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Reposição salarial dos servidores públicos federais: ação contra a União

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Petição inicial de ação ajuizada por servidores públicos federais contra a União, no rito ordinário, para a reposição das perdas inflacionárias em seus vencimentos, a partir da Emenda nº 19/1998, em porcentagem de 24,39% ou 24,89%.

EXMO(A). SR(A) DR(A) JUIZ(A) FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO CEARÁ.

AÇÃO ORDINÁRIA

"Uma Constituição escrita não configura mera peça jurídica, nem é simples estrutura de normatividade e nem pode caracterizar um irrelevante acidente histórico na vida dos povos e nas nações. Todos os atos estatais que repugnem a Constituição expõem-se à censura jurídica dos Tribunais, especialmente porque são írritos, nulos e desvestidos de qualquer validade."
Min. Celso de Mello no julgamento da ADIN n.º 293-7/DF.

" A Constituição não pode se submeter à vontade dos Poderes constituídos nem ao império dos fatos e circunstâncias . A supremacia de que ela se reveste – enquanto for respeitada – constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e liberdades não serão jamais ofendidos".
(RTJ 146/707, Rel. Min. Celso de Mello)


(Autores), vêm, à presença de V.Ex.ª, com o devido respeito e súpero acatamento, por intermédio de seu advogado regularmente constituído (m.i – docs. 01/04), propor, como de fato propõe, a presente AÇÃO ORDINÁRIA em desfavor da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público interno, representada judicialmente no Estado do Ceará, pela Advocacia Geral da União, com endereço na Rua Guilherme Rocha, n.º 1342, nesta urbe, pelos motivos fáticos e jurídicos na dianteira circunstancialmente expendidos:


Os promoventes são funcionários públicos federais lotados na Universidade Federal do Ceará vinculados ao Ministério da Educação e Cultura(docs. 05/11).

Ocorre que, nada obstante o advento da EC n.º 19, de 04 de junho de 1998, que assegurou de forma categórica, aos funcionários públicos, revisão geral anual da sua remuneração, o Poder Público, omitiu-se no tocante ao atendimento do comando constitucional, no período compreendido entre a promulgação da EC referenciada (04.06.98) e a sanção da Lei 10.331, de 18 de dezembro de 2001, que instituiu um reajuste de vencimentos no montante de 3,5%(três virgula cinco por cento), atendendo, desta forma, ao comando inserto no art. 37, X, da Carta Política.

A não consecução dos objetivos constitucionais colimados, ou seja, a ausência de revisão da remuneração dos servidores, está fartamente demonstrada através das declarações da lavra da Superintendência de Recursos Humanos da Autarquia ((docs. 12).

A omissão do Poder Público, vem causando prejuízos notórios aos promoventes, em face da manifesta inflação que incidiu sobre o poder aquisitivo da moeda nos últimos anos.

O Supremo Tribunal Federal, em recentes e reiteradas decisões, pugnou pela obrigatoriedade da revisão geral de salários do funcionalismo público e a conseqüente omissão do executivo em fazê-lo. Tais decisões nos julgamentos do RMS 22.307 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n.º 2.061-DF, reconhecem a auto-aplicabilidade do art. 37, X da CF/88, alterado pela EC n.º 19, que determina a revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices. Isto implica na concreta possibilidade de revisão dos salários no período compreendido entre o advento da EC n.º 19 (pub. No DOU em 05.06.98) e a promulgação da Lei 10.331, de 18 de dezembro de 2001.

É fato notório e incontroverso que o último reajuste linear concedido pela União aos servidores públicos foi implementado em janeiro/1994.

O princípio da irredutibilidade dos salários é a projeção efetiva do respeito à dignidade humana, princípio fundamental do Estado, insculpido no Art. 1.º, III, da Constituição Federal, não bastassem as diretrizes traçadas ao longo do Art. 3.º da Carta política que infere:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Nestes últimos anos o fenômeno inflacionário incidiu fortemente sobre o valor nominal da moeda, fato esse que não pode ser seriamente contestado. O preço de todos os bens sofreu razoáveis reajustes a partir da vigência do plano real e isto, todos sentem no próprio bolso. Remédios, gasolina, alimentos, gás de cozinha, tarifas públicas, mensalidades escolares, planos de saúde, desvalorização cambial, energia elétrica, entre tantos, tudo aumentou.

