Ação Civil Pública contra a VIA BAHIA e outros, visando melhorar a iluminação pública em BR federal

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03/09/2018 às 18:57
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VI – DO DIREITO

DO INADIMPLEMENTO CONTRATUAL

Em 2008, foi publicado o Edital 001/2008, que previa a celebração de contrato pela UNIÃO, a AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT e a concessionária que seria escolhida através de leilão. Na oportunidade, foi selecionada a VIABAHIA CONCESSIONÁRIA DE RODOVIAS S.A. para administrar o trecho Salvador – Feira de Santana da BR-324 por 25 anos. O objeto do Edital era o delineado abaixo:

1 Objeto do Edital

1.1 O objeto do Edital é a concessão do serviço público de recuperação, operação, manutenção, conservação, implantação de melhorias e ampliação de capacidade do Sistema Rodoviário, nos termos, no prazo e nas condições estabelecidas na Minuta do Contrato, incluindo, mas não se limitando ao Anexo 2 da Minuta do Contrato.

1.2 A Concessão será remunerada mediante cobrança de Tarifa de Pedágio e Receitas Extraordinárias, caso ocorram.

Dentre as obrigações contratuais da concessionária, estava o gerenciamento dos riscos da execução do contrato, como dispõe a Cláusula 19.1.1:

A Concessionária é integral e exclusivamente responsável por todos os riscos relacionados à Concessão, à exceção dos riscos indicados na subcláusula 19.1.3.

Válido ressaltar, ainda, que a previsão de roubos, furtos e destruição dos bens da concessão era um risco expressamente previsto e assumido pela Contratada na Cláusula 19.1.2, (VIII), a seguir descrita. Ademais, o inciso (V) desta mesma cláusula faz referência aos custos excedentes que podem advir na execução do objeto. Vejamos:

A Concessionária é responsável, inclusive, mas sem limitação, pelos seguintes riscos: [...]

(V) custos excedentes relacionados às obras e aos serviços objeto da Concessão, exceto nos casos das hipóteses previstas na subcláusula 19.1.3; [...]

(VIII) perecimento, destruição, roubo, furto, perda ou quaisquer outros tipos de danos causados aos Bens da Concessão, responsabilidade que não é reduzida ou excluída em virtude da fiscalização da ANTT; […] (grifos nossos)

Dessa forma, ciente de suas responsabilidades, a concessionária acordou que não faria jus à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, caso quaisquer dos riscos por ela assumidos viessem a se materializar2.

Todavia, instada a se manifestar, a VIABAHIA CONCESSIONÁRIA DE RODOVIAS S.A. a todo tempo afirmou que, devido aos vandalismos contra as instalações e furtos recorrentes de cabos, a contínua compra de novos materiais teria se tornado excessivamente onerosa, além de fugir às suas obrigações previstas no instrumento contratual.

Ocorre que, em conformidade com a Cláusula 14.10 do Contrato, a VIABAHIA é obrigada a disponibilizar à ANTT verba anual não inferior a R$ 683.820,00 (seiscentos e oitenta e três mil oitocentos e vinte reais), destinada exclusivamente à segurança de trânsito, envolvendo programas para prevenção de acidentes e até mesmo aparelhamento para a Polícia Rodoviária Federal.

Para fins de restabelecimento e adequação do serviço, o Município de Salvador notificou este órgão ministerial acerca do envio de ofícios para a VIABAHIA (Of. Ext. 90/2017) e para a ANTT (Of. Ext. 31/2016 e 87/2017), o que não foi suficiente para resolução da controvérsia. A atuação da AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES – ANTT demonstrou-se incipiente, embora seja ela a agência responsável por fiscalizar os serviços prestados e pela manutenção dos bens arrendados. Suas atribuições estão previstas na Lei n. 10.233/2001, cujo art. 24 dispõe:

Art. 24. Cabe à ANTT, em sua esfera de atuação, como atribuições gerais: [...]

IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração de vias e terminais, garantindo isonomia no seu acesso e uso, bem como à prestação de serviços de transporte, mantendo os itinerários outorgados e fomentando a competição;

V – editar atos de outorga e de extinção de direito de exploração de infraestrutura e de prestação de serviços de transporte terrestre, celebrando e gerindo os respectivos contratos e demais instrumentos administrativos;

VI – reunir, sob sua administração, os instrumentos de outorga para exploração de infraestrutura e prestação de serviços de transporte terrestre já celebrados antes da vigência desta Lei, resguardando os direitos das partes e o equilíbrio econômico-financeiro dos respectivos contratos;

VII – proceder à revisão e ao reajuste de tarifas dos serviços prestados, segundo as disposições contratuais, após prévia comunicação ao Ministério da Fazenda;

VIII – fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições avençadas nas outorgas e aplicando penalidades pelo seu descumprimento;

Enfim, quanto aos furtos de cabos, mesmo ciente da sua obrigação de atuar de forma preventiva para manutenção da segurança dos usuários, manifestou-se a VIABAHIA em relação à falha da segurança na localidade. Neste ponto, porém, a concessionária teve a qualidade de suas câmeras criticadas pela PRF.

