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Ação de improbidade administrativa por concessão de transporte coletivo sem licitação

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22/06/2006 às 00:00
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Trata-se de ação civil de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, contra o ex-gestor municipal e o beneficiário direto do ato ilícito, em razão da ausência de concessão para contrato de transporte coletivo.

EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL E DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE ILHÉUS.

            Não basta, pois, que a finalidade atingida seja publicamente aceitável ou até mesmo desejável, para que se tenha por juridicamente correto o ato pelo qual se chegou a atingi-la. Para cada fim há meios eleitos juridicamente a serem utilizados pelo agente público, que podem não ser aqueles que ele considerar melhores segundo o seu próprio voluntarismo ou capricho, ou por se considerar juiz de todas as coisas do povo. Atalhos não são caminhos. [01]

            O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por intermédio de sua Promotora de Justiça, lotada na 8ª Promotoria de Justiça de Ilhéus, com endereço para intimações pessoais na Avenida Lomanto Júnior, 324, Pontal, Ilhéus, legitimada pelos artigos 129, inciso III, da Constituição Federal, 72, incisos I e IV, da Lei Complementar n.º 11/96 e com fundamento na Lei nº 8.429/92, vem propor perante Vossa Excelência a seguinte

            AÇÃO CIVIL DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, COM PEDIDO DE INDISPONIBILIDADE DE BENS,

            pelo rito da Lei nº 8.429/92, seguido de ordinário, em face de XXXX, brasileiro, casado, advogado, ex-prefeito municipal de Ilhéus, natural de XXXX, XXXXX, residente na Rua XXXXXX, Ilhéus;

            VIAÇÃO XXXXX LTDA., pessoa jurídica de direito privado, CNPJ XXXXXX, com endereço na Avenida XXXXX, Ilhéus, representada por seu sócio-administrador, XXXXX, com endereço na Avenida XXXXX, nesta cidade;

            pelas seguintes razões fáticas e de direito:


1-DOS FATOS:

            O Ministério Público Estadual instaurou Procedimento Administrativo nº 04/04-IMP, a partir de peças de informação alcançadas pelo ilustre Juiz Substituto da 2ª Vara Cível e da Fazenda Pública da Comarca de Ilhéus, extraídas da ação cautelar nº 345636-3/2004, em que foram partes Viação XXXX Ltda. e Município de Ilhéus.

            Igualmente foi composto por peças extraídas do mandado de segurança nº 2003.6111-9, em que foram partes Viação XXXX Ltda. e o ex-prefeito de Ilhéus, Dr. XXXXX

            Concluída a instrução do expediente, com colheita de prova documental, ficou evidenciada a prática de fatos ilícitos praticados pelos réus durante os dois mandatos políticos do primeiro deles, no período de XXXXX a XXXXX.

            Se não, veja-se:

            Em 1989, a Prefeitura Municipal de Ilhéus realizou licitação, na modalidade de concorrência, para a exploração do serviço público de transportes coletivo. Saíram-se vencedoras as empresas Expresso Santa Cruz Ltda., Expresso Nossa Senhora das Candeias Ltda. e Viação Águia Branca Ltda. (fl. 89).

            Era exigência contida no edital nº 8.478/88 que a empresa vencedora tivesse experiência igual ou superior a 3 (três) anos no ramo de transporte coletivo, firmada pelo poder concedente (fl. 86).

            Não obstante, nenhuma das empresas vencedoras assumiu a exploração das linhas, ato que passou a ser feito pela Viação XXXX Ltda., constituída em cinco de outubro de 1989 (fl. 201), sem a experiência exigida pelo edital da licitação.

            Alegou a Viação XXXX Ltda., sem juntar qualquer documento comprobatório, que houvera uma cessão de contrato de concessão do serviço de transporte coletivo por parte da empresa Expresso Nossa Senhora das Candeias Ltda., a seu favor. Em razão deste, passara a operar no ramo de transporte coletivo no Município de Ilhéus, fazendo-o desde o ano de 1989 até dezembro de 2003.