Disto decorre ser fato notório a defasagem remuneratória dos servidores públicos federais, circunstância esta que independe de prova para fins processuais, a teor do art. 334, I, do Codex Civil Adjetivo. Para melhor apreciação de V.Ex.ª, descrevemos abaixo, os índices de variação do INPC no período compreendido entre o advento da EC n.º 19 e o da Lei 10.331/2001, que perfazem um total de 24,39%, acumulados no período:

Mês/Ano INPC

dos servidores públicos. A prefalada emenda, conferiu nova redação ao art. 37, X, da Carta Política, que passou, de forma imperiosa, a determinar o seguinte:

"X – a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do artigo 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional nº 19/98)

Em face da evidente clareza de conteúdo da parte final do dispositivo constitucional, descabe admitir a existência de qualquer controvérsia jurídica acerca da obrigação constitucional, à qual vincula a Administração Pública e todos os entes políticos, no sentido da manutenção do poder aquisitivo da remuneração dos servidores públicos. O conteúdo da norma constitucional é peremptório: está assegurada revisão anual da remuneração dos servidores públicos, ou seja, foi inserido na Carta Magna, o princípio da periodicidade.

Observe-se que, na redação anterior desta norma constitucional não havia previsão da revisão anual, mas, apenas, de revisão geral sem distinção de índice, o que levou os tribunais à conclusão da inexistência de direito à obrigatoriedade do reajuste remuneratório.

Esta nova norma constitucional apenas reflete o princípio jurídico-constitucional da irredutibilidade da remuneração dos servidores públicos, entendido este não apenas com abrangência dita "nominal", mas com alcance "real", ou seja, garantidor do poder aquisitivo dos salários. Este princípio, por sua vez, revela-se expressamente em outro dispositivo constitucional, como se nota da norma do art. 37, XV, da Constituição Cidadã:

"XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos artigos 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada ao inciso pela Emenda Constitucional nº 19/98).

Estas duas normas acima citadas, revelam claramente a preocupação do legislador constitucional acerca do tema e a forte consistência jurídica do direito aqui pleiteado. Note-se, aliás, que a garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos demanda uma interpretação jurídica do texto constitucional e da legislação ordinária, se for o caso, no sentido de se conceder a maior efetividade possível ao texto constitucional.

Em outras palavras, só cumpre a Constituição Federal, a lei ordinária ou o ato da Administração Pública que dão à garantia da irredutibilidade, um alcance que conduza à verdadeira e real manutenção do poder aquisitivo dos salários.

Ora, como supramencionado, a garantia da irredutibilidade de vencimentos deve ser entendida e aplicada de forma a dar a maior efetividade possível ao texto constitucional, de modo que o seu alcance não pode, no caso concreto, ser limitado à expressão nominal dos vencimentos dos servidores públicos. A garantia constitucional da irredutibilidade implica na manutenção do valor real dos vencimentos, cujo reflexo imediato consiste na norma constitucional que garante a revisão anual do padrão remuneratório desses vencimentos.

Por outro lado, em prol da manutenção do valor real dos vencimentos, assim tem se pronunciado o Pretório Excelso:

5018071 JCF.37 JCF.37.X – REVISÃO DE VENCIMENTOS – ISONOMIA – De acordo com o inciso X do artigo 37 da Constituição Federal, "a revisão geral de remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data", sendo irredutíveis, sob o ângulo não simplesmente da forma (valor nominal), mas real (poder aquisitivo), os vencimentos dos servidores públicos civis e militares (inciso XV do mesmo artigo). (STF – AGRRE – 269648 – RN – 2ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio – DJU 06.04.2001 – p. 00098)

5018214 JCPC.557 JCPC.557.2 JCF.37 JCF.37.X – REVISÃO DE VENCIMENTOS – ISONOMIA – De acordo com o inciso X do artigo 37 da Constituição Federal, "a revisão geral de remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data", sendo irredutíveis, sob o ângulo não simplesmente da forma (valor nominal), mas real (poder aquisitivo), os vencimentos dos servidores públicos civis e militares (inciso XV do mesmo artigo). AGRAVO – CARÁTER INFUNDADO – MULTA – Surgindo do exame do agravo a convicção sobre o caráter manifestamente infundado, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 2º do artigo 557 do Código de Processo Civil. (STF – AGRAG – 280221 – DF – 2ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio – DJU 27.04.2001 – p. 00066).

