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Fila de banco:

indenização por danos morais coletivos

16/01/2006 às 00:00
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Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público da Bahia contra instituição bancária, cobrando indenização por dano moral coletivo em virtude da submissão de consumidores a enormes filas, em desobediência a legislação municipal

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Especializada de Defesa do Consumidor da Comarca de Itabuna

            O MINISTÉRIO PÚBLICO DA BAHIA, através do Promotor de Justiça com atuação na defesa dos interesses difusos e coletivos nesta comarca, propõe AÇÃO CIVIL PÚBLICA, com fundamento no art. 129, III, da Constituição Federal, art. 1.º, III, e 5.º, caput, da Lei Federal 7.347/85, e art. 81, parágrafo único, I, da Lei Federal 8.078/90, contra BANCO BRADESCO S/A, pessoa jurídica de direito privado, CNPJ 60.746.948, com sede no Núcleo Administrativo "Cidade de Deus", situado na Vila Yara, Osasco, São Paulo:


DA SÍNTESE DA PRETENSÃO

            Pretende o Ministério Público obter indenização por danos morais difusos, em favor do Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos, pelo comportamento ilícito do reú, o qual ignora a dignidade dos consumidores que, diariamente, dirigem-se aos guichês de caixa de seus dois estabelecimentos em Itabuna, quando passam, não raro, nas enormes filas, tempo muito superior ao que permite a lei e a razoabilidade, numa situação visivelmente humilhante e vexatória.


DA LEGITIMIDADE ATIVA

            Está o Ministério Público legitimado para promover, a título coletivo, a defesa dos interesses e direitos difusos nas relações de consumo, consoante previsão da Constituição Federal (art. 129, III), do Código de Defesa do Consumidor (arts. 81, parágrafo único, I e 82, I) e da Lei da Ação Civil Pública (art. 1.º, II).

            Tanto o CDC quanto a LACP são claros na possibilidade de ações condenatórias visando à reparação de danos morais aos consumidores (art. 1.º, I, da 7.347/85 e 6.º, VI, e VII, do CDC).


DOS FATOS E FUNDAMENTOS

            O réu, maior banco privado do país, tem duas agências na cidade de Itabuna, uma situada ( a 239) na avenida Cinqüentenário, n.º 392, a outra (a 3522) na Praça Siqueira Campos, n.º 70, e, há vários anos, nas referidas agências, ridiculariza e humilha consumidores (clientes e usuários) de seus serviços, máxime aqueles que se dirigem aos guichês de caixa para efetuarem pagamentos de contas, saques e demais procedimentos, na medida em que são obrigados a permanecerem de pé, em filas intermináveis, durante vários minutos e, até mesmo, por período superior a 60 (sessenta) minutos, sem a possibilidade de acesso a sanitários.

            Na cidade de Itabuna, nos últimos cinco anos, não foram poucos os movimentos populares de protesto, inclusive de iniciativa sindical da categoria dos bancários, além de diversas tentativas de resolução por associações de consumidores e órgãos estatais, dentre eles, a Câmara Municipal de Vereadores e o Ministério Público.

            Desde 1998, todavia, em Itabuna, movimentos sociais lutam, com veemência, para minimizar o tempo de espera nas filas das agências do réu, resultando, no ano de 1999, na sanção da Lei Municipal 1.790, de 28 de maio de 1999, que dispõe "sobre sanções administrativas a estabelecimento bancário infrator do direito do consumidor", notadamente a demora demasiada nas filas.

            A referida Lei prevê até 20 minutos como tempo razoável para atendimento em dias normais, e até 30 minutos em véspera ou após feriado prolongado, o que nunca foi respeitado pelo réu, mesmo porque o Município de Itabuna, numa lamentável omissão, não implementou as providências mínimas para aplicabilidade das sanções administrativas. Note-se, o que não houve foi VONTADE para aplicar as sanções administrativas previstas. A Lei Municipal não estava e nunca esteve com sua eficácia contida, a exemplo de pendência de regulamentação.

