lançar mão de quaisquer artifícios para seduzir os consumidores, sem qualquer responsabilidade em relação ao que anunciou. A regra do artigo 30 do CDC é clara ao dispor que "Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado". Essa disposição legal encontra sua justificativa na consideração de que o consumidor é parte vulnerável nas relações de consumo, requerendo por isso proteção especial por intermédio da atribuição de força vinculante às mensagens publicitárias veiculadas pelo fornecedor.
A pretensão dos consumidores em exigir o prêmio prometido através dos anúncios públicos encontra supedâneo também no princípio da transparência, segundo o qual o consumidor deve possuir informações precisas e claras sobre a relação jurídica que se travará. O fornecedor, em conseqüência, tem o dever de informar os consumidores sobre todas as limitações a que estejam sujeitos na consecução do negócio.
A coisa como está sendo feita pela ré contraria também o princípio da boa fé, que é uma das cláusulas gerais do contrato. Está ela, em verdade, alegando sua torpeza em seu benefício, o que não é possível também a luz dos princípios gerais de direito.
Ademais, o artigo 1.080 do Código Civil determina que a proposta de contrato obriga o proponente, se o contrario não resultar nos termos dela, da natureza do negócio, e das circunstâncias do caso.
A formação do contrato exige que uma das partes tome a iniciativa de propor a constituição do vínculo contratual. O proponente solicita a manifestação de vontade do outro contratante (aceitação) ao negócio proposto. O contrato surge então de encontro com a proposta e aceitação, originando o chamado consenso contratual. O que se configurou no momento da compra dos produtos relacionados à promoção.
A oferta indica a vontade do proponente de contratar em certas condições. O interesse social requer que seja séria e que tenha estabilidade, razão pela qual o proponente fica obrigado a mantê-la.
Pelo artigo 12 do CDC, é obrigatória a reparação de danos causados pelo fornecedor. Assim como em quaisquer casos de inadimplência contratual, dano moral, patrimonial, à saúde, à vida, falta de informações adequadas e publicidade enganosa ou abusiva, tanto imediatos quanto emergentes.
Partilhando do mesmo entendimento, leciona o jurista Nelson Nery Júnior, à p.58 da obra a pouco citada:
"todo e qualquer dano ocasionado ao consumidor, seja ele, derivado de contrato ou extracontratual, de publicidade enganosa ou abusiva, é indenizável de forma integral sob o regime de responsabilidade objetiva".
Sendo assim, fica evidente por todo o acima demostrado a responsabilidade da fornecedora, não havendo possibilidade da ora impugnada se abster de arcar com o pagamento do prêmio aos participantes ganhadores.
Tratou, ainda a contestação, neste item, sobre a não validade dos pareceres técnicos acostados aos autos pelo autor. No entendimento da empresa-ré tais pareceres não tem valor probante por não terem sido produzidos sob o crivo do contraditório.
A empresa-ré perdeu-se no afã de tentar demostrar arbitrariedade por parte do órgão ministerial, que no seu entender, quer se servir dos pareceres técnicos acostados aos autos para atestar o direito de recebimento dos prêmios.
Tais pareceres tiveram importância na formação do convencimento do representante do Ministério Público para a propositura da ação. Pesaram também, na fase administrativa, para avaliar a importância social da demanda que seria interposta e da comprovação inicial da má-fé da ré. Para o magistrado, funcionará apenas como um amostragem, demonstrando a seriedade da demanda.
Em momento algum, foi requerido a condenação da ré com base nas referidas perícias, mesmo porque os direitos que o Ministério Público defende não são tão somente daquelas pessoas que estão relacionadas no processo, cuja perícia foi feita, mas de todos os demais lesados, tanto é que o efeito da sentença que haverá de ser produzida é "erga omnes".
Em caso de dúvida, e tão somente em caso de dúvida, a comprovação que se fizer necessária deverá ser feita em liquidação de sentença, por artigo (CPC/608 e 609), nos termos do artigo 97 (10) c.c. o artigo 95 (11), ambos do Codecon. Isso significa, objetivamente, que a ré só deixará de entregar o prêmio, independentemente da liquidação da sentença, em caso de dúvida comprovada, quando se fará necessário a perícia judicial, para espancar as divergências por ventura existentes. Nos demais caso, onde não houver dúvida alguma, não servindo dúvida infundada, a requerida deverá entregar, de pronto, os prêmios aos consumidores que o reclamarem, sob pena de cometimento de crime de desobediência a determinação judicial e do pagamento das multas cabíveis, tudo conforme previsão inserta no artigo 84, § 4º, do CDC.
