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Stealthing: quais os reflexos jurídicos decorrentes dessa prática?

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Agenda 29/01/2023 às 12:20

CAPÍTULO 2 – OS EFEITOS JURÍDICOS DECORRENTES DA OMISSÃO LEGISLATIVA

A Constituição da República Federativa do Brasil determina de forma expressa que, o Estado deverá legislar para proteger seus cidadãos e reprimir violências, quando o Estado não cumpre seu dever constitucional, surge para o cidadão a possibilidade de cobrar, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) que lhe seja dado um provimento judicial. Os mecanismos que dispomos é o Mandado de Injunção que é um remédio constitucional que tem o condão de obrigar o estado a equiparar uma lei existente há um caso que não está regulamentado, como ocorreu com o Direito de greve dos servidores públicos, que tinham o direito, mas não tinham uma norma que regulamenta.

Visando proteger o Direito da Coletividade, o Constituinte originário criou a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por omissão, ou seja, nessa situação não se está diante de um caso concreto, mas visando evitar celeumas jurídicas futuras, cria-se instrumentos jurídicos para que legitimados universais tutela direito difusos e coletivos, diante disso, surge a discussão, o Poder Legislativo deve criar norma no sentido de proteger as vítimas de Stealthing?

2.1 – MORA LEGISLATIVA (HOMOFOBIA E O RACISMO)

Ficou assentado que, no caso em tela, é impossível o julgador fazer analogia ou até mesmo interpretação extensiva do stealthing para amolda-lo a uma das condutas dos Artigos 213 (estupro) ou Artigo 215 (violação sexual mediante fraude), há que se concordar que, nos dois casos, é possível vislumbrar que há uma semelhança entre as condutas do tipo penal e a do stealthing. Ocorre que, o Supremo Tribunal Federal (STF), é o órgão legítimo para admitir que se aplique um tipo penal a uma conduta já prevista, nesse caso, modulando os efeitos ex nunc, ou seja, que não retroaja, que a norma passe a valer daquele momento para o futuro em homenagem ao princípio da irretroatividade da lei penal. Um exemplo recente em que o STF foi instado a manifestar-se foi o caso de equiparar a homofobia ao racismo. Ao julgar a ADO 26 o STF fez interpretação extensiva e passou a entender que os atos de homofobia deverão ser considerados como crime de racismo, previsto na Lei 7.716/1989, vejamos a tese:

“Decisão: O Tribunal, por unanimidade, conheceu parcialmente da ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Por maioria e nessa extensão, julgou-a procedente, com eficácia geral e efeito vinculante, para: a) reconhecer o estado de mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação da prestação legislativa destinada a cumprir o mandado de incriminação a que se referem os incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição, para efeito de proteção penal aos integrantes do grupo LGBT; b) declarar, em consequência, a existência de omissão normativa inconstitucional do Poder Legislativo da União; c) cientificar o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o art. 103, § 2º, da Constituição c/c o art. 12-H, caput, da Lei nº 9.868/99; d) dar interpretação conforme à Constituição, em face dos mandados constitucionais de incriminação inscritos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Carta Política, para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua” (PORTAL STF, 2019).

Desse modo, é correto afirmar que, não pode um juiz de primeiro grau ou até mesmo um delegado de policia civil, no curso da investigação criminal, entender que o Stealthing se subsume a conduta contida em um dos vários Artigos do Código Penal e aplicá-lo indistintamente.

Fato é que temos uma conduta, um bem jurídico lesado, bem esse que não esta sendo tutelado pelo poder público legislador, há uma mora e uma discussão pujante acerca dessa matéria.

Do mesmo modo que ocorreu com a homofobia, que foi necessário que a Corte Suprema do Brasil decidisse que, até que o poder legislativo cumpra seu papel, aplicar-se-á aos casos de homofobia, a lei do crime de racismo. A Suprema Corte não legislou, apenas reconheceu a omissão legislativa e a lesão ao bem jurídico.