            Portanto, desde a edição da Lei Municipal em foco, nunca houve, sequer, uma autuação administrativa, o que somente gerou na comunidade itabunense o sentimento de impotência e descrédito nas instituições públicas, além da sensação de inatingibilidade das instituições financeiras.

            É preciso, entretanto, deixar claro que a omissão do Município de Itabuna na aplicação das sanções administrativas, isso é óbvio, não isenta o réu da sua responsabilidade (civil e administrativa), porque a Lei Municipal, em seu art. 2.º, "caput", independentemente de regulamentação, impôs ao réu obrigação de atendimento satisfatório, disponibilizando senhas aos usuários, onde deveriam constar os horários de recebimento e de atendimento, permitindo, assim, que o interessado apresentasse denúncia ao órgão administrativo competente, acompanhada de prova documental. Aliás, a constitucionalidade das leis municipais que tratam do horário de atendimento bancário e das filas nesses estabelecimentos já foi confirmada pelo STF e STJ (467.451-SC).

            O comportamento do réu, ao menosprezar clientes e usuários do atendimento em guichês, ao gerar um sentimento generalizado, na comunidade itabunense, de baixo-estima, de descrédito nas leis e nas instituições públicas, configura ato ilícito, não só por desrespeito à legislação municipal, mas aos princípios do CDC, a exemplo da boa-fé objetiva, e causa dano moral a pessoas indeterminadas, a exemplo daquelas pessoas anônimas que se dirigiram aos caixas de atendimento em maior ou menor intensidade. O dano moral é flagrante, pois as pessoas que estão nas "filas intermináveis" sentem-se desprezadas, ridicularizadas, impotentes, e são vistas, aos olhos de qualquer cidadão, que perceba a cena dantesca, como seres insignificantes, social e economicamente. Mas que fique bem claro, o dano moral aqui sustentado é difuso, porque atinge toda a comunidade, indistintamente, ou seja, do cliente do banco aos demais usuários de seu serviço, do empresário ao comerciário, do médico ao lavador de carros, do político ao mais simples homem do povo.

            Embora os que estejam nas filas sejam diretamente ofendidos, a comunidade inteira sofre lesão em seu patrimônio moral, atingindo sentimentos e noções sobre cidadania e dignidade da pessoa humana, bastando mencionar o descrédito nas leis com suas nocivas conseqüências sociais.

            Na lição de Carlos Alberto Bittar, sobre a noção de dano moral:

            "Na concepção moderna da teoria da reparação de danos morais prevalece, de início, a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do simples fato da violação. Com isso, verificado o evento danoso, surge, ´ipso facto´, a necessidade de reparação, uma vez presentes os pressupostos de direito. Dessa ponderação, emergem duas conseqüências práticas de extraordinária repercussão em favor do lesado: uma, é a dispensa da análise da subjetividade do agente; outra, a desnecessidade de prova de prejuízo em concreto". [01]

            Assim, a reparabilidade do dano moral, que dispensa, no caso, a análise subjetiva das inúmeras vítimas difundidas na comunidade itabunense e a efetiva prova do prejuízo em concreto, exige, tão-só, a demonstração do ilícito, qual seja, o desrespeito contínuo ao consumidor ou à coletividade de pessoas a ele equiparado, na forma do CDC.

            Até mesmo o denominado "Código de Defesa do Consumidor Bancário", aprovado pela Resolução 2878/2001, do Banco Central do Brasil, estabelece que as instituições financeiras, na prestação de serviços aos clientes e ao público em geral, não podem negar ou restringir o atendimento pelos meios convencionais, inclusive guichês de caixa, mesmo existindo atendimento alternativo ou eletrônico.

