EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA E. VARA CÍVEL DA COMARCA DE ...
Justiça Gratuita (Lei 1.060/50)
[CRIANÇA], menor impúbere, nascido aos ..., em ..., neste ato representado por sua genetriz a Sra. [MÃE], ..., vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, através de seus procuradores, nos termos do incluso mandato, ambos com endereço profissional abaixo delineado, local onde recebem intimações e notificações, para propor a presente ação de Indenização em face do MUNICÍPIO DE ..., pessoa jurídica de direito público interno, com sede e foro sito ..., pelos fundamentos de fato e de direito doravante expendidos:
1. Das Razões do Pedido
O autor estuda na 1ª série do Ensino Fundamental, na Escola Municipal ..., nessa Cidade, como demonstra o atestado em anexo.
Tal escola, como a maioria da rede de ensino público, possui uma vultosa deficiência no que concerne à segurança de seus alunos, aonde a incolumidade física dos mesmos é exposta invariavelmente em face da ausência de vigilância.
Esse lastimável e reiterante fato social, o qual é público e notório, objeto de diversificadas matérias veiculados em todos os meios de comunicação, evidencia-se no caso concreto, com o Ofício n.º ... acostado, expedido pela Sra. Diretora do Colégio Municipal ora em comento para a Secretária Municipal da Educação.
O supracitado Ofício alertava para a ocorrência de um problema ainda mais grave no interior do aludido colégio, o que, infelizmente, acabou consumando-se.
Em data de 10 de março de 2000, aproximadamente às 11h00m, no interior da escola, o autor amargou uma fratura exposta mais hemorragia no quarto dedo e a amputação traumática no quinto dedo, ambos da mão direita.
O sobredito infortúnio acorreu antes do início da primeira aula, no momento em que os alunos aguardavam a determinação para entrarem em suas respectivas salas de aula.
Para uma melhor compreensão do acidente, diga-se que o autor, uma criança de oito anos de idade, brincava subindo e descendo o pilar de ferro que sustenta a área de entrada da escola, o qual pode ser visualizado através das fotos em anexo.
E, no exato momento em que subia no referido pilar, foi puxado pelas pernas pelo também aluno [COLEGA], uma criança de treze anos de idade.
O autor, ainda teve tempo para pedir ao aluno [COLEGA] que parasse de puxá-lo, pois seu dedo estava preso na extremidade bifurcada do pilar de sustentação, o que lhe proporcionava uma dor muito forte.
Entretanto, foi em vão.
De modo que ao cair no chão o quinto dedo foi decepado e o quarto foi fraturado de forma exposta, ambos da mão direita.
Socorrido, foi levado para a Santa Casa ..., nessa Cidade, aonde deu entrada somente às 14h51m.
Vale dizer que na hora em que ocorreu o sobredito evento danoso, não havia inspetor, professor ou diretor no pátio da escola para zelar pelos alunos entregues pelos pais ou responsáveis com a certeza de que, no mínimo, a integridade física dos mesmos jamais seria atingida.
Diga-se ainda, que a genitora do autor somente tomou ciência do acidente ocorrido envolvendo seu filho por volta das 15h por intermédio de seu vizinho. E o que é mais gravoso, é que na escola ninguém sabia informar para qual hospital o menor havia sido encaminhado.
Veja-se só Emérito Julgador, o padecimento físico a que foi submetida a mãe do infortunado menor.
De tudo que foi relatado, uma coisa é acertado afirmar, que toda esta situação funesta poderia ter sido evitada, caso no interior do estabelecimento escolar tivesse a presença de uma pessoa para zelar pela segurança dos alunos.
2. Da Responsabilidade Civil
Da matéria fática relatada em linhas pretéritas, não há que olvidar à respeito da responsabilidade do ente estatal no infortúnio ocorrido, devendo assim, reparar os danos causados pela omissão de seus agentes (diretora e professores) na manutenção da segurança no interior do educandário.
A obrigação de indenizar das pessoas jurídicas de direito público, é objetiva, fundada no risco administrativo, ou seja, independente da perquirição da culpa da administração e de seus agentes, como dispõe o parágrafo 6º, do artigo 37, da Constituição Federal de 1988:
"As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa". (Grifo nosso)
Ao comentar um caso similar ao dos autos, Rui Stoco não destoa:
"No que pertine à escola pública, a responsabilidade se filia ao princípio consagrado no art. 37, § 6º da Constituição Federal, configurando-se pela simples falha na garantia da incolumidade, independente da verificação de culpa específica de qualquer servidor."1
E, prossegue:
"Ao receber o estudante menor, confiado ao estabelecimento de ensino da rede oficial ou da rede particular para as atividades curriculares, de recreação, aprendizado e formação escolar, a entidade de fica investida do dever de guarda e de preservação da integridade física do aluno, com a obrigação de empregar a mais diligente vigilância, para prevenir e evitar qualquer ofensa ou dano aos seus pupilos, que possam resultar do convívio escolar.
