EXCELENTÍSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO DA 2ª VARA JUDICIAL DA COMARCA DE PALMEIRA DAS MISSÕES/RS.
URGÊNCIA
Processo n.º: xxx
Natureza: Pedido de Prioridade Processual
xxxx, já qualificada nos autos do processo epigrafado, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, por sua procuradora infra-assinada, para que considere o
PEDIDO PARA PRIORIDADE PROCESSUAL, nos processos em que figura como parte, em andamento na 2ª Vara Judicial desta Comarca de Palmeira das Missões/RS, pelos fatos e fundamentos que passa a seguir a expor:
1. A Requerente, conforme provado na inicial deste processo encontra-se gravemente doente, tendo, a cada dia que passa, maiores informações a respeito do tratamento, do desenvolvimento dos sintomas, e das perspectivas da qualidade de vida que terá em futuro próximo.
2. Como já se provou, a Requerente sofre de "Esclerose Múltipla", doença crônica, não passível de cura. Na Esclerose Múltipla a fadiga é um dos mais freqüentes sintomas e incapacitantes, sendo que a sua prevalência varia consideravelmente no mundo. A América do Sul é considerada região de baixa prevalência (menor que 5 casos:100000 habitantes), ou seja, é rara no mundo, e mais rara ainda no Brasil.
3. A doença da Requerente é incapacitante com o passar do tempo, sendo, ainda, impossível precisar a evolução de cada caso. Existem, mesmo, estudos sobre a forma da abordagem médica quando da informação do diagnóstico, tão delicado o assunto, para isso citamos especialistas na área, em artigos recentes:
"A esclerose múltipla (EM) é doença neurológica caracterizada pela destruição da bainha de mielina no sistema nervoso central, o que resulta em uma série de sintomas motores e sensitivos, manifestados por surtos. A moléstia manifesta-se geralmente no início da idade adulta e, apesar de ter um curso variável, geralmente evolui para a incapacidade física e, conseqüentemente, psicológica do paciente. O cuidado de pacientes portadores de EM envolve muitas questões éticas com as quais o neurologista freqüentemente se depara. Estas incluem o momento do diagnóstico, como e quando contá-lo, decisões sobre uma futura gravidez, as conseqüências da progressão da doença e o seu manejo, a participação da família e o impacto do diagnóstico sobre ela, e os cuidados do paciente. Este trabalho pretende orientar o médico que aborda pacientes com EM, incrementando o relacionamento médico-paciente para que os problemas que surgirem com a evolução da doença sejam melhor contornados por eles. (...)
(...) Assim, são objetivos deste estudo: 1. Identificar os sentimentos e o conhecimento dos pacientes portadores de EM acerca da sua doença e, com isso, aprimorar o neurologista no relacionamento médico-paciente na EM; 2. Identificar as percepções que os neurologistas têm das necessidades dos pacientes.(...)
(...) Este trabalho mostrou que os pacientes querem saber seu diagnóstico, e a maioria acredita que o médico é quem lhe deve contá-lo. Um estudo anterior já confirmava este dado. Conhecer seu diagnóstico é um direito do paciente, estabelecido pelo Código de Ética Médica. No nosso estudo, todos os médicos disseram contar o diagnóstico aos seus pacientes, baseados, muitos deles, na premissa anterior. Nelson e Sencer acreditam que não há nenhum benefício médico concreto em contar o diagnóstico em casos leves e iniciais. Alguns médicos ainda acreditam que a descoberta do diagnóstico poderia causar depressão e suicídio. Entretanto, esta suspeita não foi confirmada. Outro ponto a ser considerado é a impotência que o médico sente quando se depara com uma condição ainda incurável. No entanto, o âmbito da Medicina são as necessidades humanas e para estas sempre há o que fazer." [01]
4. Portanto, como se pode perceber, os avanços da doença são, além de imprevisíveis, ainda avassaladores, pois a depressão e o risco de suicídio são causados não só pelo impacto da descoberta da enfermidade, como pelo próprio medicamento usado pela Requerente, o interferon beta, vejamos:
"Depressão e idéias suicidas são relatados na esclerose múltipla (EM). Alguns estudos demonstram que interferon beta pode aumentar sua freqüência. Relatamos o caso de um jovem de 21 anos com EM, sem história pregressa de distúrbios psiquiátricos, que vinha usando interferon beta-1a na dose de 11 mg três vezes por semana, com boa tolerância. A dose foi aumentada para 22 mg três vezes por semana após um novo surto. O paciente observou o aparecimento de fenômenos depressivos e idéias suicidas coincidindo com o aumento da dose. A suspensão da droga foi acompanhada de desaparecimento completo desses sintomas". [02]
5. A Lei, Excelência, é considerada a fonte primária do Direito, no entanto os Princípios são a fonte informadora, o norte para que o Legislador ampare esta lei mantendo-se na alma, no espírito da Constituição, obedecendo os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. Os Princípios Fundamentais, desta forma, são a pedra basilar para a construção de uma ordem social, política e jurídica desejada, e a breve leitura demonstra a compreensão do que se pretende organizar.
