EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL E PRIVATIVA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE ILHÉUS-BA.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por intermédio de sua Promotora de Justiça, lotada na 8ª Promotoria de Justiça de Ilhéus, com endereço para intimações pessoais na Avenida Lomanto Júnior, 324, Pontal, Ilhéus, legitimada pelos artigos 129, inciso III, da Constituição Federal, 72, incisos I e IV, da Lei Complementar n.º 11/96 e com fundamento na Lei nº 8.429/92, vem propor perante Vossa Excelência a seguinte :
1.AÇÃO CIVIL PÚBLICA
2.CONTRA ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA,
pelo rito ordinário, em face de
J.S.R., brasileiro, casado, advogado, ex-prefeito municipal de Ilhéus, natural de Itabuna, nascido em xxxx, filho de J.F.R. e E.S.R., RG xxxx, CPF xxxxxxx, residente na Rua XX, s/nº, xx, Ilhéus;
P.C.M.R., brasileiro, casado, médico, CPF xxxxxxxxxx, residente na Rua XX, x, xx, ex-Secretário de Saúde deste Município,
C.A.M.P., brasileiro, solteiro, farmacêutico bioquímico, natural de Itabuna, filho de A.P.O. e C.M.P., RG xxxxxx, residente na Rua XX, x, apartamento XX, XX, Itabuna (BA),
Pelas razões a seguir aduzidas:
I - DOS FATOS:
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA instaurou o procedimento administrativo nº 45/05-IMP, com o fim de apurar a representação ofertada pelo Município de Ilhéus, apontando irregularidades na instalação e funcionamento de uma unidade municipal de produção de medicamentos, sem atender aos requisitos legais e técnicos necessários.
Referida Unidade, criada aos idos de 1999 (fl. 52) funcionou na Rua Júlio de Brito nº 225, Pontal, Ilhéus, até junho de 2004 (fl. 22), atravessando duas gestões do então Prefeito J.S.R. e tendo frente à pasta da Secretaria Municipal de Saúde o Dr. P.C.M. . A implantação e funcionamento do estabelecimento foram acompanhados pelo Dr. C.P., que o representava, assinando a maioria de seus documentos e apresentando-se diante dos órgãos de fiscalização (fls. 25, 28/30, 41/42, 46/48, 50/52, 56, 60, 62).
Durante seu funcionamento, foi alvo de fiscalização dos órgãos sanitários, que indicavam a legislação descumprida e apontavam as medidas a serem adotadas para regularização do estabelecimento.
Entre outros motivos que desencadearam a interdição e demais atos fiscalizatórios, verifica-se que o estabelecimento não possuía licença sanitária para o seu funcionamento nem autorização da ANVISA para fabricar ou manipular medicamentos. Não contava com certificado de regularidade do responsável técnico pelo estabelecimento perante o Conselho Regional de Farmácia (CRF).
Em relação aos medicamentos, não possuía registro de entrada, saída ou mesmo distribuição, apresentando problemas no armazenamento dos produtos, tendo sido localizado elevado número de medicamentos e insumos com a data de validade vencida ou próxima do seu vencimento (fl.05).
Inúmeras irregularidades técnicas foram detectadas no espaço físico da Unidade de Medicamentos, a começar por precárias condições de higiene e limpeza, prazos de validade dos medicamentos expirados, ausência de registros de calibração, controle nas balanças e instrumentos de precisão, o que acarretava o risco de contaminação cruzada.
Além destes, verificou-se que os uniformes dos manipuladores eram inadequados e havia falhas no sistema de exaustão nas áreas produtivas e de circulação, assim como nos equipamentos e procedimentos de produção e no controle de qualidade de matérias-primas utilizadas na unidade, entre outros pontos.
Igualmente o ofício nº 3.010/03, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, noticiou uma denúncia contra a Unidade de Medicamentos do Município de Ilhéus, por distribuição de medicamentos à população, através do Programa Farmácia do Povo, sem fazer constar nenhuma indicação quanto à fórmula, contra-indicações, efeitos colaterais e dosagens nas embalagens.
Diante desse quadro, a Vigilância Sanitária Estadual, com a emissão da notificação nº 39.130 (fl.28), determinou a paralisação das atividades de produção até a regularização da unidade perante os órgãos sanitários competentes.
