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Crime de responsabilidade.

Queixa-crime subsidiária proposta pelo Município contra ex-prefeito

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12/08/2006 às 00:00
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III – DO DIREITO

Com as práticas acima elencadas o querelado, obviamente, ofendeu o artigo 37, caput e inciso XXI da Constituição Federal, os artigos 2º, 3º 23 e 24 da Lei de Licitações e os artigos 4º, 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa, ferindo de morte o princípio da legalidade administrativa.

Entretanto, a principal ofensa por ele perpetrada feriu de morte o artigo 24, inciso II da Lei de Licitações:

"Artigo 24 - É dispensável a licitação:

...........................................................................................................................

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea a, do inciso II do artigo anterior, e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez; (grifamos)

Ora, Excelência, se a licitação é dispensável para serviços e compras até 10% (dez por cento) do valor que previsto na alínea "a" do inciso II do artigo 23, a contrariu sensu, para quaisquer gastos acima desse limite, a licitação é indispensável.

Então, se o valor referido no artigo 23 é de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), qualquer despesa que ultrapasse 10% (dez por cento) disso, ou seja, R$ 8.000,00 (oito mil reais), deverá, obrigatoriamente, ser precedida de licitação.

Acontece, porém, que cada um dos grupos de despesas acima elencados supera a cifra dos R$ 8.000,00 (oito mil reais) e, nenhuma delas estava acobertada por processo licitatório.

Está óbvio, então, que o querelado cometeu o delito previsto no artigo 89 da Lei de Licitações, pois dispensou a realização de procedimento licitatório em casos nos quais o mesmo era obrigatório:

"Artigo 89 – Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. " (grifamos)

Além do mais, verifica-se que o querelado ao efetuar despesas sem licitação no valor de R$ 93.435,15 com a aquisição de materiais de construção e de R$ 81.802,53 com a aquisição de peças o querelado infringiu, ainda, em concurso formal, o inciso XI do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 201/67:

"Artigo 1º - São crimes de responsabilidade dos prefeitos municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

........................................................................................................................

XI - adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei;

........................................................................................................................

§ 1º. Os crimes definidos neste artigo são de ordem pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de 2 (dois) anos a 12 (doze) anos, e os demais, com a pena de detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

§ 2º. A condenação definitiva em qualquer dos crimes definidos neste artigo acarreta a perda do cargo e a inabilitação, pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular." (grifamos)

Assim o é porque, nos termos do inciso II, alínea "b" do artigo 23 da Lei n.º 8.666/93, é devida a realização de licitação na modalidade "tomada de preço" para quaisquer compras acima de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

A posição da jurisprudência é unânime no sentido de que:

"PROCESSO-CRIME ORIGINÁRIO – Prefeito municipal que autoriza a realização de despesas sem a observância de procedimento licitatório. Configuração, em tese, do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/93. Situação que necessita ser melhor esclarecida no transcurso da respectiva ação penal. Denúncia recebida. (TJMG – Proc-Cr 000.284.493-4/00 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Sérgio Resende – J. 10.10.2002)" (grifamos)

"PENAL E PROCESSO PENAL – DENÚNCIA – PREFEITO – DESCUMPRIMENTO DE EXIGÊNCIAS LEGAIS PARA CONTRATAÇÃO DE OBRAS E SERVIÇOS – CRIMES PREVISTOS NO ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93 E ART. 1º, V, DO DECRETO-LEI Nº 201/67 – PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP – AUSÊNCIA DAS HIPÓTESES DO ART. 43 DO CPP – VIABILIDADE DA ACUSAÇÃO – IRRELEVÂNCIA DA APROVAÇÃO DAS CONTAS PELA CÂMARA MUNICIPAL – RECEBIMENTO DA PEÇA ACUSTÓRIA – I - Preenchidos os requisitos insertos no art. 41, e ausentes as hipóteses do art. 43, ambos do CPP, bem como demonstrada a viabilidade da acusação contra prefeito municipal pela prática dos crimes previstos no art. 89 da Lei nº 8.666/93 e art. 1º, V, do Decreto-Lei nº 201/67, face à alegação de descumprimento de exigências legais para contratação de obras e serviços, há de ser recebida a denúncia, instaurando-se a ação penal, pois configurando a conduta descrita, em tese, crime, não pode o juiz deixar de receber a peça acusatória. II - A aprovação das contas pela Câmara Municipal não se constitui óbice ao recebimento da denúncia apresentada contra prefeito, com base em irregularidades apontadas em parecer do tribunal de contas. III - Denúncia recebida. (TJMA – DEN 015215/2002 – (43.064/2003) – TP – Rel. Des. Cleones Carvalho Cunha – J. 12.02.2003)" (grifamos)

Ainda quanto ao delito previsto no Decreto-Lei n.º 201, deve-se ressaltar que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em sessão do seu Pleno, quando do julgamento do HC nº 70.671-1-PI afirmou expressamente que:

"II - A ação penal contra Prefeito Municipal, por crime tipificado no artigo 1º do DL nº 201, de 1967, pode ser instaurada mesmo após a extinção do mandato. III - Revisão de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal." (grifamos)

Neste mesmo sentido, decisão do Pretório Excelso no julgamento do HC nº 71.991-1-MG, de que foi Relator o Ministro Sydney Sanches, (DJU de 03/03/95, p. 4.105), cuja ementa reza:

"Penal - Processual Penal - Prefeito - Crime de Responsabilidade - D. L. 201, de 1967, artigo 1º: Crimes Comuns. I - Os crimes denominados de responsabilidade, tipificados no art. 1º do D. L. 201, de 1967, são crimes comuns, independentemente do pronunciamento da Câmara de Vereadores (art. 1º), são de ação pública e punidos com pena de reclusão e detenção (art. 1º, § 1º) e o processo é o comum, do CPP, com pequenas modificações (art. 2º). No artigo 4º, o D. L. 201, de 1967, cuida das infrações político-administrativas dos prefeitos, sujeitos a julgamento pela Câmara de Vereadores e sancionadas com a cassação do mandato. Essas infrações é que podem, na tradição do direito brasileiro, ser denominadas de crimes de responsabilidade. II - A ação penal contra prefeito municipal, por crime tipificado no art. 1º do D. L. 201, de 1967, pode ser instaurada mesmo após a extinção do mandato. III - Revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. IV - Habeas Corpus indeferido." (grifamos)

Assim, mesmo que tenha cessado o mandato eletivo do querelado, deve ele responder pelo delito do artigo 1º, inciso XI do Decreto-Lei n.º 201/67.


IV – LEGITIMIDADE DO QUERELANTE

Excelência, os fatos narrados acima foram objeto de oportuna comunicação ao Ministério Público da Comarca de Bocaiúva, através de sua Curadoria do Patrimônio Público.

Com efeito, logo após o término dos trabalhos de auditoria, com a confecção do respectivo Relatório, uma cópia do mesmo foi encaminhada à Curadoria do Patrimônio Público desta Comarca pelo Município de Guaraciama, capeada pelo Ofício n.º 127/05/GAB, datado de 01.08.2005.

Tal comunicação foi realizada tendo em vista o conteúdo do artigo 101 da Lei n.º 8.666/93:

"Artigo 101 – Qualquer pessoa poderá provocar, para os efeitos desta Lei, a iniciativa do Ministério Público, fornecendo-lhe, por escrito, informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência.

Parágrafo único. Quando a comunicação for verbal, mandará a autoridade reduzi-la a termo, assinado pelo apresentante e por duas testemunhas." (grifamos)

Apesar de o Município expressamente ter-se colocado à disposição para a prestar as informações e esclarecimentos eventualmente necessários, nos termos do artigo 47 do Código de Processo Penal, nada foi requisitado, nenhuma informação foi solicitada e não se teve notícia de instauração de qualquer procedimento investigativo pelo parquet.

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Certamente tal se deveu ao grande assoberbamento do Ministério Público, o que é perfeitamente compreensível já que nesta Comarca as atribuições cíveis e criminais lhe são cumulativas.

Diante de tal situação, o Município de Guaraciama viu-se compelido a solicitar esclarecimentos à Curadoria do Patrimônio Público, através do Ofício n.º 012/06/GAB, datado de 20.02.2006, cujo conteúdo indaga:

"ao tempo em que lhe apresento meus cordiais e respeitosos cumprimentos, sirvo-me do presente para solicitar a Vossa Excelência informações sobre se, no âmbito dessa d. Curadoria do Patrimônio Público, foi adotada alguma providência criminal relativa à notícia do cometimento, em tese, dos delitos capitulados no artigo 89 da Lei n.º 8.666/93 e no artigo 1º, inciso V do Decreto-Lei n.º 201/67 pelo ex-prefeito de Guaraciama, xxxxxxxxxxxxxx, conforme consta no Relatório de Auditoria Contábil encaminhado a Vossa Excelência em 27.07.2005, através do Ofício n.º 127/05/GAB.

Esclareço, por oportuno, que tal informação destina-se subsidiar a eventual propositura de ação penal privada subsidiária pelo Município, nos termos em que permite o artigo 29 do Código de Processo Penal." (grifamos)

Sucede, porém, que até a presente data tal pedido de esclarecimento encontra-se sem resposta, nenhum documento ou informação foi requisitado e, novamente, não se tem notícia da instauração de alguma investigação a respeito dos fatos.

