CONCLUSÃO:
O conceito analítico de crime deve ser utilizado para que se conclua o presente estudo. Crime é fato típico, ilícito e culpável. O princípio da presunção de inocência (ou estado de inocência) pressupõe que a necessária presença de todos os elementos do crime bem como a confirmação de sua autoria devem ser apuradas em juízo, sob o pálio do devido processo legal, do qual são corolários os princípios do contraditório e da ampla defesa. Além disso, a responsabilidade do agente é subjetiva e só deve ser imputada ao mesmo após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Todas essas garantias não foram elaboradas em vão.
Querem as mesmas dizer que o Estado só condenará quem for efetivamente culpado e que sua culpabilidade será demonstrada através de toda uma instrução criminal, com sua característica e imprescindível dilação probatória e seus recursos. Partindo-se da premissa de que o ser humano é falível, esse estratagema foi elaborado na elevada intenção de blindar o sistema contra a possibilidade de erro.
É que qualquer desvio num julgamento, por menor que aparente ser, constitui-se, além de uma violação flagrante à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República Federativa do Brasil e base dos direitos humanos – como ficou demonstrado – numa injustiça irreparável e indesejada.
Portanto, para que se aplique o instituto da transação penal, imprescindível que o mesmo seja reformulado de forma a adequar-se à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a seus princípios reitores, notadamente o da presunção de inocência, conquista histórica da humanidade que não pode ser desprezada inadvertidamente.
O meio jurídico como um todo, mas mais especificamente quem produz o direito, não pode desconhecer ou desconsiderar suas verdades históricas consubstanciadas nos direitos humanos, sob pena de agir temerariamente e sem fundamentos sólidos. As inovações a qualquer preço devem ser, aprioristicamente, postas em questionamento, para que se evite este mal.
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Notas
01 Inicialmente, considerou-se como infração de menor potencial ofensivo os crimes e as contravenções aos quais eram cominadas penas máximas não superiores a um ano. Após a edição da Lei 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais no âmbito da Justiça Federal, as penas máximas consideradas não devem ser superiores a dois anos.
02 Referidas correntes são defendidas, respectivamente, por Ada Pelegrini Grinover et alii e, no ano de 2000, amparada pelo Supremo Tribunal Federal (HC 79572-GO, rel. Min. Marco Aurélio, 29.2.2000, Informativo STF, n.º 180) e por Júlio Fabbrini Mirabete e Fernando Capez, amparados, por sua vez, pelas 5.ª e 6.ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça nos RHC 8190/GO, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 08/06/1999, DJU 01/07/1999, p. 0211; e RHC 8806/SP, rel. Min. Edson Vidigal, j. 23/11/1999, DJU 13/12/1999, p. 0160.
03 HC 84775-RO, Rel. Min. Carlos Velloso. Segunda Turma. DJ 05.08.2005, p. 118.