Procedeu, ainda, à lavratura do auto de infração nº 041452 (fl.29) e do termo de interdição nº 00407 (fl.30) e condicionou o retorno das atividades à regularização do estabelecimento perante a 6ª DIRES, a quem competiria a concessão da licença de funcionamento.
A interdição do estabelecimento foi ratificada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), conforme ofício de fls. 44/45, como forma de proteger e promover a saúde da população, em risco pela exposição aos medicamentos produzidos na referida unidade.
Destaca-se que outras fiscalizações já tinham sido realizadas no estabelecimento: em junho de 1999 (fl. 51), detectou-se que não tinha documento legal de constituição como Unidade de Produção de Medicamentos nem comprovante legal de responsabilidade técnica; em 2002, fiscalizada pelo Conselho Regional de Farmácia, constatou-se a continuidade do funcionamento sem responsável técnico (fl. 41), situação que perdurou em 2003, gerando o auto de infração nº 36314 (fl. 38/39). Até que, em julho de 2003, foi autuada pela Vigilância Sanitária Estadual (fls. 29/30), culminando com a interdição do estabelecimento (fls. 25/28).
Entretanto, conforme relatório de fl. 22/23, apesar da interdição (fl.24), houve o rompimento dos lacres colocados pela fiscalização sanitária. Nesta oportunidade foi verificado o livre acesso à área de produção, a existência de um garrafão de água acoplado a um destilador e a utilização da unidade como depósito de medicamentos da Farmácia Básica Municipal.
A oitiva do segundo e terceiro réus não foi suficiente para afastar as infrações sanitárias constatadas.
O terceiro demandado, Dr. C.A.M.P., negou ser o responsável técnico pela unidade de produção de medicamentos, reconhecendo que sua formação como bioquímico não o habilitava a tanto. Apresentou-se como responsável pela gerência da assistência farmacêutica.
No entanto, apesar da negativa de responsabilidade sobre a Unidade de Produção, assinou diversos documentos oficiais onde admitia o desenvolvimento de medicamentos.
Exemplo disto é o ofício circular nº 01/02, datado de 26 de junho de 2002 (fl. 21) onde anuncia estar enviando papaína pó e digluconato de colerxidinia, a 1%, "desenvolvidos por nós da U.P.M" (sic), para serem usados em curativos nos atendimentos da Policlínica Halil Medauar. Nesse período, a Unidade de Produção de Medicamentos não contava com responsável técnico perante o CFR/BA (fl. 41), sendo objeto de infração por referida autarquia na data de 10-06-2002 (fl. 42).
Na mesma linha de sustentação, verifica-se que, apesar de indicar a existência de farmacêutico industrial responsável, o relatório de inspeção de fls. 25/27, que acompanhou o termo de interdição, consignou, expressamente, a falta de apresentação de certificado de regularidade do responsável técnico pelo estabelecimento perante o Conselho Regional de Farmácia.
Justificou o terceiro demandado a abertura e funcionamento da unidade de medicamentos pela inexistência de legislação completa sobre o tema. Negou a desobediência à interdição, esclarecendo que somente o almoxarifado continuara em funcionamento, o qual ficava defronte à unidade de medicamentos. (Termo de Declarações - fls.92/93).
Já o segundo demandado, Dr. P.C.M.R. confirmou a existência de uma unidade de medicamentos em Ilhéus, enquanto ele era Secretário Municipal de Saúde, a qual funcionara durante três a quatro anos, até ser lacrada pela ANVISA. Segundo ele, destinava-se à produção e distribuição de medicamentos para a população de baixa renda. Recordou que o medicamento diclofenaco conseguia ser produzido ao custo de 80 (oitenta) a 90 (noventa) por cento inferior ao de farmácias normais, confirmando sua produção e teste pela Unidade de Medicamentos de Ilhéus. Enfatizou que a distribuição feita pelo órgão era gratuita.
Assim como o terceiro demandado, negou o descumprimento da interdição, justificando a movimentação no local para fins de acesso ao almoxarifado da Secretaria de Saúde, situado aos fundos da unidade de medicamentos, já que a distribuição dos medicamentos continuou sendo feita normalmente. (Termo de Declarações -fls.94/95).
Destarte, ambos confirmam a instalação, o funcionamento, a produção e distribuição de medicamentos pela Unidade Municipal, sobre a qual tinham responsabilidade. A justificativa de ausência de legislação específica não ampara sua conduta, posto que a legislação existente data da década de 1970.
