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A destinação da receita de infoprodutos após a morte de seu titular

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Agenda 02/11/2024 às 20:10

Os infoprodutos, apesar de poderem ser considerados bens digitais por meio de uma análise extensiva, ainda não possuem, em relação ao Direito Sucessório, estudos efetivos sobre seu conceito, forma de sucessão, entre outros temas acessórios.

Resumo: A internet modificou a forma que o ser humano se relaciona, comunica, comercializa e até mesmo como ocorrerá a transmissão de seu patrimônio após a morte. Esses avanços trazidos pela internet e as relações ou transações digitais é objeto do presente trabalho, visto que, apesar de relevante, é um tema pouco abordado na seara jurídica. Desse modo, tem-se o intuito de analisar o destino de recursos de infoprodutos após a morte de seu titular com a finalidade de colaborar com a produção acadêmica acerca do tema, assim como a divulgação cientifica. Por meio de uma pesquisa bibliográfica, doutrinária e legislativa buscou-se compreender qual o destino dos lucros decorrentes dos infoprodutos após a morte de seu titular, assim como fazer uma análise multidisciplinar entre o Direito, Marketing e o Empreendedorismo sobre o mercado e marketing digital com base em obras de autores como Caio Mário da Silva, Bruno Zampier, Flávio Tartuce, entre outros.

Palavras-chave: Internet. Marketing Digital. Infoprodutos. Direito das Sucessões. Herança Digital.


INTRODUÇÃO

No presente artigo, será abordado um dos temas do direito digital que comumente causa confusão em relação aos seu conceito, sendo ele: destinação de infoprodutos após a morte de seu titular. Preliminarmente, a sucessão é definida como uma medida jurídica que autoriza transferência por morte, herança ou, então, do legado, ao herdeiro, em razão de lei ou testamento. O art.1.829 do Código Civil descreve que:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais. (BRASIL, 2002).

Especificamente no digital, compreende-se os bens de carácter econômico e existencial, relacionado ao direito de personalidade. Conforme Bruno Zampier, bens digitais seriam (2017, p. 59):

Bens incorpóreos, os quais são progressivamente inseridos na Internet por um usuário, consistindo em informações de caráter pessoal que trazem alguma utilidade àquele, tenha ou não conteúdo econômico. (ZAMPIER, 2017, p. 59).

Nesse sentido, com as várias mudanças verificadas nos últimos anos ocasionadas pela inovação, tecnologia e transformação digital, fazem com que cada vez mais pessoas tenham acesso à internet e seus meios de comunicação, tais como: redes sociais, contas bancárias, e-mails, milhas aéreas, criptomoedas, infoprodutos, dentre outros. É indubitável que cada um desses itens é considerado bens digitais, integrando desta forma o patrimônio do titular.

Serão abordadas adiante, mais detalhadamente, o avanço da tecnologia no Brasil, juntamente com os bens digitais, em específico o infoproduto.

Levando em conta as inúmeras mudanças e o avanço da tecnologia, cada ser humano compõe uma gama de patrimônios digitais que necessariamente precisam ser protegidos em caso de lesão, incapacidade ou falecimento do titular. Entendendo a nova realidade de bens online, este artigo visa a tratar da sucessão relacionada as heranças digitais, em especial, a de infoprodutos.

Num senso comum, o tema ainda é pouco discutido por ser uma nova realidade, e ainda está sendo construído no ordenamento jurídico. Muitos ainda se questionam sobre o que seriam os bens digitais, qual a destinação do infoproduto após morte ou incapacidade do titular, e até mesmo se eles possuem algum valor econômico. As dúvidas que permeiam a sociedade carregam a responsabilidade de que esse tema não pode ser ignorado, uma vez que é cada vez mais comum na atualidade.

Para ter-se um ponto de partida na discussão acerca dos bens digitais, de início, se faz necessário compreender o que é o mercado digital. O mercado digital é identificado como a possibilidade de prestar serviços ou vender mercadorias através dos meios digitais, mais precisamente a internet. Sendo que:

O mercado digital funciona como um comércio online e o ponto de partida de todas as interações e transações são os dispositivos. Ele possibilita a criação de diversas oportunidades de crescimento e inovação para todas as categorias de empresas no mundo. Independentemente do porte, as chances são praticamente as mesmas. (DIGITAL HOUSE, 2022).

