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Advogada contesta elevador especial para juízes

12/12/2006 às 00:00
Leia nesta página:

Petição de advogada à diretoria de fórum judicial requerendo o fim da destinação especial de um elevador a juízes e promotores, tendo em vista o princípio da isonomia.

MERITÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DIRETOR DO FÓRUM DA COMARCA DE _____________________

                        "Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo, então somos companheiros". Che Guevara

                        Tatiane Basandulfo de Souza, brasileira, advogada regularmente inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil, seção Goiás, sob a inscrição nº 24.496, residente e domiciliada na Avenida XX, Qd.XX, Lt. XX, XX, Anápolis/GO, com fundamento no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea "a" da CFB/88, e o artigo 7º, inciso XI da lei 8.906/94, vem exercer seu DIREITO DE PETIÇÃO para que o Estado se manifeste acerca da legalidade do fato abaixo narrado, tomando, a posteriori, as providências cabíveis.


1.Fato

                        No prédio público com destinação especial de fórum da comarca de ___________, existe um elevador para acesso aos oito andares do prédio cujo uso é restrito a Juizes de Direito e Promotores de Justiça, sendo tal exclusividade estampada por uma placa na entrada do elevador de cada andar do prédio nos seguintes dizeres: privativo para Juizes de Direito e Promotores de Justiça, muito embora o artigo 5º, inciso II da CFB/88 seja conhecido por todos os estudiosos do direito que diariamente transitam pelo prédio, e sobejamente pelos exclusivos usuários do elevador.


2.Considerações Preliminares

                        A matéria referente ao direito de petição é tratada pelo ordenamento pátrio pelo artigo 5º, inciso XXXIV, alínea "a" da CFB/88, de observância compulsória por todos os órgãos públicos, nas três esferas de poder.

                        Art. 5º, inciso XXXIV, alínea "a": São a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

                        a)O direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder."

                        Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, o direito de petição é aquele pelo qual qualquer um faz valer junto à autoridade competente a defesa de seus direitos ou do interesse coletivo.

                        O exercício ao direito de petição não exige seu endereçamento ao órgão competente para tomada de providências, devendo, pois, quem recebe-la encaminhá-la à autoridade competente.

                        Sobre o campo de abrangência de tal instituto, Temístocles Brandão Cavalcanti assevera que o direito de petição é amplo, devendo a autoridade pública encaminhar esse pedido de forma a que sejam apuradas as irregularidades apontadas.

                        A lei 8.906/94, em seu artigo 7º expõe os direitos do advogado e dentre estes, o inciso XI trata do direito de reclamar, verbalmente ou por escrito, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento.


3.Fundamentos

                        Legalidade (Artigo 5º, inciso II da CFB/88)

                        Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

                        I -....

                        II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

                        Ninguém, brasileiro ou estrangeiro, pode ser compelido a fazer ou deixar de fazer, ou tolerar que se faça alguma coisa senão em virtude de lei. Qualquer comando estatal ordenando prestação de ato ou abstenção de fato, impondo comportamento negativo para ser juridicamente válido há que emanar de regra legal.

                        Apenas por meio das espécies normativas (art. 59 da CF/88) devidamente elaboradas pode-se criar obrigações para o individuo, por serem estas entendidas como expressões da vontade geral.

                        Apenas a lei em sentido formal pode impor às pessoas um dever de abstenção como o que tem sido exigido, ao se proibir qualquer pessoa que não possua título de Juiz de Direito ou de Promotor de Justiça de utilizar o elevador dentro do fórum. Normas infralegais, como Portarias, ainda que veiculadoras de regras gerais, impessoais e abstratas, não atendem à exigência constitucional.

                        O privilégio da vontade caprichosa dos detentores do poder há de cessar-se diante da falta de norma legal que autorize tal conduta.

                        Isonomia (Artigo 5º, caput, da CFB/88)

                        A igualdade constitui o maior signo da democracia, segundo José Afonso da Silva. Ocorre que a classe social detentora do poder não se beneficia com uma igualdade que fira seus privilégios sociais, e talvez por este motivo pouco tem se discutido acerca da igualdade entre as pessoas, preferindo-se sempre avocar quando se discute o tema, a famosa construção jurisprudencial de que não é discriminação tratar os desiguais com desigualdade, esquecendo-se de que as somente as leis podem autorizar discriminação entre as pessoas, e estas com respaldo na própria Constituição Federal, não podendo, desta forma, existir leis que estabeleçam diferenças não autorizadas pela Constituição, tão pouco é permitido situações fáticas de discriminação, eleitas a bel-prazer de quem discrimina, sem respaldo legal.

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                        Aliás, a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais. (artigo 5º XLI)

                        Sobre o assunto em tela não há norma constitucional ou infraconstitucional que permita tal discriminação entre as pessoas, assim, é forçoso concluir que o privilégio aqui questionado além de ferir o princípio da legalidade também agride o principio da igualdade.

                        A única desigualdade capaz de autorizar tratamento diferenciado entre as pessoas é a jurídica, estabelecida por lei, ancorada na Constituição Federal, já que a desigualdade social por si só, por mais que incomode a classe dominante, ainda não permite um tratamento de exclusão.

                        Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...

                        A discriminação autorizada pela doutrina e jurisprudência não se baseia apenas na satisfação pessoal de algumas pessoas em detrimento de outras, mas na efetiva necessidade de se estipular diferenciações, como as imunidades, os foros privilegiados e tantas outras vislumbradas na Constituição Federal, o que não ocorre no caso em tela, já que não é possível vislumbrar prejuízo a Juizes e Promotores em dividir momentaneamente um espaço físico com outras pessoas.

                        Assim, pelo respeito ao principio da legalidade e da igualdade, constitucionalmente entendidos, e para honrar nossa condição de conhecedores e respeitadores das leis, bem como defensores da justiça, ideal que nos conduziu a esta bela e árdua área do saber, é necessário retirar do elevador em questão a condição de privativo, permitindo que quaisquer pessoas, independente de titulo, cargo ou função possa utilizar-se do mesmo.


4.Pedido

                        Como nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluído de apreciação do poder judiciário, (art. 5º, inciso XXXV), necessário se faz que o Estado se manifeste acerca da legalidade do fato narrado, e uma vez concluído por sua ilegalidade, sejam tomadas às providências necessárias para que o serviço do elevador seja usufruído por todos os usuários do prédio, independente de cargo ou função.

                        _________________________________

                        Tatiane Basandulfo de Souza

                        OAB 24.496

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Sobre a autora
Tatiane Basandulfo de Souza

advogada em Anápolis/GO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Tatiane Basandulfo. Advogada contesta elevador especial para juízes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1259, 12 dez. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16738. Acesso em: 29 mar. 2024.

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