2.2 - PRINCÍPIO DO IN DÚBIO PRO RÉU

É comum no Direito Penal, vermos a presença do princípio do in dúbio pro réu, ou seja, nos casos em que o julgador tem dúvida, deve decidir a favor do réu. Como já mencionamos, não há como afirmar de forma categórica qual o dispositivo penal deva ser aplicado, mas, havendo uma discussão acerca disso, devemos olhar para a pena em abstrato e optar pela aplicação do disposto no Caput do Artigo 215 do Código Penal que traz as penas de 2 (dois) a 6 (seis anos) de reclusão, diverso do crime de estupro previsto no Artigo 213 que tem como pena de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Dito isso, surge uma nova discussão, no caso do estelionato sexual (ou violação sexual mediante fraude) a vítima queria que houvesse a relação sexual, todavia ela foi enganada, incidindo em erro de fato, pelo agente violador, se não houvesse essa fraude, esse erro em que ela incidiu, com certeza ela não teria se relacionado com aquele indivíduo, no stealthing é o outro lado do espectro, a vítima queria ter a relação sexual com aquele indivíduo, não houve fraude e sequer ela se equivocou quanto a realidade dos fatos, o que houve é que, no curso da conjunção carnal, o autor, se valendo e ardil, sem que a vitima percebesse, remove o preservativo. Percebemos então que a vítima não teve sua vontade viciada. Diante dessa situação, é acertado afirmar que são tipos penais distintos que merecem reprimendas distintas.

O réu goza ainda, em seu favor do Artigo 21, Caput do Código Penal que é categórico ao afirmar que o desconhecimento da lei é inescusável, ou seja, não pode ser usado como argumento, vejamos o que diz tal dispositivo, nas palavras do Doutrinador Cleber Masson:

“Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.” (MASSON. 2018 p. 322)

Significa dizer que, se o indivíduo pratica o stealthing, ele poderá dizer que não sabia que aquela conduta era criminosa e esse argumento será válido. Sua validade decorre do próprio Artigo 21, que diz que o desconhecimento da lei é inescusável, ora, se não há lei, não há crime. Fazer analogia ou interpretação analógica é reconhecer que não há lei sobre aquela matéria.

Quanto a tese de defesa, é possível alegar ausência de culpa ou de dolo, que são elementos essenciais do tipo penal, conforme leciona a doutrina de Masson:

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“Dolo é a vontade consciente dirigida a realizar (ou aceitar realizar) a conduta prevista no tipo penal incriminador. De acordo com a maioria, trata-se de elemento subjetivo implícito da conduta.

O crime culposo consiste numa conduta voluntária que realiza um fato ilícito não querido pelo agente, mas que foi por ele previsto (culpa consciente) ou lhe era previsível (culpa inconsciente) e que podia ser evitado se o agente atuasse com o devido cuidado. Percebe-se que o agente viola dever de cuidado objetivo.” (MASSON. 2018. P 236)

O crime, no Brasil, adota a teoria tripartite: fato típico, ilícito e culpável. Não havendo dolo e nem culpa, o último elemento do tipo penal estará ausente, estando ausente, não há que se falar em crime.

Mesmo diante de todas essas teses defensivas, subsiste ainda a omissão legislativa, a lesão a bem jurídico e a necessidade de legislar sobre a matéria, pois apesar de pouco falado a prática é recorrente e as vítimas desse delito não sabem a quem e nem como buscar auxílio jurídico, o que faz com que os autores dessa prática se sintam protegidos e livres para cometer esse ilícito, que por mais que não seja penal, certamente ele reverbera na esfera civil do ofendido.

2.3 - PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO À PROTEÇÃO DEFICIENTE E O PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE

Falando de princípios, há o principio da vedação a proteção deficiente e concomitante a isso, no ramo do Direito Penal, há o princípio da fragmentariedade. No primeiro caso, é princípio geral de Direito e se aplica a todos os ramos do nosso ordenamento jurídico, ele visa, de forma resumida, que todos os comandos constitucionais que prevêem ou determinam que o legislador crie normas para proteger determinado bem ou coibir outras práticas, deva ser uma proteção efetiva, não basta que o legislador crie a lei, mas sim que a lei seja efetiva e tutela os bens previstos na nossa constituição. De modo semelhante, o princípio da fragmentariedade aduz que, todos os bens jurídicos devam ser protegidos, porém, o Direito Penal só vai se preocupar com aqueles bens de maior valor para a sociedade. Em suma, não se deve legislar por legislar, não se pode criminalizar por criminalizar. Nessa esteira a vedação da proteção deficiente é conceituada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Roberto Barroso da seguinte forma:

“A proibição deficiente consiste em não se permitir uma deficiência na prestação legislativa, de modo a desproteger bens jurídicos fundamentais. Nessa medida, seria patentemente inconstitucional, por afronta à proporcionalidade, lei que pretendesse descriminalizar o aborto. Portanto, em linhas gerais, percebe-se que a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado ou por falta deste.” (BARROSO, 2017. P 69).

Em contrapartida, no outro lado do espectro temos o princípio da proibição do excesso que é consubstanciado com o princípio da fragmentariedade. O primeiro veda que se legisle tipificando condutas criminosas de toda e qualquer ação, o segundo que serve de freio, o da fragmentariedade do Direito Penal, aduz que o Direito Penal só deve se preocupar, de fato, com aquelas condutas que os demais ramos do Direito abandona, por esse motivo também é chamada de subsidiariedade, ou seja, o Direito Penal só prevê e recrimina condutas, assim é entendido por Cezar Roberto Bittencourt, como:

“O Direito Penal só se aplica em último caso, isto é, só se recorre ao Direito Penal quando os outros ramos do Direito não consigam proteger um determinado bem jurídico. É uma questão lógica e – além de ligada às garantias individuais – decorrente da idéia de eficiência do Estado: não se justifica aplicar um meio mais pesado se para proteger o bem jurídico um menos grave tem a mesma ou melhor repercussão.” (BITTENCOURT, 2012. P 44)

Percebe-se desse modo que o legislador está vinculado a valores e princípios axiológicos que vedam a criação indistinta de tipos penais de forma desnecessária, então exsurge pro legislador a necessidade de observar alguns requisitos para que ele possa legislar, são eles:

Sem um desses requisitos, não é necessário que o poder legislativo desperte, pois para que determinada conduta careça de proteção legal, a constituição deve prever, ainda que de forma implícita, tem que haver a lesão a um bem jurídico e, desde que essa lesão não já encontre reprimenda sob pena de configura o bis in idem, ou seja, punir o mesmo indivíduo, duas vezes, pelo mesmo fato.

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2.3.1 – Direito Penal da Urgência ou Emergência

Não é incomum, numa sociedade que tem como fito, o encarceramento em massa, quando surge uma conduta que não esta prevista em lei, o legislador, ao invés de buscar soluções para coibir aquelas práticas, ele cria lei punitivas, a isso, é dado o nome de Direito Penal da emergência, vejamos o conceito:

“O direito de emergência é utilizado para emplacar tudo aquilo que gerar medo e pânico nas pessoas, contra o inimigo do momento, como por exemplo o terrorismo, fica dever do estado dar um parecer e apresentar planos nos casos necessários para afastar e punir o terror gerado. Isto ocorre em casos muitos específicos, algo passageiro, acidental, algo fora daquilo que é corrente, corriqueiro que exige uma atuação imediata.” (MOCCIA, p. 62)

Trocando em miúdos, o Estado - Legislador não se preocupa em implementar políticas públicas capazes de reduzir ou coibir as más práticas, ao contrário, tipifica aquelas condutas como crime e joga na mão da sociedade. Seria mais fácil a criação e implementação de um programa de educação dos efeitos colaterais que essa prática pode trazer e os prejuízos que dela advém, tanto para quem pratica quanto para quem é vítima.

Um exemplo de grande repercussão acerca do Direito Penal da emergência, no Brasil, foi o caso de homens que dentro de transportes coletivos praticavam ato libidinoso de ejacular em passageiras. Naquela circunstância, o motorista do ônibus chamou a polícia e o infrator foi preso, porém, foi posto em liberdade logo em seguida, uma vez que o juiz da causa entendeu que aquela conduta se tratava da contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor, previsto no Artigo 61 do Decreto 3.688/1941 que traz a seguinte redação:

“Art. 61. Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor:

Pena – multa.”

