I – O ATO ILÍCITO
Documentação que examinamos revela que Procuradores de Justiça deixaram de receber de verba denominada "gratificação de função" (prevista no art. 124, IV, da Lei Complementar 72/94), por conta do chamado teto salarial. Deixou-se de pagar a verba sem qualquer ciência prévia dos interessados.
Será sustentado, na seqüência, que o ato em discussão deve ser questionado judicialmente, pela via do mandado de segurança, por ser ele profundamente INJUSTO e contrário ao Direito ("Direito injusto não é Direito. Poderá ser convenção humana, vontade de uma assembléia ou imposição de um ditador, mas, apesar dessa forma jurídica, apesar de ser elaborado segundo a técnica jurídica, ter todas as características formais da norma jurídica, se não tiver conteúdo justo, não é Direito" – Jacy de Souza Mendonça, "O curso de filosofia do direito do professor Armando Câmara, Porto Alegre, Sergio Fabris Editor, 1999, p. 127).
Sugere-se para o caso o mandado de segurança por ser ele uma garantia constitucional das mais relevantes, orientando a boa doutrina que o julgador, em casos tais, deve-se guiar pelo princípio fundamental que envolve o assunto, qual seja: "como, a um só tempo, remédio processual e garantia constitucional, o mandado de segurança, em seu cabimento e amplitude, há de ser admitido de forma amplíssima, tendo-se por ilegítimo tudo que amesquinhe tal parâmetro" (Sérgio Ferraz, "Mandado de Segurança", Malheiros, 1992, p. 16).
II – A EFETIVA PRESENÇA DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO
Explica-se tudo: os consulentes são membros da última classe da carreira do Ministério Público Estadual (símbolo MP-25), integrando a Procuradoria-Geral de Justiça e possuindo longo e fecundo histórico de serviços prestados à instituição ministerial. Em dezembro/98, com o advento da 1ª Emenda da Reforma Previdenciária (EC 20/98), os consulentes tiveram que tomar uma importante decisão: deveriam permanecer na Instituição ou deveriam requerer suas aposentadorias ? Optaram pela permanência, porque acreditaram que, assim agindo, seus direitos seriam preservados. Mas não é o que ocorreu, lamentavelmente, porque (desconsiderando-se o fato de que na data da vigência da aludida Emenda estavam os consulentes recebendo verba indenizatória pelo exercício de relevantes funções no âmbito da Instituição) se determinou o corte da verba, sem ao menos informar, por escrito, razão que os está levando a buscar o necessário controle jurisdicional de conduta administrativa em tudo e por tudo contrária à Constituição da República, como será demonstrado.
Violação do devido processo legal
De pronto já se vê que a garantia constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88) nem de longe foi observada, porque se determinou o corte abrupto, inesperado e ilícito de importante verba indenizatória (e se negou a restabelecer o pagamento), sem qualquer manifestação prévia dos consulentes, que de tudo somente foram informados após receberem os recibos mensais dos subsídios.
Tal conduta inobservou firme orientação da literatura especializada, quanto a que "para o desfazimento do ato que tenha repercutido na esfera patrimonial do cidadão, deve haver processo administrativo (devido processo legal), com oportunidade de manifestação prévia do interessado, o que, aliás, está assentado em jurisprudência" (João Batista Gomes Moreira, "Direito Administrativo: da rigidez autoritária à flexibilidade democrática", Ed. Fórum, Belo Horizonte, 2005, p. 273).
Referido apontamento doutrinário vem sendo consagrado pela jurisprudência do STF e do STJ, a saber:
"ATO ADMINISTRATIVO – REPERCUSSÕES – PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE – INTERESSES CONTRAPOSTOS – ANULAÇÃO – CONTRADITÓRIO. Tratando-se de ato administrativo cuja formalização haja repercutido no campo de interesses individuais, a anulação não prescinde da observância do contraditório, ou seja, da instauração de processo administrativo que enseje a audição daqueles que terão modificada situação já alcançada. Presunção de legitimidade do ato administrativo praticado, que não pode ser afastada unilateralmente, porque é comum à Administração e ao particular" (STF, 2ª T., RE 158.543/RS, rel. Min. Marco Aurélio, DJU 06/10/95, p. 33.135).
"CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ANISTIA. ATO ADMINISTRATIVO. REVISÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. (...) 2. A instauração de processo administrativo para anular atos sob a fundamentação de terem sido praticados com vícios insanáveis deve, contudo, em homenagem aos princípios norteadores do regime político democrático, seguir, com todo rigor, o devido processo legal (art. 5º, LV, da CF). 3. O Superior Tribunal de Justiça, no trato da questão, ao apreciar o ROMS nº 737/90-RJ, 2ª Turma, relatado pelo eminente Ministro Pádua Ribeiro, assentou que ‘Servidor Público. Ato Administrativo. Ilegalidade. I – O poder de a administração pública anular seus próprios atos não é absoluto, porquanto há de observar as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. II – Recurso ordinário provido’ (ROMS nº 737/90, 2ª Turma, DJU de 6.12.1993). 4. Mandado de segurança concedido" (STJ, 1ª Seção, MS nº 5,283/DF, rel. Min. José Delgado, DJ de 08/03/2000, p. 39).
Daí porque, só por este primeiro vício jurídico (de natureza formal), já seria possível e viável a concessão do mandado de segurança a ser impetrado. Mas existe muito mais, porque outros importantes temas jurídicos também deixaram de ser observados.
Direito adquirido e segurança jurídica
Recorde-se que os consulentes, à época da EC 20/98, preenchiam todas as condições para a obtenção da aposentadoria com proventos integrais (já haviam completado tempo de serviço e/ou tempo de contribuição), algo informado à autoridade e por ela não negado.
Sendo assim, resguardados permaneceram os direitos dos consulentes, especialmente quanto à manutenção do valor nominal e global dos subsídios que estavam a perceber. Os consulentes sempre acreditaram nesta situação, porque ela está regulada por norma constitucional, no caso o § 3º do art. 3º da EC 20/98, que se transcreve: "São mantidos todos os direitos e garantias assegurados nas disposições constitucionais vigentes à data de publicação desta Emenda aos servidores e militares, inativos e pensionistas, aos anistiados e aos ex-combatentes, assim como àqueles que já cumpriram, até aquela data, os requisitos para usufruírem tais direitos, observado o disposto no art. 37, XI, da Constituição Federal".
Por conta dessa firme previsão constitucional, nunca tiveram os consulentes motivos para deixar de acreditar que a Administração Superior do Ministério Público Estadual, representada pela autoridade, viria a adotar as condutas que serão combatidas, onde, de maneira ilegítima (porque sequer se deu ciência prévia do assunto aos consulentes), reduziu-se o valor global dos subsídios e se deixou de restabelecer o pagamento de verbas que estavam sendo pagas na data da vigência da EC 20/98, até por ser inequívoco que as funções estavam sendo desempenhadas pelos consulentes naquela data.
Ou seja: confiaram os consulentes na Instituição a que pertencem (orgulhosamente) há dezenas de anos (já estando no final de suas carreiras), confiaram na prevalência da norma constitucional (§ 3º do art. 3º da EC 20/98), confiaram em que, permanecendo em atividade, teriam mantidos os mesmos direitos que seriam garantidos se tivessem se aposentado, mas, lamentavelmente, o que se viu foi uma CONDUTA CONTRÁRIA AO DIREITO e de espírito NÃO REPUBLICANO, que precisa ser prontamente corrigida pelo Judiciário.
Constou do requerimento dos consulentes: "Ao invés de se aposentarem, os requerentes, que já haviam, à época da EC 20/98, preenchido todos os requisitos necessários previstos no regime jurídico vigente, mas optaram por permanecer em atividade e, agora, não podem ser punidos passando a perceber menos do que os que se aposentaram à época". Esta realmente é a verdade jurídica para o caso em discussão, algo que deflui da regra do § 3º do art. 3º da EC 20/98.
