Resumo: A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133/2021, vigente desde 1º de abril de 2021, traz nas suas regras de transição, até 31 de março de 2023, a possibilidade da autoridade competente optar por licitar ou contratar diretamente pela nova lei de licitações ou pela legislação antiga. Considerando que a lei não define que marco temporal será utilizado para “optar”, abre-se uma discussão, que podem trazer alguns reflexos importantes.
Regras de vigência da Lei nº 14.133/2021
Até 31 de março de 2021, a administração pública, para licitar e contratar, em regra, utilizavam a Lei nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos), a Lei nº 10.520/02 (Lei do Pregão) e as regras do RDC (Lei nº 12.462/2011), com seus regulamentos.
Em 1º de abril de 2021, foi publicada a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLC (Lei nº 14.133/2021), e, por força do art. 194, que prevê que a NLLC entra em vigência na data de sua publicação concluímos que a Lei nº 14.133/2021 não teve o chamado “vacatio legis”, período entre a data da publicação de uma lei e o início de sua vigência.
Então, em regra, a partir de 1º de abril de 2021, a NLLC já poderia ser utilizada; já poderíamos licitar ou contratar, diretamente, pela nova lei.
No entanto, considerando a necessidade de regulamentar diversos temas, sua aplicação ficou adiada.
Estando, então, vigente, a partir de 1º de abril de 2021, no entanto, a NLLC não revogou a legislação antiga integralmente de imediato. Estando essas regras nos incisos I e II, do art. 193, da Lei nº 14.133/2021.
As regras referentes aos crimes nas licitações, o inciso I, do art. 193, revogou de imediato os art. 89 a 108, da Lei nº 8.666/93. Tendo sido incluído, pelo art. 178, da NLLC, no Título XI da Parte Especial do Decreto-Lei nº 2.848/40 (Código Penal), o CAPÍTULO II-B - DOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS, composto, por sua vez, dos art. 337-E ao 337-P.
No entanto, acerca das regras para licitar e contratar, o inciso II, do art. 193, prevê que a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/02, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/11, serão revogadas, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial da Lei nº 14.133/2021 (ou seja, dois anos contados de 1º de abril de 2021).
Com isso, entre 1º de abril de 2021 e 31 de março de 2023, estão vigentes a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/02, arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/11, podendo a administração utilizar essas leis para licitar, ou a nova lei de licitações e contratos, Lei nº 14.133/2021.
Importante observar, com a vigência de todas essas normas nesse período, que a administração pública poderia tem um importante trunfo: a possibilidade de, ainda utilizando a legislação antiga nas licitações, experimentar as novas regras da Lei nº 14.133/2021, após a capacitação dos agentes que atuarão nas contratações na nova lei, além de realizar suas regulamentações necessárias, para sua aplicação com segurança.
E, da mesma, forma, permitiria, durante esses dois anos, os fornecedores se capacitarem para contratar com a administração pública observando as novas regras da Lei n 14.133/2021 com segurança.
No entanto, o que temos visto é o adiamento desse processo e, agora, faltando menos de três meses para o fim da vigência da legislação antiga, muitos órgãos sem regulamentações, sem reestruturação e sem capacitação. Afinal, em 1º de abril de 2023, não estarão mais vigentes a Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/02, arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/11.
Durante esse período, temos visto inúmeras dúvidas sobre esse período de transição, sobre a utilização de uma (legislação antiga) ou da nova lei de licitações, sobre o que pode ou não ser realizado e sobre o futuro das contratações.
Dentre algumas das questões, vimos questões como:
Se contratei pela lei nº 8.666/93, antes da nova lei, na prorrogação do contrato, posso ajustar para a nova lei nº 14.133/2021, já que está vigente?
Posso realizar um pregão para aquisição de material de expediente pela lei nº 10.520/02 e, em 2022, realizar um novo pregão para material de expediente pela lei nº 14.133/2021?
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Realizei uma dispensa de licitação em razão do valor pela lei nº 8.666/93, em 2022. posso realizar a mesma contratação, por dispensa de licitação, no mesmo exercício, pela lei nº 14.133/2021?
