1. A MODERNIDADE E SEUS MITOS. OU: NÓS, MODERNOS.
O Estado Moderno se ergue a partir de uma série de mitos construídos e cultivados através de uma racionalidade cientificista que se sustenta pelo empirismo cartesiano. Em tal modelo, há a ideia de que o conhecimento vem da razão, que só é valida se passível de testificação empírica, exigindo, assim que os objetos de estudo sejam concebidos em uma perspectiva assujeitadora, de natureza essencialmente dual.
Operamos costumeiramente na lógica do válido e do inválido, do certo e do errado, do normal e do anormal. O dualismo referido ajuda ao investigador a assenhorar-se do seu objeto de estudo, adequando as distorções vindas da existência das coisas no mundo concreto, às suas teorias.
A padronização dos objetos permite ao positivista, senhor da testificação validativa, conter as coisas em gêneros, e expurgar as que não podem ser contidas do mundo concreto, por fugirem aos seus conceitos (criados sem as coisas e suas possibilidades).
Na modernidade o direito se constitui da mesma forma, e, tendo como base um ideal de dever ser que se estrutura em uma dogmática jurídica de natureza lógico-dedutiva correspondente à chamada jurisprudência conceitual. Nela fixamos o a priori do sistema, o que nos impossibilita de focalizar imparcialmente seus problemas.
Partindo dessa estrutura, a aproximação das coisas se dá independentemente da necessidade de uma pesquisa (supérflua por já haver um a priori definido). Assim, as verdades previamente assentidas como tais formam um horizonte hipotético dedutivo de validade que se impõe independentemente do mundo concreto.
É claro que se o regular (ideal) produz o esperado, o irregular produz a surpresa, rompe com a previsibilidade, talvez o maior mito da modernidade. A surpresa, inesperada que é, instabiliza a ordem e ameaça ao progresso, logo, deve ser contida. O que foge a regra deve ser contido por ela, custe o quanto custar, e na maioria das vezes custa bem caro.
A lógica da interdição se constrói fora do mundo concreto, as coisas se perdem em seu dever ser como ideal de perfeição, onde o normal funciona perfeitamente por ser fruto da razão. Bem, com a constatação de que as coisas nem sempre funcionam, a previsibilidade moderna é colocada em xeque.
Nós, modernos, somos excelentes algozes. Aprisionamos as coisas para torna-las previsíveis, passíveis de serem empiricamente testificáveis, tentamos construir um modelo de racionalidade para as ciências do espírito baseado nas ciências exatas, neutras. Ora, toda ciência é ideológica. Procuramos de maneira frenética prender as coisas em sentidos – daí a restarem só os sentidos sem as coisas. Queremos aprisionar o tempo, e com isso o sentido histórico da existência social do homem.
Para nós modernos resta ainda uma questão: como limitar as possibilidades das coisas? É só aprisiona-las fora do tempo e do mundo concreto, em gêneros, próprios do modelo de uma racionalidade assujeitadora como a nascida com a modernidade, que tem como finalidade a de dar certo grau de previsibilidade às ciências do espirito.
Faria Costa lembra que a modernidade:
foi um tempo em que predominavam as grandes verdades, os grandes e acabados sistemas filosóficos, omnicompreensivos; uma época que quis, em atitude do mais puro voluntarismo, fazer com que o reino da necessidade coincidisse com o reino da liberdade; um lugar histórico da racionalidade que esqueceu rapidamente a lição da dúvida metódica – que o espírito cintilante de descartes trouxera para a ágora do discurso filosófico – para se deixar mergulhar satisfeito na placidez que a própria construção cartesiana fabricara; uma confluência de sensibilidades intelectuais em que a posição infra-sistemática do homem se perdia na firmeza e rigidez de regras cuja validez se tinha por imorredoira, justamente por que o sistema tudo explicava, afastando as dúvidas, as perplexidades, as interrogações, todas quase sempre anichadas nas zonas de contigüidade ou no terreno fértil das ausências, em que as lacunas se revêem e para as quais nem sempre há ou havia a devida e necessária atenção.
É a ideia de que se prendermos o mundo concreto em conceitos que cabem em gêneros, poderemos submetê-los ao empirismo moderno. O gênero reage de forma esperada, pois, nele o sujeito (indivíduo) é suprimido. É a construção de um homem médio, normal, previsível.
2. O NORMAL E A REJEIÇÃO DO PLURAL
O fato é que as coisas nem sempre funcionam. O computador trava, o taxi vazio não para, o feijão queima. É contingencial. A quebra das grades da prisão construída pelo dever ser nos incomoda. Isso não é normal, dizemos. Perfeito, basta separar o que funciona como deveria, do que não funciona. É assim que o homem médio foi forjado, um corpo dócil e consequentemente útil, previsível e controlável. Ele funciona, o gênero funciona, o diferente deve ser contido, docilizado ou normalizado, e, como passe de mágica, reinserido na norma, voltando a funcionar.
Ora, o modelo positivista só funciona com a perfeição esperada em um mundo ideal que busca conter, desenhar e produzir o império dos gêneros. Bem: A água nunca ferve aos 100 º C e dois corpos sólidos lançados do topo de um edifício nunca chegam ao solo ao mesmo tempo, não no mundo concreto. Por esse motivo o moderno se afasta do mundo concreto, porque o mundo concreto não se rende às expectativas do pesquisador, não pode ser contido em fórmulas e laboratórios.