Os atos questionados, então, violaram, frontal e ilegitimamente, a garantia constitucional do DIREITO ADQUIRIDO, protegida por cláusula pétrea (inciso IV, § 4º, art. 60, CF/88), por estar incluída no capítulo dedicado ao tema dos Direitos e Garantias Fundamentais (art. 5º, inciso XXXVI, da CF/88), vez que se desatendeu direito que vinha sendo garantido aos consulentes há longo tempo e que não podia ser alterado pelo simples fato de ter havido a opção pela permanência no serviço público, ao invés da aposentadoria. "Direito adquirido" – segundo lição de IVO DANTAS ("Direito Adquirido, Emendas Constitucionais e Controle de Constitucionalidade", Ed. Lúmen Júris, 1997, p. 51) – "quer significar o direito que já se incorporou ao patrimônio da pessoa, já é de sua propriedade, já constitui um bem, que deve ser juridicamente protegido contra qualquer ataque exterior, que ouse ofendê-lo ou turbá-lo".
Realmente, do inciso XXXVI do art. 5º da Constituição – que acima de tudo visa garantir a estabilidade das relações jurídicas – se extrai que "o direito adquirido funciona como elemento estabilizador para proteger prerrogativas incorporadas e sedimentadas no patrimônio de seus titulares, almejando o ideário da segurança jurídica", como anotado por Uadi Lammêgo Bulos, em recentíssima e importante obra jurídica ("Curso de Direito Constitucional", Saraiva, 2007, p. 485).
Atuando da forma como aqui se questiona, também se olvidou, às completas, da noção de que "a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na realização da própria idéia de justiça material" (STF, MC 2.900/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 08.04.03).
Sim, aponta-se violação do princípio da SEGURANÇA JURÍDICA (intimamente vinculado ao direito adquirido) porque os consulentes sempre acreditaram que teriam seus direitos preservados, tanto que não se aposentaram e optaram em permanecer na ativa. Mas acabaram não vendo observado esse direito que é líquido, tranqüilo e certo, contrariando-se, a mais não poder, a lição consagrada dos doutos (Geraldo Ataliba, "República e Constituição", RT, 1985, p. 158), quanto a que o "O Direito é por excelência, acima de tudo, instrumento de segurança", bem como que "A surpresa é radicalmente repugnante aos postulados do Estado de Direito".
Os consulentes não poderiam assim ter sido tratados, decididamente. Os Procuradores de Justiça que se aposentaram à época da EC 20/98, pelo que sabem os consulentes, viram incluída a verba indenizatória (do art. 124, IV, da LC 72/94) nos seus proventos. Os consulentes, que não se aposentaram, não podem deixar de receber os mesmos 20% previstos legalmente, tanto que estavam a receber a verba após a EC 20/98, o que se prolongou por vários anos.
A situação toda, portanto, gerou quebra da necessária CONFIANÇA e PREVISIBILIDADE que se deve ter quanto às condutas estatais (ainda mais grave quando se trata de subsídio ou remuneração de agente público, que vive unicamente em razão do valor que recebe pela prestação do serviço público), gerando instabilidade e preocupação, com alteração radical sendo decretada depois de tanto tempo, reduzindo-se gravemente os subsídios em discussão, algo que bem caracteriza a situação retratada por NIKLAS LUHMANN ("Confianza", Barcelona: Anthropos, 1996, p. 5):
"Em muitas situações, o homem pode, em certos aspectos, decidir se outorga confiança ou não. Mas uma completa ausência de confiança lhe impediria inclusive levantar-se pela manhã. Seria vítima de um sentido vago de medo e de temores paralisantes. Inclusive não seria capaz de formular uma desconfiança definitiva e fazer dela um fundamento para medidas preventivas, já que isto pressuporia confiança em outras direções. Qualquer coisa e tudo seria possível. Tal confrontação abrupta com a complexidade do mundo é mais do que suporta o ser humano"
Verba indenizatória e o teto salarial
Mas ainda não é só. Considerou a autoridade que os consulentes não têm direito à gratificação de função de 20% sobre os subsídios porque estes "encontram-se no limite do teto constitucional fixado pelo artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal, não podendo ser deferido qualquer acréscimo adicional, sob pena de ultrapassagem da baliza constitucional, o que é vedado ao administrador público, uma vez que está adstrito ao princípio da legalidade".
Nada mais equivocado, porém. De ver, imediatamente, que a importante questão jurídica apresentada pelos consulentes foi resolvida à luz, unicamente, da interpretação LITERAL (pois se concluiu que eles não têm direito ao que postulam por conta do teto salarial, art. 37, XI), algo repudiado com firmeza pela boa prática jurídica ("a questão positivista resta superada pela mais odiosa das exegeses, qual, a literal" -- STJ, REsp 721.190, Min. Luiz Fux).