Nessa situação, discutiu-se no mundo jurídico se o ato ali praticado poderia ser o tipo penal do Artigo 213 do Código Penal, qual seja, o estupro. Essa corrente foi rechaçada de plano em razão de, naquele caso, não haver violência e, mesmo que houvesse violência, feriria o princípio da proporcionalidade. Porém, outra linha defendia que a infração penal ali praticada seria o do Artigo 146 que aduz o crime de constrangimento ilegal com a seguinte redação extraída do Código Penal, vejamos a transcrição do Código Penal:

“Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Aumento de pena

§ 1º - As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

§ 2º - Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.

§ 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo:

I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

II - a coação exercida para impedir suicídio.”

Diferentemente do que ocorreu no estupro, no caso de constrangimento ilegal, cujas penas variam de três meses a um ano, houve uma aceitação posto que, diferente da contravenção de importunação ofensiva ao pudor que previa apenas pena de multa. Desse modo, haveria uma proporcionalidade entre a conduta e o resultado obtido.

A discussão sob qual crime estaria ali previsto não se encerrou ali. Diziam que não poderia aplicar o Artigo 146 pelos seguintes motivos:

Desse modo, buscou-se então a tentar encontrar outro tipo penal para aquela conduta, exsurgindo assim uma nova corrente, dessa vez, falou-se em aplicação do Artigo 233 do Código Penal que reproduz o delito de ato obsceno:

“Art. 233 - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.”

Mesmo com toda essa discussão, não se chegou a lugar algum, aquela conduta não tinha um tipo penal especifico a ser aplicado. Para quem defende seu cliente, a tese mais adequada seria o de contravenção que sequer traz uma pena, mas apenas determina a aplicação de multa, o que gera uma revolta social, aplicar a contravenção de importunação ofensiva ao pudor seria admitir que o infrator pago uma multa, sequer seja preso e volte a delinquir, do outro lado do espectro, aplicar o crime de constrangimento ilegal ou até mesmo de ato obsceno em público seria ferir o princípio da legalidade estrita ou da tipicidade, com tudo isso, o legislador foi obrigado a criar um novo tipo penal.

2.4 – CRIAÇÃO DE UM NOVO TIPO PENAL

Como externado, o Direito Penal da urgência tem como escopo criminalizar condutas que o poder público não foi capaz de reprimir, atendendo a anseios sociais e dando a população a falsa sensação de que os bens jurídicos mais valorosos estão sendo tutelados.

Criou-se então um novo tipo penal através da Lei 13.718/2018, que inseriu no Código Penal o Artigo 215 - A que prevê o crime de importunação sexual. Coincidentemente ou não, é o Artigo 215 do mesmo Código repressor que, quem defende que o stealthing é crime, entende ser aplicado. Com a criação desse novo delito, houve a revogação do crime previsto na Lei de Contravenções no Artigo 61, qual seja, o crime de importunação ofensiva ao pudor e, com isso, encerrou-se a celeuma jurídica a cerca de qual crime àqueles indivíduos cometeriam.

Dito isso, diante da semelhança entre o caso da importunação sexual e do stealthing, sendo que ambas as situações guardam situações fáticas idênticas e, com vistas a evitar uma punição mais gravosa ao agente ou, uma proteção deficiente a vítima, é patente a necessidade de o legislador normatizar essa conduta no Código Penal e, na sua ausência, visando dar maior segurança jurídica, que o Supremo Tribunal Federal, através de uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por omissão, pacifique qual o delito é aplicável ao caso concreto e determine um prazo para que o poder legislativo cumpra seu mister, seu dever de legislar.

2.5 – REPARAÇÃO CIVIL PELOS DANOS SOFRIDOS

Superados a discussão da matéria acerca da aplicação ou não do Direito Penal, passa-se agora a discussão acerca da responsabilidade civil pelos eventuais danos oriundos de tal prática. É necessário dizer que a doutrina e a jurisprudência é remansosa quando separa as instâncias, isso é, a responsabilidade penal independente da responsabilidade civil, significa dizer que, mesmo aquele fato não sendo definido como crime, é plenamente possível responsabilizar civilmente aquele indivíduo que se ache violado em sua esfera, quer seja moral, quer seja patrimonial.

