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Ação civil pública contra doação de imóvel público para construção de igreja

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26/03/2009 às 00:00
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III – DO PEDIDO LIMINAR

105 - Ademais, requer-se a concessão de medida liminar para fazer cessar os efeitos da Lei Municipal n. 2.552/2007, que autorizou a doação de bem de uso comum do povo à Igreja XXXXXXXXXXXXXXXXXXX/requerida, para a construção de seu templo religioso, em face da notória ausência de interesse público, desvio de finalidade do ato normativo e inegável afronta aos Princípios que regem a Administração Pública.

106 – O deferimento da tutela cautelar pressupõe a concorrência do fumus boni iuris e do periculum in mora, previstos na espécie.

107 - E estes requisitos estão presentes, pois, além das condutas dos requeridos se apresentarem flagrantemente inconstitucionais, ilegais e contrárias aos princípios da administração pública, não se pode permitir a continuidade das obras de construção do templo religioso manifestamente ilegal.

108 - No caso vertente, não resta qualquer dúvida sobre o direito alegado, demonstrado pela certeza dos fatos noticiados nestes autos de Procedimento Investigatório n. 014/2008 e evidenciados pela prova documental encartada, que denota a inobservância dos preceitos encartados na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional.

109 - O fumus boni iuris é manifesto e emerge do conjunto probatório incontroverso constante das peças informativas do Procedimento Preliminar n. 014/2008, em anexo, no qual se constata a evidente a ausência de interesse público a respaldar a referida doação, consubstanciando o desvio de finalidade na edição da lei (inconstitucional e ilegal) que autorizou a doação, para referendar a posse ilegítima da área pela Igreja/requerida, e a consequente violação dos Princípios da Legalidade, Moralidade, Impessoalidade, Eficiência e Supremacia do Interesse Público que deve nortear o agente público de todas as esferas de Poder, no desempenho de sua função pública.

110 - De igual forma, está configurado o periculum in mora, porque a Igreja donatária, em face da indevida (porque em flagrante inconstitucionalidade) aprovação da Lei Municipal n. 2.552/2007, sem, ao menos receber escritura pública e efetuar o registro da área, detendo apenas a posse do imóvel, tratou de dar início à construção irregular de seu templo religioso, em plena área pública destinada à construção de equipamentos urbanos.

111 - Somado à demora natural da tramitação do processo até o alcance de uma solução definitiva para a questão em litígio, que poderá resultar em irreparáveis prejuízos ao erário, inclusive porque a Igreja donatária, como dito, já está construindo e poderá, inclusive, ajuizar demanda indenizatória contra o Poder Público, lesando ainda mais a coletividade, faz-se necessário providenciar, urgentemente, a suspensão da continuidade de qualquer obra e edificação na referida área, sem prejuízo de posterior determinação de demolição das obras, até então, realizadas.

112 - Desta forma, no presente caso, é imperiosa a concessão urgente de imediata medida liminar com conteúdo tutelar preventivo, como previsto na conjugação dos arts. 4º e 12, ambos da Lei 7.347/85, pois estão, perfeitamente, caracterizados os seus pressupostos, consistentes no periculum in mora e no fumus boni iuris. Nesse sentido, se posiciona o ilustre RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO [14]:

"Conjugando-se os arts. 4º e 12º da Lei 7.347/85, tem-se que a tutela de urgência há de ser obtida através de liminar que, tanto pode ser pleiteada na ação cautelar (factível antes ou no curso da ação civil pública) ou no bojo da própria ação civil pública, normalmente em tópico destacado da petição inicial. Muita vez, mais prática será esta segunda alternativa, já que se obtém a segurança exigida pela situação de emergência, sem necessidade de ação cautelar propriamente dita". (Grifos nossos)

113 - Necessário, pois, uma tutela jurisdicional efetiva, seja à luz do princípio da prevenção que ilumina o tema da proteção ambiental, seja porque:

"Evindenciados o fumus boni iuris e o periculum in mora deve o juiz conceder liminar na ação civil pública." (Al n. 8.221, de Catalão, rel. Des. Charife Oscar Abrão – 3ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás – acórdão de 27.10.94) (grifos nossos)

114 - Nesse diapasão, ainda cumpre destacar que não há necessidade da oitiva dos Requeridos para o deferimento da liminar, pois a ação está sendo proposta contra os mesmos e não em desfavor do Município de Araguaína, razão pela qual não tem aplicação a esta Ação Civil Pública as disposições contidas na Lei n. 8.437/92, que versa matéria sobre a concessão de medidas cautelares contra ato do Poder Público.

115 - Verifica-se, pois, que nesta Ação Civil Pública é descabida a notificação do representante legal do Município de Araguaína para que se manifeste sobre o pedido liminar, visto que esta medida cautelar pretendida não é dirigida contra o referido ente, mas sim contra as pessoas (físicas e jurídicas) da ex-Prefeita Municipal, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, vereadores/requeridos, na gestão 2005/2008, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX e da donatária IGREJA XXXXXXXXXXXXXXXXXXX.

116 - Ademais, há evidente conflito entre os interesses do Município de Araguaína e o interesse dos requeridos, já que esta Ação Civil Pública visa recompor o patrimônio público municipal, lesado por atos de improbidade administrativa perpetrados pelos requeridos.

117 – Ante o exposto, requer o Ministério Público a concessão de MEDIDA LIMINAR, inaudita altera pars, para o fim de que:

a) seja determinado a IMEDIATA suspensão da validade e dos efeitos da Lei Municipal n. 2.552/2007 que autorizou sua doação à Igreja requerida de bem de uso comum do povo, pois eivada de ilegalidade e de inconstitucionalidade;

b) seja determinado à requerida IGREJA XXXXXXXXXXXXXXXXXXX a paralisação, IMEDIATA, de qualquer tipo de obra, edificação, transformação e uso na área de 1.700,00 m2, desmembrada da Quadra n. 06, integrante do Loteamento Manoel Gomes da Cunha e que consistia em uma praça pública, doada pelo Município de Araguaína, até final julgamento da lide, sob pena de multa diária de R$1.000,00 (Hum mil reais), acrescido de correção monetária;

c) seja expedido ofício ao Cartório de Registro de Imóveis de Araguaína, para que não proceda o registro de eventual escritura pública de doação do imóvel objeto da presente ação;

d) seja determinado ao Oficial de Justiça avaliador desta Comarca que providencie a IMEDIATA avaliação judicial da área objeto da presente ação, de modo a aferir o valor do dano causado ao erário público, que servirá de base para a reparação a ser suportada pelos requeridos;

e) seja oficiado ao responsável pelo Departamento de Posturas do Município de Araguaína, com cópia da liminar a ser deferida, a fim de que, por intermédio de seus agentes, fiscalize o cumprimento da decisão judicial até julgamento final da lide, bem como comunique ao juízo qualquer violação das determinações estampadas no item "b", praticando todos os atos administrativos eficazes à repressão, prevenção e correção das infrações, respaldados no exercício do poder de polícia, dentre eles a lavratura de auto de infração e o embargo das obras realizadas do local, considerando a inconstitucionalidade e a ilegalidade da Lei Municipal n. 2.552/2007;


IV- DOS PEDIDOS FINAIS

118 – Ex positis, requer o Ministério Público a procedência da ação face o acolhimento dos seguintes pedidos:

I) seja esta petição inicial autuada juntamente com os autos do Procedimento Preliminar n. 014/2008 que a acompanha, notificando-se cada um dos requeridos, para, querendo, apresentem manifestações preliminares, no prazo de quinze dias, nos termos do parágrafo 7°, do artigo 17, da Lei nº 8.429/92, com a observância de prioridade de tramitação no expediente por se tratar de tutela coletiva envolvendo interesse difuso de Defesa do Patrimônio Público (artigo 5º, LXXVIIII, da CF), com a devida anotação na capa e rosto dos autos;