Caso contrário, haveria violação ao disposto nos artigos 84, § 4º, e 48 (12), ambos do Código de Defesa do Consumidor.
O direito dos consumidores não se encontra comprovado por quaisquer perícias feitas, mas estão evidenciados nas tampas e selos que eles lograram conseguir e que satisfizeram as exigências iniciais da ré para o recebimento dos prêmios.
Vê-se, assim, que também essas alegações da ré não tem fundamento.
E)Sobre a alegação de que não pode ser acolhido o pedido de inversão do ônus da prova:
Do estreito ponto de vista da ré, o pedido de inversão do ônus da prova não pode ser acolhido, por dois motivos. Primeiro, pela inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Segundo, porque, mesmo que se admita a aplicabilidade do CDC, não se faz presente a hipossuficiência do consumidor nem tampouco a verossimilhança do alegado.
A primeira questão, consistente na aplicação ou não do Codecon, já foi suficientemente debatida linhas acima.
A hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança do alegado é inconteste, tanto é verdade que a ré apenas alegou a ausência da hipossuficiência do consumidor e da verossimilhança, mas não teve elementos para fundamentar a alegação. Em resumo, alegou por alegar.
Há doutrinadores que, levando até as últimas conseqüências os principios da ordem pública e do interesse social previstos no artigo 1º da Lei nº 8.078/90, afirmam - com acerto, ao ver do autor - que, comprovada a relação de consumo, a hipossuficiência do consumidor já estaria automaticamente evidenciada.
No caso em exame, a ré parte exatamente da tese de que a hipossuficiência não está presente porque as pessoas defendidas pelo Ministério Público não são consumidoras. Assim, comprovada, como já foi, a relação de consumo, a tese cai por terra.
Ela disse, ainda, que a inversão do ônus da prova é uma faculdade do juiz. Essa faculdade deve ser vista de uma forma ampla e em harmonia com os princípios gerais que informam a defesa do consumidor. Visto a coisa com deve ser vista, a faculdade do juiz vai até o momento que ele concluir que está presente pelo menos um dos pressupostos exigidos pela lei protetiva. Daí para frente, passa a ser um dever do magistrado e um direito do consumidor a inversão pretendida. Mesmo porque, pelo previsto no artigo 4º, incisos I e IV do CDC, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, aí incluído o Judiciário, tem o dever de reconhecer a vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo e coibir e reprimir, eficientemente, todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a concorrência desleal, além de ser, a facilitação da defesa do consumidor um direito básico do hipossuficiente, conforme previsto no artigo 6º, inciso VIII, primeira parte, do mesmo códex.
Na ação proposta, não há como reconhecer a vulnerabilidade do consumidor, facilitar sua defesa e reprimir, de forma eficiente, os abusos já praticados se não se inverter o ônus da prova em favor do elo mais frágil da referida cadeia.
O alegado pela ora impugnada não merece credibilidade vez que a hipossuficiência do consumidor é explícita no caso em comento, pois é clara não só a diminuição do consumidor sob a ótica econômica, mas também sob o prisma do acesso à informação e aos elementos técnicos do produto, ou seja, não teve conhecimento de como foi realizada a produção das tampinhas e cartelas objetos da referida promoção, ficando a mercê do que lhe fora informado pela publicidade ventilada. A empresa promotora, por outro lado, é a parte detentora dos dados da produção da promoção "Cartelas Olímpicas" e que evidentemente, se encontra em melhor posição para fornecê-las ao magistrado.
A inversão do ônus da prova se mostra imprescindível, sob a pena de se denegar a prestação jurisdicional à parte mais vulnerável. Se a empresa-ré tem interesse em comprovar que agiu com acerto e boa fé, deve trazer as provas que detém e os elementos técnicos que dispõe.