6. Aqui se pretende enfatizar o Princípio da Dignidade Humana, presente em nossa Constituição de 1988, e motivo de Estudo e Luta pela sua observação por todo o mundo.
Podemos citar, aqui a obra, de preciosa leitura: "La Dignidad de la Persona – como fundamento Del ordenamiento constitucional espanol", onde diz:
"Vemos, por tanto, que el concepto de dignidad trasciende, supera los lomites del ámbito jurídico. La perspectiva jurídica es solo uma de lãs posibles a la hora de contemplar la dignidad de la persona" [03]
7. O Princípio da Dignidade Humana, assim, traz implícitos uma série de direito que devem ser observados e garantidos, e, neste caso, se busca dar ênfase ao Direito à Saúde. A Requerente vem a juízo tentar fazer valer sua condição de gravemente enferma, buscando em outra fonte do Direito, qual seja a analogia, para ver o Princípio da Dignidade Humana plenamente satisfeito.
8. A saúde é direito de todos e dever do Estado Moderno Democrático de Direito, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, conforme disposto no art. 196 da Constituição de 1988. Objetivamos, como já dito sustentar a dignidade da pessoa humana, principalmente do portador de Esclerose Múltipla, na condição de valor fundamental que, segundo ensinamentos de Silva "atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais", [04] exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferir-se). Desse modo, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á lhe negando a própria dignidade.
Nos ensinamentos de Podlech,
[...] constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que, portanto, não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual não podem ser toleradas a escravidão, a discriminação racial, perseguições por motivos de religião, sexo, enfim, toda e qualquer ofensa ao princípio isonômico na sua dupla dimensão formal e material. [05]
9. A questão que se busca ver analisada por este juízo e seriamente considerada na análise do Pedido aqui formulado é a postura do Poder Público (e sua discrepância), em especial a do Poder Judiciário frente ao portados de Esclerose Múltipla.
10. A proposta de repensar a saúde está cristalinamente abordada no artigo publicado por Bolzan, Schwartz e Pilau Sobrinho. [06] Citam esses autores que "[...] dentro de um prisma jurídico-constitucional, a saúde não pode ser conectada com a morte, mas sim com a vida e, em especial, com a promoção de sua qualidade." Referem ainda que: "[...] a consolidação do direito à saúde como princípio constitucional ocorreu somente com a promulgação da Carta Magna de 1988." [07] A positivação do direito à saúde na Constituição Cidadã de 1988 mereceu comentários de Silva, pois o referido tema era considerado relevante no campo jurídico brasileiro, vez que achava ele "[...] espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem." [08]
11. A partir dessa expressão utilizada por Silva, aliado ao artigo 1º da CF/88, [09] começa a delineação do tema - direito à saúde -, dentro do Estado Democrático de Direito, subordinando o Estado à Lei e à Constituição. Por este prisma, o Estado Democrático de Direito, não restringe o Estado Social de Direito, pelo contrário, busca melhorar suas condições de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir, simbolicamente, como fomentador da participação pública. [10]
12.Conforme Canotilho e Moreira, o Estado Democrático de Direito está assim caracterizado:
1) constitucionalidade – o EDD tem a Constituição como instrumento básico de garantia jurídica;
2) organização democrática da sociedade;
3) sistema de direitos fundamentais individuais e coletivos;
4) justiça social – como mecanismo corretivo das desigualdades;
5) igualdade;
6) divisão de poderes ou de Funções;
7) legalidade;
8) segurança e certeza jurídica. [11]
13. Desta forma, cabe ao Estado Democrático de Direito a correção das desigualdades sociais. Nesse sentido, Streck afirma que:
O Estado Democrático de Direito representa, assim, a vontade constitucional de realização do Estado Social. É nesse sentido que ele é um plus normativo em relação ao direito promovedor-intervencionista próprio do Estado Social de Direito. Registre-se que os direitos coletivos, transindividuais, por exemplo, surgem no plano normativo, como conseqüência ou fazendo parte da própria crise do Estado Providência. [12]
14. O Estado Democrático de Direito procura transformar a realidade, em que a lei passa a ser um instrumento fundamental de mudança do status quo, fundamentada e baseada em vetores axiológicos tais, como os direitos fundamentais do homem (caso da saúde). [13]
15. É sabido que os princípios estruturam o sistema jurídico, pois são superiores às normas. A Constituição privilegia os direitos fundamentais do homem, "logo os direitos fundamentais do homem possuem evidente caráter vinculativo com relação ao legislador, ao poder público, aos órgãos administrativos, ao Poder Executivo, aos juízes, aos tribunais e, também, no âmbito das relações jurídico-privadas." [14]
16. O princípio da dignidade da pessoa humana atinge patamar de destaque, "servindo como diretriz material para a identificação de direitos implícitos (tanto de cunho defensivo como prestacional) e, de modo especial, sediados em outras partes da Constituição." [15] Esse princípio tão importante servirá para impor limites à atuação estatal, impedindo que o poder público viole a dignidade pessoal. Deverá o Estado zelar pela proteção e realização de uma vida digna para seus administrados.
