Dignidade da pessoa humana
A dignidade da pessoa humana é, nos termos da Constituição, um dos fundamentos da República (art. 1º, III, CR/88), sendo mencionada em diversos dispositivos constitucionais e, na esfera internacional, verifica-se que, no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos demonstrou-se a necessidade em proteger a dignidade humana, o que é corroborado pelo texto do art. 1º daquele documento, segundo o qual "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos".
[...] dignidade humana consiste na qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano, que o protege contra todo tratamento degradante e discriminação odiosa, bem como assegura condições materiais mínimas de sobrevivência34. Consiste em atributo que todo indivíduo possui, inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo etc15.
Quanto à dignidade humana, pode-se dizer que possui dois elementos caracterizadores, o positivo e o negativo. O elemento negativo implica na proibição de imposição de tratamento degradante ou de qualquer discriminação que atente contra a condição humana, conforme se extrai do art. 5º, III, da Constituição da República, o qual determina que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante".
O elemento positivo, por sua vez, implica na necessidade de que o ser humano tenha acesso a condições materiais mínimas para sua existência. O elemento positivo também está amparado pelo texto constitucional, quando há a previsão de que a ordem econômica terá a finalidade de assegurar a todos uma existência digna.
Da progressão de regime dos crimes hediondos após a edição da lei 13.964/19
Até o mês de março do ano de 2007, vigorava o texto legal que previa que a pena imposta aos crimes hediondos seria “cumprida integralmente em regime fechado”, redação esta que, conforme se extrai, fora declarada inconstitucional pela Suprema Corte brasileira, vindo a ser editada, então, a Lei 11.464/07, que trouxe nova redação ao §1º do art. 2º da Lei 8072/90, que passou a determinar que "a pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado”.
Considerando a citada alteração, a lei 11.464/07 trouxe, também, as frações de pena que, obrigatoriamente deveriam ser cumpridas para que pudesse haver a mudança da pena para um regime mais brando, estabelecendo que a progressão de regime dar-se-ia com o “cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente”16.
No ano de 2019, porém, fora sancionada a Lei 13.964 que, mais uma vez alterou a questão da progressão de regime dos crimes hediondos, cujas regras de passagem para regime de pena mais brando passaram a ocorrer na forma do art. 112 da Lei 7.210/90, Lei de Execuções Penais.
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos: [...]
40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário
50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional
condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado; ou
condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada;
60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;
70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.
A progressão de regime para crimes desta natureza passou então, a ser permitida mediante o cumprimento de percentuais que variam entre 40% (quarenta por cento) e 70% (setenta por cento) a depender de certos critérios de ordem subjetiva e objetiva.
Conclusão
A Suprema Corte Brasileira entendeu que a obrigatoriedade de imposição de regime exclusivamente fechado para os crimes hediondos seria inconstitucional, por ir de encontro aos princípios da individualização da pena e da dignidade da pessoa humana e, de igual modo, entendeu que mesmo a imposição legal de regime inicial de cumprimento fechado fere os referidos princípios constitucionais.
A decisão não parece a mais acertada, haja vista que, conforme se viu ao longo do presente trabalho, o regime de cumprimento é apenas um dos aspectos da individualização da pena, já que o ordenamento jurídico prevê diversos outros elementos hábeis a tornar a execução da pena única para cada caso concreto, seja na aplicação da pena, seja no seu cumprimento.
No que diz respeito à dignidade da pessoa humana, há que se destacar que nenhum direito fundamental é absoluto e, baseado neste fundamento, a Constituição da República estabelece tipos de pena que, por sua vez, mitigam direitos individuais daquele que pratica algum tipo de infração penal, inclusive o direito à liberdade. Ademais, a privação de liberdade, por si só, não deve ser considerada uma lesão à dignidade da pessoa, eis que, tal medida é adotada como ultima ratio.
Não se pode esquecer, ainda, que em que pese a pena tenha caráter preventivo, com escopo de ressocialização do apenado, possui, ainda, o aspecto retributivo que, não se pode negar, é uma demanda social importante, sobretudo no tocante aos crimes hediondos, que são, por sua natureza, de maior ordem de reprovabilidade. No que diz respeito a crimes graves, a sociedade demanda uma resposta do Estado que, nesse caso, poderá impor penas restritivas de liberdade que trazem certo alívio social.
Referências bibliográficas
ANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação penal especial. 13ª edição. São Paulo: Saraiva Educação,2018.
BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral I. 22ª edição. São Paulo/SP: Saraiva, 2016.
BRITO, Alexis Couto de. Execução penal. 5ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. BALTAZAR, José Paulo Junior. Legislação penal especial esquematizado.5ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral, volume I. 22ª edição. Niterói/RJ: Ímpetus, 2020.
MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado - parte geral - vol. 1. 10ª edição. São Paulo: Método, 2016.
MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015.
SANCHES, Rogério. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 6ª edição. Salvador/BA: JusPODIVM, 2018.
SILVA, José Geraldo da. BONINI, Paulo Rogério. LAVORENTI, Wilson. Leis penais especiais anotadas. 11ª edição. Campinas/SP: Millenium Editora, 2010. p. 215.
RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 7ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p 60.
Notas
2 “A pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”.
3 “a lei regulará a individualização da pena [...]”
4 BUENO, Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 2000.
5 GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. BALTAZAR, José Paulo Junior. Legislação penal especial esquematizado.5ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 70.
6 SILVA, José Geraldo da. BONINI, Paulo Rogério. LAVORENTI, Wilson. Leis penais especiais anotadas. 11ª edição. Campinas/SP: Millenium Editora, 2010. p. 215.
7 Art. 33, Decreto-Lei 2.848/40.
8 Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 6ª edição. Salvador/BA: JusPODIVM, 2018. p 443.
9 Curso de direito penal: parte geral, volume I. 22ª edição. Niterói/RJ: Ímpetus, 2020. p 615.
10 BITENCOURT, Cézar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral I. 22ª edição. São Paulo/SP: Saraiva, 2016. p 147.
11 MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado - parte geral - vol. 1. 10ª edição. São Paulo: Método, 2016. p. 47.
12 BRITO, Alexis Couto de. Execução penal. 5ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.p 73.
13 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015. p 84
14 MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015. p 217
15 RAMOS, André de Carvalho. Curso de Direitos Humanos. 7ª edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p 60.
16 Art. 2º, § 2º da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07.