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Arma de brinquedo (art. 10, § 1º, inc. II, da Lei 9437/97)

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Agenda 01/11/2000 às 00:00

INTRODUÇÃO

A Lei 9.437/97 em seu art. 10, § 1º, inc. II, traz o seguinte tipo incriminador: "Nas mesmas penas [detenção de um a dois anos e multa] incorre quem: (...) II - utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes".

O legislador mais uma vez antecipou-se criando um tipo autônomo de verdadeiros atos preparatórios para tentar combater o já enraizado uso de armas de brinquedo no cometimento de crimes. Como veremos, o legislador, intencionalmente ou não, foi inteligente na confecção do crime que estudaremos. Um dos grandes problemas dos dias atuais é a criação interminável de tipos na tentativa errônea de combater a criminalidade, pois o Direito Penal em sua essência deve ser exceção, visto que nunca foi e não será o salvador da pátria para problemas sociais, econômicos etc. O que dizer então da punição de atos preparatórios? É bom que seja, como manda o art. 31 do Código Penal, uma exceção dentro do Direito Penal. Veremos que a atuação do Estado na reprimenda de atos preparatórios que exigem elemento subjetivo explícito, como no nosso caso, pode trazer grande insegurança jurídica e arbitrariedade, uma vez que a linha divisória do que é lícito e do que é crime é tênue demais.

Por esses motivos o legislador foi inteligente e cauteloso, criando um tipo (não é o primeiro) de atos que sozinhos não oferecem nenhum perigo. Atos que não trazem lesividade e ainda constituem um verdadeiro direito. No entanto, os mesmos atos somados a uma finalidade específica transformam a conduta em um perigo real e iminente para a sociedade, com lesividade visível e palpável à paz social.

Demonstraremos que a doutrina se precipitou. Ora analisa o crime apenas sob o ponto de vista da conduta e, é claro, não vê lesividade jurídica do crime; ora analisa a expressão "para o fim de cometer crimes" afastando a aplicabilidade do crime por tratar-se de expressão de idéia futura quando a conduta é presente – que ótimo, pois, se assim não fosse, como veremos, o crime realmente seria infeliz e inaplicável.

Por ser um tipo autônomo, o crime em estudo é totalmente compreensível e aceitável e pode ter real aplicação na prática, punindo aqueles que a lei quis punir. Para isso, basta que se ultrapasse a dificuldade que qualquer tipo criado com a mesma fórmula (atos preparatórios + finalidade subjetiva descrita no tipo) apresentará: o meio de prova.


INTENÇÃO DO LEGISLADOR

O grave problema do uso de armas no cometimento de inúmeros crimes não é atual, muito menos exclusividade do Brasil. O aumento da violência com armas de fogo provou que não havia mais como punir criminosos com uma contravenção penal e passou-se a exigir uma resposta para os problemas causados com armas de fogo. O legislador, respondendo a uma verdadeira necessidade, coloca em vigor a Lei de Armas de Fogo, 9.437/97. A intenção clara da Lei é cercar os criminosos que fazem uso de armas de fogo e eram levemente punidos com um dos delitos liliputianos. Essa intenção manifesta-se, por exemplo, com a inclusão de 18 núcleos no art. 10, caput, da Lei; ou na expressão "transportar" do mesmo artigo, que vem para resolver problemas doutrinários e jurisprudenciais. O agente deixava a arma de fogo no porta-luvas ou porta-malas de seu veículo e, para escapar da lei, argumentava dizendo que não estava "portando".

E quanto à arma de brinquedo?

A criminalidade também se desenvolve e não era novidade o uso de armas de brinquedo no cometimento de crimes, muitas vezes o roubo, art. 157 do Código Penal. Um objeto que imita uma arma de fogo demonstrou-se de uma eficiência ímpar, uma vez que as pessoas de bem, sabedoras do mal que uma arma de fogo pode causar, sempre sucumbem a essa verdadeira violência. Podemos, com a devida compreensão, classificar a arma de brinquedo como a rainha da vis compulsiva.

O delinqüente descobriu um jeito de obter a mesma vantagem patrimonial sem valer-se de uma arma de fogo, escapando do aumento de pena previsto para o roubo (art. 157, § 2º, inc. I, Código Penal). Não entraremos no mérito das duas correntes doutrinárias que surgiram a respeito do aumento ou não da pena do roubo pelo uso de arma de brinquedo (Súmula 174, STJ), uma vez que não traz diferença para o crime que agora estudamos.

