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Ação civil pública: disposição irregular de resíduos sólidos (“lixão”)

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06/08/2006 às 00:00
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III - DA LIMINAR

            É inarredável a necessidade de medida liminar no caso em tela. Conforme antes explanado, os danos vividos dia após dia pela sociedade são incalculáveis. A proliferação de vetores e a contaminação do lençol freático são iminentes. Não resta dúvidas de que a saúde pública encontra-se ameaçada. Aliás, a saúde pública já foi lesada com a prática ora impugnada. O meio ambiente vem sendo degradado incessantemente e, nesse ponto, os danos são aparentes quais sejam: prejuízo do crescimento da vegetação herbácea, alteração da micro fauna, dentre outros já descritos no corpo da presente inicial.

            A normatização aplicável à espécie, conforme dito, tem sede constitucional, refletindo a Carta Magna, no que foi esmiuçada pela legislação infraconstitucional, que a disposição de resíduos sólidos é atividade que, para ser exercida, depende de prévio licenciamento ambiental.

            Infelizmente, no caso em questão, o dano já ocorreu. Entretanto, mister que se impeça sua continuidade, coibindo-se o ato ilícito com vistas à interrupção do dano.

            Vale a pena trazer à baila os ensinamentos do mestre RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO [04], que assevera: "Compreende-se uma tal ênfase dada à tutela jurisdicional preventiva, no campo dos interesses metaindividuais, em geral, e, em especial, em matéria ambiental, tendo em vista os princípios da prevenção, ou da precaução, que são basilares nessa matéria. Assim, dispõe o princípio n. 15estabelecido na Conferência da Terra, no Rio de Janeiro (dita ECO 92): "Com o fim de proteger o meio ambiente, os Estados deverão aplicar amplamente o critério de precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes em função dos custos para impedir a degradação do meio ambiente". Igualmente, dispõe o Princípio n. 12 da Carta da Terra (1997): "importar-se com a Terra, protegendo e restaurando a diversidade, a integridade e a beleza dos ecossistemas do planeta. Onde há risco de dano irreversível ou sério ao meio ambiente, deve ser tomada uma ação de precaução para prevenir prejuízos."

            Busca-se a condenação do Requerido em obrigações de fazer e não-fazer, o que se faz com amparo no artigo 11 da Lei nº 7.347/85, que prevê: "Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor."

            No caso em tela, cabível a concessão da figura da liminar prevista no artigo 12 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) para, initio litis, se assegurar a interrupção dos danos apontados.

            Artigo 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

            §1º (...)

            §2º A multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento.

            Dispõe, outrossim, o artigo 4º da mesma Lei nº 7.347/85(LACP) que:

            Artigo 4º. Poderá ser ajuizada ação cautelar para os fins desta Lei, objetivando, inclusive, evitar o dano ao meio ambiente, ao consumidor, á ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

            Quanto a esse último dispositivo, a doutrina já consolidou entendimento de que ele se reveste inclusive de feição satisfativa quando dispõe sobre a possibilidade de se buscar evitar o dano.

            Esse é o ensinamento de SÉRGIO FERRAZ [05]:

            "Logo em seu artigo 4º, a lei 7.347/85 já alarga o âmbito de ação cautelar, fazendo-a mais ampla e mais profunda, no campo da ação civil pública. É o que se colhe desenganadamente de sua previsão no sentido de que a ação cautelar possa, aqui, ter o fito de evitar o dano, cuja reparabilidade (este é o alvo principal consagrado no art. 1º do diploma), ao lado da recomposição do status quo ante (este o alvo basilar no art.2º), constituem as metas desse precioso instrumento. É dizer, a ação cautelar na ação civil pública, em razão do ora examinado art. 4º se reveste inclusive de feição satisfativa, de regra de se repelir nas medidas dessa natureza." (Grifo nosso).

            Apenas para se esclarecer acerca da aplicação das normas mencionadas, destaca-se trecho novamente extraído da obra de RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO [06]:

            "Conjugando-se os arts. 4º e 12º da Lei 7.347/85, tem-se que a tutela de urgência há de ser obtida através de liminar que, tanto pode ser pleiteada na ação cautelar (factível antes ou no curso da ação civil pública) ou no bojo da própria ação civil pública, normalmente em tópico destacado da petição inicial. Muita vez, mais prática será esta segunda alternativa, já que se obtém a segurança exigida pela situação de emergência, sem necessidade de ação cautelar propriamente dita". (Grifo nosso)

            Ademais, diferente não é a interpretação que se deve conferir ao artigo 273 do Código de Processo Civil após o advento da Lei nº 10.444/02, lei essa que consagrou a chamada "fungibilidade entre cautela e antecipação", ao inserir o § 7º naquele dispositivo do CPC.

            Além da Lei da Ação Civil Pública prever a figura da liminar, faz ela, em seu artigo 21, expressa remissão ao Título III da Lei nº 8.078/90 (CDC), o qual traz a figura da antecipação de tutela nas obrigações de fazer e não-fazer, formando, assim, um micro sistema de direito processual coletivo:

            Dispõe o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor:

            Artigo 84. Na ação que tenha por objeto a obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do inadimplemento.

            §1º (...)

            §2º (...)

            §3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

            §4º O juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

            Quanto aos princípios da efetividade do processo e da instrumentalidade das formas, ensina CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO citado por LUIZ GUILHERME MARINONI [07]:

            "Se o tempo é dimensão da vida humana e se o bem perseguido no processo interfere na felicidade do litigante que o reivindica, é certo que a demora do processo gera, no mínimo, infelicidade pessoal e angústia, e reduz as expectativas de uma vida mais feliz (ou menos infeliz). Não é possível desconsiderar o que se passa na vida das partes que estão em Juízo. O cidadão concreto, o homem das ruas, não pode ter os seus sentimentos, as suas angústias e as suas decepções desprezadas pelos responsáveis pela administração pública."