Pelo exposto, demonstra-se imprescindível não somente a substituição dos cabos, como também a montagem de um plano de ação capaz de coibir a ocorrência dos danos que vêm sendo causados, com a fiscalização e o monitoramento adequados.

O que não pode ocorrer é o completo desamparo aos usuários da via em relação à sua segurança. As partes, no entanto, não aceitam uma eventual recomposição contratual e não solucionam a celeuma, enquanto a população, que remunera a VIABAHIA com as tarifas do pedágio, permanece sem iluminação pública.

DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO

De acordo com o art. 2º, XXXIX da Resolução 414/2010 da ANEEL, conceitua-se iluminação pública como “serviço público que tem por objetivo exclusivo prover de claridade os logradouros públicos, de forma periódica, contínua ou eventual”.

O presente caso envolve, como referido, a concessão de um serviço público, qual seja a recuperação, operação, manutenção, conservação e implantação de melhorias nas Rodovias Federais objeto do Contrato. O regime de concessão é disciplinado no art. 175 do texto constitucional:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado. (grifo nosso)

Nesse sentido, preceitua a Lei nº. 8.666/93 que “O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas consequências de sua inexecução total ou parcial.”

Pois bem. Conforme o art. 6º da Lei nº. 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão de serviços públicos, “toda concessão ou permissão pressupõe a prestação do serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários”. Já o §1o deste mesmo artigo conceitua o serviço adequado como aquele “que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia a sua prestação e modicidade nas tarifas”. É, portanto, dever da concessionária e direito do usuário a prestação adequada do serviço concedido, sendo, ainda, encargo do poder concedente a fiscalização do referido serviço3.

No caso ora examinado, além da concessionária e da UNIÃO, que figura como poder concedente, está presente na relação contratual o órgão fiscalizador, qual seja, a ANTT. Entretanto, mesmo com todas essas entidades diretamente relacionadas e com o dever de agir, não incidiram a regularidade, continuidade ou a segurança esperada na prestação do serviço, uma vez que os usuários da via continuam transitando às escuras.

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Ora, tratando-se de dever conferido à concessionária e ao poder concedente, a prestação de serviço adequado deve ser exigida dos demandados, até porque esta obrigação não se encontra inserida no âmbito da atuação discricionária dos Réus. Ao contrário, traduz-se como uma imposição inafastável, devendo ser alcançada rapidamente uma solução efetiva, que restabeleça o status de cumprimento do serviço, conferindo aos cidadãos a segurança que deve ser ofertada na Rodovia Engenheiro Vasco Filho.

DA OFENSA ÀS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

É inafastável, ainda, a obrigação de defesa do consumidor, assentada constitucionalmente:

Art. 5.º (...)

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)

V - defesa do consumidor;

No caso em tela, enquadra-se a concessionária ré na descrição de “fornecedor”, trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 3º:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (grifamos)

No mesmo passo, todos aqueles que adquirem ou utilizam o produto do serviço como destinatários finais são considerados “consumidores”, em consonância com o art. 2º da mesma codificação. Desse modo, sendo aplicável a legislação protetiva consumerista, cumpre a análise de algumas das suas previsões.

O art. 22 do CDC preceitua que os órgãos públicos, por si ou por suas concessionárias, são obrigados a fornecer serviços de maneira adequada, devendo, em caso de descumprimento do previsto, ser compelidos a cumprir a obrigação e a reparar os danos, como pode ser conferido a seguir:

Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.

Parágrafo único - Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste Código.

Ademais, não se pode olvidar que a responsabilidade dos fornecedores, segundo o CDC, é objetiva, como se depreende dos arts. 12 a 17, 18 e 23 do Código. Nesse caso, a concessionária, como fornecedora, deverá responder pelos danos causados aos consumidores independentemente da análise de culpa. É o que se espera, ainda mais considerando que o serviço interrompido é público, em ampla desconformidade com o princípio da continuidade dos serviços públicos, o que contribui para a caracterização urgente da situação.

Vale registrar que o objetivo primordial da presente demanda não é buscar a “punição” dos Demandados, e sim concretizar medidas voltadas à prevenção de ilicitudes e de danos, em defesa dos interesses da população usuária do serviço de iluminação e segurança na estrada federal objeto da pretensão exposta nesta demanda.

Nesse sentido, consoante prelecionam NETTO, ROSENVALD e FARIAS:

Repensar hoje a responsabilidade civil significa compreender as exigências econômicas e sociais de um determinado ambiente. Responsabilizar já significou punir, reprimir, culpar; com o advento da teoria do risco, ‘responsabilizar’ se converteu em reparação de danos. Na contemporaneidade, some-se à finalidade compensatória a ideia de responsabilidade como prevenção de ilícito. (Grifos acrescidos). (NETTO, Felipe Peixoto Braga. ROSENVALD, Nelson. FARIAS, Cristiano Chaves. Curso de Direito Civil, Responsabilidade Civil. Salvador: Juspodivm, p. 81).

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Sobre o autor
Leandro Bastos Nunes

Procurador da República. Ex-Advogado da União. Especialista em direito penal e processo penal. Articulista. Autor da obra "Evasão de divisas" (Editora JusPodivm). Professor da pós-graduação em direito penal econômico da FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciências), e em cursos do Ministério Público da União. Palestrante em crimes financeiros.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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