REVISÃO DE VENCIMENTOS – ISONOMIA. ‘ a revisão geral de remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data – Inciso X – sendo irredutíveis, sob o ângulo não simplesmente da forma (valor nominal), mas real (poder aquisitivo) os vencimentos dos servidores públicos civis e militares _ inciso XV, ambos do art. 37 da Constituição Federal" (STF – RMS 22.307-7/DF – DJU de 13.06.97, p. 26.722).

É de HELY LOPES MEIRELLES lição que se amolda perfeitamente ao que se expõe: "É assegurada revisão geral anual dos subsídios e vencimentos, sempre na mesma data e sem distinção de índices (CF, art. 37,X). Aqui, EC 19 culminou por assegurar a irredutibilidade real e não apenas nominal dos subsídios e vencimentos" (Curso de Direito Administrativo, 25.ª ed., 2000, p.431).

Autorizado comentador da recente Reforma Administrativa, ALEXANDRE DE MORAES ressalta que, "a grande inovação dessa alteração é exatamente a previsão do princípio da periodicidade" ( In, Reforma Administrativa – Emenda constitucional n.º 19/98, Ed. Atlas, 2.ª ed., 1999, p. 45) que efetivamente está sendo solenemente descumprido pelas autoridades que têm o dever de concretizar o comando constitucional.

Não se deve deixar de considerar que a regra insculpida no inciso X, do art. 37 da Constituição, tal como decidiu o STF(RMS n.º 22.307/DF, citado por CLÁUDIA FERNANDA DE OLIVEIRA PEREIRA (Reforma Administrativa, Ed. Brasília Jurídica, 2.ª ed., 1998, p. 177), é auto-aplicável, independendo de qualquer regulamentação para gerar efeitos jurídicos concretos.

Extrai-se daquele dispositivo constitucional a idéia de REVISÃO, que, segundo outro precedente do STF, "a doutrina, a jurisprudência e até mesmo o vernáculo indicam como revisão o ato pelo qual formaliza-se a reposição do poder aquisitivo dos vencimentos, por sinal expressamente referido na Carta de 1988 – inciso IV do art. 7.º -, patente assim a homenagem não ao valor nominal, mas sim ao real do que satisfeito como contra prestação do serviço prestado. ESTA É A PREMISSA CONSAGRADORA DO PRINCÍPIO DA IRREDUTIBILIDADE DOS VENCIMENTOS, SOB PENA DE RELEGAR-SE À INOCUIDADE A GARANTIA CONSTITUCIONAL, NO QUE VOLTADA À PROTEÇÃO DO SERVIDOR, E NÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA" (STF, Pleno, RMS 22.307/DF)

Quanto ao que se sustenta, convém relatar que o STF já teve oportunidade de decidir que "A Constituição não pode se submeter à vontade dos Poderes constituídos nem ao império dos fatos e circunstâncias . A supremacia de que ela se reveste – enquanto for respeitada – constituirá a garantia mais efetiva de que os direitos e liberdades não serão jamais ofendidos". (RTJ 146/707, Rel. Min. Celso de Mello). O respeito à Constituição, especialmente em relação a direitos tão claramente estabelecidos, só pode ser no sentido de restar reconhecida a desvalia jurídica da omissão colocada em destaque.

Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.

(...)

A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

(...)

É preciso proclamar que as Constituições consubstanciam ordens normativas cuja eficácia, autoridade e valor não podem ser afetados ou inibidos pela voluntária inação ou por ação insuficiente das instituições estatais. Não se pode tolerar que os órgãos do Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação normativa que lhes foi imposto, infrinjam, com esse comportamento negativo, a própria autoridade da Constituição e efetuem, em conseqüência, o conteúdo eficacial dos preceitos que compõem a estrutura normativa da Lei Maior" (Min. Celso de Melo, ADIn. 1458-7 – DF).