Mesmo que não tivessem confirmado tais fatos, a instalação e o funcionamento da unidade de medicamentos, inclusive em atividade de produção, restaram comprovados à fl. 21, por documento subscrito pelo segundo demandado, ou à fl. 55, pelo terceiro, quando indica a produção, em caráter experimental, de Maleato de Enalapril 10 mg, lote ME 10211, embora sem distribuição à população.
Novamente à fl. 69, o terceiro demandado lista outros medicamentos produzidos pela Unidade de Ilhéus, consistentes em quatro unidades de ácido fólico, com 30 cápsulas, 05 de podofililina, em frasco, dez cápsulas de AAS de 100g e cinco de 500mg; dipirona e paracetamol de 500 mg, em apresentação de cinco cápsulas, em nove itens. Apontou, ainda, a produção de pasta d´água sem mentol.
Ao longo do procedimento foram apontados como responsáveis técnicos pela unidade de produção de medicamentos a Dra.M.V.B., CRF-Ba nº xxxx, a Dra. S.S.S., CRF-Ba nº xxxx e a Dra. S.C.S.F., CRF-Ba nº xxxx, além do Dr. C.A.M.P., que assinou a maioria dos ofícios como representante da unidade municipal.
Em síntese, a unidade de produção e distribuição de medicamentos funcionava em meio a diversas irregularidades, com conhecimento e participação dos demandados, em claro desrespeito aos critérios legais para sua instalação, fiscalização e controle das atividades de produção, armazenamento e distribuição de medicamentos à população, gerando riscos à saúde pública, além de lesões efetivas ao erário.
O primeiro réu, enquanto gestor municipal, autorizou a contratação dos sucessivos responsáveis técnicos pela unidade de produção de medicamentos e as despesas que sua instalação acarretou, incluindo funcionários, matéria-prima, equipamentos, embalagens e outros insumos farmacêuticos e correlatos para possibilitar a produção experimental, em desconformidade com as normas regedoras. Note-se que o funcionamento da unidade de produção estendeu-se em dois de seus mandatos (1999-2004), demonstrando sua concordância com as atividades empreendidas pelo segundo e terceiro demandados.
Descabida solução extrajudicial, não resta outra alternativa senão o aforamento da presente Ação Civil Pública de modo a salvaguardar o interesse público envolvido, em atenção aos preceitos da Constituição Federal, da Lei de Improbidade e demais normas aplicáveis.
II – DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS:
2.1 Da legislação aplicável à produção e distribuição de medicamentos.
Segundo a Constituição Federal, em seu artigo 196, a saúde é direito de todos e dever do Estado e deve ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Já a Política Nacional de Medicamentos, como parte essencial da Política Nacional de Saúde, constitui um dos elementos fundamentais para a efetiva implementação de ações capazes de promover a melhoria das condições da assistência à saúde da população.
Dessa forma, tem como propósito garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais. Suas principais diretrizes são o estabelecimento da relação de medicamentos essenciais, a reorientação da assistência farmacêutica, o estímulo à produção de medicamentos e a sua regulamentação sanitária.
Assim observa e fortalece os princípios e os eixos constitucionais estabelecidos, explicitando, além das diretrizes básicas, as prioridades a serem conferidas na sua implementação e as responsabilidades dos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) na sua efetivação.
A Lei Federal nº 6.360/76, inteiramente recepcionada pela Carta Magna e incluída na Política Nacional de Medicamentos, trata da vigilância sanitária a que ficam sujeitos os medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, cosméticos, saneantes e outros produtos. Veda a produção de medicamentos sem autorização pelo Ministério da Saúde e licenciamento pelas autoridades sanitárias.
Assim dispõem seus artigos 2º e 50, in verbis:
Art.2º Somente poderão extrair, produzir, fabricar, transformar, sintetizar, purificar, fracionar, embalar, reembalar, importar, exportar, armazenar ou expedir os produtos de que trata o Art.1º as empresas para tal fim autorizadas pelo Ministério da Saúde e cujos estabelecimentos hajam sido licenciados pelo órgão sanitário das Unidades Federativas em que se localizem.