            O Município de Ilhéus, através de seu sub-procurador, negou anuência à cessão de concessão. Ao contrário, negou peremptoriamente a condição da Viação XXXX Ltda. como concessionária de serviço de transporte coletivo no Município de Ilhéus ou como integrante de grupo econômico de empresa que o fosse (fl. 198). Afirmou que a Viação XXXX Ltda. operara o serviço de transporte coletivo com base em autorização precária, para evitar a solução de continuidade do serviço.

            No entanto, é fato público e notório, sequer negado pelas partes, que a Viação XXXX Ltda. permaneceu explorando o ramo de transportes no Município de Ilhéus durante catorze anos, sendo sete anos seguidos somente nos dois últimos mandatos do réu XXXX.

            A particularidade reside em que a segunda ré jamais celebrou qualquer contrato de concessão de serviço público de transporte coletivo com o Município de Ilhéus. Tanto que o próprio Poder Judiciário sustentou a inexistência de qualquer vínculo jurídico lícito entre a Viação XXXX Ltda. e o Município de Ilhéus, de modo a garantir àquela qualquer direito a continuar explorando o serviço público de transporte coletivo, já que a empresa não se submetera a qualquer processo licitatório que lhe tivesse outorgado a concessão para exploração de tal serviço (fl.09).

            Não obstante, em todo seu mandato, no período de 1996 a 1999, o primeiro réu permitiu que a empresa Viação XXXX Ltda. continuasse a exercer o posto de "concessionária" de serviço público, sem o ser, sem nunca ter sido e sem lhe colocar qualquer obstáculo. A anuência do administrador à situação ilegal demonstra possível conluio para com a empresa beneficiada.

            Os lucros obtidos pela empresa, segunda ré, fruto de atividade em desconformidade com o mandamento constitucional de obrigatoriedade de licitação, representaram enriquecimento ilícito. E não foram insignificantes. Caso contrário, não iria permanecer tantos anos com a exploração e inclusive exigir sua recondução por medidas judiciais, se o lucro não fosse atrativo. Ainda mais quando não tinha qualquer contrato com o poder público a impingir-lhe multas e outras sanções por rompimento. Se permaneceu e pretendia permanecer por mais tempo, com certeza, havia lucro considerável, quiçá proporcional ao montante de R$ 12.000.000,00 (doze milhões de reais que afirmou ter investido (fls. 19, 56 e 67).

            Somente em dezembro de 2003, o primeiro réu adotou as providências que deveria ter tomado nos primeiros meses de seu mandato: exigir que a Viação XXXX Ltda. deixasse de explorar as linhas de transporte coletivo neste Município. Até então, contentou-se com a assinatura de um termo de compromisso como substituto de todo um procedimento licitatório do qual a segunda ré deveria ter participado e ganhado, se quisesse atuar como concessionária ou permissionária de serviço público.

            Contentou-se o primeiro réu, ainda, com o pagamento mensal de R$ 70.000,00 (setenta mil reais) realizados no ano de 2002, perfazendo, naquele ano, o recebimento de R$ 840.000,00 (oitocentos e quarenta mil reais) (fls. 210) em troca da exploração de um serviço público por quem confessadamente nunca participara ou vencera qualquer processo licitatório que lhe tenha outorgado a condição de concessionária.

            Cumpre ressaltar, ainda, que a Viação XXXX Ltda. encontrava-se em débito com as contribuições sociais, tributos federais e FGTS. Tanto que não obteve a certidão de quitação perante o INSS, Secretaria da Receita Federal e Caixa Econômica Federal (fl. 70). Essa situação era do conhecimento do primeiro réu, o que não lhe impediu de admitir a permanência da empresa na exploração do serviço público. Obviamente, tinha de ser sem licitação, já que não é admitido a certame interessado em situação de inadimplência.

            Desconforme, a segunda ré ingressou com ação cautelar nº 345636-3/2004, na 2ª Vara Cível da Comarca de Ilhéus, pugnando o retorno ao serviço de exploração dos serviços de transporte coletivo neste Município. Indicou que a ação principal seria declaratória de existência de concessão. (fls. 04/25). Mais uma prova de que a concessão era inexistente, caso contrário, poderia ser provada de pronto e documentalmente.

            Ingressou, ainda, com mandado de segurança para suspender o processo licitatório da concorrência pública nº 003/2003 (fls. 30/106).