Existem, dentro da internet, diversos tipos de mercados digitais como, por exemplo, lojas virtuais, sites, redes sociais, marketplaces, entre outros. Por meio desses mercados é possível a criação de infoprodutos, os quais serão comercializados.

Dessa forma, serão analisados os pontos relevantes acerca do direito sucessório no Brasil, assim como compreender se esses bens necessariamente precisam ser transferidos aos familiares ou legatórios, ou se devem ser extintos com o falecimento do seu titular por serem considerados bens personalíssimos.

Por fim, tem-se que o presente trabalho será dividido em tópicos e subtópicos sob os quais serão discutidos os seguintes pontos: os bens digitais, o direito sucessório, assim como a problemática da herança digital e a destinação da receita dos infoprodutos após a morte do titular.


1. BENS DIGITAIS

Como anteriormente abordado, tem-se que na atualidade os seres humanos estão cada vez mais conectados, passando boa parte de suas vidas de forma online. Com isso, não seria estranho dizer que o Direito deve observar a nova realidade vivenciada pelos indivíduos para que, em função da evolução digital, novas interpretações legais, doutrinarias e jurisprudenciais sejam realizadas. Dessa forma, entende-se que, atualmente, a conceituação de bens evoluiu para que se abarque os chamados bens digitais.

De início, cabe-se relembrar o que são os bens, no sentido jurídico do termo. Para o Direito, bem é o objeto da relação jurídica. Já no âmbito do Direito Civil, espécie do gênero coisa, materiais ou imateriais, suscetíveis de apropriação, transmissão e disposição, de conteúdo patrimonial, economicamente apreciáveis. Ou seja, para se tornar objeto da relação jurídica deve haver valor econômico e ser passível de apropriação.

De um modo geral observa-se que bens jurídicos são objeto do direito. Serão determinados como bens quando forem relevantes para o direito, podendo estar explicita sua tutela através de regras ou princípios, não sendo, portanto, um rol taxativo. Esses podem se dividir em coisas bens corpóreos e apreciáveis economicamente e bens em sentido estrito bens imateriais que podem ou não serem apreciados economicamente.

Assim, pode-se considerar que os bens digitais são bens imateriais, alguns apreciáveis economicamente e outros sem conteúdo econômico a depender da relação jurídica a qual se refere [...]. (ALMEIDA, 2017).

Nesse sentido, em relação aos bens digitais não necessariamente haverá a economicidade dos bens.

Conforme aponta Bruno Zampier (2021):

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O ambiente virtual, assim como ocorre no mundo não virtual, comporta aspectos nitidamente econômicos, de caráter patrimonial, bem como outros ligados inteiramente aos direitos da personalidade, de natureza existencial. Dessa forma, acredita-se que seja adequada a construção de duas categorias de bens: os bens digitais patrimoniais e os bens digitais existenciais. E, por vezes, alguns bens com esta configuração poderão se apresentar com ambos os aspectos, patrimonial e existencial a um só tempo.

[...] os bens em geral poderão ter natureza corpórea ou incorpórea. Nesse sentido os bens digitais se aproximariam mais da segunda forma, já que a informação postada na rede, armazenada localmente em um sítio ou inserida em pastas de armazenamento virtual (popularmente conhecidas como nuvens), seria intangível fisicamente, abstrata em princípio. (ZAMPIER, 2021).

Através de uma leitura mais pormenorizada da obra de Zampier é possível perceber que, para o autor, é possível deduzir que textos, base de dados, fotografias, vídeos, entre outros, são considerados bens digitais.

Em países como os Estados Unidos e o Reino Unido (common law), os digital assets (bens digitais) são definidos de forma ampla, sendo considerados como bens os perfis em redes sociais, tweets, dados de jogos virtuais, e-books, senhas de contas, entre outras diversas possibilidades, haja vista serem informações eletrônicas que estão armazenadas em um computador ou utilizam-se de tecnologias vinculadas a estes, podendo ser classificados como qualquer coisa possuída em meio digital. (ALMEIDA, 2017).