Art. 50. O funcionamento das empresas de que trata esta Lei dependerá de autorização do Ministério da Saúde, à vista da indicação da atividade industrial respectiva, da natureza e espécie dos produtos e da comprovação da capacidade técnica, científica e operacional, e de outras exigências dispostas em regulamento e atos administrativos pelo mesmo Ministério.
Exige, concomitantemente ao funcionamento, a presença de técnico responsável pela fabricação ou industrialização do produto (art. 8º), cuja responsabilidade pelos medicamentos produzidos é estendida para além do término das atividades, até o limite de um ano.
É o que sustentam os seguintes artigos do diploma legal referido:
Art. 53. As empresas que exerçam as atividades previstas nesta Lei ficam obrigadas a manter responsáveis técnicos legalmente habilitados suficientes, qualitativa e quantitativamente, para a adequada cobertura das diversas espécies de produção, em cada estabelecimento.
Art. 55. Embora venha a cessar a prestação de assistência ao estabelecimento, ou este deixe de funcionar, perdurará por um ano, a contar da cessação, a responsabilidade do profissional técnico pelos atos até então praticados.
Para a venda ou entrega a consumo de qualquer medicamento, exige o prévio registro no Ministério da Saúde (art. 12).
Tratando-se de drogas, medicamentos e quaisquer insumos farmacêuticos correlatos, produtos de higiene, cosméticos e saneantes domissanitários, tem-se que sua entrega ao consumo deve dar-se, obrigatoriamente, nas embalagens originais, especiais ou em reembalagens, desde que previamente autorizadas pelo Ministério da Saúde, salvo se não contiveram internamente substância que interfira na pureza e eficácia do produto. (arts. 11 e 60).
Já a bula de tais produtos é regulada pelo Poder Executivo, através de regulamento (art. 57).
Art. 57. O Poder Executivo disporá, em regulamento, sobre a rotulagem, as bulas, os impressos, as etiquetas e os prospectos referentes aos produtos de que trata esta Lei.
A inobservância dos preceitos da Lei Federal nº 6.360/76, de seu Regulamento (Decreto nº 79.094, de 05 de janeiro de 1977) e de normas complementares configura infração de natureza sanitária, cujo resultado é imputável a quem lhe deu causa ou para ela concorreu.
Já a Lei Federal nº 6.437/1977 define, em seu artigo 10º, as infrações à Legislação Sanitária Federal estabelecendo as sanções respectivas, que vão desde advertência, cancelamento do registro, de autorização e de licença, multa, apreensão e inutilização, suspensão de venda e/ou de fabricação do produto, proibição de propaganda até interdição parcial ou total do estabelecimento.
Dentre as infrações tipificadas, destacam-se as seguintes condutas:
I - construir, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, laboratórios de produção de medicamentos, drogas, insumos, cosméticos, produtos de higiene, dietéticos, correlatos, ou quaisquer outros estabelecimentos que fabriquem alimentos, aditivos para alimentos, bebidas, embalagens, saneantes e demais produtos que interessem à saúde pública, sem registro, licença e autorizações do órgão sanitário competente ou contrariando as normas legais pertinentes;
IV- extrair, produzir, fabricar, transformar, preparar, manipular, purificar, fracionar, embalar ou reembalar, importar, exportar, armazenar, expedir, transportar, comprar, vender, ceder ou usar alimentos, produtos alimentícios, medicamentos, drogas, insumos farmacêuticos, produtos dietéticos, de higiene, cosméticos, correlatos, embalagens, saneantes, utensílios e aparelhos que interessem à saúde pública ou individual, sem registro, licença, ou autorizações do órgão sanitário competente ou contrariando o disposto na legislação sanitária pertinente;
XIX - industrializar produtos de interesse sanitário sem a assistência de responsável técnico, legalmente habilitado;
XXV - exercer profissões e ocupações relacionadas com a saúde sem a necessária habilitação legal;
Por derradeiro, é pertinente invocar os princípios norteadores das relações de consumo, que têm por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia da própria relação.
No caso dos autos, restando comprovada a fabricação e a distribuição dos medicamentos produzidos na unidade municipal, mesmo de forma gratuita, a população local aparece na condição de destinatária final da atividade e assim merece, além das demais normas de proteção sanitária, proteção especial enquanto consumidora.
Afinal, estatui o artigo 6º da Lei nº 8.0878/90, os seguintes direitos do consumidor, dentre outros, apontando-os como básicos:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;
Deve-se ainda atentar para o disposto no artigo 8° do mesmo diploma legal, que não admite a colocação de produtos e serviços no mercado de consumo se acarretarem riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.