17. Neste contexto, não restam dúvidas de que todos os órgãos, funções e atividades estatais encontram-se vinculados ao princípio da dignidade da pessoa humana, impondo-se-lhes um dever de respeito e proteção, que se exprime tanto na obrigação do Estado de abster-se de ingerências na esfera individual que sejam contrárias à dignidade da pessoa, quanto no dever de protegê-la (a dignidade pessoal de todos os indivíduos) contra agressões oriundas de terceiros, qual seja a procedência. [16]
18. Os portadores de Esclerose Múltipla vivem alheios à dignidade acima apontada, visto que são inúmeras suas pretensões indeferidas frente à Administração Pública, que se preocupa tão-somente em diminuir os gastos públicos, investindo na inércia ou falta de esclarecimento de grande parte das pessoas (com relação aos seus direitos), em uma flagrante inversão de valores, visto colocar em primeiro plano a questão financeira, em detrimento de direitos fundamentais do cidadão, como o são a vida e a saúde, constitucionalmente consagrada dentre essa modalidade de direito.
19. A Requerente clama pelo efetivo exercício da cidadania, devendo os órgãos competentes do governo (federal, estadual e municipal), realizar as providências necessárias para propiciar algumas facilidades aos portadores desta enfermidade, que muitas vezes sequer implica em aumentos de gasto aos cofres públicos, mas apenas uma mudança de postura, de cultura e de vontade política.
20.A Constituição de 1988 declara em seu art. 6º: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição." Silva cita:
E há de informar-se que pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito de um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais. [17]
Partindo da premissa abordada pelo autor, pode-se apontar algumas formas de inclusão social dos portadores de Esclerose Múltipla, com o intuito de vê-los revestidos de alguns direitos previstos na norma constitucional (explícita e implicitamente), leis infraconstitucionais, na doutrina e na jurisprudência.
21. Uma das formas de inclusão social do portador de Esclerose Múltipla, talvez o meio mais adequado de se falar dos direitos dos cancerosos, advenha da Declaração Universal dos Direitos do Homem. No preâmbulo desta Declaração pode-se constatar que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e, pensando em se proteger os direitos do homem, inspirou-se esta Declaração, imbuindo as nações a respeitar os direitos universais do homem, sua liberdade, promovendo o progresso social e melhorando a condição de vida dos cidadãos.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem afirma com clareza de que todos os homens são livres e iguais, possuindo direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. No seu artigo VIII diz: "Todo homem tem o direito a receber dos seus tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei." O seu artigo XXI, número 2 cita: "Todo homem tem igual direito de acesso ao serviço público de seu país." Ainda, o artigo XXV expõe: "1. Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médico e os serviços sociais indispensáveis, e direitos à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora do seu alcance."