Para além disso, os bens digitais podem ser classificados em quatro formas distintas, sendo elas: dados pessoais, dados de redes sociais, contas financeiras e contas de negócios. Diante disso, Juliana Almeida explica que dados pessoais podem ser, por exemplo, aqueles que foram salvos em sites como backup de fotos e vídeos como os que são realizados no Google Fotos, Onedrive, entre outros. Já os dados de redes sociais são aqueles armazenados e que decorrem de interação com outras pessoas em plataformas como o Twitter, LinkedIn, Instagram, entre outras. As contas financeiras são os dados inerentes às carteiras digitais, contas em bancos e demais bens usados em transações bancárias ou investimentos. Por fim, a categoria de contas de serviços são todas aquelas informações coletadas e armazenadas a título de uso de um serviço, tais como nas relações de consumo e o armazenamento de preferências de consumo de um determinado consumidos. (ALMEIDA, 2017).

Neste sentido:

[...] um produto (tangível ou intangível) é um bem ou serviço que pode ser oferecido a um mercado para satisfazer seu desejo ou necessidade. De modo geral, os infoprodutos digitais embora não sejam produtos palpáveis, são considerados produtos por satisfazerem necessidades específicas de um público que busca um determinado conhecimento específico e de maneira eficiente: são apresentados de forma imediata e podem ser consumidos quando e onde o cliente desejar. (GUIMARÃES, 2019).

Como aponta Gabriel Prá (2018):

Produtos de informação são intitulados infoprodutos, informações criadas e distribuídas de forma paga ou gratuita. [...] Atualmente, a informação tem valor e pode gerar lucro, porém, alerta-se que não é qualquer informação ou dados. (PRÁ, 2018).

Com isso, inegável a definição de infoprodutos como bens digitais, haja vista sua natureza suscetível de apropriação, transmissão e disposição.

Ainda, há que se dizer que os bens digitais nesse caso, os infoprodutos, possuem certa semelhança, tendo em vista a dogmática jurídica, com os direitos do autor ou de forma mais ampla com o conceito de propriedade tecnodigital.

Quando se fala em propriedade tecnodigital e em direitos do autor refere-se a disciplina do direito intelectual como gênero, possuindo como espécies o direito industrial e o direito do autor que também engloba o direito de software e outras proteções, tais como bancos de dados informatizados, cultivadores, biobancos, obras multimídia, entre outros. (ALMEIDA, 2017).

Com isso, pode ser definido como uma forma de domínio tecnológico à informação digital, inclusive levando em consideração que, atualmente, a informação se tornou verdadeiro bem jurídico que, em muitos casos, gera dúvida sobre quem é o seu titular. Neste sentido, com o advento da sociedade da informação, o direito autoral clássico não consegue responder às novas modalidades que a tecnologia apresenta como no caso da propriedade tecnodigital. (ALMEIDA, 2017).

O autor, classicamente, é aquele (pessoa natural) que cria a obra intelectual independente de capacidade civil, sendo esta a titularidade originária. Por outro lado, em casos de transmissão entre vivos ou causa mortis existe a titularidade derivativa. (ALMEIDA, 2017). Neste sentido, tem-se que a propriedade tecnodigital retromencionada pode ser transmitida, por meio da sucessão, aos herdeiros do autor do infoproduto.

Atualmente, a informação tem valor e pode gerar lucro, porém, alerta-se que não é qualquer informação ou dados. Conforme Parkes (2015), o que tem valor para os indivíduos é a informação apresentada como uma solução e que gera algum tipo de transformação na vida de quem adquiri esse conteúdo. Exemplo disso são indivíduos que, preocupados com a sua vida financeira, podem facilmente pagar por conhecimentos que os ensinem sobre investimentos financeiros ou que garantam uma aposentadoria tranquila. De acordo com o autor supra citado, dependendo da maneira como uma informação é apresentada, essa pode ser comercializada por alguns reais ou outros tantos milhares. O mesmo conhecimento de um livro que pode custar 30 reais, teria seu custo aumentado em algumas dezenas de vezes se fosse transformado em um evento presencial. Fato esse que nos leva a crer que a informação jamais deve ser apresentada a uma determinada audiência apenas como informação. Hoje em dia, os indivíduos valorizam conhecimentos apresentados como soluções a determinados problemas cotidianos. (PRÁ, 2018).

O infoproduto, como já citado, é um produto de informação, logo deve ser tutelado pelo Direito como bem jurídico que é, seja por meio da proteção própria e específica existente para as informações com caráter de direito do autor, seja por meio da responsabilização civil em geral. (RAMOS, 2019).