            Ambas as medidas judiciais foram-lhe desfavoráveis, tendo o Poder Judiciário, diante da gravidade dos fatos e da cristalina ilicitude, encaminhado cópia de peças de informação ao Ministério Público, para as providências penais e na área de improbidade administrativa.

            As provas convenceram, em síntese, ao Poder Judiciário do seguinte: "O que se conclui é que durante catorze anos a Impetrante vinha, com o beneplácito inadmissível da Administração, clandestinamente explorando os serviços de transportes coletivos de Ilhéus, porquanto à margem da lei e dos princípios constitucionais que regem a atividade da administração pública." [02]

            Adotadas as providências, mediante o aforamento da presente ação civil de responsabilidade por ato de improbidade administrativa, espera-se, de parte do representante do Poder Judiciário examinador desta peça, a mesma postura combativa e intransigente, exigindo o cumprimento da lei, que tiveram os ilustres Juízes referidos.


2- DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS:

            A Constituição Federal, além de traçar no caput de seu artigo 37 os princípios que devem reger a Administração Pública, estabeleceu a licitação como norma fundamental, que só pode ser excepcionada nos casos previstos em lei.

            Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

            XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

            Igualmente ficou instituída na Constituição Federal a obrigatoriedade de prestação de serviços públicos, de forma direta pelo Poder Público ou sob o regime de concessão ou permissão de serviços públicos, após prévia licitação, consoante os termos do artigo 175, in verbis:

            Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

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            Parágrafo único. A lei disporá sobre:

            I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

            II - os direitos dos usuários;

            III - política tarifária;

            IV - a obrigação de manter serviço adequado.

            Assim sendo, a disciplina normativa das licitações e contratos administrativos tem seu núcleo primordial na Constituição Federal de 1988. É na Carta Magna que, em face do princípio da constitucionalidade ou hierarquia das leis, seu regramento deve ser procurado primeiramente. [03]

            Na esteira desse entendimento, a legislação infraconstitucional não poderá dispensar a licitação, tampouco o regime de concessão ou permissão para serviços públicos.

            No que tange a licitações, as normas gerais, entendidas como regras mínimas vinculantes para todas as órbitas federativas [04], encontram-se na Lei nº 8.666/93. Podem os Estados e os Municípios traçarem normas mais restritivas do que as gerais. Não podem, contudo, serem mais permissivos e abolirem a licitação nos casos constitucionalmente exigidos.

            Os entes federativos podem produzir regras próprias apenas naquilo que não infringir essa espécie de núcleo irredutível produzido pela lei federal. A lei consagra uma estrutura normativa fundamental que comporta complementação por parte das demais entidades políticas. A lei local poderá ir além do disposto nas normas gerais, mas não poderá substituir por outros os princípios e institutos consagrados como tal [05].

            Diz o artigo 240 da Lei Orgânica do Município de Ilhéus que a exploração do serviço (de transporte coletivo) se dará por concessão ou delegação precária.

            Ora, isto não significa que pudesse ser feita sem licitação. Mesmo quando se recorre à legislação inferior, deve-se ter em vista a superioridade da Constituição, de modo que a incompatibilidade entre a lei e a Constituição se soluciona através da aplicação da última [06].

            Cabe lembrar que, em 1989, época da suposta cessão de contrato de concessão, vigia o Decreto-Lei nº 2.300/86, o qual, no seu artigo 2º, estabelecia que as obras, serviços, compras e alienações da Administração, quando contratadas com terceiros, deveriam ser necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as exceções previstas naquele diploma legal.

            Em 1993 adveio a atual Lei das Licitações. Posteriormente, a Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal. Portanto, a exigência tanto constitucional como infraconstitucional do regime prévio de licitação sempre se fez presente. E no caso dos autos, descumprida pelos réus por longos anos.

            A Administração não pode, concluído o procedimento, atribuir o objeto da licitação a outrem que não o vencedor, sob pena de desrespeito ao princípio da adjudicação compulsória. O contrário seria um convite à burla, pois bastaria que o vencedor do certame cedesse o objeto licitado a terceiros, para que fosse desconsiderada a melhor proposta e a igualdade de oportunidade a todos que quisessem com ela celebrar contratos dessa natureza [07].

