A Súmula 52 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual, "encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo", é freqüentemente utilizada pelos tribunais pátrios. De fato, são inúmeros os habeas corpus considerados prejudicados (não apreciados em seu mérito) pela aplicação do mencionado verbete sumular.
A dinâmica chega a ser rotineira: 1) a parte impetra habeas corpus no Tribunal alegando que está presa há mais tempo que o permitido em lei; 2) o relator requisita informações ao juiz; 3) o magistrado informa que a instrução do processo foi encerrada; 4) colhe-se o parecer do Ministério Público, que opina pela prejudicialidade do writ; e, 5) o habeas corpus é julgado prejudicado. Noutro dizer, o constrangimento ilegal pelo excesso de prazo não chega a ser analisado pela Corte de Justiça, ante a notícia de que a instrução foi encerrada.
Sucede que nem sempre o citado encerramento da instrução criminal significa que o réu esteja na iminência de receber do Estado a prestação jurisdicional, consubstanciada numa sentença. Há julgados que reputam encerrada a instrução a partir de quando o processo alcança a fase de alegações finais. Outros se contentam com a oitiva das testemunhas da acusação. Ou seja, via de regra, entre o encerramento da instrução e a prolatação da sentença há um hiato temporal, que varia de caso a caso.
Por essa razão, a aplicação quase que automática da Súmula 52-STJ pode propiciar, em determinadas situações, violação ao princípio da razoável duração do processo, aninhado no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.
Atento a isso, o STJ vem, paulatinamente, flexibilizando o teor da Súmula 52, reconhecendo eventual excesso de prazo mesmo nos casos em que a instrução esteja encerrada.
O informativo de jurisprudência n. 323 daquele egrégio Tribunal noticiou o julgamento do Recurso em Habeas Corpus n. 20.566-BA, de relatoria da Min. Maria Thereza de Assis Moura, em cuja ementa restou consignado o seguinte: "Ainda que encerrada a instrução, é possível reconhecer o excesso de prazo, diante da garantia da razoável duração do processo, prevista no artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição. Reinterpretação da Súmula 52 à luz do novo dispositivo."
No caso específico, o recorrente encontrava-se preso há quase três anos e meio sem resposta do Estado. Além disso, foram requeridas diligências pelo Ministério Público desde 8.3.2006, as quais não haviam sido cumpridas até o julgamento do recurso, que se deu em 12.6.2007. Naquele contexto, a relatora, de forma louvável, deu provimento ao recurso para permitir ao recorrente que aguardasse em liberdade o julgamento do processo.
Percebe-se, assim, que, a partir da expressa adoção constitucional da garantia da razoável duração do processo, não bastará o simples encerramento da instrução criminal para que seja descartada a ocorrência de constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa do réu. O processo deverá ser concluído, efetivamente, dentro de um prazo razoável.
Não há, contudo, uma definição unívoca quanto ao que seja razoável duração de um processo. É certo que tal conceito deve ser aferido, com cautela, no caso concreto, levando-se em conta peculiaridades de cada hipótese. Um processo com apenas um réu e poucas testemunhas, todas residentes na Comarca, deverá ser concluído em intervalo de tempo menor que um processo com vários réus e testemunhas residentes em diferentes Comarcas.
Em verdade, mais facilitada será a tarefa do intérprete para identificar os casos em que a afronta ao princípio da razoável duração do processo é flagrante, como fez o STJ nos julgamentos do Habeas Corpus 52.288-BA, Rel. Min. Arnaldo Lima (mais de dez meses sem que a sentença fosse prolatada), e do Habeas Corpus 67.004-BA, Rel. Min. Arnaldo Lima (réu preso há mais de três anos sem o término da instrução criminal).
Merece aplauso, portanto, a postura do Superior Tribunal de Justiça, ao empreender essa releitura do verbete 52 de sua Súmula. Trata-se, sem dúvida, de interpretação que mais se harmoniza com os princípios vetores do Estado Democrático de Direito, entre os quais avultam de importância, além da aclamada razoável duração do processo, a dignidade da pessoa humana e o estado de inocência, princípios que reforçam, a mais não poder, a excepcionalidade de qualquer prisão anterior ao trânsito em julgado de uma sentença condenatória.