Responderá no plano reparatório se, durante a permanência no interior da escola, o aluno sofrer violência física por inconsiderada atitude do colega, do professor ou de terceiros, ou, ainda, qualquer atitude comissiva ou omissiva da direção do estabelecimento, se lhe sobrevierem lesões que exijam reparação e emerja daí uma ação ou omissão culposa."2
Das linhas acima, aonde o Exímio Rui Stoco praticamente exaure o tema, para o caso concreto, conclui-se que: Do momento em que o autor foi entregue à guarda do colégio, como se ocorresse uma derradeira delegação de responsabilidades, responde o Município, pois trata-se de um estabelecimento municipal, pelos danos sofridos durante o período escolar.
A propósito, veja-se:
"Indenização. Responsabilidade Objetiva do Poder Público. Teoria do Risco Administrativo. Pressupostos primários de determinação dessa responsabilidade. Dano a aluno pôr outro aluno igualmente matriculado na rede pública de ensino. Perda do globo ocular direito. Fato ocorrido no recinto da escola pública municipal. Configuração da responsabilidade civil objetiva do município. Indenização patrimonial devida - "O Poder Público, ao receber o estudante em qualquer dos estabelecimentos da rede oficial de ensino, assume o grave compromisso de velar pela preservação de sua integridade física, devendo empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de incidir em responsabilidade pelos eventos lesivos ocasionados ao aluno"
(STF - 1ª T. RE - Rel. Celso Mello - j. 28.5.96. - RTJ 163/1108 e RT 733/130).
"A obrigação governamental de preservar a intangibilidade física dos alunos, enquanto estes se encontrem no recinto do estabelecimento escolar, constitui encargo indissociável do dever que incumbe ao Estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do Poder Público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Descumprida essa obrigação, e vulnerada a integridade corporal do aluno, emerge a responsabilidade civil do Poder Público pelos danos causados a quem, no momento do fato lesivo, se achava sob a guarda, vigilância e proteção das autoridades e dos funcionários escolares, ressalvadas as situações que descaracterizam o nexo de causalidade material entre o evento danoso e a atividade estatal imputável aos agentes públicos"
(STF - 1ª T. - RE - Rel. Celso de Mello - j. 28.5.96. - RTJ 163/1108 e RT 733/130).
"Responsabilidade civil do Estado. Indenização. Lesão causada por professor em aluno de estabelecimento de ensino municipal durante partida de futebol realizada em aula de Educação Física. Alegação de ser conseqüência natural e inerente à atividade desportiva. Inadmissibilidade. Competição realizada como atividade obrigatória no ‘curriculum’ e no interior da escola. Obrigação desta de zelar pela integridade física dos alunos, em razão da própria natureza do serviço prestado. Reparação de danos devida independentemente de prova de culpa. Declarações de votos vencedor e vencido"
(RT, 642:104).
Com relação ao nexo de causalidade, não há que se olvidar de que está patente no caso em apreço, visto que os danos suportados pelo autor somente foram gerados em virtude da omissão na distribuição de proteção no interior da escola.
Daí, emerge a responsabilidade e seguidamente o dever do Município de indenizar o autor, pois do evento danoso resultou em danos morais e físicos.
3. Das Indenizações
Demonstrado o nexo de causalidade entre causa e precipuamente o resultado suportado pelo autor, o qual, não demanda qualquer controvérsia (ver fotos acostadas), a Administração Pública haverá de responder pelos seguintes reflexos do evento danoso:
3.1. Dos Danos Pessoais ou Morais
O fato danoso ocorrido levou o infortunado menor a um sofrimento sem precedentes que lhe aflige até hoje, tornando-o apático no tocante a seus afazeres.
Apenas para demonstrar a extensão do abalo psicológico sofrido pelo autor em decorrência do indigitado fato danoso, diga-se que constantemente pergunta à sua mãe, se o dedo que perdeu em decorrência do evento lesivo irá crescer novamente em sua mão.
E agora, conceba o sofrimento dessa mãe em ouvir tal questionamento e, principalmente, o sofrimento do menor para insurgir contra a sua realidade desta forma.
