EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
A PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA em exercício, com fundamento no art. 102, I, "a" e "p", da Constituição Federal, e nos preceitos da Lei 9.868/99, vem propor AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de medida cautelar, contra o artigo 5° da Lei 12.034, de 29 de setembro de 2009, que "altera as Leis nºs 9.096, de 19 de setembro de 1995 - Lei dos Partidos Políticos, 9.504,de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, e 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral.
2. A presente inicial segue acompanhada de representação formulada pelo Colégio de Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais, cujas razões são aqui reproduzidas em sua quase totalidade.
3. O dispositivo impugnado é do seguinte teor:
"Art. 5° Fica criado, a partir das eleições de 2014,inclusive, o voto impresso conferido pelo eleitor, garantido o total sigilo do voto e observadas as seguintes regras:
§ 1° A máquina de votar exibirá para o eleitor, primeiramente, as telas referentes as eleições proporcionais; em seguida, as referentes às eleições majoritárias; finalmente, o voto completo para conferência visual do eleitor e confirmação final do voto.
§ 2° Após a confirmação final do voto pelo eleitor, a urna eletrônica imprimirá um número único de identificação do voto associado à sua própria assinatura digital.
§ 3° O voto deverá ser depositado de forma automática, sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado.
§ 4° Após o fim da votação, a Justiça Eleitoral realizará, em audiência pública, auditoria independente do software mediante o sorteio de 2% (dois porcento) das urnas eletrônicas de cada Zona Eleitoral, respeitado o limite mínimo de 3 (três) máquinas por município, que deverão ter seus votos em papel contados e comparados com os resultados apresentados pelo respectivo boletim de urna.
§ 5° É permitido o uso de identificação do eleitor por sua biometria ou pela digitação do seu nome ou número de eleitor, desde que a máquina de identificar não tenha nenhuma conexão com a urna eletrônica."
4. O art. 5°, caput, e § 2° da Lei 12.034, ao instituir a exigência do voto impresso no processo de votação, o qual conterá um número de identificação associado à assinatura digital do eleitor, fere o direito ao voto secreto, insculpido no art. 14 da Constituição da República.(1)
5. De acordo com a norma impugnada, o voto impresso pela urna eletrônica permitirá ao eleitor a sua conferência, através de um número único de identificação, que associará o conteúdo do Voto com a assinatura digital da urna.
6. A garantia da inviolabilidade do eleitor pressupõe a impossibilidade de existir, no exercício do voto, qualquer forma de identificação pessoal, a fim de que seja assegurada a liberdade de manifestação, evitando-se qualquer tipo de coação.
7. Sobre o tema, leciona José Jairo Gomes (2) que o voto no qual o eleitor é identificado, também denominado de aberto, a descoberto ou ostensivo, acarreta a restrição à liberdade do votante, que se torna alvo fácil de perseguições políticas. O sigilo do voto, por sua vez, assegura a probidade e a lisura do processo eleitoral, impedindo o suborno, a corrupção ou a intimidação do eleitor.
8. José Afonso da Silvai (3) aduz que o voto, para se constituir na legítima expressão da vontade do povo, bem como para se garantir seja função efetiva da soberania popular, há de possuir dois caracteres básicos: personalidade e liberdade. O primeiro significa que o eleitor deverá estar presente e votar ele próprio, não se admitindo votos por procuração ou correspondência. Já a liberdade de voto é fundamental para a sua autenticidade e eficácia. Observa ainda o autor:
"A garantia da liberdade do eleitor na emissão de seu voto exige que este seja secreto, como a Constituição prescreve no art. 14. O segredo do voto consiste em que não deve ser revelado nem por seu autor nem por terceiro, fraudulentamente. O eleitor é dono do seu segredo após a emissão do voto e a retirada do recinto de votação. Mas no momento devotar, há que se preservar o sigilo de seu voto, nem ele próprio pode dizer em quem votou ou como votou. É obrigação dos membros da mesa receptora não só oferecer condições para que o eleitor tenha respeitado 0 seu direito subjetivo ao sigilo da votação, mas também impedir que ele próprio o descumpra. É que o segredo do voto, sendo um direito subjetivo do eleitor, é outros sim uma garantia constitucional de eleições livres e honestas, porque evita a intimidação e o suborno, suprimindo, na raiz, a possibilidade de corrupção eleitoral, ou, pelo me- nos, reduzindo-a consideravelmente."(4)
9. Por outro lado, tem-se que o sigilo da votação também estará comprometido caso ocorra falha na impressão ou travamento do papel da urna eletrônica. Isso porque, sendo necessária a intervenção humana para solucionar o problema, os votos registrados até então ficarão expostos ao servidor responsável pela manutenção do equipamento. Ainda, num eventual pedido de recontagem de votos, será novamente possível a identificação dos eleitores votantes.
