Recurso de apelação.

Averbação meramente declarativa à margem de matrícula imobiliária

23/08/2014 às 20:58

Resumo:

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  • Os recorrentes, idosos e semianalfabetos, outorgaram procuração ao seu único filho visando proteger seu patrimônio de possíveis coações ou falsificações.

  • O pedido de averbação da procuração à margem da matrícula dos imóveis foi negado, levando à suscitação de dúvida inversa, apesar de um parecer favorável do Ministério Público.

  • Argumenta-se que o rol do art. 167, II, da Lei de Registros Públicos é meramente enunciativo, permitindo a averbação para garantir a segurança jurídica e a publicidade necessárias, e solicita-se a reforma da decisão para permitir a averbação da procuração.


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Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Este recurso visa demonstrar que o art. 167, II, da Lei dos Registros Públicos é enunciativo. A averbação deve servir para segurança da realidade fática dos registros imobiliários.

Excelentíssimo Senhor Dr. Juiz do Foro da Comarca de W.

Ref. Autos nº  0000-00000

Código: XXXXX

CARACTERIZAÇÃO DO RÉU

RECURSO DE APELAÇÃO

que, após escoado o prazo de contrarrazões por parte da recorrida, haverá de ser endereçado à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado Z.

DATA.

RAZÕES RECURSAIS

Recorrentes: Fulano

Recorrida: Cicrano

Ínclito Desembargador,

Corregedor Geral de Justiça,

Tribunal de Justiça de Z.

I – DOS FATOS:

Os recorrentes, octagenários e semianalfabetos, possuem um único filho, que, aliás, reside no Estado K.

Os apelantes, após serem abordados por meliantes, passaram a temer perda do patrimônio, seja por coleta de assinatura mediante coação, ou por falsificação de todo gênero, o que os levou a outorgarem procuração para seu único descendente.

Além do mandato, lavraram escritura pública declaratória, noticiando a insegurança que paira em seus espíritos. Cuidando-se de que seus imóveis só possam sofrer alienação mediante a presença física de seu filho, com identificação biométrica.

Anelaram averbar à margem da matrícula a dita procuração, apenas para noticiar este fato a terceiro, em homenagem aos princípios registrais da publicidade e da segurança jurídica. Todavia, restara negado tal pleito pela recorrida, dando azo à suscitação de dúvida inversa.

Houve parecer favorável aos recorrentes pelo ilustre membro do  parquet  local. Entrementes, a sentença encrepada entendeu ter como improcedente o procedimento administrativo da dúvida, estribando-se na suposta taxatividade do art. 167, II, da Lei de Registros Públicos e, também, que a procuração não teria efeito direto no campo registral.

II – DA COMPETÊNCIA RECURSAL – PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO:

A jurisprudência deste sodalício ajunta:

“Conforme artigo 204 da Lei de Registros Públicos, o instituto da Suscitação de Dúvida constitui procedimento de caráter eminentemente administrativo, ou seja, em que não há contraditório, mas apenas uma divergência entre o requerente e o tabelião, a ser dirimida administrativamente pelo Juiz Diretor do Foro. Segundo dicção do item 1.2.5.1. da Consolidação das Normas Gerais da Corregedoria Geral de Justiça, compete à Corregedoria Geral de Justiça processar e julgar recursos contra decisões em procedimento de suscitação de dúvida”. (Ap. 4240/2013, Desa. Marilsen Andrade Addario, Segunda Câmara Cível, Julgamento 21/08/2013, DJE 30/08/2013).

Daí ser manejado este apelo para análise e julgamento pelo Desembargador Corregedor.

III – DAS RAZÕES DE REFORMA DA DECISÃO PROFLIGADA

III.1 – DO ROL ENUNCIATIVO QUE CONSTA NO ART. 167, II, DA LRP:

Giza o decisório recorrido:

“De acordo com a Lei de Registros Públicos somente são admitidos ao registro: Escrituras públicas; escrituras particulares, quando autorizadas por lei; atos autênticos de parses estrangeiros; e, titulas judiciais, cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de processos judiciais. O Artigo 221 da Lei de Registros Públicos se vale do advérbio ‘somente’, excluindo do acesso ao registro, todos os outros documentos estranhos aqueles acima enumerados” (sic).

A decisão em tela peca:

  1. O art. 221, nela citado, refere-se a registro e não a averbação;
  2. No campo das averbações – é bom que se diga –, tem-se espeque o art. 167, II da lei 6.015/73.