"Precisamente por isso", leciona Canotilho, "e marcando uma decidida ruptura em relação à doutrina clássica, pode e deve dizer-se que hoje não há mais normas constitucionais programáticas. Existem, é certo, normas-fim, normas tarefa, normas programa que impõem uma atividade (...) Às normas programáticas é reconhecido hoje um valor jurídico constitucionalmente idêntico ao dos restantes preceitos da Constituição". (op. cit., p. 190). Afirma-se, com José Afonso da Silva: "Em conclusão, as normas programáticas têm eficácia jurídica imediata, direta e vinculante nos casos seguintes: I - estabelecem um dever para o legislador ordinário; II - condicionam a legislação futura, com a conseqüência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem; III - informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum; IV - constituem um sentido teleológico para a interpretação e aplicação das normas jurídicas; V - condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário; VI - criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem" (Aplicabilidade das normas constitucionais. São Paulo: RT, 1968. p. 150).

Outra interpretação do texto constitucional não daria a efetividade necessária ao art. 37, XV, da Lei Maior. Note-se que, na moderna teoria do Direito Constitucional, preocupam-se os juristas em estudar melhor a problemática da efetividade das normas constitucionais. Atualmente se procura e deseja a interpretação jurídico-constitucional que possibilite atender aos valores sociais expressos ou implícitos na Lei Maior. Vale citar, a respeito do tema, a pertinente lição do professor Luís Roberto Barroso:

"A idéia da efetividade, conquanto de desenvolvimento relativamente recente, traduz a mais notável preocupação do constitucionalismo nos últimos tempos. Ligada ao fenômeno da juridicização da Constituição, e ao reconhecimento e incremento de sua força normativa, a efetividade merece capítulo obrigatório na interpretação constitucional. Os grandes autores da atualidade referem-se à necessidade de dar preferência, nos problemas constitucionais, aos pontos de vista que levem as normas a obter a máxima eficácia ante as circunstâncias de cada caso"

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E mais adiante, em nota de rodapé, o mesmo autor, citando CANOTILHO, arremata:

"Este princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas, é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvida deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais".

Preleciona o sempre lembrado mestre, José de Albuquerque Rocha que: "O intérprete, sobretudo o juiz, não pode ignorar a função social do direito no sentido de que a lei é editada para alcançar um objetivo social determinado. Disso decorre a necessidade de o intérprete pesquisar o fim social da lei, para adequar sua interpretação ao mesmo. Assim, cabe ao intérprete escolher quais as alternativas mais aptas para realizar os objetivos prefixados na Constituição.

No Brasil, o método teleológico é exigência constitucional imposta pelo art. 3.º e seus incisos, da CF, que prescreve os objetivos a serem alcançados através do direito, circunstância que obriga autoridades e particulares a atribuírem aos textos legais o entendimento mais apto à realização das finalidades prescritas pela Constituição". (in, Rocha, José de Albuquerque, Teoria Geral do Processo, Malheiros Editores, São Paulo, 3ª Ed., 1996).

Ante a possibilidade da ré esgrimir a súmula n. 339 do STF em sua defesa, vale dizer que a mesma, não tem aplicabilidade na lide em questão. É que este enunciado da jurisprudência reflete antigo posicionamento da Suprema Corte, no sentido da impossibilidade de concessão pelo Poder Judiciário de reajuste salarial com base na isonomia, ou seja, quando um determinado grupo funcional da Administração pleiteava a concessão das mesmas vantagens conferidas a outro grupo de servidores. No caso vertente é diferente. Trata-se de revisão do valor nominal da remuneração determinada expressamente por norma constitucional, descabendo falar-se em aplicação de isonomia.

Não é o caso, aqui, do Poder Judiciário estar concedendo reajuste salarial aos servidores públicos sem lei específica para tanto, usurpando, em tese, a competência dos outros Poderes da República. A questão merece ser observada por outro ângulo. Na verdade o que se trata nos autos não é reajuste salarial, mas a revisão do valor nominal dos vencimentos dos servidores públicos, apenas para recompor o poder aquisitivo da moeda, corroído pela espiral inflacionária. Sempre lembrando que há previsão constitucional para tal mister (revisão anual).