Em verdade, nunca deixou a Constituição Federal de excluir do limite remuneratório as VERBAS DE NATUREZA INDENIZATÓRIAS, como é por todos sabido. É o que se vê da redação original do art. 37, XI (ao falar apenas em "remuneração", o que exclui a indenização, que não representa acréscimo patrimonial ou renda). É o que constou do art. 37, XI, após a EC 19/98 (que falou em quaisquer outras espécies "remuneratórias"). Não mudou a orientação com a EC 41/03 (que continuou falando em quaisquer outras espécies "remuneratórias") e, por fim, com a EC 47/05 (que manteve a redação do art. 37, XI) tudo se reforçou ainda mais, com a inclusão do parágrafo 11 ao art. 37, assim redigido: "Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do ‘caput’ deste artigo, as parcelas de caráter indenizatórios previstas em lei" (veja-se que esta Emenda tem efeito retroativo à data da vigência da Emenda 41, de 2003 – art. 6º da EC 47/05).
Assim sendo, como pode ter sido considerado que os subsídios dos consulentes não deveriam ser restabelecidos (como não foram), por conta, única e exclusivamente, do argumento (equivocado) de que assim determinou a norma constitucional do teto salarial, sem se refletir, minimamente sequer, acerca da natureza indenizatória (assim caracterizada pela LC 72/94, art. 124, IV) dos 20% pagos a título da função de Coordenadores de Procuradorias de Justiça ?
Mesmo que assim não se considere, o que não se espera, correto será aplicar, à questão ora debatida, exatamente os mesmos fundamentos jurídicos que levaram o STF a recentemente invalidar a diferenciação de tetos remuneratórios para o Judiciário (trata-se da liminar concedida na ADIn 3.854). Realmente, para o caso ora tratado não há que se aplicar o teto de que falou a autoridade. Assim deve ser porque, sobre o assunto, "mutatis mutandis", manifestou-se o consagrado Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, em parecer a que tiveram acesso os consulentes, que, após revelar o caráter nacional e unitário do Ministério Público, destacou (em situação em tudo e por tudo favorável aos consulentes) que a aludida decisão do STF é aplicável ao Ministério Público dos Estados, bem como que "a ação direta de inconstitucionalidade proposta pela AMB não gerou um processo subjetivo no interesse apenas da magistratura, porque seu objetivo foi o da defesa da Constituição contra um ato que a maculava. Não sendo processo de parte, não sendo um processo concreto e subjetivo, mas um processo abstrato e objetivo, e, além do mais, tendo a decisão de inconstitucionalidade efeitos ‘erga omnes’, ela beneficia a todos os discriminados pela norma atacada".
A irredutibilidade salarial e a locupletação ilícita
E o que é o mais importante de tudo: o corte e o não restabelecimento do pagamento da vantagem prevista legalmente implicou em significativa redução dos subsídios dos consulentes, já que, de uma hora para outra, sem qualquer justificativa prévia, glosou-se parte daquilo que vinham percebendo (20% do total dos subsídios) e não se admitiu o retorno do pagamento da verba, o que implicou, sem dúvida, em desatenção ao direito fundamental à IRREDUTIBILIDADE SALARIAL.
São bem conhecidas as regras constitucionais que vedam a redução da remuneração do servidor público (art. 7º, VI; art. 37, XV; art. 39, § 3º, da CF/88), algo extensível aos membros do Ministério Público (a norma específica está no art. 128, § 5º, inciso I, alínea "c", da Constituição). De tão claro o assunto, já se decidiu, no âmbito do Tribunal de Justiça local, que a cláusula constitucional em referência de fato "veda toda e qualquer redução nas verbas salariais dos servidores" (Apelação Cível 2005.003879-8, Rel. Des. Rêmolo Letteriello, j. 03/05/05).