Define o §6º do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor os produtos impróprios ou inadequados ao consumo, in verbis:
§ 6° São impróprios ao uso e consumo:
I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;
II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;
III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.
Nessa esteira, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas, colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro)(Lei nº 8.078/90, art.39, inciso VIII).
Por fim o artigo 22 do mesmo diploma legal determina que os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
À época da interdição verificou-se que a atividade da unidade de produção do município de Ilhéus estava em desacordo com as diretrizes da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 134/2001 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Tal resolução visava determinar a todos os estabelecimentos fabricantes de medicamentos o cumprimento das diretrizes estabelecidas no Regulamento Técnico das Boas Práticas para a Fabricação de Medicamentos e a instituição do Roteiro de Inspeção para Empresas Fabricantes de Medicamentos.
É indiscutível, portanto, após a análise dos diversos dispositivos legais transcritos, a existência de legislação regulando a produção e distribuição de medicamentos, tanto sob o enfoque de fiscalização e atuação dos órgãos sanitários, como sob o perfil consumerista.
2.1 Da prática de ato de improbidade administrativa.
Como visto, a produção e a distribuição de medicamentos enquadram-se em um conjunto de leis, regulamentos e outros instrumentos legais direcionados para garantir a segurança e a qualidade dos produtos, em defesa do consumidor e do cidadão.
Insistir na instalação e funcionamento da Unidade de Medicamentos, inclusive após interdição pelos órgãos competentes, demonstra, no mínimo, o descumprimento do princípio da legalidade.
Participaram ativamente da conduta o segundo demandado, enquanto Secretário Municipal de Saúde, e Dr. C.P., responsável pela Unidade de medicamentos, sem a habilitação como Farmacêutico Industrial perante o Conselho Regional de Farmácia.
A Unidade de Medicamentos, entretanto, funcionou durante mais de três anos. Para sua implantação e operação, foram despendidos recursos públicos, os quais tinham de ser previstos no orçamento e autorizados pelo Gestor Municipal. Dessa forma, o então Prefeito Municipal de Ilhéus, Dr. J.S., consentia com a atividade de produção e distribuição de medicamentos realizada pelo estabelecimento, concorrendo com a conduta dos demais demandados.
A interdição do estabelecimento, por desrespeito às normas vigentes, reflete o gasto indevido em atividade experimental, com possibilidade de dano à saúde da população, consumidora final dos medicamentos, e com dano real ao erário público.
Dessa forma, além das infrações sanitárias, incidiram os réus na Lei nº 8.429/92, em duas de suas categorias de atos de improbidade: os que causam lesão ao erário e os que atentam contra os princípios da Administração.
Houve dano ao erário, dado ao investimento de recursos financeiros e humanos do Município de Ilhéus em tal idealização, irregular desde seu nascedouro, posto que não antecedida da necessária e indispensável autorização do Ministério da Saúde. A começar pelos custos da consultoria, advinda do Rio Grande do Sul, para sua implantação (fl. 93).
O comportamento adotado foi, no mínimo, incoerente com a conduta esperada do eficiente Administrador Público. Se ele não deve permitir a abertura de uma farmácia ou drogaria sem alvará de localização e funcionamento, alvará da Vigilância Sanitária e comprovação de contratação de farmacêutico, porque isto contraria a legislação, a exemplo da Lei Federal nº 5.991/73, quanto mais instalar, ele próprio, estabelecimento potencialmente danoso à saúde pública, sem autorização do Ministério da Saúde e dos órgãos de vigilância sanitária!
Portanto, a conduta dos réus é tipificada, inicialmente, no artigo 10, incisos II, e XI, da Lei nº 8.429/92:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
Pode-se afirmar, também, que incidiram em violação do artigo 11, caput, da Lei nº 8.429/92, ao atentar contra o princípio da legalidade, com dolo, no mínimo eventual. Afinal, iniciar a produção de medicamentos sem obter a licença dos órgãos sanitários e o registro dos produtos, em atividade experimental que durou mais de três anos, é, no mínimo, arriscar o resultado temerário à saúde pública. Note-se que o conhecimento e a formação técnica dos envolvidos não permite socorrerem-se da alegação de desconhecimento da lei ou invocar conduta realizada por imprudência, negligência ou imperícia.