Nota-se que a Declaração dos Direitos do Homem da ONU enuncia a saúde como uma das condições vinculadas à vida digna, bem-estar físico, mental e social, trazendo a idéia de qualidade de vida aos cidadãos que dela necessitam acesso, incluindo neste rol os portadores de câncer. Bolzan cita que a saúde pode ser vista:
[...] como um dos elementos da cidadania, como um direito à promoção da vida das pessoas, um direito a cidadania que proteja a sua pretensão difusa e legítima e não apenas curar/evitar a doença, mas de ter uma vida saudável, expressando uma pretensão de toda (s) a (s) sociedade (s) a um viver saudável, como direito a um conjunto de benefícios que fazem parte da vida urbana [...]. [18]
A Declaração Universal dos Direitos do Homem serviu para alicerçar as garantias dos direitos historicamente conquistados pelos homens, sendo que, a partir dela, foram positivadas inúmeras legislações garantidoras de direitos espalhadas pelo mundo. No Brasil esta Declaração serviu para alicerçar o conjunto principiológico/normativo elencado na Constituição Federal de 1988, sendo que a auto-aplicabilidade do artigo 196 desta Constituição é a segunda forma de garantir a inclusão social do portador de Esclerose Múltipla. Este artigo afere o direito à saúde (acesso aos remédios), "é um direito oponível ao Estado, ou seja, se o cidadão brasileiro pode exigir do Estado a prestação deste direito. Em verdade cabe desconstruir a idéia de que o art. 196 da CF/88 é de caráter programático." [19]
22. O Supremo Tribunal Federal (STF), no voto do Ministro Celso de Mello [20], recusa o caráter programático do art. 196 da Constituição Federal de 1988, pois o maior prejudicado, nessa hermenêutica, seria justamente aquele que conferiu ao Estado poderes para representá-lo e tratar de seus interesses: o povo.
Parte do acórdão proferido diz:
O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política – que tem, por destinatário, todos os entes políticos que a compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro – não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu improrrogável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado.
Somente para exemplificar: os direitos sociais (caso da saúde – art. 6º da CF/88) encontra-se elencados no Capítulo II do Título II da Constituição de 1988. E o título II da Carta Magna trata dos direitos e garantias fundamentais. Logo, se os direitos sociais estão insculpidos em um capítulo que se situa e que está sob a égide dos direitos e garantias fundamentais, é óbvio que os direitos sociais (como a saúde) são direitos fundamentais do homem e que possuem os mesmos atributos e garantias desses direitos.
A saúde é um direito fundamental do homem. [21] As normas constitucionais referentes à saúde são normas de aplicabilidade imediata e de eficácia plena. [22] A Constituição Federal de 1988 cita em seu art. 5º, § 1º: "As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicabilidade imediata." Então, "tal preceito deve ser analisado conjuntamente com o art. 5º, XXXV, da CF/88, que obriga o Poder Judiciário a decidir sobre o caso concreto (inafastabilidade do controle judiciário)." [23]
A saúde é direito fundamental explícito, por força do citado art. 5º, § 1º, CF/88. Sarlet cita que, "[...] a denegação dos serviços essenciais de saúde acaba - como sói acontecer – por se equiparar a pena de morte, sem crime, sem qualquer processo e, na maioria das vezes, sem possibilidade de defesa, isso sem falar na virtual ausência de responsabilização dos algozes, abrigado pelo anonimato do poder público." [24]
Com isso, conclui-se que todos os cidadãos portadores de Esclerose Múltipla possuem direitos de ter uma vida digna, bem como gozar do direito de solidariedade, uma vez que é dever do Estado, por força de disposição constitucional e infraconstitucional, o fornecimento de exames, medicamentos e aparelhos essenciais e indispensáveis à saúde e a própria vida, uma vez que o direito à saúde, pela nova ordem constitucional, foi elevado ao nível dos direitos e garantias fundamentais, sendo direito de todos e dever do Estado, possuindo aplicabilidade imediata todos os princípios e normas que regem a matéria.
23. No entanto, outra forma de garantir a inclusão social do portador de Esclerose Múltipla diz respeito ao andamento prioritário de processo judicial, adaptando a legislação processual civil aos anseios dos portadores de Esclerose Múltipla, como forma de beneficiá-los na tramitação de processos que seja parte pessoa portadora desta enfermidade, de maneira semelhante como aconteceu aos idosos, com a criação da Lei n.º 10.173, de 09/01/2001 [25], que acrescentou o artigo 1.211-A, B e C, na Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973, caso em que se vem perante Vossa Excelência evocar a analogia.
Veja na íntegra o que diz a Lei:
LEI N.º 10.173, DE 9 DE JANEIRO DE 2001 (DOU- 10/01/2001)
Altera a Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, para dar prioridade de tramitação aos procedimentos judiciais em que figure como parte pessoa com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos.
Art. 1º - A Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos:
Art. 1.211-A. Os procedimentos judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos terão prioridade na tramitação de todos os atos e diligências em qualquer instância.
Art. 1.211-B. O interessado na obtenção desse benefício juntando prova de sua idade, deverá requerê-lo à autoridade judiciária competente para decidir sobre o feito, que determinará ao cartório do juízo as providências a serem cumpridas.