Neste sentido, como aponta Lucas Cotta de Ramos (2019):

O conceito de propriedade já não pode mais ficar adstrito à análise das faculdades que a integram. Melhor seria visualizá-la como uma relação jurídica complexa que irá colocar em polos distintos o seu titular e a coletividade abstrata. Ao mesmo tempo em que esta deverá se abster da prática de atos que possam vir de alguma forma a lesar o conteúdo do direito do proprietário, este terá também uma série de deveres a cumprir para que o exercício desse direito seja considerado legítimo, como, por exemplo, o adimplemento da devida função social.

Assim, expandindo-se o conceito de propriedade, chega-se à classificação da informação como bem digital, bastando, para tanto, que a informação inserida em rede seja capaz de gerar repercussões econômicas imediatas, quando lhe será conferido o status de bem tecnodigital patrimonial:

Pois bem, quando a informação inserida em rede for capaz de gerar repercussões econômicas imediatas, há que se entender que ela será um bem tecnodigital patrimonial. Tal visão alinha-se à noção de patrimônio acima exposta, sendo aceita por nosso ordenamento jurídico.

Cada ser humano, a partir do momento em que se tornar usuário da Internet, terá a possibilidade de vir a ser titular de uma universalidade de ativos digitais. Esse patrimônio digital dotado de economicidade, formaria a noção de bem tecnodigital patrimonial.

Desse modo, demonstra-se viável, em alguns casos, a classificação da informação como bem digital, a qual nessa hipótese, se enquadraria como uma propriedade imaterial e incorpórea. (RAMOS, 2019).

Os infoprodutos possuem, ainda, natureza patrimonial, haja vista seu caráter econômico que, ao serem comercializados através do marketing digital, geram valor aos seus proprietários.

A comercialização desses bens pode ocorrer de diversas formas, sendo uma delas a venda por afiliação, em que consiste em levar diretamente à venda do produto específico em troca de uma comissão por venda realizada, a qual é considerada fonte de monetização para àqueles negócios digitais que utilizam programas de afiliação.

Outra forma de comercialização é a venda por nichos, em que se delimita um mercado, cujo qual existem pessoas com interesses, desejos e problemas em comum. Pode ser dividido em subnichos os quais são importantíssimos, haja vista que ter a liderança de um mercado específico é mais fácil e barato que um segmento de mercado inteiro (PRÁ, 2018).

O nicho de mercado deve ser uma área com segmentação de mercado e, dentro dela, pode existir um sub-nicho de atuação. O nicho está intrinsecamente ligado ao já conhecido no mundo dos negócios, segmento de mercado (FELIPINI, 2014). O autor define nicho, como um segmento de mercado que possui características especiais em termos de necessidades a serem atendidas. No conceito correto, nicho é um setor voltado para atender as necessidades específicas do grupo de pessoas que ali se encontra. O sub-nicho é um tema específico dentro dessa segmentação de mercado. Os sub-nichos jamais podem ser ignorados, uma vez que, manter-se na liderança de um nicho mais específico, é muito mais fácil e barato quando comparado a liderar um segmento de mercado inteiro (FELIPINI, 2014). É possível identificar nichos e sub-nichos que tenham mais tração do que outros, ou seja, que são mais lucrativos. Os nichos que mais faturam referem-se a relacionamento, dinheiro, finanças e saúde (BORGES, 2017). Além disso, quanto mais definido, restrito e segmentado, melhor será os resultados iniciais e a longo prazo de performance do produto (PEREIRA, 2017). É possível delimitar o nicho e um sub-nicho de diversas maneiras, entretanto, o mais efetivo é dividir um segmento de mercado em unidades menores, compostas por diferentes grupos de consumidores com características semelhantes (FELIPINI, 2014). O autor aponta que todos mercados são competitivos, com isso, é necessário adotar a estratégia de apresentar-se como especializado em um determinado nicho, dominar as linhas especificas do produto e conhecer profundamente o público-alvo. O êxito em um nicho é alinhado a um bom posicionamento. O posicionamento de nicho trata-se de entender qual o diferencial que difere o produto a ser comercializado dos demais já existentes (FELIPINI, 2014). Com isso, o público a ser persuadido é convencido a adquiri-lo. (PRÁ, 2018).

Diante disso, percebe-se que não somente o conteúdo dos infoprodutos é relevante, mas também a estratégia por trás de sua comercialização, sendo extremamente relevante a propriedade de uma base de dados e definições capaz de favorecer o marketing digital.

Assim, o infoproduto não se refere a tão somente ao seu conteúdo, mas também sua comercialização e estratégia, gerando a necessidade de protegê-los juridicamente.