No que toca o direito subjetivo decorrente da Constituição e a sua não efetivação por parte dos Poderes Constituídos, extraímos, as notáveis lições dos mestres PONTES DE MIRANDA E CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO:

"Nada mais perigoso do que fazer-se Constituição sem o propósito de cumpri-la. Ou de só se cumprir nos princípios de que se precisa, ou se entende devam ser cumpridos – o que é pior (...). No momento, sob a Constituição que, bem ou mal, está feita, o que nos incumbe, a nós, dirigentes, juizes e intérpretes, é cumpri-la. Só assim saberemos a que serviu e a que não serviu, nem serve. Se a nada serviu em alguns pontos, que se emende, se reveja. Se em algum ponto a nada serve – que se corte nesse pedaço inútil. Se a algum bem público desserve, que pronto se elimine. Mas, sem na cumprir, nada saberemos. Nada sabendo, nada poderemos fazer que mereça crédito. Não a cumprir é estrangulá-la ao nascer". Pontes de Miranda, em magistério revestido de permanente atualidade (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1, de 1969, 2. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970, v. 1, p. 15-16

Todas as normas constitucionais definidoras de direito geram para o seu titular o direito subjetivo de exigir do Estado sua efetivação. O Estado, por sua vez, tem a obrigação (jurídica e não apenas moral) de fazer cumprir a norma constitucional, independentemente de provocação dos interessados.

Lição primorosa nesse diapasão é a do grande jurista pátrio CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO quando afirma que "todas as normas concernentes à Justiça Social - inclusive as programáticas - geram imediatamente direitos para os cidadãos, inobstante tenham valores eficaciais distintos. Tais direitos são verdadeiros ‘direitos subjetivos’ na acepção comum da palavra" (Eficácia das Normas Constitucionais sobre Justiça Social. In: Revista de Direito Público, n. 57-58, p. 254).

E baseado nessas lições enxergamos claramente que Emenda Constitucional nº 19/1998, ao modificar a redação dada ao inciso X, do art. 37, da CF/88, garantiu aos servidores públicos o direito à revisão geral anual de suas remunerações.

Aliás, toda essa discussão torna-se estéril em face do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 2.061-DF, em que foi declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva a norma constitucional que assegura a revisão geral anual de remuneração dos servidores públicos (CF, art. 37, X).

O Acórdão referido tem a seguinte ementa:

"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. ART. 37, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (REDAÇÃO DA EC Nº 19, DE 4 DE JUNHO DE 1998).

Norma constitucional que impõe ao Presidente da República o dever de desencadear o processo de elaboração da lei anual de revisão geral da remuneração dos servidores da União, prevista no dispositivo constitucional em destaque, na qualidade de titular exclusivo da competência para iniciativa da espécie, na forma prevista no art. 61, §1º, II, a, da CF.

Mora que, no caso, se tem por verificada, quanto à observância do preceito constitucional, desde junho/1999, quando transcorridos os primeiros doze meses da data da edição da referida EC nº 19/98.

Não se compreende, a providência, nas atribuições de natureza administrativa do Chefe do Poder Executivo, não havendo cogitar, por isso, da aplicação, no caso, da norma do art. 103, §2º, in fine, que prevê a fixação de prazo para o mister.

Procedência parcial da ação".

O relator, Min. Ilmar Galvão, proferiu o seguinte voto vencedor, que esclarece com lucidez toda a matéria:

"Registre-se, inicialmente, que as questões relativas à existência, ou não, de ação, pretensão e interesse de agir, levantadas como preliminar pelo requerido, não são cabíveis em ação direta de inconstitucionalidade, tendo em vista o caráter objetivo do controle abstrato de normas. Nesse sentido, o parecer da douta Procuradoria-Geral da República:

‘A alegação de ausência de interesse de agir, porque o requerente não detinha ‘pretensão’ no momento do ajuizamento desta ação, não parece possa ser acolhida. É que, conforme orientação desse colendo Supremo Tribunal Federal, ‘o interesse de agir, se é categoria a que se queira atribuir pertinência ao processo objetivo de controle abstrato de normas, nele há de reduzir-se a existência e a vigência ou subsistência de efeitos da lei questionada, bastantes a caracterizar a necessidade de sua inconstitucionalidade’ (ADI - 733/MG, Relator Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ-30/06/95, p. 18123, EMENT. VOL-01791-02, p. 00238, j. em 17/06/1992, Pleno)’.