Vale lembrar aqui que a combatida inversão foi requerida com o fim de que as alegações infundadas da ré não fossem aceitas sem que ela fizesse sua comprovação. Alegou ela, por exemplo, que: a) os prêmios não foram entregues em razão de erros de impressão constados nas tampinhas; b) tais erros foram lançados, inicialmente, à Alcoa Alumínio S.A. que, em algumas ações individuais foi denunciada à lide; c) em um segundo momento, a questão passou a ser problemas de falsificação, que teriam sido ocasionados pelos consumidores que haviam falsificado as combinações nas tampinhas com o fim de ganhar o prêmio; d) após, inclusive na ação em comento, a questão estaria ligada a impossibilidade de leitura dos códigos de segurança e das referidas combinações alfanumérica, em razão de reação ocorrida nos recipientes dos refrigerantes; e) a combinação alfanumérica apresentada pelo consumidor não batia com o código de segurança que a empresa detinha guardado a sete chaves, do qual o consumidor nunca sobe de sua existência e seque teve acesso.
No sistema de defesa do consumidor vigente, não há espaço para se aceitar esses fatos, sem que a fornecedora ré faça as comprovações devidas, mesmo porque suas alegações são contraditórias entre si, e demonstram claramente sua intenção de não cumprir o prometido, em prejuízo único e exclusivo do vulnerável. Isso sem dizer que, pelo menos agora, deve ela portar-se com transparência e boa fé, já que até agora tal não ocorreu.
Como se não bastasse, há a questão também de se saber qual é o real número de prêmios existentes, qual era o valor de cada um deles, se esses prêmios foram todos entregues e a quem foram entregues, se não o foram por que não o foram e se os valores referentes aos prêmios não reclamados ou, reclamados e não entregues, foram repassados ao Ministério da Fazenda, como exigido pelo artigo 6º, in fine, da Lei 5º768/71. Independentemente de ação judicial, tudo isso deveria, em nome do princípio da transparência, da boa fé e da harmonia das relações de consumo, ter sido comprovado de maneira clara aos consumidores, no final da promoção.
A questão, como se pode notar, é muito mais abrangente do que a fornecedora pretende. Levantou ela questões de ordem técnica e científica que o consumidor não domina. Alías, algumas delas nem ela própria tem conhecimento, como é o caso, por exemplo, da alegação do erro de impressão, pelo qual responsabilizou a Alcoa.
A responsabilidade da ré, no presente caso, é tão forte que o artigo 48 da Lei nº 8.078/90 prevê a execução especifica do consumidor, cabendo ao fornecedor que ingresse, para comprovar que agiu com acerto, com os embargos cabíveis. A presunção legal está, portanto, do lado do consumidor e não do fornecedor.
Além do mais, essa inversão do ônus da prova não se assenta na inversão genérica do inciso VIII do artigo 6º do CDC, mas na inversão específica prevista no parágrafo único do artigo 36 do mesmo códex, que tem a seguinte redação:
"Art. 36. (....).
Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem."
Essa obrigação é tão séria e objetiva que o artigo 69 prevê como crime o fato de o fornecedor "Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade".
Como visto antes, não é possível a negativa do caráter publicitário da promoção realizada. Sua insistência neste particular só confirmará mais uma irregularidade cometida pela ré, qual seja, a prevista no "caput" do supracitado artigo 36 da lei protetiva, assim redigida:
"Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal."
Ademais, já foi deixado bem claro anteriormente que, nos casos de dúvida, a questão deve ser resolvida pelo Judiciário, em liquidação de sentença, onde haverá a possibilidade de se realizar perícias, sendo que em caso de dúvida esta deve ser interpreta sempre em favor do consumidor e não do fornecedor.
Pelo analisado e demonstrado, vê-se que a inversão do ônus da prova deve ser feita para que a proteção do consumidor seja feita da forma mais completa e eficiente possível.
F)Da alegada incompetência dos órgãos de defesa do consumidor para analisar os regulamentos de futuras promoções:
Segundo a ré, não tem sentido algum e refoge a competência do Ministério Público e dos demais órgãos de defesa do consumidor a feitura de análise prévia do regulamento das futuras promoções e dos meios de divulgação ao público dessas promoções, com o fim de se tomar as medidas cabíveis para se fazer as correções que eventualmente se façam necessárias.
O que não tem sentido é deixar o direito dos consumidores sem proteção, quando a efetiva prevenção e reparação dos danos a eles causados e a facilitação de sua defesa é dever do Estado por determinação legal e Constitucional.