Art. 1.211-C. Concedida a prioridade, esta não cessará com a morte do beneficiado, estendendo-se em favor do cônjuge supérstite, companheiro ou companheira, com união estável, maior de sessenta e cinco anos, (grifos nossos).
24. Acredita-se que o que levou o Estado a publicar esta lei foi a necessidade de criação de um mecanismo que pudesse beneficiar o idoso, por sua própria condição e expectativa de vida, sendo que muitas vezes os idosos faleciam sem ver seu direito concretizado. Se a fundamentação desta lei é tornar mais célere o desfecho do processo judicial envolvendo uma pessoa com menor expectativa de vida, com muito mais razão esta prerrogativa dever-se-ia estender ao paciente de Esclerose Múltipla, que em muitos casos tem uma sobrevida menor, se comparado ao idoso de sessenta e cinco anos.
25. O que não se quer ver é pessoas que possuem Esclerose Múltipla, investindo numerários em custas processuais e honorários advocatícios, deixando aos seus sucessores os frutos da sua luta, pois é muito cruel uma pessoa batalhar durante anos e não poder aproveitar quando ocorrer a efetiva prestação da tutela jurisdicional, reconhecendo direito que se pleiteava.
Entenda-se que não se é contra dar prioridade na tramitação processual aos idosos, muito pelo contrário, se propõe o alastramento da lei a mais beneficiários, como por exemplo, os portadores de Esclerose Múltipla, câncer, aids, hepatite C, etc.
26. Aliás, esperar todas as delongas processuais, recursos, manobras jurídicas procrastinatórias, prazo em dobro das entidades públicas, perícia seculares, e outros adereços jurídicos, pode ser considerado um luxo ao qual o portador de Esclerose Múltipla não pode se dar, mostrando a necessidade urgente de se promover mais uma alteração no Código de Processo Civil brasileiro, envolvendo os portadores de Esclerose Múltipla, vez que seu estado clínico constata a diminuição da expectativa de vida.
27. Percebe-se, então, que a saúde não se restringe mais à busca individual e passa a ter uma feição coletiva na medida em que a saúde pública passa a ser apropriada pelas coletividades como direito social, como direito coletivo, bem como alarga-se o seu conteúdo. [26] Essas formas de inclusão social do portador de Esclerose Múltipla levam ao diagnóstico de que a saúde está vinculada aos direitos fundamentais do cidadão, aproximando-se dos novos direitos de solidariedade, vez que incorpora um conjunto não identificável de titulares, fazendo parte do patrimônio comum da humanidade.
28.Tornar o acesso dos portadores de Esclerose Múltipla mais rápido e menos burocratizado garantir-se-á, ainda, os princípios constitucionais da isonomia, igualdade, liberdade, cidadania, dignidade da pessoa humana, justiça e inclusão social, dentre outros.
29. O tratamento igual, respeitando as desigualdades do indivíduo gravemente enfermo já é reconhecido em uma série de leis esparsas, como por exemplo, o privilégio concedido ao servidor público federal, que tem direito a aposentadoria, nos termos do artigo 186, § 1º da Lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990. [27] Da mesma forma o servidor aposentado com proventos proporcionais, se contrair Esclerose Múltipla, mesmo depois de aposentado, tem direito a receber proventos integrais, conforme preceitua o artigo 190 da citada lei. [28]
30. Ainda, é concedido o benefício de isenção do Imposto de Renda aos portadores de Esclerose Múltipla, vejamos o Decreto 3000/99, em seu art, 39, XXXIII:
RENDIMENTOS ISENTOS OU NÃO TRIBUTÁVEIS
Seção I
Rendimentos Diversos
Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto: (...)
XXXIII - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde
que motivadas por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de
moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose
múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia
irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson,
espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados de doença
de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de
imunodeficiência adquirida, e fibrose cística (mucoviscidose), com base em
conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída
depois da aposentadoria ou reforma (Lei nº 7.713, de 1988,
art. 6º, inciso XIV, Lei nº 8.541, de
1992, art. 47, e Lei nº 9.250, de 1995, art. 30, § 2º);
31. Dentre pos exemplos citados, poder-se-ia enumerar uma série de outros benefícios já legalmente concedidos, reconhecendo a necessidade de maior atenção do Poder Público ao portador de Esclerose Múltipla. Aqui, se busca a analogia para beneficiar o portador desta enfermidade gravíssima, evocando o Princípio da Dignidade Humana, para requerer à Vossa excelência a prioridade processual nos processos em que a Requerente figure como parte, quis sejam: o processo retro-citado e o processo de n.º 20/1.06.0001647-0.