Posto isto, analisemos a conduta, os efeitos ou resultados e como o poder judiciário deve se portar diante disso, analisemos então situações hipotéticas para que possamos, desse modo, em tese, aplicar ou não a responsabilização civil: No primeiro momento, olhemos então para um casal homossexual que não gozam de um relacionamento duradouro, tenham uma relação casual, durante o ato sexual, o parceiro remove o preservativo sem que o outro perceba, estamos diante da prática do stealthing, note então que o stealthing independe de uma das partes perceberem ou não, o fato se consuma com a mera remoção sem autorização. No caso hipotético, o indivíduo não se deu conta de que houve a remoção, passados alguns anos, ele vai doar sangue e descobre ser portador do vírus da imunodeficiência humana (HIV), nesse caso, a ele só resta se valer do uso constante e periódico dos medicamentos retrovirais que são capazes de controlar a doença, mas não elimina-la, esse ônus, será imposto àquele indivíduo enquanto ele viver.

Por outro giro, se o praticante de stealthing avisasse da remoção do preservativo, subsistiria ainda o ilícito civil porém, o indivíduo que foi prejudicado conta ainda com outro recurso, nas 72 horas seguintes ao ato, é possível eliminar a possibilidade de adquirir aquele vírus, há um tratamento denominado profilaxia pós - exposição que, iniciado nas 72 horas após o ato, elimina a chance de aquela pessoa contrair o vírus, lhe sendo imposto apenas a obrigação de continuar o tratamento por 4 meses.

Então, esse dispêndio de tempo, o abalo moral e psicológico de saber que pode ter contraído o vírus, ou pior, a certeza da contração, gera um abalo jurídico na personalidade da vítima capaz de exsurgir o direito de indenização, quiçá, uma pensão vitalícia em razão do preconceito que o portador do vírus sofre, nesse sentido, convém trazer à baila o que aduz Silvio de Salvo Venoso acerca do dano moral:

“Há consenso na doutrina e na jurisprudência que o dano moral seria a violação a um dos direitos da personalidade previstos no artigo 11 do Código Civil, como por exemplo, a violação do direito ao nome, à imagem, a privacidade, à honra, à boa fama, à dignidade etc., sendo dever do juiz que aprecia o caso concreto verificar cuidadosamente se determinada conduta ilícita, dolosa ou culposa, causou prejuízo moral a alguém, provocando sofrimento psicológico que supere meros aborrecimentos da vida cotidiana a que todos nós estamos sujeitos.”

Assim, mesmo a conduta não encontrando correspondência no âmbito do Direito penal, o Código Civil admite que se arbitra uma indenização por violação direta ou indireta de um dos Direitos da personalidade. No caso em comento, essa indenização sofrerá uma gradação de acordo com os danos sofridos, se a vitima percebesse ou tivesse ciência de que sofreu abuso e, desse modo, nas 72 horas seguintes ao ato, buscasse um órgão de saúde para que lhe concedesse o kit de profilaxia pós-exposição e, após os 4 meses, que é orientado, não houvesse transmissão do vírus HIV, haveria sim indenização, não só pela prática do ato, mas também pelo constrangimento e pânico causado a vítima; ocorrendo de outro modo, ou seja, houvesse a transmissão do vírus ou, o indivíduo só tivesse conhecimento da contaminação, meses depois nesse caso, a indenização civil deveria ser arbitrada em maior quantum.