A intenção da nova lei é clara, o legislador percebeu que não adiantaria todo esforço para elaboração da Lei 9.437/97, sem tratar de um problema conhecido e grave: cometimento de crime com arma de brinquedo. E por isso criou um tipo incriminador sobre o assunto, antecipando-se e punindo aqueles que quiserem escapar dos preceitos específicos para arma de fogo, servindo-se de arma de brinquedo (ou simulacro) para seu empreendimento criminoso.


ARMA DE BRINQUEDO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA – ESPÉCIES DO MESMO GÊNERO

O ponto crucial do nosso estudo é analisar a forma que criou o crime em estudo.

O legislador nem sempre demonstra uma boa técnica e coerência ao editar leis penais, sobrando para o intérprete essa árdua tarefa, pois nunca é demais a preocupação com analogias in malan partem ou interpretações que tragam mais dano do que benefício à comunidade. Basta lembrar os problemas do art. 9º da Lei 8.072/90 ou a solução dada ao art. 14 da Lei 6.368/76, também por infelicidade do legislador de 1990.

No nosso caso o legislador foi primoroso, pois explicitamente pegou de empréstimo a forma do art. 288 do Código Penal, formação de quadrilha ou bando. Este crime compõe-se da soma de atos preparatórios a uma finalidade criminosa. Ambos, o art. 288 e o art. 10, § 1º, inc. II, da Lei 9.437/97, são espécies do gênero "atos preparatórios com finalidade criminosa".

Como espécies do mesmo gênero, podemos dizer que são exceções no Direito Penal, só possíveis pelo art. 31 do nosso diploma penal. E é bom que seja assim. O legislador pode, mas não deve, antecipar-se até os atos preparatórios. Se o próprio crime já deve ser exceção no Direito, o que dizer da punição de atos preparatórios. Só em casos excepcionais, de real necessidade, deve o legislador criar tipos como esses. Isso porque a conduta não apresenta gravidade intrínseca e nem seria típica, não fosse a construção do tipo penal autônomo que a puni. Sua gravidade ou lesividade social surge quando a ela se agrega uma finalidade específica, de índole criminosa. Torna-se difícil o meio de prova. Como não se pode ler pensamento, são as circunstâncias externas que demonstraram que os autores tinham a intenção de cometer crimes.

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O art. 288 descreve a conduta de associação de mais de três pessoas para finalidade criminosa. Da mesma maneira o crime em estudo descreve a utilização de arma de brinquedo para finalidade criminosa. São idênticos em sua construção típica, o que demonstra a cautela que teve o legislador, na medida em que se serviu de um exemplo de quase sessenta anos de aplicação, sempre considerado constitucional, compreensível e totalmente aplicável: a formação de quadrilha.

Podemos inferir que, para aplicação prática, o nosso crime terá a mesma dificuldade que qualquer outro da mesma espécie. A mesma dificuldade que a formação de quadrilha sempre teve: o meio de prova.


POTENCIALIDADE LESIVA

O crime em estudo tem potencialidade lesiva?

Tem e muito. A doutrina, data venia, equivoca-se ao dizer que o crime não pode ser considerado aplicável por ausência de potencialidade lesiva.

Podemos partir de seu irmão, o art. 288 do Código Penal. A formação de quadrilha tem potencialidade lesiva? Claro que tem, dirá a unanimidade da doutrina. Então mudamos a pergunta: Associação de mais de três pessoas, por si só, também tem potencialidade lesiva? Não só não tem, como é um direito constitucional intocável o direito de associação. Ora, se considerarmos a associação de quatro pessoas isoladamente, provocar-se-á, com razão, revolta ao dizer que tal conduta deve ser incriminada. Não deve e não pode, pois, como dito, o direito de associação não só é lícito como é um direito previsto na Carta Magna. O que transforma a associação, "do mocinho no bandido", é simplesmente a finalidade criminosa que o tipo traz como elementar.

Sempre se diz que a diferença entre o remédio e o veneno é a quantidade. Desse modo, assim como pode parecer um absurdo chamar açúcar, de que tanto gostamos, de veneno, ele pode excepcionalmente ser um veneno mortal. Basta ministrá-lo a um diabético. Da mesma maneira é realmente absurdo condenar, execrar, incriminar a associação de mais de três pessoas, a menos que se esteja diante do tipo de formação de quadrilha, em que há uma finalidade criminosa. A mesma associação de quatro ou mais pessoas que não tem potencialidade lesiva, e sim benefícios à sociedade, terá e muito se a finalidade for criminosa, como consta de maneira primorosa no tipo.