            Feriria, sobretudo, o propósito da licitação, que é justamente a seleção de propostas mais vantajosas para a administração pública. E isto, consoante JOSÉ AFONSO DA SILVA, constitui um princípio instrumental de realização dos princípios da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes com o Poder Público [08].

            No caso dos autos, a prestação de serviço público de transporte passou a ser explorada pela ré, sem a adoção das providências pelo réu. Ao contrário, este admitiu notoriamente a exploração de serviço público, formalizado com a assinatura de termo de compromisso (fls. 1851/86), com contraprestação pecuniária (fls. 210/227).

            Pelo teor das informações prestadas em sede de mandado de segurança, não há qualquer dúvida de que a inexistência de contrato de concessão para com a Viação XXXX Ltda., precedida de licitação, era de total conhecimento do primeiro réu. Apenas adotou providências ao término de seu mandato, em dezembro de 2003, quando lhe foi conveniente. No período anterior de sua gestão, admitiu sem qualquer restrição a exploração do transporte coletivo pela ré.

            Para depois, em sede de mandado de segurança, vir, à fl. 83, valendo-se da própria torpeza, sustentar que a delegação à impetrante nunca passou pelas exigências constitucionais e legais da devida licitação (única forma de se garantir a prevalência dos princípios de igualdade, publicidade, legalidade, impessoalidade, probidade administrativa e julgamento objetivo – art. 3 º do Dec-lei 2.300/86 e art. 3º da Lei 8.666/93); nunca houve pactuação expressa e formal através de instrumento escrito, estabelecendo a natureza estável e bilateral do contrato administrativo de concessão (art.s 44, §1º, 50, parágrafo único, Dec-lei 2.300/86; arts. 4º e 60, caput e parágrafo primeiro, e art. 23 da Lei nº 8.987/95, só para citar algumas normas).

            Logo, a ilegalidade da prestação de serviços pela ré, era conhecida e aprovada pelo réu, inclusive em termos técnicos, como mostram as informações de fls. 69/106, que ora se aproveitam como fundamento jurídico para sustentar a improbidade da conduta, na modalidade dolosa, com dano ao erário público.

            Isto porque constitui improbidade administrativa o exercício de função, cargo, mandato ou emprego público sem a observância dos princípios administrativos da legalidade, da impessoalidade, da publicidade, da moralidade e da eficiência [09].

            A Lei nº 8.429/92, que rege a matéria, veio dividir e definir, exemplificativamente, os atos de improbidade administrativa, fazendo-o em três categorias: os que importem em enriquecimento ilícito do agente público, os efetivamente lesivos ao erário e os que atentem contra os princípios da Administração [10].

            No caso presente, duas modalidades estão bem assentes. Os réus causaram prejuízos aos cofres públicos, enriqueceram-se ilicitamente e desrespeitaram os princípios constitucionais da Administração. Tudo isto de forma dolosa, ao admitir a permanência da Viação Gabriela Ltda. como exploradora de serviço público, sem nunca ter participado de licitação.

            Deve-se lembrar que, ao contratar sem a prévia realização de licitação, deve a administração declinar os motivos que justificaram a contratação direta, demonstrar o seu enquadramento nas normas de exceção da Lei nº 8.666/93, justificar a escolha de determinado contratante e as razões do acolhimento da proposta por ele apresentada [11].

            Nada disso foi feito. Sequer questionou-se a razão da empresa vencedora da licitação realizada em 1989 não estar explorando o transporte coletivo de Ilhéus. Sequer questionou-se se era mais vantajoso ao Município de Ilhéus a permanência da Viação XXXX Ltda., que sequer apresentou proposta de preço para ser comparada com outras empresas interessadas no mesmo serviço.

            Dentre a casuística das ações previstas no artigo 10 da Lei nº 8.429/92, destaca-se seu inciso VIII, que reza causar lesão aos cofres públicos a dispensa indevida ou frustração de licitação. Por tal tipo entende-se "extrapolar os casos legais de dispensa, contratando diretamente obra ou serviço, quando a lei exige a competição em busca do melhor negócio. É não promovê-la, sem causa legal que derrogue a regra geral" [12].