Falando sobre a transmissão do vírus da AIDS, de forma voluntária, ou seja, nessa situação, o indivíduo que é portador tem consciência de sua condição soropositiva, se nesse caso, ele omite a informação do parceiro o Supremo Tribunal Federal (STF) tem entendimento pacífico que estará configurado o crime previsto no Artigo 131 do Código Penal:

“O Supremo Tribunal Federal, no entanto, de acordo com o relator do writ, o Ministro Março Aurélio, repudiou as razões ministeriais, fazendo prevalecer o entendimento de que não há que se falar em dolo eventual no caso específico, já que há para a hipótese previsão expressa em tipo penal. Logo, houve sim dolo específico de praticar o crime de perigo de contágio de moléstia grave: Art. 131. Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.” ( HC 98.712 de São Paulo)

A tese acima, defendida pelo STF não é uníssona, pois é plenamente possível que se aplique ao caso concreto a conduta tipificada no crime de lesão corporal gravíssima, pois diferentemente do que entende o STF, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento diverso:

“Para a 5ª Turma do STJ, trata-se de lesão corporal grave a transmissão consciente da síndrome da imunodeficiência adquirida (vírus HIV).

A decisão foi unânime, acompanhando o voto da Min. Laurita Vaz, de acordo com quem a AIDS enquadra-se perfeitamente no conceito de doença incurável, como previsto no artigo 129, § 2º, II, do CP. Não havendo, assim, que se cogitar de tipificar a conduta como sendo crime de perigo de contágio venéreo (art. 130, CP) ou perigo de contágio de moléstia grave (art. 131, CP).

A Ministra ainda acrescentou que o fato de a vítima ainda não ter manifestado sintomas não exclui o delito, pois é notório que a doença requer constante tratamento com remédios específicos para aumentar a expectativa de vida, mas não para cura.”

No caso esposado acima, também se admite a propositura de uma ação civil ex-delicto, que é a propositura de demanda jurídica que tem o condão de buscar indenização por danos sofridos em razão da prática de ato ilícito conforme se depreende do Artigo 91, I do Código Penal Brasileiro.

Nessa mesma esteira, ainda sobre a indenização advinda da pratica de atos ilícitos, o Código Civil de 2002 declarou de forma expressa que o causador de dano, ainda que o ilícito não seja penal, mas meramente extracontratual, tem o dever de reparar o dano, a essa responsabilidade a doutrina atribui o nome de aquiliana, pois independente de acordo prévio ou de contrato.

Pode se afirmar que, se dois indivíduos, de forma consensual e voluntária, decidem ter conjunção carnal e um dele, sem o consentimento do outro, viola essa cláusula, fato é que estará a incidir sobre o Artigo 186 ou o 187 do Código Civil que tem a seguinte redação:

“a) O artigo 186,CC, (“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”), trata daquilo que chamamos de ATO ILÍCITO PURO.

Conforme aduzido, este instituto é a regra no Brasil, pois decorre de uma conduta humana (comitiva ou omissiva), eivada de culpa (lato sensu), a qual se faz contrária ao ordenamento jurídico (ilicitude), e que causou danoà outrem.

b) O artigo 187, CC, dispõe: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”, ou seja, diferentemente da responsabilidade “pura”, lecionada no artigo anterior, este trata-se do chamado ATO ILÍCITO EQUIPARADO, ou simplesmente “Abuso de Direito”.

Diferentemente do ato ilícito puro, onde a conduta adotada já nasce ilícita, no ato ilícito equiparado o causador do dano seria sujeito de direito, e via de regra, poderia exercer o ato sem qualquer empecilho, já que o mesmo se encontra amparado pelas normas jurídicas.”

Nesse contexto é possível afirmar que a vítima de stealthing poderá se valer do poder judiciário para pleitear uma indenização pecuniária, ainda que isso signifique dizer que ela precisará demonstrar no curso do processo alguns elementos que também estão presentes quando o assunto é direito penal, são eles:

Demonstrado isso, teremos configurado o dano e, por conseguinte, o dever de repará-lo, quer seja, de forma pecuniária através de uma condenação judicial, quer seja, custeando despesas e gastos oriundos de tratamento com medicamentos, transportes, lucros cessantes (que é a perda em dinheiro que a vítima deixou de receber em razão do evento) ou ainda, danos emergentes que, no caso esposado, não se vislumbra, posto que, é inviável falar em perda patrimonial em razão de um ato sexual consentido, todavia, praticado de modo diverso daquele originariamente previsto.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Erivaldo Santos. Stealthing: quais os reflexos jurídicos decorrentes dessa prática?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7151, 29 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101555. Acesso em: 23 nov. 2024.

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