Se realizei um pregão pela lei nº 10.520/02 em março de 2023, mas a homologação ocorreu apenas dia 04.04.2023 (a lei nº 8.666/93 não está mais vigentes), o contrato terá que ser, obrigatoriamente pela nova lei?
Se realizei um pregão para um objeto simples pela lei nº 14.133/2021, posso, depois, voltar a utilizar o pregão da lei nº 10.520/02?
Se realizei toda a fase de planejamento da contratação pela lei nº 10.520/02, mas, o edital não foi publicado até 31 de março de 2023, perdi meu trabalho e terei que refazer tudo pela lei nº 14.133/2021?
Essas dúvidas, boa parte, podem ser respondidas pela própria Lei nº 14.133/2021. Outras estão gerando discussões.
Regras de transição da Lei nº 14.133/2021
Enquanto que o art. 193, da Lei nº 14.133/2021, regra a revogação da legislação antiga, temos, nos art. 190, 191 caput, e seu parágrafo único, as regras de convivência da legislação antiga e de transição para a Lei nº 14.133/2021, que responderão, em parte, no próprio texto da lei, às perguntas anteriores.
Primeiramente, observemos o art. 190 da Lei nº 14.133/2021:
Art. 190. O contrato cujo instrumento tenha sido assinado antes da entrada em vigor desta Lei continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada.
O artigo é claro ao regrar que o contrato assinado antes da entrada em vigor da Lei nº 14.133/2021 continuará a ser regido de acordo com as regras previstas na legislação revogada; ou seja, continuará a ser regido pela Lei nº 8.666/93 e demais regras aplicadas a ela.
Então, aquele nosso contrato que foi assinado até 31 de março de 2021 (antes da vigência da Lei nº 14.133/2021), seja um contrato por escopo, seja um contrato de serviço continuado, seja uma compra, esses contratos seguirão, durante toda sua vigência e prorrogações, regidos pela Lei nº 8.666/93, inclusive, as regras de reajuste e fiscalização.
Até pela lógica, como, antes de 1º de abril de 2021, não existia a Lei nº 14.133/2021, todo o procedimento da contratação, obrigatoriamente, não foi realizado sob sua égide. Impossível, então, alguma contratação ter existido sob a égide da Lei nº 14.133/2021 antes dessa data.
Então, ela própria rege que esses contratos, mesmo aquele contrato continuado, cuja cláusula de vigência permita a prorrogação até 60 meses, estendendo-se, por exemplo, a 2026, 2027 e, a depender, até 2028, mesmo a Lei nº 8.666/93 e suas normas infralegais não estando mais vigentes a partir de 1º de abril de 2023, mesmo assim, esses contratos continuarão regidos pela antiga lei de licitações.
Referida regra, entendemos que se estende às atas de registro de preços e, logicamente, às contratações resultado da referida ata.
Então, poderemos ter, por exemplo, uma ata de registro de preços assinada em 20 de março de 2021, com vigência de 12 meses, e, em dezembro de 2021 ser assinado o contrato resultado dessa ata, que esse contrato será regido pela legislação antiga.
Entendida a regra dos contratos firmados antes de entrada da vigência da Lei nº 14.133/2021, em seguida, temos o caput do art. 191:
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.
Referido artigo regra o que a Administração poderá fazer para contratar, entre 1º de abril de 2021 e 31 de março de 2023 (período que corresponde à regra do inciso II, do art. 193), considerando a convivência entre as normas antigas e a Lei nº 14.133/2021.
Durante esse período, o gestor público poderá, então, optar por realizar uma licitação ou contratar diretamente (dispensa de licitação, inexigibilidade) seguindo as regras da Lei nº 14.133/2021 ou a legislação antiga. Opção essa que deverá seguir duas premissas fundamentais: primeiro, que a opção que o gestor escolher utilizar em seu processo de contratação deverá ser indicada, expressamente, no edital ou no instrumento de contratação direta; segundo, que não poderemos ter procedimentos de contratação “Frankenstein”, ou seja, em um mesmo procedimento, um pedaço da regra ser da Lei nº 8.666/93, outro pedaço, da Lei nº 14.133/2021. Ou seja, de uma maneira que pode aparentar hilária, não poderemos ter um monstro em uma contratação.