Portanto, este, claramente, é caso de aplicação do artigo 103 da Lei de Licitações:

"Artigo 103 – Será admitida ação penal privada subsidiária da pública, se esta não for ajuizada no prazo legal, aplicando-se, no que couber, o disposto nos artigos 29 e 30 do Código de Processo Penal." (grifamos)

A jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, afirma que:

"PROCESSUAL PENAL – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – QUEIXA-CRIME – AÇÃO PÚBLICA SUBSIDIÁRIA – MINISTÉRIO PÚBLICO – INÉRCIA – POSSIBILIDADE – CORTE SUPREMA – PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS – O Supremo Tribunal Federal, em julgamento similar, entendeu que a omissão do ministério público federal, provocado oportuna e previamente para instaurar a ação penal por meio de representação, justifica o recebimento da queixa-crime subsidiária oferecida pelo ofendido já que, em se caracterizando como ação penal privada subsidiária não ocorreu a decadência. Omitindo-se o órgão ministerial em ofertar denúncia, requerer diligências ou requerer o arquivamento, como é o caso, exsurge o direito do particular legitimado para a causa dar início à ação penal subsidiária. Recurso provido. (TRF 5ª R. – RCr 317 – Rel. Juiz Castro Meira – J. 23.03.2000)" (grifamos)

"PENAL – PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE – AÇÃO PENAL SUBSIDIÁRIA – LEI 4898, DE 1965 – 1. Só terá cabimento a queixa-crime de que trata o art. 16 da Lei nº 4898/65, se ficar comprovada a inércia do Ministério Público. 2. Não há falar em omissão do Ministério Público se este, pelo fato de a representação não estar instruída com elementos de prova suficientes para a apresentação da denúncia, requer a instauração de inquérito para tal fim. (STF – HC 71.282 – SP – 2ª T. – Rel. Min. Carlos Velloso – DJU 18.11.1994)" (grifamos)

"HABEAS CORPUS. Crime de imprensa. ação penal publica condicionada a representação do ofendido, Desembargador do Tribunal de Justiça do Espírito Santo. ação penal privada subsidiaria em face da inércia do Ministério Público, que não pede o arquivamento da representação nem oferece denúncia contra o ofensor, Promotor Público do mesmo Estado, no prazo legal. A lei dá ao Ministério Público, na sua condição de dominus litis, as primícias; se ele deixar de atuar no prazo de lei, desveste-se do privilegio legal e enseja que, em seu lugar, passe a atuar o ofendido. Se, após, o Ministério Público acordar da letargia e pedir o arquivamento da representação, o tempo não retroage em seu favor, para que ele possa fazer o que deixou de fazer tempestivamente, e não desloca o ofendido diligente que substituiu o Ministério Público indolente. Recurso de Habeas Corpus, pretendendo o trancamento da ação penal privada subsidiaria por já ter o Ministério Público pedido o arquivamento da representação, a que se nega provimento. (Habeas Corpus nº 68430/DF, 2ª Turma do STF, Rel. Min. Paulo Brossard. j. 24.03.1992, DJU 08.05.92)." (grifamos)

Assim, como o Ministério Público manteve-se absolutamente inerte, deixando de requisitar informações, de realizar quaisquer diligências, de determinar a instauração de inquérito policial e de oferecer denúncia no prazo legal, legitimado está o Município de Guaraciama/MG para propor a presente ação penal privada subsidiária da pública.


V – DA COMPETÊNCIA

Excelência, com o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade que declarou a inconstitucionalidade da Lei n.º 10.628/02, ficou de uma vez para sempre assentado que a competência originária dos tribunais para julgamento dos crimes cometidos por prefeitos só perdura enquanto estes estiverem no exercício do cargo.

Assim, mesmo que os delitos aqui demonstrados tenham sido praticados pelo querelado quando no exercício de seu mandato eletivo, findo em 31.12.2004, o seu julgamento deverá ser realizado pelo juízo singular.

Em razão disso, vê-se que esse d. Juízo é absolutamente competente para processar e julgar a presente queixa.


VI – DOS PEDIDOS

Com o proceder acima mencionado, o querelado, na forma dos artigos 70 e 71 do Código Penal Brasileiro, violou o artigo 89 da Lei de Licitações e o artigo 1º, inciso XI do Decreto-Lei n.º 201/67, devendo, por isso, ser processado, julgado e condenado.

Para que se instaure a competente ação penal, requer-se que, distribuída e autuada esta, seja o querelado notificado para apresentação de defesa prévia no prazo legal.

Recebida a queixa, requer-se que seja o querelado citado para ser interrogado e apresentar a defesa que tiver, ouvindo-se as testemunhas abaixo arroladas e prosseguindo-se até final sentença condenatória.

Pede-se, ainda, seja concedida a oportunidade de provar o alegado por todos demais meios em direito permitidos.

Considerações mediante as quais,

pede e espera DEFERIMENTO.

Guaraciama, 06 de março de 2006.

Cédio Pereira Lima Júnior

Advogado – OAB/MG 97.392

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Sobre o autor
Cédio Pereira Lima Júnior

advogado, assessor jurídico do Município de Guaraciama (MG), procurador do Município de Montes Claros (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA JÚNIOR, Cédio Pereira. Crime de responsabilidade.: Queixa-crime subsidiária proposta pelo Município contra ex-prefeito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1137, 12 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16709. Acesso em: 25 abr. 2024.

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