Ao menos, esse sentimento indesejável, ao qual é intitulado de dano moral, suportado pelo autor ante a desídia do Ente Estatal, é plenamente indenizável nos termos do art. 5º, incs. V e X, da C.F/88.
Tal dispositivo está na categoria de garantia fundamental e é considerada cláusula pétrea como dispõe o art. 60, § 4º, da supracitada Carta.
É claro que a condenação em dinheiro pelo dano moral não vai pagar a dor e muito menos apagá-la, pois esta não tem preço, mas poderá abrandar as seqüelas do evento danoso, as quais, representam para o autor um indesejável sentimento, com efeitos que arrastar-se-ão por toda a sua vida.
Não há dúvida quanto à certeza de que o direito deve atentar para os valores mais altos, que são a injustiça e suas implicações, tais como o bem-estar social, o que demonstra ter o direito de preocupar-se em não fazer injustiça, máxime quanto a esse bem-estar social, pelo que o lesado, com dor causada pela lesão, merece satisfação reparadora.3
Por todo o exposto, o dever do Município indenizar os danos morais suportados pelo autor, os quais causam-lhe um sentimento de melancolia, até então não experimentado, se faz presente.
3.1.1. Da Fixação da Indenização por Dano Moral
Referentemente ao "quantum" da reparação do dano moral, este não deve ser exorbitante que se converta em fonte de enriquecimento e não tão inexpressivo ao ponto de incentivar a Administração a repetir o dano.
Deverá ser aferido, dentro da razoabilidade, incumbindo a Vossa Excelência, Douto Magistrado, fixar a dor moral sofrida pelo autor, atendendo-se as circunstâncias postas no caso vertente.
Caio Mário da Silva Pereira, in Responsabilidade Civil, 3ª Ed., Forense págs. 54. e seguintes, manifestou-se sobre o problema: "O fundamento da reparabilidade pelo dano moral está em que a par do patrimônio em sentido técnico, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se a ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos. Colocando a questão em maior amplitude, Savaltier oferece uma definição de dano moral como "qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda pecuniária", e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua autoridade legítima, ao seu pudor, à sua segurança e tranqüilidade, ao seu amor estético, à integridade de sua inteligência, a suas afeições, etc. (Traité de la Responsabilité Civili, vol. II, 525).
Na lição de De Page, citado por Martinho Garcez, "a extensão do dano é uma questão que depende da apreciação soberana do juiz da causa, e o magistrado pode recorrer ao arbítrio do bom varão ou valer-se dos usos e costumes do lugar a fim de encontrar uma solução justa e razoável ao caso concreto." (Prática da Responsabilidade Civil, págs. 42/43)
No presente caso, ao observar-se os princípios da eqüidade, bom senso e "arbitrium boni viri", justifica-se o valor de 1.000 (Um mil) salários mínimos a serem pagos de uma única vez, para o fim de desestimular o réu a agir da forma em que agiu e que conforte o requerente, diminuindo as conseqüências do ato danoso.
3.2. Dos Danos Estéticos
Como verifica-se pelas fotos anexadas à esta peça, da lesão física sofrida pelo autor resultou em dano estético, ou seja, houve a perda do quinto dedo da mão direita, justamente aquela que ele possui uma maior coordenação por tratar-se de indivíduo destro.
Devido a esse lastimável prejuízo, o qual não se confunde com o dano moral, posto que esse produz efeitos psíquicos indesejáveis, porquanto aquele produz mácula definitiva à estética do corpo, o Município deverá indenizar o autor na importância de 1.000 (Um mil) salários mínimos à serem pagos de uma única vez.
3.3. Dos Danos Patrimoniais ou Materiais
No que tange a esse item, também compõe esta espécie de dano a depreciação laborial que sofreu o autor, devendo assim a Administração pagar uma pensão mensal e vitalícia como reza o art. 1539, do C.C.
3.3.1. Da Redução da Capacidade Laborativa do Autor
O artigo 1.539 do Código Civil Brasileiro prevê:
"Art. 1.539. Se da ofensa resultar defeito, pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua o valor do trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu."
No presente caso, como o autor sofreu a perda do dedo mínimo, necessariamente deverá ser submetido à uma perícia médica para verificar se do infortúnio resultou incapacidade permanente ou não e o seu grau.
Concluído o exame médico, o qual irá certificar a depreciação laborativa sofrida, deverá o Município, sopesado a posição social e cultura do menor, proceder o pagamento de uma pensão mensal de três salários mínimos acrescida de férias e o 13º salário, devendo ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se às variações ulteriores (Súmula n.º 490/STF).