Parece hilária a expressão, mas, é, apenas, para deixar claro o que a Lei nº 14.133/2021 regra, ao permitir o gestor ter a liberdade de optar por qual regra irá contratar nesse período, sem a possibilidade, no entanto, haver em um edital, no qual foram utilizadas as regras de regulamentos ou demais normas infralegais que estão sob a égide da Lei nº 8.666/93, ou um pregão, pela Lei nº 10.520/02, regras de contratação da Lei nº 14.133/2021. O que poderia trazer uma insegurança jurídica à contratação, indo de encontro ao próprio princípio constante na nova lei de licitações.
Então, por exemplo, determinado órgão pode, durante esse período de dois anos, realizar um pregão pela Lei nº 10.520/02, no caso, por exemplo, de um órgão que utilize o Decreto nº 10.024/2019 para realizar um pregão eletrônico, utilizá-lo para determinado objeto e, posteriormente, em outro procedimento licitatório, utilizar as regras do pregão, após regulamentado, da Lei nº 14.133/2021. E, até mesmo, posteriormente, retornar a utilizar a Lei nº 10.520/02 para realizar outro pregão para o objeto.
Determinado órgão poderá contratar por dispensa de licitação utilizando as regras da Lei nº 8.666/93 e, em determinado momento, realizar outra contratação, do mesmo objeto, por dispensa de licitação, observando as regras da Lei nº 14.133/2021.
Logicamente, em se tratando de dispensa de licitação em razão do valor (incisos I e II, do art. 24, da Lei nº 8.666/93, e incisos I e II, do art. 75, da Lei nº 14.133/2021), o gestor público deve se atentar aos limites da despesa para a contratação e à questão das regras para se evitar o fracionamento da despesa, considerando que há regras diferentes entre as duas leis.
No entanto, desde que observe as regulamentações de cada norma, o gestor público possui essa possibilidade de optar.
Então, entendendo que, durante os dois anos, o gestor pode optar por qual legislação utilizará no processo para contratar, como fica, por exemplo, um processo formalizado, planejado sob a égide da Lei nº 8.666/93, ou, por exemplo, um pregão eletrônico, planejamento observando-se a Lei nº 10.520/02, com o planejamento exigido pelo Decreto nº 10.024/2019, caso a licitação, por exemplo, ocorra até 31 de março de 2023, sendo o certame homologado após essa data e, consequentemente, o contrato assinado, por exemplo, em 30 de abril de 2023?
E, ainda mais impactante, no caso de todo o procedimento licitatório ter sido instruído, formalizado, planejamento com base na Lei nº 8.666/93, mas, a licitação só ocorrerá após 31 de março de 2023?
Para resposta a essa questão, veremos em seguida discussão sobre o tema.
Discussão sobre “optar por licitar” constante na Lei nº 14.133/2021 e a ultratividade das normas antigas
Então, a discussão para a resposta da questão anterior e que aborda a ultratividade (prolongação dos efeitos de uma norma para além do prazo de sua vigência) da legislação antiga pode ser iniciada pela própria leitura do parágrafo único, do art. 191, da Lei nº 14.133/2021.
Art. 191...
Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei, o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência.
Nessa regra do parágrafo único do art. 191, a lei prevê que, se a Administração optar por licitar observando as regras das normais antigas, Lei nº 8.666/93, a Lei nº 10.520/02, arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/11, o contrato resultado dessa licitação e, entendemos, também aplicável à contratação direta, por força do caput do artigo, será regido por essa legislação, e não pela Lei nº 14.133/2021, mesmo após 1º de abril de 2023.
Um exemplo, é aquele nosso contrato de serviço continuado de vigilância armada, do nosso contrato de manutenção veicular, do nosso contrato de fornecimento de combustível, cuja licitação pela modalidade pregão utilizou, por exemplo, a Lei nº 10.520/02, com a contratação sendo regida pela Lei nº 8.666/93; ou mesmo nossa obra, cuja licitação foi realizada pela Lei nº 8.666/93, com todas essas contratações firmadas entre 1º de abril de 2021 a 31.03.2023.