2. DIREITO SUCESSÓRIO

De início cabe ressaltar que o termo sucessão, em sentido amplo, significa transmissão. Sendo possível ocorrer tanto por atos inter vivos ou mortis causa, mas para fins de delimitação do trabalho, neste artigo assim como na obra de Flávio Tartuce, a definição de sucessões a ser interpretada será apenas a causa mortis, que decorre do falecimento da pessoa natural. Como aponta Flávio Tartuce (2022) ao citar Carlos Maximiliano (1952):

Direito das Sucessões, em sentido objetivo, é o conjunto de normas reguladoras da transmissão dos bens e obrigações de um indivíduo em consequência de sua morte. No sentido subjetivo, mais propriamente se diria direito de suceder, isto é, de receber o acervo hereditário de um defunto. (MAXIMILIANO, 1952, p. 21. apud TARTUCE, 2022, p. 18).

Neste sentido a sucessão é definida como uma medida jurídica que autoriza transferência por morte, herança ou, então, do legado, ao herdeiro, em razão de lei ou testamento. Ademais, a sucessão causa mortis pode ser dividida em duas modalidades básicas, sendo elas a sucessão testamentária e a sucessão legítima. A sucessão testamentária diz respeito ao ato de última vontade do de cujus, realizada mediante testamento, legado ou codicilo. Já a sucessão legítima é a que decorre da lei, chamada também de sucessão ab intestado, haja vista não existir testamento.

A sucessão legitima está prevista no artigo 1.829 do Código Civil Brasileiro que dispõe que:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: (Vide Recurso Extraordinário nº 646.721) (Vide Recurso Extraordinário nº 878.694)

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais. (BRASIL, 2002).

Para além desse artigo, o Código Civil e entendimentos jurisprudenciais, a metade dos bens da herança do de cujus deve ser destinada aos herdeiros necessários, sendo estes os seus descendentes, ascendentes e o cônjuge ou companheiro que não foram excluídos da sucessão por indignidade ou deserdação. O restante dos bens poderá ser disposto livremente para quem o testador especificar e, caso não existam herdeiros necessários, será possível a disposição da totalidade dos bens pelo testador, não havendo a legítima.

2.1. A morte do titular dos bens digitais e a herança digital

Apesar do tema ser, de certo modo, recente a herança digital já foi objeto de projeto de lei no Brasil, colaborando com a ideia aqui trazida de que é necessário o desenvolvimento da regulamentação do tema em âmbito legislativo e teórico. Isso ocorreu no Projeto de Lei 4.099/2012, cuja autoria foi do deputado federal Jorginho Mello, o qual buscava-se a garantia aos herdeiros a transmissão da totalidade dos conteúdos de contas e arquivos digitais ao acrescentar no art. 1.788. do Código do Civil a seguinte redação

Art. 1.788. [...] Parágrafo Único. Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança. (RAMOS, 2019).

Outro projeto de lei criado com o objetivo de regulamentar a herança digital é o de nº 365 de 23/02/2022 cujo qual busca-se disciplinar a herança digital, priorizando a autonomia da vontade dos usuários, possibilitando que estes possam determinar através de testamento ou diretamente nas plataformas que parte de suas contas poderão ser acessadas por seus herdeiros ou legatários, bem como determinar regramentos gerais sobre a hipótese do usuário não se manifestar sobre o tema, evitando-se assim maiores discussões. Diante disso, o projeto de lei visa modificar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), acrescentando o artigo 18-A, garantindo os direitos já mencionados. (BONASSER, 2022).

Apesar de raro, existe jurisprudência acerca do tema no sistema jurisdicional brasileiro, em especial no Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. HERANÇA DIGITAL. DESBLOQUEIO DE APARELHO PERTECENTE AO DE CUJUS. ACESSO ÀS INFORMAÇÕES PESSOAIS. DIREITO DA PERSONALIDADE. A herança defere-se como um todo unitário, o que inclui não só o patrimônio material do falecido, como também o imaterial, em que estão inseridos os bens digitais de vultosa valoração econômica, denominada herança digital. A autorização judicial para o acesso às informações privadas do usuário falecido deve ser concedida apenas nas hipóteses que houver relevância para o acesso de dados mantidos como sigilosos. Os direitos da personalidade são inerentes à pessoa humana, necessitando de proteção legal, porquanto intransmissíveis. A Constituição Federal consagrou, em seu artigo 5º, a proteção constitucional ao direito à intimidade. Recurso conhecido, mas não provido.