E quando simplesmente se utiliza arma de brinquedo, há potencialidade lesiva?

Se houvesse, talvez não teríamos infância. Nunca teve, não tem e nunca terá. Podemos, exagerando, até extrair um direito à utilização de arma de brinquedo pelos jovens, sempre dispostos a imitar seus heróis de desenhos e filmes norte-americanos, armados como guerreiros. No entanto, não é esse "utilizar" que cuida o crime em estudo. Assim como o núcleo "associarem-se", a conduta de utilizar arma de brinquedo ganhará muita lesividade jurídica se somada à finalidade criminosa, colocada também de maneira primorosa no tipo incriminador.

A lesividade não está no objeto em si, pois não passa de um brinquedo, e talvez essa expressão tenha assustado a doutrina. A lesividade, que não é pouca, está no meio de vida daquele que, fazendo útil uma arma de brinquedo, está mantendo seu empreendimento criminoso, na iminência de cometer um crime. O que o legislador quis punir, antecipando-se, é o empreendimento criminoso, servindo-se de um objeto (seja arma de brinquedo ou um simulacro capaz de atemorizar outrem) que pode tornar bem mais eficaz o cometimento de qualquer crime.

Ora, na formação de quadrilha nem são necessários objetos corpóreos para configuração do delito, basta associação intelectual desde que tenha finalidade criminosa. Concluiu o legislador que deve reprimir esse estado de ânimo, essa organização, essa "sociedade comercial" que pretende fabricar crimes.

O enfoque não deve ser dado à arma de brinquedo, um simples objeto inofensivo, quase sempre de plástico, e sim ao tipo como um todo. O legislador corretamente se antecipou, concluiu que deve punir esse estado de ânimo, essa transformação de um objeto em um instrumento prestes a disparar; não projéteis, óbvio, mas disparar a consumação de vários outros crimes.

Há um poder maléfico armazenado na quadrilha, na iminência de lesionar a sociedade. É o mesmo poder armazenado no indivíduo que utiliza um objeto de maneira a facilitar, tornar possível o cometimento de inúmeros crimes.

Enquanto o art. 288 tenta desmontar a "empresa" criminosa, o crime em estudo tenta desmontar o "empresário individual", o fabricante de delitos.

Nas inúmeras favelas do nosso imenso país, a utilização de uma arma de brinquedo com finalidade criminosa tem uma lesividade maior que muitos delitos. O equívoco da doutrina foi olhar para um simples brinquedo de criança, desprezando toda situação que o tipo exige para se elevar a conduta a um crime autônomo.

Poder-se-ia, por absurdo, dizer que o legislador não se pode antecipar dessa maneira, pois a conduta não tem como lesionar, no presente, qualquer bem jurídico. Convenhamos, então a associação criminosa de mais de três pessoas também é inconstitucional e inaplicável. Não tem a formação de quadrilha, da mesma maneira, como ofender qualquer bem jurídico, pois os agentes ficaram só nos atos preparatórios. Nada fizeram ainda, apenas se prepararam.

É claro que ambos os delitos têm lesividade jurídica se os estudarmos como tipos autônomos que são. Enquanto a doutrina ficar procurando uma ofensa, lesividade jurídica a uma vítima determinada para o crime em estudo, não a encontrará e ainda concluirá equivocadamente que o tipo não pode ser aplicado.


REDAÇÃO PERFEITA DO TIPO

Podemos dizer mais uma vez que o legislador, intencionalmente ou não, foi primoroso na criação do tipo incriminador para quem utilizar arma de brinquedo (ou simulacro) com a finalidade de cometer crimes. Usando a mesma fórmula da formação de quadrilha, o próprio tipo resolve os problemas que a doutrina aponta, graças a sua boa redação.

Não é demais lembrar que há uma grande dificuldade quanto ao meio de prova pela própria natureza do crime. Aliás, a idêntica dificuldade que já temos no crime de formação de quadrilha e qualquer outro da mesma espécie.