            Resta extreme de dúvidas, portanto, a viabilidade e cabimento da liminar no caso em tela, medida imprescindível para se evitar o dano ao meio ambiente e à saúde pública, sobretudo em relação aos munícipes do Requerido. Quanto aos requisitos, ressalta-se estarem amplamente demonstrados. Assim, repita-se, o fumus boni iuris reside na necessidade de observância às regras impostas através de regular e prévio licenciamento ambiental. Já o periculum in mora concentra-se no recorrente dano ao meio ambiente e à saúde pública, prejuízos esses que, se não atacado o ato ilícito, tornar-se-ão cada dia maiores, o que caracteriza o risco na permanência da situação atual.


IV- CONCLUSÃO

            Diante do exposto, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO, observando-se o que dispõe o artigo 2º da Lei 8.437/92, seja concedida medida liminar para o fim de se determinar ao Município que: a)- providencie, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a abertura de valas sépticas no local onde o lixo vem sendo depositado ou em outro local eventualmente indicado pelo órgão ambiental, considerando-se o nível do lençol freático e a impermeabilização de fundo, com a alocação, compactação e o aterramento (cobertura com terra) dos resíduos sólidos, tudo em conformidade com orientação do NATURATINS; b)-promova, em intervalos não superiores a 72 (setenta e duas) horas, a compactação e o aterramento nas valas próprias de todo e qualquer espécie de resíduos sólidos que doravante forem depositados no local; c)- abstenha-se de promover bem como adote providências fiscalizatórias visando coibir a incineração dos resíduos sólidos já existentes bem como dos que vierem a ser depositados no local, tudo sob pena de, não o fazendo ou dificultando o cumprimento das medida, ser responsabilizado pessoalmente o seu representante legal pelo crime previsto no artigo 330 do Código Penal, sem prejuízo da multa diária a que se refere o artigo 12, §2º da Lei nº 7.347/85 e o artigo 84, § 4º da Lei nº 8.078/90, a ser fixada por Vossa Excelência, o que fica desde já requerido à base de R$1.000 (mil reais) por dia de atraso.

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            Ao final, pede o MINISTÉRIO PÚBLICO seja julgado procedente o pedido para o fim de se: a)- condenar o Município em obrigação de não-fazer consistente na abstenção do depósito de resíduos sólidos a céu aberto ou sem licenciamento do órgão ambiental; b) condenar o Município em obrigação de fazer consistente na apresentação, no prazo de 20 (vinte) dias, de plano de encerramento do lixão e plano de recuperação de área degradada realizados por consultor cadastrado junto ao NATURATINS; c) condenar o Município Requerido em obrigação de fazer consistente na promoção, junto ao NATURATINS, da complementação dos estudos ambientais para licenciamento ambiental de sistema adequado de destinação final de resíduos sólidos ou, alternativamente, promoção de novo licenciamento ambiental para os mesmos fins, caso o processo de licenciamento já existente se mostre inadequado, tudo segundo orientação do NATURATINS, o que deverá ser realizado no prazo de 20 (vinte) dias, cumprindo-se, ainda, as normas legais e prazos fixados pelo órgão ambiental, de forma a não agredir o meio ambiente e a saúde da população.

            Requer a fixação de multa diária para o caso de descumprimento da decisão, a teor do que dispõe o artigo 12, §2º da Lei nº 7.347/85 e o artigo 84, § 4º da Lei nº 8.078/90, multa essa a ser fixada por Vossa Excelência, o que fica desde já requerido à base de R$ 1.000 (mil reais) por dia de atraso.

            Após deferida a liminar e no respectivo mandado, requer a citação do Requerido no endereço indicado no preâmbulo e na pessoa de seu representante legal para, querendo, apresentar resposta sob pena de revelia e julgamento antecipado da lide.

            Requer, por fim, seja oficiado o Instituto Natureza do Tocantins (NATURATINS) informando-lhe acerca da decisão liminar e da decisão final a fim de que possa participar da consecução das medidas determinadas.

            Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito admitidos, inclusive depoimento pessoal do representante legal, documentos, testemunhas e perícias.

            Ação isenta de custas, emolumentos e ônus sucumbenciais, conforme artigo 18 da Lei nº 7.347/85, dando-se à causa o valor de R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais), a teor do que dispõe o artigo 258 do Código de Processo Civil.

            Nestes termos,

            Pede deferimento.

             Porto Nacional, 19 de abril de 2006.

Francisco Chaves Generoso
Promotor de Justiça Substituto


Notas

            01 MEIRELLES, HELY LOPES. Direito Municipal Brasileiro, 10a ed. SP:Malheiros, 1998,p.348.

            02 Todas as Resoluções e Leis Estaduais citadas na presente peça constam do incluso Inquérito Civil Público.

            03 Informação obtida no site www.ibge.gov.br.

            04 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. Em defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 263.

            05 FERRAZ, Sérgio. Provimentos antecipatórios na ação civil pública, In "Ação civil pública – Lei 7347/85- 15 anos", 2. e.d., São Paulo:RT 2002, P.831, 832.

            06 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. Em defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 268, 269.

            07 MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Maunual do Processo de Conhecimento. 4 e. d. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2005.

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Sobre o autor
Francisco Chaves Generoso

promotor de Justiça do Estado do Tocantins, professor universitário em Porto Nacional (TO)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GENEROSO, Francisco Chaves. Ação civil pública: disposição irregular de resíduos sólidos (“lixão”). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1131, 6 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16704. Acesso em: 26 abr. 2024.

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