            Já frustar a licitude de processo licitátório é fraudá-lo. Fraudar licitação é distrair procedimento licitatório. O ato fraudulento é o que intenta brular a lei, frustando sua execução. Consiste em subtrair ao domínio da lei o que lhe deveria estar sujeito. [13]

            Há obrigatoriedade constitucional de licitar, de forma a assegurar igualdade de participação entre todos os concorrentes, nos termos do artigo 37, inciso XXI, da Carta Magna, já transcrito.

            Não há como afastar, ainda, o enriquecimento ilícito da Viação XXXX Ltda. Se não participara de licitação, se não era concessionária de serviço público, todos os lucros que obteve da exploração de transporte coletivo intramunicipal foram ilícitos. Incidiu o réu, em concurso com a ré, notadamente, nas pechas do artigo 10, inciso XII, da Lei nº 8.429/92, in verbis:

            XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

            Já com relação aos princípios da administração pública, tanto a Constituição Federal, em seu artigo 37, caput, como o artigo 4º da Lei nº 8.429/92, colocam como dever dos agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia a observância estrita da honestidade, imparcialidade, legalidade, impessoalidade, moralidade, lealdade e eficiência no trato dos assuntos que lhe são afetos. Qualquer violação implica ato de improbidade administrativa, ex vi do artigo 11 da Lei nº 8.429/92.

            Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

             I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

            Outro mister não teve o termo de compromisso, outorgando a condição de "autorizatária", à empresa Viação XXXX Ltda, se não o desvio de finalidade: admitir a exploração de serviço público sem exigir sua prévia participação em certame licitatório.

            Na dicção autorizada de CARMEM LÚCIA ANTUNES ROCHA [14], os resultados previstos juridicamente, para ocorrerem com um cometimento determinado, não podem ser buscados por meio de outro, pois isto traria a desordem administrativa e a insegurança jurídica dos cidadãos que tenham o seu patrimônio jurídico atingido, direta ou indiretamente, mediata ou imediatamente, pelo comportamento adotado pelo agente público.

            E prossegue: A legitimidade do comportamento administrativo deve se ater aos meios e modos que o Direito entendeu seguros para o cidadão saber por que e como a determinado fim se chegou. Somente instrumento administrativo posto pelo Direito à disposição e ao dever de agir do administrador pode ser ele utilizado para o atingimento da finalidade especificada.

            Deve-se recordar, com base em MARÇAL JUSTEN FILHO [15], utilizado inclusive como razão de decidir no mandado de segurança (fl. 457), que o direito reprova condutas incompatíveis com valores jurídicos. No caso da licitação, a conduta moralmente reprovável acarreta a nulidade do ato ou do procedimento. Extrai-se a intenção legislativa de que a licitação seja norteada pela honestidade e seriedade. Exige-se a preservação do interesse público acima do egoístico interesse dos participantes da licitação ou da mera obtenção de vantagens econômicas para a própria Administração.

            Perfeitamente caracterizados estão, portanto, os atos de improbidade administrativa. Os sujeitos ativos, nas pessoas do agente público e do terceiro que se beneficiou, sob qualquer forma, do ato improbo; o sujeito passivo, representado pelo Município de Ilhéus; a ocorrência do ato danoso, acompanhado de enriquecimento ilícito de terceiro. E a lesão aos princípios da moralidade, da impessoalidade e da legalidade, com maior acento.

            Quanto ao elemento subjetivo, que pode ser tanto o dolo ou a culpa nas hipóteses do artigo 10 da Lei nº 8.429/92, igualmente está caracterizado. No caso, na modalidade dolosa. Afinal, não é aceitável que se admita a exploração de serviço público, em contratos de cifras consideráveis, por quem não participou de licitação.

            Em síntese, como antevisto pelo primeiro réu (fl.85), houve prática de ilícito administrativo, com caracterização de improbidade administrativa, pela fraude à licitação. A lisura da contratação, de tal forma articulada e defendida, por um e por outro réu, atrai o comentário do Procurador-geral do Município de Ilhéus,à época, no sentido de que é " realmente inacreditável que não tenham qualquer pudor em construir tais alegações, que certamente deixarão ruborizados até aqueles menos rigorosos com a ética e a legalidade" [16].

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Ação de improbidade administrativa por concessão de transporte coletivo sem licitação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1086, 22 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16695. Acesso em: 27 abr. 2024.

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