Importante também dizer que a aplicação do dispositivo foi restringida pelo núcleo. É certo que seja assim, pois se trata de meros atos preparatórios com finalidade criminosa. Não foi sem motivo a exigência de mais de três pessoas no art. 288. O legislador achou demais a punição de três pessoa ou menos que se associam para cometer crimes. É coerente e necessária a precaução na incriminalização de atos preparatórios, ainda mais dessa espécie (somadas à finalidade criminosa).

Com isso, vai-se demonstrando a aplicabilidade e a inteligente redação do referido tipo incriminador que complementou a Lei de Armas de Fogo.

Quanto ao núcleo do tipo

O núcleo do tipo é "Utilizar". Utilizar, segundo o dicionário, é tornar útil, aproveitar, servir-se. Útil por sua vez é: que tem algum uso, que serve para alguma pessoa ou coisa. Se utilizar é fazer algo transformar-se em útil, podemos dizer que quem torna útil faz ter serventia o que antes não tinha.

Utilizar é mais do que o simples portar e é mais do que trazer consigo. Pode ocorrer, mas nem sempre quem porta está utilizando. O legislador preocupou-se em exigir a certeza de que o agente está tornando um objeto sem importância, um simples brinquedo em uma arma em potencial, eficaz na consumação de vários delitos. Um verdadeiro perigo para a coletividade. Isso para separar aquele que brinca, ou transporta uma arma de brinquedo daquele que deseja manter seu empreendimento criminoso. O núcleo, de maneira inteligente, é um divisor de águas. A expressão utilizar traz consigo verdadeira soma objetiva e subjetiva. Enquanto portar é um estado apenas objetivo, pois é difícil mensurar a intenção que está no "portar", o verbo utilizar nos dá a idéia de uma intenção, uma ligação subjetiva entre o agente e o objeto. Assim, realmente o agente quer mais que portar, mais que trazer consigo. Utiliza, transformando pelos seus atos o objeto em algo útil para sua finalidade.

Inteligência do núcleo do tipo. Se o tipo trouxesse como núcleo o verbo portar ou trazer consigo, seria a verdadeira incriminalização da arma de brinquedo. Estaríamos punindo aquele que está carregando um pedaço de plástico. Nesse caso seria fácil a prisão em flagrante por se tratar de uma simples aferição objetiva, saindo do espírito da Lei e dando margem a inúmeras arbitrariedades. Imaginem uma blitz policial em frente a uma loja de brinquedos.

Por hipótese, imaginemos se houvesse no art. 288, como núcleo, o verbo juntar-se. Seria uma forma mais objetiva sem o ânimo de associar-se, sem o affectio societatis. Da mesma maneira se daria uma amplitude maior do que a intenção da lei, não alcançando a finalidade de punir as empresas criminosas. Seria fácil a arbitrariedade e com certeza uma afronta aos direitos individuais. Por isso, o tipo reclama mais, sempre lembrando que se trata de atos preparatórios que materialmente ainda não afetaram a sociedade: uma antecipação do legislador.

Foi feliz o legislador com a referida redação, dando mais segurança aos direitos individuais e exigindo mais que uma ligação objetiva entre o agente e o objeto material do crime. As circunstâncias devem demonstrar que o agente não apenas portava, mas dava utitilade ao objeto para possível cometimento de crimes indeterminados. Demonstra-se novamente que o legislador não pune a arma de brinquedo em si, mas o estilo de vida, o empreendimento criminoso capaz de fabricar crimes.

Quanto à expressão "para o fim de cometer crimes"

Para alcançar a sua intenção, o legislador evidentemente fez uso da mesma fórmula do art. 288 do Código Penal, descrevendo como conduta atos preparatórios totalmente lícitos, transformados em grande perigo para sociedade se somados à finalidade criminosa. Com isso, imitou no final do tipo a expressão "para o fim de cometer crimes".

Com essa expressão, elemento subjetivo explícito no tipo, o crime em estudo torna-se autônomo, dando-lhe aplicabilidade e evitando problemas, como concurso e posterior absorção de crimes. Fica claro que o agente não tem em mente um crime específico, nem precisa cometer qualquer crime para que se encaixe como uma luva no tipo. O que se pune não é o emprego da arma de brinquedo em um crime determinado e sim a conduta de dar utilidade, de servir-se de arma de brinquedo para cometer crimes indeterminados.

A conduta de ambos os crimes, "utilizar arma de brinquedo" e "associarem-se", é presente, bem como a finalidade, a vontade também é presente, atual, porém destinada a produzir efeitos futuros. Não há problema na conduta atual com a finalidade futura, pelo contrário. A prova do que o agente quer produzir no futuro é que justifica a punição no presente.