Para esse cenário, acreditamos que o entendimento é bem claro acerca da opção em licitar: licitação e contratação ocorreram até 31 de março de 2023, seguindo, então, toda a contratação pela legislação que fundamentou a licitação.
Tal entendimento, inclusive, é reforçado pelo professor Victor Amorim (2021), onde se entende que o gestor público “opta” por licitar ou contratar diretamente com a assinatura do contrato.
“Em caso de opção pelo regime da Lei no 8.666/1993, os contratos decorrentes do processo de licitação, dispensa ou inexigibilidade serão por ela regidos durante toda a sua vigência. A depender da vigência inicial e da possibilidade de prorrogação dos contratos, mesmo após 1º/4/2023 estar-se-ia diante da ultratividade da Lei no 8.666/1993, ao regular contratos específicos firmados até 31/3/2023.”
Mas, e, no caso da licitação ocorrer até 31 de março de 2023, mas o contrato for assinado após essa data; e, mais, ainda, caso todo o procedimento da fase de planejamento ocorrer pela legislação antiga até essa data, mas, a licitação e a contratação ocorrerem após? O que fazer?
Sobre a discussão, inicialmente, registramos entendimento da Secretaria de Gestão, do Ministério da Economia – SEGES/ME, a qual, por intermédio do Comunicado nº 10/2022, comunicou aos órgãos e entidades da Administração Pública Federal direta, autárquica, e fundacional, que o Sistema de Compras do Governo Federal (Compras.gov), estaria configurado, a contar de 31 de março de 2023, para recepcionar somente as licitações e contratações diretas à luz da nova lei de licitações, Lei nº 14.133/2021, considerando o exaurimento temporal da eficácia jurídica-normativa da legislação antiga.
Dessa forma, pelo comunicado da SEGES/ME, os editais publicados até 31 de março de 2023 sob a égide das Leis nº 8.666/93, nº 10.520/02 e arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462/11, permaneceriam regidos por essa legislação; no entanto, os editais publicados a partir de 1º de abril de 2023 deveriam observar a Lei nº 14.133/2021.
Pela regra imposta pelo comunicado, impactando na configuração do sistema Compras.gov, a SEGES/ME, então, entende que o marco temporal para a expressão “optar por licitar”, constante no art. 191, para a observância das regras do seu caput, é a data de publicação do edital: edital publicado pela legislação antiga até 31.03.2023, segue o parágrafo único do art. 191; edital publicado após essa data terá que ser com as regras da Lei nº 14.133/2021, não sendo impactado, então, pela regra do referido parágrafo.
Importante destacar que referido entendimento afeta, consideravelmente, os órgãos e entidades que utilizam o sistema Compras.gov para licitar, de todas as esferas de governo, independente do órgão, da estrutura, da maturidade com a nova lei e do que já tem sido regulamentado e capacitado.
Outro posicionamento bastante relevante consta no PARECER n. 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU, no qual foi discuta a expressão “optar por licitar ou contratar” pela Advocacia Geral da União, tendo o órgão concluído da seguinte forma:
I - A expressão legal "opção por licitar ou contratar", para fins de definição do ato jurídico estabelecido como referência para aplicação da ultratividade da legislação anterior, deve ser a manifestação pela autoridade competente, ainda na fase preparatória, que opte expressamente pela aplicação do regime licitatório anterior (Lei nº 8.666/93, Lei nº 10.520/2002 e Lei nº 12.462/2011).
II - Desde que respeitada a regra do artigo 191, que exige a "opção por licitar" de acordo com o regime anterior, ainda no período de convivência normativa, a Ata de Registro de Preços gerada pela respectiva licitação continuará válida durante toda a sua vigência, que pode alcançar o prazo máximo de 12 meses, sendo possível firmar as contratações decorrentes desta ARP, mesmo após a revogação da Lei nº 8.666/93, da Lei nº 10.520/2002 e da Lei nº 14.262/2011.