Não se acredita que isso será desconsiderado, dado ser regido o Poder Público, dentre outras normas jurídicas, pelo princípio da moralidade, razão pela qual não se pode, sob pena de violação desse magno princípio jurídico, LOCUPLETAR-SE À CUSTA DO TRABALHO ALHEIO (já que os consulentes poderiam estar aposentados, mas preferiram continuar prestando serviço público), sendo certo que "é regra geral, inserta no sistema jurídico pátrio, a que proíbe a locupletação à custa de outrem" (JTJ-Lex 157/11), apontando a doutrina (Jacintho Arruda Câmara, "Obrigações do Estado Derivadas de Contratos Inválidos", Malheiros, 1999, p. 84) que "o princípio geral da proibição do enriquecimento sem causa pode ser considerado universal. O forte traço ético e moral que o marca bem como sua vetusta aplicação são fatores que têm feito boa parte da doutrina sustentar ser este um verdadeiro preceito de direito natural, inerente à natureza humana ou à convivência social racionalmente normatizada", não se olvidando da forte presença desse princípio no regime jurídico pátrio, em razão de sua previsão no novo Código Civil (art. 884).
Ademais, sobre o assunto, o STF, recentemente, em famoso "leading case" (mandado de segurança 24.875, Rel. Min. Sepúlveda Pertence), apreciando o direito de Ministros aposentados daquela Corte quanto à manutenção de verbas que recebiam acima do teto salarial, concedeu a ordem para assegurar aos impetrantes, sob o pálio da garantia constitucional da irredutibilidade de vencimentos, a percepção do acréscimo de 20% sobre os proventos, o que se pede seja aqui observado.
A razoabilidade constitucional
Por derradeiro, ao se baixar o ato questionado, esqueceu-se de que, no exercício de função administrativa, há que se obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional. Vale dizer: são ilegítimas, e jurisdicionalmente invalidáveis, condutas DESARRAZOADAS, como a de que se fala, praticada "com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada" (Celso Antonio Bandeira de Mello, "Curso de Direito Administrativo", Malheiros, 4ª ed., p. 99).
A verdade é que não havia autorização alguma (da Constituição, bem interpretada) para se fazer o que se fez (glosando-se e negando-se o restabelecimento do pagamento de importante verba que compõe o subsídio dos consulentes), em frontal desatenção à noção de que os atos decisórios dos agentes estatais não podem ser fonte de injustiças e de perplexidades atentatórias ao paradigma de coerência exigido nas deliberações do Estado e de seus delegados, que sempre devem estar aprumados ao padrão aceitável de moralidade, de eficiência e racionalidade (Carlos Roberto de Siqueira Castro, "O Devido Processo Legal e a Razoabilidade das Leis na Nova Constituição do Brasil", Ed. Forense, 1989, p. 159).
III - CONCLUSÃO
À luz de todas as considerações retro-expostas, admitindo-se opiniões em contrário, é caso de questionar o ato ilícito que foi abordado neste estudo, pela via do mandado de segurança, na certeza de que será considerado que compete ao Judiciário fulminar todo e qualquer comportamento estatal ilegítimo, que desborde dos limites de liberdade que assistia à autoridade pública, mesmo porque, como é de correntio conhecimento, a defesa da Constituição "não se expõe nem deve submeter-se a qualquer juízo de oportunidade ou de conveniência, muito menos a avaliações discricionárias, fundadas em razões de pragmatismo governamental. A relação do Poder e de seus agentes com a Constituição há de ser, necessariamente, uma relação de incondicional respeito" (Celso de Mello, Prefácio da obra "Constituição do Brasil Interpretada", Alexandre de Moraes, Atlas).
Ademais, e essencialmente, parece mesmo ser "INCONCEBÍVEL QUE UM ESTADO DEMOCRÁTICO, QUE ASPIRE REALIZAR A JUSTIÇA, ESTEJA FUNDADO NO PRINCÍPIO DE QUE O COMPROMISSO PÚBLICO ASSUMIDO PELOS SEUS GOVERNANTES NÃO TEM VALOR, NÃO TEM SIGNIFICADO, NÃO TEM EFICÁCIA" (STJ, REMS 6183-MG, 4ª T., Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJ 08.12.95). Acreditaram os consulentes que não teriam seus subsídios reduzidos, tanto que permaneceram na ativa, mas foram fragorosamente desatendidos, o que exige a atuação do Judiciário, que saberá fazer prevalecer o que é certo em detrimento do abuso.