Se a palavra crime estivesse no singular, o tipo seria suicida. Não se teria um tipo autônomo e, sempre que o agente empregasse arma de brinquedo (ou simulacro) em um crime determinado, ocorreria a absorção. A Lei estaria incentivando o cometimento do crime com arma de fogo, uma vez que seria crime único em vez de dois crimes em concurso se cometido com arma de brinquedo. No entanto, com a redação precisa do tipo não há que se confundir o delito em apreço, de objetividade jurídica própria, com os possíveis que o agente possa praticar.

Por que não se lembrar de seu irmão mais velho (quanto à forma)? A formação de quadrilha é tipo autônomo, independente de qualquer crime futuro que os quadrilheiros venham a praticar. Na verdade, eles não precisam praticar um delito sequer para encaixar-se no tipo do art. 288 do diploma penal. Teleologicamente, se os agentes praticarem crimes futuros, podemos dizer que a infração penal prevista no art. 288 não cumpriu com efetividade seu papel de desmontar a empresa criminosa. O bom seria se fossem punidos antes da prática de delitos futuros, para evitá-los. Ora, é a antecipação do legislador.

Da mesma maneira, aquele que utiliza arma de brinquedo para finalidade criminosa deveria ser punido antes de praticar os delitos que tem em mente, sob pena da não-efetividade da lei penal.

É possível então a aplicação isolada do crime de utilizar arma de brinquedo (ou simulacro) para o fim de cometer crimes?

Perfeitamente possível, da mesma maneira que o art. 288 do Código Penal e qualquer outro delito feito sob a mesma forma, da mesma espécie. Haverá dificuldade, e não será pouca, quanto ao meio de prova pela natureza das infrações. Demonstraremos com exemplos que se pode aplicar o crime em tela.

Não é demais ressaltar que o que torna a conduta (em princípio inofensiva) de utilizar arma de brinquedo em situação justificante para criminalização é justamente o elemento subjetivo explícito do tipo, dando-lhe grande potencialidade lesiva. Transformando, como já dissemos em uma comparação, o açúcar em veneno.

Quanto à "arma de brinquedo" e "simulacro de arma capaz de atemorizar outrem"

As expressões coadunam-se com a intenção do legislador, de punir por antecipação aqueles que montam seu empreendimento criminoso, valendo-se de objetos semelhantes a armas de fogo.

O importante é notar que o brinquedo em si é inofensivo e, como dito, atípico por excelência. A importância aparece quando se soma a transformação deste inofensivo objeto em instrumento de fácil e efetiva aplicação no cometimento de crimes com a intenção do agente em praticá-los.

O próprio tipo ensina que o objeto deve ser capaz de atemorizar alguém, isto é, o agente deve ter a capacidade de fazer do objeto uma arma capaz de consumar crimes. Arma, claro, no sentido de instrumentalidade no cometimento de um crime. Meio hábil para ajudar na consumação de um crime futuro.

A expressão "arma de brinquedo" pode levar o intérprete a comparar um brinquedo com uma arma de fogo e tal comparação não será feliz no estudo deste crime que é autônomo e independente. O crime foi inserido na Lei para cuidar de uma situação conhecida e comum nos dias atuais. Se não fosse criado, sabendo do tratamento mais severo da lei para as armas de fogo, os delinqüentes seriam encorajados mais ainda ao uso de simulacros e armas de brinquedo no cometimento de seus crimes, escapando aos rigores da Lei nova.

Quanto à Pena

É aplicada a mesma pena de dois outros crimes do § 1º do art. 10: detenção de um a dois anos e multa. Conclui-se que o legislador não respeitou, como deveria, o princípio da proporcionalidade das penas. Aliás, infelizmente é comum no Direito Penal a desproporção das penas. Basta citar a pena do homicídio culposo do Código Penal, art. 121, § 3º, que é a mesma da injúria racial prevista no art. 140, § 3º, do mesmo diploma; sendo esta de reclusão e aquela de detenção.

Essa falta de propriedade não pode tirar a constitucionalidade do referido dispositivo, nem sua aplicabilidade, apesar da lamentável desproporcionalidade.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NORCIA, André Luiz Rodrigo Prado. Arma de brinquedo (art. 10, § 1º, inc. II, da Lei 9437/97). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1028. Acesso em: 5 nov. 2024.

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