No que concerne ao mérito, anote-se, preliminarmente, que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança nº 22.439, Rel. Min. Maurício Corrêa, Sessão de 15.05.96, analisou controvérsia relacionada com a regra contida no art. 37, X, da Constituição Federal, em sua redação original, que dispunha, in verbis:

‘X - a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data.’

Entendeu, então, o Plenário desta Corte que o mencionado dispositivo constitucional não se referia à data-base dos servidores, mas sim à unicidade de índice e data da revisão geral de remuneração extensiva aos servidores civis e militares, não tendo nenhuma relação com a época em que se daria a revisão ou mesmo sua periodicidade.

"Naquela oportunidade, adotei, na companhia dos eminentes Ministros Marco Aurélio e Carlos Velloso, posição distinta da tomada pela maioria, expressa no seguinte trecho do voto então proferido:

‘Não vejo, nesse dispositivo, uma norma que tenha por efeito exclusivo assentar que a revisão da remuneração dos servidores deverá ser feita, de maneira paritária, entre servidores públicos, civis e militares, em termos de índices e de oportunidade. Na verdade, contém ele um imperativo lógico, pressuposto da apontada paridade de tratamento entre servidores civis e militares, consistente em que os vencimentos dos servidores em geral deverão ser periodicamente atualizados, em face da perda do poder aquisitivo da moeda. É que a despesa pública, como um todo, em face dos efeitos da inflação, tem a expressão de seu real valor necessariamente ajustado à nova realidade monetária, não sendo razoável admitir-se que a despesa de pessoal, que é uma parcela da despesa pública, não deva merecer idêntico tratamento, ainda que de forma periódica. Daí a exigência de fixação da chamada ‘data-base’ para a revisão dos vencimentos dos servidores públicos que, não sem razão, de ordinário tem recaído no mês de janeiro, quando se inicia o ano orçamentário, prática que tem sido rigorosamente observada, entre nós, mesmo quando, em face da elevação dos índices inflacionários, se tem tornado inevitável a concessão de reajustamentos no correr do exercício, os quais, entretanto, são levados à compensação na ‘data-base’. A revisão periódica dos vencimentos dos servidores do Estado constitui, portanto, obrigação irrecusável para a Administração Pública que, no âmbito federal, tem à frente a autoridade impetrada, como supremo administrador da despesa pública, mesmo porque, na forma do art. 61, § 1º, II, é o detentor de competência privativa para a iniciativa de leis disciplinadoras da espécie.’

Repise-se, por oportuno que não se trata de conceder reajuste salarial, mas sim, de revisão de vencimentos garantida por uma norma constitucional já existente, à uma situação fática incontroversa – dando-se a esta norma a máxima efetividade possível – para reconhecer a omissão da União Federal na implantação da revisão geral da remuneração dos servidores públicos.

O Poder Judiciário não deve temer a função de assegurar o cumprimento efetivo da Constituição,

em especial no âmbito das relações concretas surgidas no seio social. O dogma da separação dos Poderes, representado pelo entendimento jurisprudencial tradicional no sentido de que o judiciário não atua como legislador positivo, não pode ser considerado um óbice a impedir que se faça cumprir uma norma constitucional de meridiana clareza e de alto grau de efetividade.