A data "a quo" para a prestação da pensão mensal deverá ser aquela do fato lesivo, ou seja, 10 de março de 2.000 (Súmula 43 do STJ) e, ainda, vitalícia.
"Mesmo a vítima que, à época do ato ofensivo que a incapacitou, não exercia atividade remunerada terá direito à indenização, através de uma verba periódica, a título de prestação alimentícia.
Nada justifica que não se lhe dê proteção, pois o que se busca proteger é a sobrevivência do ofendido, de modo que, se sofre incapacidade laborativa ou sua redução por ato ilícito praticado por outrem, cabe a este suprir a necessidade que nasceu de sua atuação."4
"Têm, de fato, a doutrina e a jurisprudência admitido a indenização com base no art. 1.539. do Código Civil até mesmo para menores, nessas circunstâncias, pouco importando o fato de ele não se encontrar trabalhando à época do evento. Leva-se em conta a diminuição da sua capacidade de trabalho (RJTJSP, 106:371). Irrelevante, pois, o fato de a vítima não exercer atividade laborativa, uma vez manifesta a diminuição da capacidade para o trabalho (RT, 612:44)."5
O que busca-se tutelar é a redução da capacidade laborativa amargada pelo autor, cabendo ao Ente Estatal suprir a necessidade que nasceu da sua conduta omissiva no caso concreto.
4. Do Pedido
Isto posto, requer a Vossa Excelência a procedência dos pedidos abaixo:
a) - A condenação do Município, em vista de sua culpa presumida no evento funesto ocorrido, aos seguintes pagamentos:
a.1) - De uma indenização pelos danos morais, representada pela importância de 1.000 (um mil) salários mínimos vigentes no país, a serem pagos de uma só vez;
a.2) - De uma indenização pelo dano estético, representada pela importância de 1.000 (um mil) salários mínimos vigentes no país, a serem pagos de uma só vez;
a.3) - De uma pensão mensal de três salários mínimos vigentes, acrescida de férias e o 13º salário, devendo ser calculada com base no salário mínimo vigente ao tempo da sentença e ajustar-se às variações ulteriores (Súmula n.º 490/STF), enquanto o autor viver, sendo que as prestações vencidas à contar da data do acidente haverão de ser pagas de uma só vez;
a.4) - Dos honorários advocatícios, devendo ser calculados na razão de 20% sobre o valor da condenação e, ainda, de toda despesa havida durante o processo;
a.5) - Todos os pagamentos deverão ser acrescidos de correção monetária e juros legais e capitalizados (art. 1.544, do C.C.) desde a data do evento danoso (10.03.00), nos termos do art. 962, do C.C, e das Súmulas números 43 e 54, ambas do STJ;
Requer ainda:
b) - Seja o Município citado por meio de Oficial de Justiça (art. 222, CPC), na pessoa de seu representante legal, para contestar o feito, sob pena de revelia;
c) - Autorização para que a citação possa ser realizada em domingos e feriados ou nos dias úteis, fora do horário estabelecido no art. 172, do CPC;
d) - A concessão de benefício da Justiça Gratuita de acordo com a Lei 1060/50 de 05 de fevereiro de 1950;
e) - Provar o alegado por todos os meios de provas em direito admitidas, especialmente pelos documentos acostados à presente e supervenientes, como por exemplo: ouvida de testemunhas; exames; perícias médicas para estabelecer o grau de incapacidade do autor e as demais que o controvertido dos autos tornar imperioso.
Dá-se à causa o valor de R$ 304.718,00, de acordo com o inc. II, do art. 259. e art. 260, ambos do CPC.
Nestes termos, intimado o nobre representante do M.P., pede e espera DEFERIMENTO.
Foz do Iguaçu, 29 de maio de 2.000.
Carlos Roberto Gomes Salgado, ADVOGADO - OAB/PR 25.51
NOTAS
1 Rui Stoco - Responsabilidade Civil e sua Inpretação Jurisprudencial - Ed. RT - 4ª Edição - pág. n.º 576.
2 Rui Stoco - op. cit. pág. n.º 576.
3 Augusto Zenun, em Dano Moral e sua Reparação, 5ª edição, Editora Forense, pág. 51.
4 Rui Stoco - op. cit. pág. 798.
5 Carlos Roberto Gonçalves - Responsabilidade Civil - Ed. Saraiva - 6ª Edição - pág. 488.