No referido parecer, a AGU, aborda, inclusive, na discussão, o entendimento da SEGES/ME e de doutrinadores.
Observamos que, no entendimento da AGU, ao qual nos afiliamos, o órgão entende que o momento da opção do gestor público por seguir por esse caminho (legislação antiga) ou outro caminho (Lei nº 14.133/2021) ocorre na fase de planejamento da contratação.
Com a máxima vênia e respeito ao posicionamento da SEGES/ME, respeito esse extensivo aos servidores que, nos últimos anos, vem transformando, sobremaneira, as compras públicas, com inovações, principalmente, tecnológicas e de procedimentais, que trazem uma evolução, importante observar que o texto da nova lei não define qual o marco temporal deverá ser considerado para se entender quando o gestor público opta por licitar por essa ou aquela legislação.
Importante, também, lembrar que o edital de licitação ou o aviso de contratação direta é o documento final da fase de planejamento, que será publicado com as regras que foram discutidas e definidas nessa fase tão importante, regrando a melhor solução a ser contratada pela administração. Publicação essa que inicia a fase externa da licitação.
Importante lembrar que uma contratação pública nasce de uma necessidade, a qual deverá ser estudada, discutida e buscado o melhor caminho a seguir, a melhor solução; sendo essa solução a ser contratada por meio de uma licitação, por meio de uma contratação direta, por meio de uma adesão a uma ata de registro de preços, e, até mesmo, ao final, pode-se concluir que nem haverá a necessidade daquela contratação.
Nessa fase, que é a fase de planejamento da contratação, a equipe de planejamento pode entender que, por razão de falta de regulamentação, falta de capacitação da equipe, falta de experiência para um objeto, por exemplo, mais complexo, o melhor caminho a seguir é utilizar, ainda, as regras da Lei nº 10.520/02, para realizar o pregão, contratando pela Lei nº 8.666/93; e seguir com uma certa segurança, ao invés de utilizar a Lei nº 14.133/2021.
Essa opção a seguir, então, uma vez determinada pela autoridade competente, determinará, por exemplo, como será elaborado o termo de referência, o edital, as regras de habilitação, prazos contratuais e regras para fiscalização e execução do contrato. Determinará, por exemplo, se a ata de registro de preços será regida pelos regulamentos sob a égide da Lei nº 8.666/93 ou sob os regulamentos sob a égide da Lei nº 14.133/2021.
Não entendemos que a “opção” ocorra ao final da fase de planejamento, com a assinatura do edital ou do aviso de contratação direta (lembrando até que, sendo a opção adotar a contratação direta pela Lei nº 8.666/93, a própria lei não exige a publicação de aviso de contratação direta e a mesma transparência da Lei nº 14.133/2021). Exatamente, porque, entre a necessidade surgida, até a elaboração do edital, existe a fase de planejamento, na qual a discussão sobre a melhor solução, até 31 de março de 2023, permite a Administração Pública seguir com a legislação antiga ou com a Lei nº 14.133/2021.
Referido entendimento se assemelha ao do professor Joel de Menezes Niebuhr, que lembra, inclusive, que a publicação do edital dá início à fase externa da licitação, quando o caminho a ser seguido, se pela legislação antiga ou pela Lei nº 14.133/2021, já foi definido na fase de planejamento.
De acordo com o artigo 17 da Lei n. 14.133/2021, o processo licitatório inicia-se na etapa preparatória, referido no seu inciso I, seguido pela divulgação do edital, conforme inciso II do mesmo artigo. Noutros termos, quando aberto o processo administrativo para a preparação da licitação, considera se que foi iniciada a licitação. A publicação do edital dá início a fase externa da licitação, não à licitação no seu todo- iniciada anteriormente com a etapa preparatória.
“Sendo assim, a conclusão é de que as licitações cujas etapas preparatórias tenham sido iniciadas no biênio sob o regime antigo, ainda que os editais não tenham sido publicados, podem prosseguir sob o seu regime inicial mesmo depois do encerramento do biênio” (NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 5ªedição. Belo Horizonte: Fórum, 2022. p. 60 e 61).