A exigência feita pelo artigo no sentido de que a realização de distribuição gratuita de prêmios dependerá da prévia autorização do Ministério da Fazenda, não retira dos Órgãos de Defesa do Consumidor e, de forma especial, do Ministério Público, a obrigação de tomar todas as medidas cabíveis para a defesa do consumidor lesado ou por ser lesar.
Pelo previsto no artigo 1º da Lei 5.768/71 e no artigo 1º do Decreto que regulamenta esta lei, "A distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda quando efetuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelhada, dependerá de prévia autorização do Ministério da Fazenda. Não dispõem essas normas jurídicas, em momento algum, que a fiscalização do bom e regular desempenho da empresa autorizada, no sentido de não lesar o consumidor, seja de atribuição exclusiva daquele Ministério. Nem poderia assim dispor, mesmo porque elas nunca teve preocupação com a defesa do consumidor. E é entendível esse comportamento posto que na época em que ela foram elaboradas o consumidor era um ser sem proteção do Estado.
Vale reflexionar nesse momento, sobre a necessidade de se corrigir eventuais abusos e lesões praticadas até pelo próprio Ministério da Fazenda. Nesse caso, quem tomaria as providências devidas para corrigiria esses erros? Estaria a sociedade fadada a arcar com as conseqüências deste ato equivocado, sem a possibilidade de qualquer correção?
O Ministério Público é o guardião da legalidade e da ordem jurídica, como se pode negar que ele tome, em nome do consumidor vulnerável, as medidas necessárias para corrigir eventuais distorções ou desvio de poder?
A legitimidade concebida ao Ministério Público, justamente como fiscal da lei, guardião da ordem jurídica e do regime democrático, tem por finalidade assegurar à sociedade que a lei seja devidamente cumprida, e quando as disposições legais forem desrespeitas e em decorrência desse ato ilegal nascerem circunstâncias que privem o cidadão dos seus direitos, pode e deve o Ministério Público intervir judicialmente com o fim de sanar o mal.
Assim, a análise administrativa do Ministério da Fazenda não colide com o poder fiscalizador do Ministério Público, quanto ao exato cumprimento da lei. Aliás, o órgão ministerial pode e deve ingressar com ação civil pública contra o próprio órgão administrativo que autorizar concursos irregulares ou não os fiscalizar de maneira que de sua omissão resulte prejuízo aos consumidores. Isso é o que se depreende das determinações constitucionais a seguir transcritas:
"Art. 5º. (....):
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
(....).
Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
(....).
Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
(....);
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos".
A ré, como multinacional e detentora do Poder Econômico, está acostumada a sobrepor a todas as normas existentes nos países de terceiro mundo, sentindo-se a vontade para lesar os direitos sociais dos habitantes desses subplanetas. É necessário se impor uma barreira á sanha criminosa e à ganância sem limite dessa empresa. Chega de exploração. Nem todos os órgãos existentes nesta nação se curvarão aos detentores estrangeiros do poder econômico.
Não só o Ministério Público, mas também o Judiciário tem sua responsabilidade a cumprir nesses casos, posto que é determinação constitucional e legal que ele aprecie não só lesão, mas também ameaça a direito (13). Quando a Lei Maior fala em apreciar ela quer dizer, nos termos do artigo 84 do CDC, tomar todas as medidas práticas e efetivas para que a ameaça de lesão cesse de pronto e não venha a se tornar uma lesão efetiva. Ou o Judiciário toma a medida pretendida pelo autor ou determina a tomada das providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Agir de forma diferente, é fazer letra morta da Lei Protetiva, principalmente nos dispostos nos artigos 4º, inciso IV, 6º, incisos VI, VII e VIII e no próprio artigo 84, todos já transcritos anteriormente.
O inconformismo da ré é explicável. Quer ela continuar a lesar o consumidor da forma fácil como vinha fazendo até então. Como ela sabe que, doravante, se deferido o pedido, ela não conseguirá se locupletar ilicitamente com a mesma facilidade que vinha tendo até aqui, inclusive com a conivência de órgãos públicos, procura, de todas as formas e meios, resistir contra a situação que pode ser criada em benefício do consumidor. Não existe outra explicação para a resistência. A preocupação com a eventual análise de regulamentos de futuras promoções não se justificaria se a empresa-ré tivesse como objetivo elaborar um conjunto de normas para promoções justas, equilibradas e em conformidade com as disposições legais.