II) a intimação pessoal do Ministério Público para acompanhar todos os atos praticados no processo civil ora instaurado, nos termos do artigo 236, § 2º, do Código de Processo Civil, e do artigo 41, inciso IV, da Lei n.º 8.625/93;

III) após o oferecimento de tal manifestação, ou transcorrido o prazo legal sem sua apresentação, seja recebida esta petição inicial por este Juízo de Direito, ordenando-se a CITAÇÃO PESSOAL dos requeridos para oferecimento de contestação, no prazo legal, sob pena de ser-lhes decretada a revelia, sendo presumidos como verdadeiros os fatos ora deduzidos, conforme disposto no artigo 17, § 9º, da Lei n.º 8.429/92;

IV) seja o Município de Araguaína notificado, na pessoa do Procurador Geral do Município, para tomar ciência do ajuizamento desta ação e, caso queira, integrar o polo ativo da mesma, conforme autorização do artigo 17, § 3º, da Lei n.º 8.429/92;

V) o reconhecimento da inconstitucionalidade incidental da Lei Municipal n. 2.552/2007 e a declaração de nulidade desta Lei, com efeito ex tunc, tendo em vista que este diploma legal, porque de efeitos concretos e não abstratos, reveste-se de vícios insanáveis, uma vez que é ostensivamente lesivo ao patrimônio público e aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, impessoalidade, supremacia do interesse público e eficiência, sendo ato normativo praticado com desvio de finalidade, com a consequente invalidação de eventuais atos administrativos praticados com base nesta Lei;

VI) que, após os demais trâmites processuais, seja finalmente julgado procedente, in totum, as MEDIDAS LIMINARES, nos termos e sob as penas requeridas;

VII)a condenação da requerida IGREJA XXXXXXXXXXXXXXXXXXX na obrigação de fazer consistente em DESOCUPAR, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação da sentença, toda a área de 1.700,00 m2, desmembrada da Quadra n. 06, integrante do Loteamento Manoel Gomes da Cunha e que consistia em uma praça pública, e RETIRAR todas as obras e benfeitorias (com remoção dos entulhos) construídas nessa área pública (bem de uso comum do povo), sob pena de execução específica as suas expensas e multa diária de R$1.000,00 (Hum mil reais), acrescido de correção monetária;

VIII)restando sopesada de forma contundente a prática de atos de improbidade administrativa cometidos pelos requeridos, seja julgada procedente a presente ação, para fins de responsabilização da ex-Prefeita Municipal, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX, dos vereadores/requeridos, na gestão 2005/2008, XXXXXXXXXXXXXXXXXXX e da donatária IGREJA XXXXXXXXXXXXXXXXXXX (desde que compatíveis com suas peculiaridades), na forma do art. 10, I, III, VIII e X, e art. 11, I, ambos da Lei nº 8.429/92, condenando-se os mesmos nas seguintes sanções descritas pelo art. 12, II, da Lei nº 8429/92 [15], as quais deverão ser aplicadas mediante critérios de proporcionalidade:

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- Ressarcimento integral do dano por todos os requeridos;

- Perda do bem acrescido ilicitamente ao patrimônio da Igreja/requerida;

- Perda de mandato, cargo ou função pública que a ex-prefeita municipal e os vereadores requeridos da gestão 2005-2008 estiverem porventura exercendo quando do trânsito em julgado da sentença;

- A suspensão dos direitos políticos da ex-prefeita municipal e dos vereadores requeridos da gestão 2005-2008 dos requeridos pelo prazo de 05 (cinco) a 08 (oito) anos;

- O pagamento de multa civil por todos os requeridos de até 02 (duas) vezes o valor do dano;

- Proibição a todos os requeridos de contratar com o Poder Público ou ainda receber benefícios ou incentivos fiscais ou crediticios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual sejam sócios majoritários, pelo prazo de 05 (cinco) anos;