Outra lógica importante a ser observada é que, como a própria Lei nº 14.133/2021 prevê, no inciso II, do art. 193, que a legislação antiga estará vigente até 31 de março de 2023, e o art. 191 caput permite que o gestor opte nesse período, adotando-se como referência a data de publicação do edital, estar-se-ia reduzindo o prazo para essa opção; afinal, sabe-se que um processo licitatório bem instruído, a depender da complexidade, terá, pelo menos, três a quatro meses de planejamento.
Considerando esse prazo para o planejamento, então, o gestor não teria mais dois anos para optar em utilizar a legislação antiga, mas, sim dois anos menos três ou quatro meses para essa decisão, já que, em uma opção nesse sentido, para que o edital fosse publicado até 31 de março, essa decisão seria bem antes, talvez, até mesmo antes da discussão da melhor solução; no início do processo. Sem falar nas situações as quais, mesmo o órgão adotando todo o planejamento necessário, com todas as premissas e observando todos os princípios, caso, por exemplo, o edital, publicado até 31 de março de 2023 fosse impugnado, tendo que ser alterado, já restaria prejudicado todo o trabalho realizado, caso o procedimento fosse formalizado pela legislação antiga.
Destacamos que o objetivo principal das contratações da administração é atender o interesse público. E, nesse sentido, em que pese a Lei nº 14.133/2021 ter concedido o prazo de dois anos para que os órgãos a experimentassem, não podemos fechar os olhos para a realidade do país, onde temos órgãos com realidades diversas, até mesmo para se definir se consegue observar o princípio da segregação de função e até para se definir quem assina um edital. Não podemos fechar os olhos para contratações que afetam, consideravelmente, a sociedade, como na área da saúde, educação, infra estrutura, e que, definir o marco tempo da “opção por licitar” sendo a data de publicação do edital, poderemos, após todo um planejamento da contratação com base na legislação antiga, estarmos deixando de contratar um serviço essencial, para se iniciar um novo trabalho pela nova lei de licitações, caso se adote o marco temporal para “optar por licitar” sendo a publicação do edital, até 31 de março de 2023.
Logicamente, importante destacar o alerta que a AGU trouxe no PARECER n. 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU:
67. Por fim, convém salientar que esta interpretação não pode legitimar atitudes oportunistas de gestores que indiquem precipitadamente uma opção por licitar de acordo com a legislação anterior, ainda na fase inicial de planejamento, apenas com o condão de preservar a sua utilização daquela legislação por período deveras prolongado, em afronta ao princípio da duração razoável do processo, à responsabilidade pela boa governança e à boa-fé administrativa.
Seguindo essa lógica, entendemos que, caso seja necessário o gestor opte por licitar pela legislação antiga, no documento que definirá essa opção, na fase de planejamento, seja justificada a opção. Para não termos opções definidas à beira do prazo final, fazendo com que procedimentos licitatórios, ainda no início da fase de planejamento, perdurarem por prazos absurdos, que levem a licitações, sem as devidas justificativas, serem realizadas em 2024, por exemplo, ainda com fundamento na legislação antiga.
Será justificável aquele órgão que, até o momento, não capacitou seus servidores, não regulamentou os principais pontos necessários da Lei nº 14.133/2021, não buscou se estrutura ou se interessar pela nova lei, simplesmente, ao final do prazo, no início do processo, determinar que se continue utilizando a legislação nova?
Ou será que os órgãos de controle deverão exigir a justificativa necessária, plausível, para que não se banalize essa ultratividade da legislação antiga, por uma interpretação mais flexível?
Esperemos que a adoção de uma interpretação mais flexível não banalize as compras públicas.
REFERÊNCIAS
Lei nº 14.133/2021 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm
PARECER n. 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU - https://drive.google.com/file/d/1kR5ZlQgWDL2vUMFHtthtqNynPNWVbFzl/view
AMORIM, Victor Aguiar Jardim de, 1986- Licitações e contratos administrativos : teoria e jurisprudência / Victor Aguiar Jardim de Amorim. – 4. ed. – Brasília, DF : Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2021
NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo. 5ªedição. Belo Horizonte: Fórum, 2022.