Cumpre indagar: o rol de atos averbáveis, ali assinalados, é taxativo ou enunciativo?

De há muito se entende pela mera enunciação, ou seja, pelo fato de o inciso II do art. 167 não esgotar a possibilidade de outras averbações. Leia-se – a propósito – excertos do Parecer XXX, Processo CG. XXX, de lavra do juiz da Localidade N, Dr. Beltrano, assim vazados:

“Hipóteses de averbação não previstas, de modo exaustivo, no artigo 167, inciso II, da LRP - são numerus apertus admitindo averbações enunciativas que, de qualquer modo, alterem o registro (art. 246 da LRP)

(...)

Já decidiu esta Corregedoria Geral da Justiça (Processo CG nº 167/2005) que as hipóteses de averbação previstas no artigo 167, II, da LRP são meramente exemplificativas, não constituindo numerus clausus, como se observa:

Averbação, como ensina Serpa Lopes, ‘serve, em princípio, para tornar conhecida uma alteração da situação jurídica ou de fato, seja em relação à coisa, seja em relação ao titular do direito real. Representa, além disso, uma medida complementar, tendente a, pelo meio aludido, tornar o Registro de Imóveis um índice seguro do estado do imóvel, do seu desmembramento, da mudança de numeração, bem como da mudança de nome do titular do domínio, das alterações que possam influir na sua capacidade etc.’ (Tratado dos Registros Públicos. 4ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Freitas Bastos, 1962, IV volume, p. 196).

(...)

Partindo, então, da publicidade, cumpre lembrar que, nesse enfoque funcional, o registro imobiliário também atua como elemento de informação jurídica da situação do imóvel e, conseqüentemente, quanto maior for a concentração de informações relativas ao imóvel no fólio real, maior será a proteção dos terceiros interessados na aquisição do prédio”. (ausentes reticências na fonte).

Nada melhor, portanto, a averbação da procuração dos apelantes à margem da matrícula dos imóveis. Assim, todos os terceiros terão ciência que a venda de tais bens de raiz somente poderá se dar na pessoa do procurador, mediante identificação biométrica, fornecendo publicidade máxima e indiscutível segurança jurídica. Do contrário – e ninguém ignora a presença de procurações/escrituras públicas falsas neste país continental –, as eventuais nefastas transações serão coarctadas com a medida averbatória, isso implica dizer que somente alienação desses bens materializar-se-iam na presença do procurador por eles incumbido, seu único filho!

         

Vem à tona o parecer supramencionado:

“Assim, a centralização de informações específicas na matrícula do imóvel atua no sentido de aumentar a segurança do tráfico imobiliário, o que justifica ‘la máxima amplitude’ do registro imobiliário.

Por isso, partindo dessa necessidade de centralizar as informações de dados específicos relativos a atos ou situações jurídicas que atingem o imóvel, conjugada com a conveniência de ampliação das informações do registro imobiliário, a funcionalidade publicitária do registro predial é refletida na funcionalidade registrária da inscrição, ampliando as hipóteses de ingresso desses dados específicos na matrícula, especialmente por via de averbação.

Ressalte-se que, embora (...) não esteja prevista no rol do art. 167, II, da Lei nº 6.015/1973, como ocorrência que autoriza averbação na matrícula do imóvel, esta resta ainda assim possível à luz do disposto no art. 246, caput, do mesmo diploma legal.

Efetivamente, nos termos da referida norma, “Além dos casos expressamente indicados no item II do art. 167, serão averbadas na matrícula as sub-rogações e outras ocorrências que, por qualquer modo, alterem o registro”.

          Ora, se a decisão combatida houvesse se aprofundado mais no assunto, como o fizera concisamente o digno promotor de justiça, teria acolhido a suscitação da dúvida inversa, por se ajustar à corrente de pensamento contemporâneo, que dista da velha ritualística dos cartórios da colonização Luso-Brasileira.

          Sinteticamente, o art. 167, II, da LRP, é meramente enunciativo, não guarda nenhum contorno de taxatividade, ou seja, não impede averbação de procuração à margem da matrícula.