IX)a condenação de todos os requeridos ao pagamento das custas finais e dos demais ônus da sucumbência, que serão convertidos aos cofres estaduais;

X)a reversão ao Fundo que trata o art. 13 da lei 7.347/85 do quantum a ser apurado em liquidação, correspondente às multas eventualmente fixadas com vistas ao cumprimento da ordem liminar e da sentença;

XI)no presente caso, pleiteia-se também o prequestionamento de todas as questões legais e constitucionais aduzidas, para fins de possibilidade recursal à Corte Superior, notadamente aos Colendos Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal;

XII) a observância do art. 18 da Lei 7.347/85 e do art. 27 do Código de Processo Civil quanto aos atos processuais requeridos pelo Ministério Público;

119 - O Ministério Público pretende provar os fatos alegados através de todos os meios de prova em direito admitidos. Após a devida angularização da relação jurídico-processual, concretizando comando do artigo 125, IV, do CPC, por se tratar de matéria eminentemente de direito, cuja eventual necessidade de dilação probatória é eminentemente documental (artigo 330, I, do CPC), desde já requer este Órgão Ministerial que o Juízo proceda ao julgamento antecipado da lide, sendo absolutamente desnecessária instrução do feito.

120 - Não obstante a lide abordar questão exclusivamente de direito, versando exclusivamente sobre prova documental, admitindo julgamento conforme estado do processo, como requerido, na hipótese de sobrevir fato superveniente diverso deste entendimento, requer e protesta o Ministério Público pelo direito de produzir todo e qualquer tipo de prova em direito admitido, em especial prova documental, pericial e testemunhal.

121 – Atribui-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para fins meramente fiscais.

Araguaína, 19 de fevereiro de 2009.

Marcelo Lima Nunes

-Promotor de Justiça-

Segue em anexo Procedimento Administrativo n. 014/08, contendo 225 folhas.


Notas

  1. In Improbidade Administrativa e crimes de prefeitos, p. 286, Ed. Atlas, 2003

  2. Recurso Especial nº 98.648-MG, Rel. Min. José Arnaldo, RT 745/210. No mesmo sentido, os Resp 67.148-SP, 31.547-9-SP, 167.344-SP e 158.536, entre outros.

  3. In Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed, RT, p. 1129, 1.997

  4. Op. cit., p. 288

  5. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, "Habeas Data", 13ª Edição, RT, p. 18.

  6. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Ação Civil Pública. 19ª ed. Editora Lúmen Júris, Rio de janeiro, 2008.

  7. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 13ª ed., São Paulo: RT, 2005, p. 421

  8. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 19ª ed. Editora Lúmen Júris, Rio de janeiro, 2008.

  9. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Editora Malheiros, 11ª edição, pg. 505.

  10. In Probidade Administrativa. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 313

  11. Op. Cit. p. 315/318

  12. In Improbidade Administrativa, aspectos jurídicos da Defesa do Patrimônio Público, ed. Atlas, 3ª edição, p. 76

  13. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 19ª ed. Editora Jumen Juris – Rio de Janeiro, 2008, p. 17.

  14. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública. Em defesa do Meio Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores. 9 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 268, 269.

  15. Sobre a aplicação da sanção em face da constatação de vários ato de improbidade administrativa, leciona Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves que: "Se dois ou mais ilícitos são praticados em concurso, ao mais nocivo deve ser cominada e aplicada uma sanção mais forte, a fim de que o ímprobo tenha sempre um motivo que o leve a parar no menos." (In: Improbidade Administrativa. 3ª ed., Editora Jumen Juris – Rio de Janeiro, 2006, p. 509.

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Sobre o autor
Marcelo Lima Nunes

Promotor de Justiça no Tocantins.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Marcelo Lima. Ação civil pública contra doação de imóvel público para construção de igreja. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2094, 26 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16884. Acesso em: 25 abr. 2024.

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