Pelo exposto, demonstrado fica que a providência requerida é o meio que mais preserva o direito do consumidor, não havendo como prosperar o inconformismo da empresa multinacional requerida.
G)Da improcedência da alegação de que a sentença a ser proferida não tem o condão de produzir seus efeitos em âmbito estadual:
Em razão dos limites da sentença a ser produzida, a empresa-ré entende que é impossível que o autor tenha seu pedido atendido em relação a todas as comarcas do Estado. Argumenta ela, com fulcro no artigo 16 da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) com a alteração trazida pela Lei nº 9.494/97, que a sentença faz coisa julgada erga omnes apenas nos limites da competência territorial do órgão prolator, de modo que, na opinião da ora impugnada, a sentença só produzirá seus efeitos na comarca de Campo Grande, MS.
Não sabe a ré, ou se faz de desentendida, que a Lei nº 7.347/85 e o próprio Código de Processo Civil só se aplicam às relações de consumo subsidiariamente, "naquilo que não contrariarem suas disposições", como de maneira explícita prevê o artigo 90 do CDC (14).
Assim, como a Lei nº 8.078/90 tem disposição expressa a respeito do matéria e não faz a absurda ressalva encontrada no referido artigo 16 da LACP, o que se aplica ao caso vertente é o disposto no artigo 103 (15) da Lei Protetiva.
Essa posição torna-se mais clara quando se analisa a questão do ponto de vista da requerida que entende que os direitos defendidos pelo Ministério Público são individuais e de que a ação civil pública não é o instrumento adequado para defendê-los.
Ora, se os direitos são individuais, ou seja, individuais homogêneos, não se poderia sequer cogitar de se aplicar o artigo 16 da LACP, posto que ele só trata dos efeitos das decisões proferidas em relação a direitos difuso e coletivo lato sensu. O dispositivo legal que trata do efeito "erga omnes" em relação a direitos individuais homogêneos é tão somente o inciso III do artigo 103 do CDC, "in verbis":
"Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:
(....)
III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81 (16)."
Por outro lado, o dano de que trata a ação civil pública proposta é de âmbito regional, já que a promoção levada a efeito pela ré açambarcou todo o território deste Estado, tanto é verdade que isso não foi contestado por ela.
Se assim o é, o juiz competente para julgar a demanda é o juiz da Capital, nos termos do artigo 93, inciso II (17), do Codecon, não tendo sentido, por ser mostrar contraditória com os princípios de hermenêutica que regem a matéria, a restrição que a requerida quer fazer.
Para a doutrina, a competência objurgada é absoluta, não sendo, portanto, prorrogável ou modificável por vontade das partes.
As lições de MAZZILLI, em seu livro "Defesas dos Direitos Difusos em Juízo", Ed. Saraiva, 1991, comprovam essa assertiva quando ensina que, "na defesa dos interesses difusos e coletivos, por meio de ação civil pública, a competência é absoluta, porque funcional, como decorre do art. 2º da LACP. Conseqüentemente, não se trata de competência territorial relativa."
Mesmo para quem entenda que a competência aqui tratada é relativa, não existem argumentos para retirá-la do juízo da Capital. Isso ocorre por dois motivos. Pela prevenção, em virtude da conexão e pela prevenção, em razão da prorrogação da competência.
Partindo do pressuposto que a competência, no caso vertente é relativa, como parece entender a ré, deve-se aplicar ao caso a prevenção por conexão. Isso porque, mesmo que cada Promotor de Justiça interpusesse, doravante, em cada Comarca do Estado, ações civis públicas com a mesma finalidade da ora examinada, por serem, nos termos do artigo 103 do Código de Processo Civil, conexas, deveriam ser reunidas nesse juízo, por se tratar de juízo prevento, com o fim de que - nos termos do artigo 106 do mesmo códex processual c.c. o artigo 93, II, do CDC - fossem decididas simultaneamente.