            Além do CDC e da Lei Municipal, o Código Civil permite imputar responsabilidade ao réu, por ato ilícito, de acordo com o art. 186, na medida em que sua omissão voluntária, ao deixar de investir nos guichês de caixa, a exemplo da ampliação do quadro de empregados, viola direito do consumidor, de ser bem atendido e em prazo razoável, causando-lhe dano, moral, pois lhe atinge a dignidade (art. 1.º, III, da CF) protegida pela Constituição Federal. Ademais, não se pode admitir que uma instituição financeira do porte do réu, com lucros notoriamente vultosos, trate seus clientes, ao público em geral, as instituições governamentais, a lei, e, finalmente, os valores do povo deste chão com visível desprezo. Aqui está a violação ao princípio da boa-fé objetiva.


DO DANO MORAL DIFUSO E DE SUA REPARABILIDADE

            A reparabilidade do dano moral tem assento constitucional (art. 5.º, X). Infraconstitucionalmente, no que pertine ao interesse do consumidor, o art. 6.º, VI e VII, do CDC, não deixa dúvida quanto à possibilidade de reparação, seja quanto a dano individual, coletivo ou difuso.

            O dano moral também pode atingir um múmero indeterminado de pessoas, transcendendo, portanto, à questão individual. E essas pessoas não são, somente, aquelas que, em maior ou menor intensidade, dirigirem-se, no dia-a-dia, ou dirigiram-se às agências do réu, em Itabuna, ao longo dos últimos cinco anos, mas toda a comunidade itabunense, que se sente e sentiu-se desprestigiada, insegura e incrédula, na medida em que o réu fez "ouvidos de mercador" da legislação federal e, também, da legislação municipal aplicável, além das vozes da sociedade organizada, que não mais tolera "agonizar" nas filas bancárias.

            Diz a doutrina especializada:

            "No entender de Milton Flaks, não há dúvida de que a ação civil pública, tal como presentemente concebida e desde que bem interpretada, destina-se a ser um dos mais importantes - e talvez o mais eficiente - instrumentos de defesa de interesses difusos ou coletivos, pela abrangência de opções que oferece.

            ´A segurança e a tranqüilidade de todos os indivíduos - assim como o sentimento de cidadania - são bruscamente atingidos quando o patrimônio moral de uma coletividade é lesado, sem que haja qualquer direito à reparação desta lesão.

            ´Assim, há expressa previsão de dano moral nas leis de tutela coletiva do Brasil. De fato, o prejuízo moral - que segue paralelo ao dano material - há de ser ressarcido, na modalidade de dano moral, conforme previsto no inc. V do art. 1º da Lei n. 7.347/85.

            ´O Código de Defesa do Consumidor, por seu turno, também contempla a indenização por dano moral, nos incs. VI e VII do art. 6º, escudado pela previsão de nossa Carta de 1988, na dicção do inc. V do art. 5º. Segundo o citado artigo do Código de Defesa do Consumidor, são direitos básicos do Consumidor, dentre outros, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos, e o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados.

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            ´Em primeiro lugar, podemos ver que o dano moral é reparável como resposta civil pela agressão ao patrimônio moral, sendo que a cumulação de indenizações por fato único, com repercussões materiais e morais deve ser vista como justa e absolutamente constitucional. (...)

            ´Nos Estados Unidos, estruturou-se a teoria do desestímulo. De fato, a reparação do dano moral visaria ao desestímulo de novas agressões ao bem jurídico tutelado. (...)

            ´Quanto à prova, verifico que o dano moral já é considerado como verdadeira presunção absoluta. Para o saudoso Carlos Alberto Bittar, em exemplo já clássico, não precisa a mãe comprovar que sentiu a morte do filho; ou o agravado em sua honra demonstrar em juízo que sentiu a lesão; ou o autor provar que ficou vexado com a não inserção de seu nome no uso público da obra, e assim por diante.