10. Portanto, verifica-se que o dispositivo questionado está em confronto com o direito subjetivo ao voto secreto, insculpido no art. 14 da CR, considerando que a impressão do voto permitirá a identificação dos eleitores, por meio da associação de sua assinatura digital ao número único de identificação impresso pela urna eletrônica.
11. Cumpre ainda destacar a possibilidade de ofensa à expressão "com valor igual para todos ", constante da parte final do art. 14 da CR, pelo § 5° do art. 5° da lei em exame.
12. Em todos os sistemas políticos democráticos, as urnas só podem receber um único voto por eleitor. No nosso atual sistema eleitoral, somente se abre a urna após a identificação do eleitor que irá votar. Para tanto, o presidente da seção executa o comando de abertura, após inserir o número do título na mesa receptora. Concluído o procedimento de votação de determinado eleitor, a urna é novamente fechada, a fim de que não possa mais receber outro voto. Tal procedimento garante a impossibilidade de alguém que não seja o próprio eleitor entrar ou permanecer na cabine, durante a votação. Além disso, assegura que a urna não possa receber mais de um voto da mesma pessoa ou de terceiros.
13. O § 5° do art. 5° da Lei 12.034, ao proibir a conexão entre o instrumento identificador e a respectiva urna, permite que essa fique constantemente aberta. O presidente da seção eleitoral não terá qualquer interferência em liberar ou não a urna. Como não é possível ingressar na cabine de Votação junto com o eleitor, haverá a possibilidade da mesma pessoa votar por duas ou mais vezes, contrariando a garantia da igualdade de valor do voto, prevista no art. 14 da CR.
PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR
14. Estão presentes os requisitos para a concessão da medida.
15. O fumus boni iuris está suficientemente caracterizado por todos os argumentos deduzidos nesta peça.
16. Já o periculum in mora decorre do fato de que, para a adequação dos atuais equipamentos de votação aos preceitos da Lei12.034, ora impugnados, será necessária a abertura imediata de procedimento de licitação, o que certamente trará graves prejuízos ao erário, caso seja posteriormente declarada a inconstitucionalidade da norma questionada, uma vez que não mais será possível devolver os equipamentos adquiridos, nem receber o montante a eles correspondente.
17. Por tais razões, requer-se cautelarmente seja suspensa a eficácia do art. 5° da Lei 12.034, de 29 de setembro de 2009.
PEDIDOS FINAIS
18. A requerente pleiteia, ainda, que, colhidas as informações necessárias, seja ouvido o Advogado-Geral da União, nos termos do art.103, § 3°, da Constituição da República, e, em seguida, seja-lhe aberta vista dos autos.
19. Requer, por fim, seja julgado procedente o pedido, a fim de seja a declarada a inconstitucionalidade do art. 5° da Lei 12.034/2009.
Brasília,18 de Janeiro de 2011
SANDRA CUREAU
PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA EM EXERCICIO
Notas
1. "Art 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...)"
2. GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. 3" ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 40.
3. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 33" ed. São Paulo: Malheiros, 2010
4. SILVA, José Afonso da. ob. cit. p. 359/360.