Neste sentido, citamos a lição do MM Juiz Federal do Paraná, SÉRGIO FERNANDO MORO, exposta em artigo doutrinário, nos seguintes termos:

" De todo modo, como a Carta Constitucional confere aos juizes a função de controle da atividade legislativa, implicitamente atribui os poderes necessários para o reparo, o que, no caso de omissão, implica na concretização judicial da norma constitucional, pelo menos para o caso concreto, independentemente da atividade legislativa. Repetindo RONALD DWORKIN, " o objetivo da decisão judicial constitucional não é meramente nomear direitos, mas assegurá-los, e fazer isto no interesse daqueles que têm tais direitos"

É reconhecida, destarte, a possibilidade de suprimento, pelo Poder Judiciário, da omissão inconstitucional, no controle incidental de constitucionalidade, em relação ao caso concreto. Caso contrário como poderia ser implementado o comando constitucional já que o detentor da competência privativa se recusa a fazê-lo.

Não reconhecer a primazia da constituição, alçando-a a mera figura ficcional, é não reconhecer o Estado, as prerrogativas e poderes delimitados pela Carta, é reconhecer que todos os Poderes Públicos, não passam também, de mera ficção pois, na Carta Política, encontram sua fundamentação e a própria razão de ser.

In casu, resta definir o índice de correção monetária a ser utilizado para dar efetividade ao preceito insculpido no art. 37, X, da Carta Política.

Cabe ao magistrado, nos termos do art. 126, do Código Civil Adjetivo e do art. 4.º da LICC, socorrer-se do aparato jurídico permissivo da integração da ordem jurídica, notadamente da analogia e dos princípios gerais de direito.

A questão em tela, encontra solução bastante adequada no emprego da analogia, em face da forte similitude fática e jurídica entre a remuneração do servidor público e os proventos de aposentadoria mantidos pela Previdência Social. Ambos têm, como vem sendo acentuado pela doutrina e jurisprudência, caráter alimentar, na medida em que destinam-se, basicamente, a prover a manutenção dos encargos familiares dos respectivos beneficiários.

Por outro lado, para os proventos de aposentadoria, a Constituição Federal prevê, assim como para a remuneração dos servidores públicos, o princípio da irredutibilidade remuneratória, inserto nos arts. 194, § único e 201, § 4.º. Ora, se o Poder Público reconhece a perda aquisitiva dos aposentados da Previdência Social, concedendo-lhes reajustes anuais, esta revisão anual pode, não havendo outra norma aplicável – por omissão inconstitucional, relembre-se -, ser aplicada, analogicamente, aos servidores.

Os reajustes dos proventos de aposentadoria mantidos pelo INSS, a partir de 1998, foram os seguintes:

a) junho de 1998 – 4,81% na forma da MP 1663-10, de 28.05.98; b) junho de 1999 - 4,61% na forma da MP 1.824-1, de 28.05.99; c) junho de 2000 - 5,81% na forma da MP 2.022-10, de 23.05.00; d) junho de 2001 - 7,66% na forma da MP 2.187-12/01 e Decreto 3.826, de 31/05/01.

Estes percentuais que calculados cumulativamente atingem a percentagem aproximada de 24,89% (vinte e quatro vírgula oitenta e nove por cento), bem próximo ao INPC do período que é de 24,39%, (vinte e quatro vírgula trinta e nove por cento), podem ser aplicados, por analogia, aos vencimentos dos servidores públicos, suprindo desta forma, a omissão inconstitucional dos Poderes Executivo e Legislativo.

Porém, caso V.Ex.ª entenda indevida a aplicação do percentual dos reajustes dos proventos de aposentadoria mantidos pelo INSS , poderá ser aposto o percentual pertinente ao INPC que é de 24,39%, (vinte e quatro vírgula trinta e nove por cento), e bem espelha o valor da depreciação da moeda, no período compreendido entre junho/1998 a dez/2001.

Por último e apenas para tocar nos valores basilares da prevalência da Constituição e do primado da Justiça cumpre destacar que nos dias atuais, é certo que o respaldo para toda e qualquer norma jurídica está nas normas da Carta Maior. Por isso a importância em mencionar que a Administração deve atender à lei e ao Direito, entendendo-se este como a garantia de obediência aos cânones constitucionais e à Justiça. O professor MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO sintetizou com bastante propriedade essas concepções, ao grafar que:

O primado da lei, por isso, nos regimes constitucionais pluralistas, é inspirado pela idéia do primado do Direito, ou seja, do ´justo´, como tal considerado, num dado momento, por determinada comunidade (...) A Supremacia do Direito, ou seja, a primazia do justo sobre os próprios comandos do legislador, as leis, ;é idéia profundamente arraigada no pensamento ocidental. De longínquas origens, esse primado, de uma forma ou de outra expresso, vem pelo menos dos gregos antigos até os nossos dias. (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1.995 p. 11)

Em razão disso, justificam-se a menção e os elogios ao dispositivo destacado, porque consagra não apenas o primado do Direito sobre as leis, mas, e principalmente, os princípios democráticos e a força de império da Constituição sobre todas as demais normas do ordenamento jurídico.