O ato de improbidade administrativa, para acarretar a aplicação das medidas sancionatórias, exige a presença de determinados elementos, quais sejam: sujeito passivo (uma das entidades mencionadas no artigo 1º da Lei de Improbidade); sujeito ativo (o agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta), e a ocorrência do ato danoso, além do elemento subjetivo que pode ser tanto o dolo ou a culpa.
O sujeito passivo do ato de improbidade é o Município de Ilhéus, pessoa jurídica de direito público interno, e os sujeitos ativos do ato de improbidade, ora réus, foram agentes públicos à época dos fatos, nas posições de Prefeito Municipal de Ilhéus, Secretário de Saúde e Farmacêutico, todos responsáveis pela deliberação de instalação e funcionamento da unidade de medicamentos sem a devida observância das normas técnicas e legais exigidas para tanto, com dolo no agir.
Destarte, afirma-se que os demandados, Dr. J.S.R. e Dr. P.C.M.R., cada qual em sua função, aceitaram e contribuíram para continuidade de situação ofensiva ao erário público e aos princípios regedores da Administração Pública ao longo de mais de três exercícios fiscais, com a colaboração ativa e destacada do último demandado, Dr. C.A.M.P., na produção de medicamentos e funcionamento do empreendimento ora questionado.
III - DO PEDIDO PRINCIPAL E OUTROS REQUERIMENTOS:
Ante o exposto, demonstrando-se exaustivamente a veracidade das alegações, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE BAHIA digne-se Vossa Excelência a:
1.DETERMINAR a autuação desta inicial com os documentos que a instruem, notadamente o Procedimento Administrativo nº 045/05-Imp.
2.DETERMINAR, ainda, a notificação dos requeridos para manifestarem-se por escrito, querendo, no prazo de quinze dias (Lei n.º 8.429/92, art. 17, §7º);
3.Ultrapassada a fase de prelibação e com o recebimento da inicial, MANDAR CITAR os requeridos, pelo correio, nos termos artigo 222, caput, do Código de Processo Civil, para, querendo, responderem a presente ação no prazo legal, sob pena de confissão quanto à matéria de fato e sob os efeitos da revelia (Lei n.º 8.429/92, art. 17, §9º e artigo 285 do Código de Processo Civil;
4.DETERMINAR a citação da Fazenda Pública Municipal, através de oficial de justiça, para, querendo, integrar a lide, na forma do artigo 17, §3º, da Lei n.º 8.429/92, observando que esta citação deve preceder a dos demandados, para eventual posicionamento como litisconsorte ativo;
5.DISPENSAR o adiantamento, pelo autor, de custas, emolumentos, honorários periciais e outros encargos, à vista do disposto no artigo 18 da Lei nº 7.347/85;
6.DETERMINAR a realização das intimações desta subscritora dos atos e termos processuais de forma pessoal, mediante entrega dos autos com vista, na forma dos artigos 236, §2º, do Código de Processo Civil, 41, inciso IV, da Lei nº 8.625/93 e 199, inciso XVIII, da Lei Complementar Estadual nº 11/96, no endereço que figura no preâmbulo desta peça.
7) Ao final, JULGAR pela procedência da ação para:
7.1) CONDENAR os réus por ato de improbidade, na forma do artigo 10, caput e incisos II e XI, combinado com o artigo 11, caput, ambos da Lei n.º 8.429/92, aplicando-lhes, no que couberem, as sanções do artigo 12 do referido diploma legal, quais sejam: ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, nos limites em lei fixados.
7.2) CONDENAR os réus ao pagamento das custas processuais e demais parcelas decorrentes do ônus da sucumbência.
IV- DAS PROVAS
Pugna ainda pela produção de todas as provas admitidas pelo Direito, incluindo a prova documental, pericial, depoimento pessoal dos acionados e oitiva de testemunhas, cujo rol será oportunamente ofertado.
V- DO VALOR DA CAUSA
Dá-se à causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), para efeitos legais, já que se trata de direito difuso, de valor inestimável.
Nestes Termos,
Pede Deferimento.
Ilhéus, 14 de agosto de 2007.
KARINA GOMES CHERUBINI,
Promotora de Justiça.
MONIQUE MOINHOS DA SILVEIRA,
Estagiária do Ministério Público.