Mesmo que a ré Recofarma Indústria do Amazonas Ltda. tivesse razão em sua argüição, ela, por ter demonstrado que entende que a competência é relativa, deveria ter feito sua argüição por meio de exceção, como dispõe o artigo 112 do CPC. Como não o fez, a competência ter-se-ia prorrogado, nos termos do artigo 114 da mesma lei adjetiva.
Antes de encerrar esse tópico, necessário se faz mostrar o desacerto encontrado do disposto no artigo sobre o qual a ré fundamenta sua insatisfação.
O erro primordial cometido em relação a alegada limitação da decisão a ser prolatada não está com a ré, mas sim com o legislador que, ao limitar os efeitos da coisa julgada ao território jurisdicional do juiz prolator da sentença, "confundiu os limites da coisa julgada com competência territorial".
Para ver o absurdo em que se meteu o legislativo nacional, basta analisar os efeitos da coisa julgada, por exemplo, de uma separação judicial. Se a coisa fosse como dispôs, erroneamente, a lei, a sentença que decretasse a separação teria mais eficácia do que uma decisão prolatada em uma ação civil pública. Aquela, por força de lógica, produzia seus efeitos em todas as comarcas do país, inclusive no exterior. Esta, no entanto, por força de um lamentável equívoco, produziria seu efeitos tão somente nos limites territoriais da Comarca a que pertence o juiz que prolatasse a decisão. O que, pelos objetivos que levaram a criação desse instrumento processual, é inconcebível. Não há justificativa que convença que uma ação individual possa ter maior abrangência e força que uma ação coletiva.
Por outro lado, ou o efeito é "erga omnes" ou não é. Não existe um efeito "contra todos" pela metade. Ou o efeito é contra todos ou é contra ninguém.
MAZZILLI é um dos que, na obra acima citada, demonstra, com propriedade, o equívoco acima referido:
"Em face das modificações que à Lei da Ação Civil Pública trouxe a Lei nº 9.494/97, nas ações civis públicas, a coisa julgada somente se estenderia aos "limites territoriais" do juiz prolator da sentença.
(....).
A alteração trazida à Lei da Ação Civil Pública pela Lei nº 9.494/97 é equivocada, pois esta última valeu-se de redação infeliz e inócua. O legislador de 1997 confundiu limites da coisa julgada (cuja eficácia subjetiva e objetiva é erga omnes) com competência territorial (apesar de que, na ação civil pública, a competência não é territorial, e sim absoluta).
(...)
Não há que se confundir competência do juiz que julga a causa com os efeitos que uma sentença pode produzir fora da comarca que foi proferida, e que poderão tornar-se imutáveis com o trânsito em julgado (imutabilidade do decisum entre as partes)"
Há de se observar, como base no que foi já dito sobre os efeitos da sentença, que a decisão proferida em ação coletiva, para ter efeito "erga omnes" em todo os locais em que a empresa ré atua, não é necessário sequer que a ação seja proposta na capital do Estado. Esse é o entendimento da melhor doutrina.
Nesse sentido, o eminente Subprocurador-Geral da República, Dr. João Batista de Almeida, em seu artigo "A Ação Civil Coletiva para a Defesa dos Interesses ou Direitos Individuais Homogêneos", publicado na Revista de Direito do Consumidor, Ed. RT, nº 34, abril-junho/2000, p. 89 e 92, quando fala dos efeitos "erga omnes" das ações coletivas, "in verbis":
"1. Conceito e campo de abrangência
(....).
Pela própria conceituação desses direitos – individuais titularizados por pessoas diversas, uma a uma, ligados por elementos de homogeneidade e origem comum –, resultam que poderiam ser propostas inúmeras, talvez milhares de ações individuais, pleiteando, cada um de per si, em benefício próprio, o objeto da demanda. Nesse ponto reside a grande mudança: o Código autoriza o ajuizamento de uma única ação coletiva por pessoas ou entidades legalmente legitimadas, em benefício de todas as vítimas do mesmo evento, com isso evitando o ajuizamento de milhares de ações, em todo território nacional, proporcionando economia de tempo e dinheiro para as partes e para o Judiciário. Por outro lado fortalece a posição do consumidor, que, isoladamente, poderia não se sentir em condição de litigar – em virtude do reduzido valor patrimonial da demanda ou das despesas que forçosamente teria que efetuar -, mas que, na via coletiva, através de ação única, terá uma razoável oportunidade de ressarcimento.
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