DO PEDIDO

Ex positis, confiante que prevalecerá o bom senso jurídico, a justiça, os princípios da legalidade, da segurança jurídica, da periodicidade de reajustes, da irredutibilidade de vencimentos e do primado da Constituição Federal sobre atitudes omissivas que lhe afrontam o espírito, requer à V.Ex.a, que do alto de seu cabedal de conhecimentos e senso de justiça, digne-se a:

  1. Conceder a declaração incidenter tantum da inconstitucionalidade por omissão da União pela ausência da revisão anual da remuneração dos promoventes prevista no art. 37, X, da CF/88,
  2. a condenação da ré na revisão da remuneração dos autores pelos mesmos índices aplicados aos proventos de aposentadoria do INSS 24,89% (vinte e quatro vírgula oitenta e nove por cento) em cada mês de junho, no período compreendido entre junho de 1998 a dezembro de 2001, lembrando que o montante da indenização corresponderá a diferença entre a remuneração que os servidores receberam, inclusive 13.º salário e adicional de férias, e a que teriam recebido se sobre ela, a partir de junho de 1998, tivesse sido aplicada, ano a ano, a correção pelos índices aplicados aos proventos de aposentadoria do INSS ( em junho de 1998, 4,81%; em junho de 1999, 4,61%; em junho de 2000, 5,81% e em junho de 2001, 7,66%), ou caso V.Ex.ª entenda inaplicáveis tais índices, requer a condenação da ré na revisão da remuneração dos autores pela variação do INPC no período, num percentual de 24,39%, (vinte e quatro vírgula trinta e nove por cento) nos mesmos moldes supramencionados.
  3. a aplicação de multa cominatória no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) em prol dos promoventes, por cada dia de atraso no não pagamento dos vencimentos reajustados, após o trânsito em julgado da sentença, na forma do art.287 do CPC;
  4. a condenação da ré ao pagamento de todas as parcelas em atraso, desde junho de 1998, inclusive com repercussão em férias, gratificações natalinas e demais verbas de direito, acrescidas de correção monetária pela variação do INPC ou outro índice que venha a substituí-lo mais juros de mora, à taxa de 0,5% (meio por cento) ao mês, contados da citação;
  5. a efetiva implantação em folha de pagamento, do percentual de 24,89% ou 24,39%, caso V.Ex.ª entenda devido, que incidirá sobre toda a remuneração futura dos promoventes;
  6. a condenação da ré no pagamento de honorários advocatícios, estes na base de 20%(vinte por cento) sobre o valor efetivo da condenação e ao ressarcimento das custas judiciais adiantadas;
  7. a citação da Universidade Federal do Ceará, Autarquia Federal vinculada ao Ministério da Educação, para, querendo, compor o pólo passivo da presente lide.
  8. A citação da ré, na pessoa de seu representante legal no Estado do Ceará, o Procurador-Chefe da Advocacia Geral da União para, querendo, contestar a presente, sobre pena de confissão;
  9. Requer, por último, a produção de todas as provas em direito admitidas, notadamente juntada posterior de documentos, perícia contábil e as demais necessárias ao rápido deslinde da questão.

Dão à causa, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

ITA SPERATUR JUSTITIA

Fortaleza(CE), 11 de abril de 2002.

Eugênio de Aquino dos Santos
Advogado - OAB-CE 13.169

Sebastião Pereira e Souza Leão
Advogado – OAB-CE 10.396

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Eugênio ; LEÃO, Sebastião Pereira. Reposição salarial dos servidores públicos federais: ação contra a União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16573. Acesso em: 26 abr. 2024.

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