(TJ-MG - AI: XXXXX 11906755001 MG, Relator: Albergaria Costa, Data de Julgamento: 27/01/2022, Câmaras Cíveis / 3ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 28/01/2022, grifo nosso).

Em consonância ao já abordado, existe atualmente grande discussão em relação a chamada herança digital, haja vista que o direito sucessório, à luz das transformações ocorridas na sociedade, pode e deve ser adotado de forma extensiva para que abarque os casos em que, falecido o de cujus, este deixa bens digitais a serem partilhados aos seus herdeiros.

Segundo Maria Helena Diniz (2022) a herança é o patrimônio do falecido, isto é, o conjunto de direitos e deveres que se transmitem aos herdeiros legítimos ou testamentários, exceto se forem personalíssimos ou inerentes à pessoa do de cujus. De modo que, o patrimônio engloba certos bens digitais por se originarem em relações jurídicas que possuem valor econômico. (DINIZ, 2022, p. 32).

Tradicionalmente considera-se patrimônio o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa que é apreciável economicamente. Assim, podem compor o patrimônio os créditos e os débitos de uma pessoa. Desta feita, aquilo que não for apreciável economicamente não compõe o patrimônio de uma pessoa. (ALMEIDA, 2017).

Neste sentido, o cerne da discussão decorre da possibilidade de todos os bens digitais poderem ser objeto de sucessão ou se alguns deles não possuírem esse tratamento, haja vista não conter valor econômico e não serem, portanto, parte do patrimônio, em sentido estrito, do falecido.

Como aponta Isabel Lima (2013):

Quanto aos bens suscetíveis de valoração econômica não há dúvida que eles compõem o acervo do falecido e devem ser levados em conta na sucessão, pois se enquadram no conceito mais básico de patrimônio e não encontram divergência na doutrina. O acervo digital deixado não só pode como deve constar da lista de bens que serão repartidos, havendo a necessidade inclusive de auferir o valor econômico desses bens, principalmente se eles forem objeto de testamento.

O patrimônio digital deixado pelo falecido pode representar um valor econômico de tal maneira que venha a interferir na legítima reservada aos herdeiros necessários, isto é, pode significar mais de 50% de todo o patrimônio. (LIMA, 2013, p. 34).

Neste sentido, os bens não suscetíveis de valoração econômica encontram resistência, por parte da doutrina, em serem definidos como bens passiveis de serem recebidos aos herdeiros por meio da sucessão.

Por esse motivo, Isabel Lima afirma a necessidade de haver um registro de última vontade do proprietário em relação aos bens digitais, ainda que estes não possuam valor econômico, para que a reputação e sigilo do proprietário sejam respeitados. (LIMA, 2013, p. 35).

Entretanto, não é possível, no sentido jurídico, ser considerada como última vontade do proprietário eventual adesão à plataformas que mantém em um só lugar as senhas (ou outras formas de acesso) de um usuário às contas que este possui enquanto vivo for, como ocorre em plataformas como, por exemplo, o Legacy Locker. Nesta modalidade de plataforma o usuário informa um beneficiário digital que irá gerir a conta do True Key (gerenciamento de senhas) após a sua morte. Este beneficiário somente terá acesso aos dados após a confirmação da morte do usuário e caso tenha aceitado o convite enviado por este. (ALMEIDA, 2017).

Apesar de serem uma forma de auxiliar na transmissão dos dados e informações do usuário falecido, estes serviços não podem ser considerados atos de última vontade do proprietário no sentido jurídico por não poderem ser classificados como testamento, nem mesmo particular, haja vista não possuírem os requisitos legais, quais sejam a assinatura do testador, conhecimento do teor e assinatura de três testemunhas, assim como não possuir, no documento, rasuras ou espaços em branco. (ALMEIDA, 2017).

Portanto, necessário o registro de última vontade do proprietário, como afirma Isabel Lima, no entanto, para que esse registro possua validade jurídica de testamento, este deverá ser realizado conforme os requisitos legais e não como forma de gerenciamento de senhas e contas por meio de adesão à determinadas plataformas digitais.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORO, Italo Nogueira. A destinação da receita de infoprodutos após a morte de seu titular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7794, 2 nov. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101326. Acesso em: 21 nov. 2024.

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