Entra governo, sai governo e a tônica é sempre a mesma. As fontes produtivas do país (macro, microempresas e trabalhadores do setor privado), que efetivamente geram receitas (tributos) para custear a gigantesca e incompetente máquina administrativa, estão sempre no alvo da sanha arrecadatória para custear rombos novos e passados, num ciclo eterno que nos mantém na saga de termos uma das cargas tributárias mais altas do mundo.
Não foi diferente o que ocorreu no início do atual governo, no que tange à área tributária. No primeiro dia, via decretos, romperam-se vários incentivos fiscais vigentes, esquecendo-se que os benefícios fiscais não refletem bondade do fisco, mas têm origem na necessidade de dar competitividade ou atrair investidores para um determinado setor. Cite-se o Decreto 11.374/23, que derrubou o Decreto 11.322/22 assinado pelo governo anterior menos de dez dias antes.
No decreto de 2022, houve a redução do PIS/Cofins sobre as receitas financeiras das empresas sujeitas ao lucro real de 0,65% para 0,33% (PIS) e de 4% para 2 % (Cofins). O processo de redução desta tributação foi iniciado há anos, quando as alíquotas eram respectivamente 1,65% e 9,6%, e tinham como base, principalmente, evitar que o capital de giro próprio, em especial das multinacionais, não fosse remetido para suas matrizes, face ao rendimento ser mais convidativo aqui, salvo se a tributação não retirasse este atrativo.
Resultado, a decisão pela revogação do decreto de 2022 e repristinação da alíquota anteriormente vigente 0,65% e 4% fere frontalmente a garantia constitucional do artigo 150, III, “c” c.c com artigo 195, parágrafo 6º, sendo inconstitucional a cobrança das alíquotas do decreto de 2023 antes de superada a noventena exigida para aumento de tributos, já que teve vigência e eficácia a redução das alíquotas do decreto de 2022.
Na mesma linha, mas em caminho inverso, o governo anterior, ao apagar das luzes, publicou a Portaria 11.266/22, excluindo do Perse (programa que visa fortalecer as áreas mais abaladas pela pandemia com alíquota zero para PIS, Cofins, IRPJ e CSSL) bares e lanchonetes, um dos setores que mais geram empregos no país. No entanto, o novo governo não revogou esta portaria nas canetadas do primeiro dia de mandato. Assim, o setor segue sem entender qual a lógica da exclusão do Perse e do porque não ocorreu sua revogação pelo atual governo.
Além disso, neste entra e sai de governos, a tabela do IR pessoa física não é corrigida desde 1995, gerando aumento de 48 bilhões na tributação dos assalariados e aposentados. Seguindo sua sina de ser a única vítima para manter os descalabros da administração, surge agora uma série de medidas provisórias e atos administrativos trazendo novas alterações nefastas ao contribuinte sob o sugestivo nome "litígio zero”.
A MP 1.160/23 altera o processo administrativo federal para trazer de volta o famigerado voto de desempate pró-fisco. Ora, se a questão é tão discutível a ponto do empate no colegiado, a regra a ser aplicada é do CTN que, em seu art. 112, determina que a legislação tributária, quando em dúvida, deve ser interpretada pró-contribuinte.
Já a MP 1.159/23 altera as Leis 10.637/02 e 10.833/03 para excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Até aí, nada demais, já que se cumpre o leading Case RE 574706 (Tema 68) do STF. A questão é que a área econômica deixou transparecer que a lei representa renúncia de receita (R$ 6 bilhões), o que potencializa a necessidade de novas receitas tributárias compensatórias, o que jamais seria o caso, já que a tributação não é possível de ser exigida desde 2019.
Ainda na MP 1.160/23, novo atentado ao direito do contribuinte, quando simplesmente se limita a única instância administrativa as discussões de matérias tributárias cujo valor seja inferior a R$ 1.302.000,00. Ora, este valor representa quatro vezes a receita anual de uma microempresa e cerca de 28% do limite máximo anual de uma empresa optante pelo Simples. Não olvidamos que a CF traz limitações ao direito de recurso e, por conseguinte, não veda o legislador infraconstitucional de fazê-lo. Porém, desde que isto não leve à supressão desse princípio.
Quando estamos diante de uma situação em que uma empresa pode estar sendo autuada por valor que possa representar até três vezes sua receita anual e ciente das tendenciosas decisões que ocorrem nas primeiras instâncias administrativa, já que decididas pelas próprias autoridades fiscais, não resta dúvida que o princípio constitucional da ampla defesa (aplicado no âmbito judicial e administrativo) está sendo potencialmente mitigado.
Não nos parece sensato simplesmente ignorar o imensurável desajuste que nossa economia sofreu na pandemia, em especial as empresas de comércio e serviços, cujos reflexos pesam até hoje. Nem sufocá-las pela tributação, simplesmente pelo total descaso em se criar uma política de gastos séria. Criar teto de gastos para furá-lo, como ocorreu no governo anterior e no presente, demonstra que este ciclo propenso a vitimizar o contribuinte não terá fim.