            ´O ataque a valores de uma comunidade, além dos danos materiais que gera, acarreta indiscutível necessidade de reparação moral na ação coletiva. Isso porque, tal qual o dano coletivo material, o dano moral coletivo só é tutelado se inserido nas lides coletivas. Configurando-se o dano moral coletivo indivisível (quando gerado por ofensas aos interesses difusos e coletivos de uma comunidade) ou divisível (quando gerado por ofensa aos interesses individuais homogêneos), em todos os casos somente a tutela macro-individual garantirá uma efetiva reparação do bem jurídico tutelado.

            ´Do exposto, observamos que, também como o dano coletivo material, o dano moral coletivo implica em uma necessidade de reparação por instrumentos processuais novos. Se estes instrumentos não forem aplicados, o dano moral coletivo não será reparado e a violação dos valores ideais da comunidade diminuirá o sentimento de auto-estima de cada um dos indivíduos dela componentes, com conseqüências funestas para o desenvolvimento da nação.

            ´As dificuldades advindas da subjetividade dos parâmetros a serem fixados não devem constituir motivo para a inexistência do direito, em face desse fundamento. Por outro lado, a finalidade da reparação dos danos extra-patrimoniais não se assenta em fatores de reposição, senão de compensação.

            ´Em face das tradicionais críticas quanto à valoração do prejuízo moral, cabe ao magistrado estimar o valor da reparação de ordem moral, adotando os critérios de razoabilidade, proporcionalidade e, principalmente, o fator de desestímulo que a indenização por dano moral acarreta. (...)

            ´As indenizações por dano moral coletivo serão fundamentais para demonstrar ao brasileiro o verdadeiro valor do seu patrimônio moral, que merece proteção judicial. Nas palavras de Oscar Dias Corrêa, a reparação do dano moral enfatiza o valor e a importância desse bem, que é a consideração moral, que se deve proteger tanto quanto, senão mais do que bens materiais e interesses que a lei protege. (...)

            ´Dessa forma, deve o magistrado levar em consideração que a reparação do dano moral coletivo representa para a coletividade um reconhecimento pelo Direito de valores sociais essenciais, tais quais a imagem do serviço público, a integridade de nossas leis e outros, que compõem o já fragilizado conceito de cidadania do brasileiro.

            ´Só com o reconhecimento da reparação do dano moral coletivo que poderemos recompor a efetiva cidadania de cada um de nós. " (Revista de Direito do Consumidor, n. 25, A Ação Civil Pública e o Dano Moral Coletivo - Doutrina - Ramos, André de Carvalho Ramos, p. 80-89).

            Embora sejam conhecidas as dificuldade de arbitramento da indenização pelo dano moral, máxime o de natureza difusa, apresenta-se, aqui, proposta de liquidação no caso concreto. Ora, o dano difuso permeia na sociedade itabunense há cinco anos, atingindo milhares e milhares de pessoas, de modo que, até considerando o porte econômico do réu e a necessidade de desestimular condutas ultrajantes a interesses sociais, entende-se razoável quantificá-lo em R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) mensais, os quais, multiplicados pelo número de meses, 60 (sessenta), resulta no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).


DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS

            A - Citação do réu pelo correio;

            B - Condenação em danos morais difusos, no valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais), em favor do Fundo Estadual de Defesa dos Direitos Difusos, de acordo com o art. 13 da Lei Federal 7.347/85;

            Protesta por todos os meios de prova permitidos (inclusive a juntada dos documentos anexos), notadamente oitiva de testemunhas e inspeção judicial.

            Atribui-se à causa o valor de R$ 3.000.000,00 (três milhões de reais).

            Itabuna, 09 de novembro de 2005

            Márcio José Cordeiro Fahel

            Promotor de Justiça


Nota

            01 Reparação Civil por Danos Morais, Revista dos Tribunais, 1993, n. 32, p. 202;

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Sobre o autor
Márcio José Cordeiro Fahel

promotor de Justiça em Itabuna (BA), professor universitário, especialista em Direito Processual Civil

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAHEL, Márcio José Cordeiro. Fila de banco:: indenização por danos morais coletivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 927, 16 jan. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16664. Acesso em: 19 abr. 2024.

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