          Mutatis mutandis, harmoniza-se com a moderna doutrina registral de Luiz Guilherme Loureiro, em seu Registros Públicos: Teoria e Prática, Editora Método, 5ª ed., p. 586, in verbis:

“Também é objeto de averbação a declaração de indisponibilidade do bem imóvel. O protesto contra a alienação de bens visa resguardar direitos e prevenir responsabilidade, mas não impede a realização de negócios jurídicos. Destarte, a averbação, no Cartório de Registro de Imóveis, de protesto contra alienação de bem, está dentro do poder geral de cautela do juiz (art. 798 do CPC) e se justifica pela necessidade de dar conhecimento do protesto a terceiros, prevenindo litígios e prejuízos para eventuais adquirentes (Corte Especial, EREsp 400.837/RS e RMS 28290 – STJ/RN, DJe 18.05.2009).

A averbação do protesto de alienação de bens, portanto, não torna o imóvel inalienável, mas tem natureza meramente acautelatória, isto é, previne terceiros interessados em adquirir o bem sobre a possibilidade de futuro litígio judicial”.

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Arremata-se, ponderando que o PODER GERAL DE CAUTELA do juiz, na hipótese deste recurso, dará ensanchas que ocorra averbação, nos moldes propugnados, máxime para se evitar futuros litígios e incertezas não aplacados em tempo certo.

III.2 – DA AVERBAÇÃO DE SITUAÇÃO FÁTICA NO ÂMBITO REGISTRAL – POSSIBILIDADE – PROVIMENTO 37 DO CNJ – ANALOGIA:

Os fatos relevantes devem ser averbados, exatamente para propiciar o máximo de segurança jurídica e publicidade possíveis, mormente em um Estado Democrático de Direito, que prima pela transparência e pleno acesso às informações.

Não é por outra razão que o Conselho Nacional de Justiça baixou o Provimento 37/14, de jeito que as uniões estáveis sejam também averbáveis, exatamente em prol da segurança jurídica. Por analogia não pode haver tratamento díspar entre a questão de família e a dos direitos reais, pois ambos são essenciais à uma vida harmônica em sede de comunidade.

Sendo assim, a procuração firmada pelos recorrentes a seu filho tem nítido escopo de proteção imobiliária, isto é, relaciona-se à evitação de um ato translativo de direito fraudulento. De modo que, indiscutivelmente, o mandato em epígrafe atina-se com o viés de coibir indevida alteração no registro, que se dará por ato que não reflita a real vontade dos recorrentes, idosos e semianalfabetos.

Não se pode crer que o Poder Judiciário, mantenedor da fiscalização das serventias extrajudiciais abra, por suposta falta de amparo legal, brecha para lides de eventuais anulações de vendas, sem que se observe que a averbação da procuração retratará segurança, publicidade, atos malsinadores de interesses de idosos.

Aliás, como se depreende da Escritura Pública Declaratória anexa aos presentes autos, a bem da verdade, os recorrentes pretendem fixar como condição para a alienação de seus imóveis a sua representação por seu único filho, garantindo-lhes, diante de sua idade e simplicidade, que terceiros de má-fé não realizem com eles negócios jurídicos sem a presença de seu guardião.

Para tanto, utiliza-se, mais uma vez, da ensinança de Luiz Guilherme Loureiro, ob. cit., p. 591, onde obtempera que:

“No entanto, é possível a averbação do advento da condição, a requerimento do interessado”.

Cumpre registrar, ainda, que se averbada a procuração em referência, nenhum prejuízo traz a terceiro, ao contrário disso, só fomentará que o filho dos apelantes seja o responsável único, pela gestão dos seus bens imóveis. Sendo o presente ato de caráter administrativo, aplica-se o Código de Processo Civil, nestes termos:

“Art. 1.109. O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna.”(grifou-se).

O que é mais oportuno e conveniente: averbar a procuração dos apelantes à margem da matrícula e evitar litígios futuros, ou, de revés, em nome de uma famigerada legalidade estrita – que, enfatiza-se, inexiste no caso do art. 167, inciso II, da Lei 6.015/73 – negar este pleito e desproteger o patrimônio imobiliário de cidadãos idosos e semianalfabetos?

IV – DO PEDIDO:

Ante o exposto, requer se digne Vossa Excelência em prover este recurso, reformando a decisão invectivada, para viabilizar a averbação da procuração à margem da matrícula, tal como formulado no procedimento da dúvida inversa e reverberado pelo parecer do Ministério Público, que funciona como o curador dos registros públicos.

  

DATA.

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Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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