O positivismo científico funciona – em um mundo ideal – e o direito forjado na mesma têmpera segue o mesmo caminho. Separa-se do mundo concreto, das paixões e das incertezas – amaldiçoadas por nós modernos – especialmente nos países onde a modernidade tarda. Assim constituídos, nos habituamos com alguém para nos interditar, alguém que se assenhorou da razão e normatiza o normal ao mesmo tempo em que se incumbe de normalizar o anormal, o desviante.
Assim se faz com as ciências do espirito – o homem e(m) suas relações foi objetificado, aprisionado em gêneros – o modelo analítico racional cria um homem médio, contido em suas características normais e próprias da média dos homens.
A segunda metade do século XX se incumbe de deixar claro que o projeto homem caminhava de mal a pior. Se avançávamos (e muito) na construção de artefatos tecnológicos, o fizemos sem perceber que o homem permaneceu como meio para a consecução de um projeto que o reconhece (muito) timidamente como sujeito. Tal reconhecimento seria um problema para a racionalidade liberal individual burguesa que sustentou o iluminismo e seu discurso igualitário.
Então, nos vemos nus, como o rei, e percebemos que a neutralidade das ciências exatas era uma fraude. O mundo concreto existe, e nós, nele. No direito, as garantias se ergueram como garantias de que o sistema funciona (para os normais), e agora se depara com dois problemas: o da necessidade de se compreender a igualdade como material, a partir do paradigma plural e o do Estado Social, onde o plus normativo tira do Estado a perspectiva normalizadora, já que agora cabe a ele construir as condições de possibilidade para que sejam reduzidas as desigualdades, e não simplesmente eliminados (ou corrigidos) os diferentes. Lenio afirma que “… na verdade, o direito, na era do Estado Democrático de Direito, é um plus normativo em relação às fases anteriores, porque agora é transformador da realidade.”
Sob o manto da isenção, algumas ideologias que se acomodaram no Estado Moderno e permanecem ativas, constituem mecanismos de reprodução e aperfeiçoamento das estruturas de dominação que as produziram, como se fossem a fonte ontológica da razão do sujeito que se assenhora do objeto, mesmo que tal objeto seja composto de outros sujeitos. Não há nenhuma contradição nisso, diriam eles – os sujeitos assenhorados são desprovidos de razão, e, portanto, não vão além de coisas sem sentido, até que sejam trazidos de volta à luz, ou seja, normalizados, reinseridos no gênero do qual escaparam, por capricho ou fatalidade.
Ainda hoje, o degenerado não é digno do título de sujeito, logo, não é destinatário das garantias modernas. E é assim que iniciamos a relativizar garantias, elas são dádivas destinadas aos normais, para eles, tudo, para os outros, os rigores da lei. Mas, quem são os outros? Surge a necessidade de construir cientificamente (somos modernos) o conceito de inimigo, daquele contra quem o sistema arregimenta suas forças para combater. O inimigo é o errado, é o que (cor)rompe, é o que se exclui.
Torna-se necessária uma nova justificativa para que o estranho, o desviante, o anormal, continue sendo indesejável, uma ameaça à estabilidade, à ética, à estética e à segurança vigente. Se os incluídos pedem respostas, a eficácia das respostas clama por exclusão. Se nada posso tirar daquele que ali é nada pois o mundo já lhe é hostil e estranho termino o processo de exclusão em que ele já se encontra.
A construção do inferior se da a partir da sua locação em classes perigosas e potencialmente perigosas, são os (pré)destinados a serem contido, e sobre eles recai a força objetificadora da modernidade visando a promoção da docilização de seus corpos indóceis, logo, inúteis. Ideologicamente, promove-se a imposição da ideia de vícios próprios dos excluídos, que, em um ciclo vicioso, fazem com que nós os percebamos, e que eles próprios se entendam como inferiores (por isso excluídos) e dignos da reeducação que lhes é oferecida para seus processos de normalização. Tal percepção aliena e facilita a estigmatização que separa homens de bem, de homens de bens.
Se o inimigo rompe com o sistema, não lhe é dada a possibilidade de invocar a seu favor o mesmo, e, se a lógica do sistema não se aplica a ele, consequentemente não pode se valer da mesma lógica para se preservar.
Ao abandonar o modelo de garantias, o inimigo é de imediato por ele abandonado. É irracional (ou imoral) preservar a individualidade daquele que não se importa com as regras do jogo. Violar tais regras seria o equivalente a sair do jogo, mas se assim fosse, as regras seriam desnecessárias tanto para aqueles que praticam o fair play, pois, não as violariam, quanto para os que rompem com as regras, pois elas não se destinam a eles.
Assim, o desviante, por sair do padrão estipulado (liberal individual burguês), se constitui como sendo o inimigo. Isso ajuda a reproduzir a lógica maniqueísta que resiste bravamente à adoção pelo constitucionalismo contemporâneo do modelo plural e fraterno de sociedade, constituída como modo de ser a partir do Estado (social) Democrático de Direito.
Abrimos mão da interdição social, e, em um movimento compensatório, pedimos ao Estado que intervenha mais e mais, nos guiando para o caminho do bem. É notório (e histórico) o nosso apego ao paternalismo censor e o direcionismo governamental, vivemos em uma constante busca pelo resgate do positivismo que nos criou, reproduzindo, no Estado Contemporâneo sua racionalidade moderna a ser superada. É a figura do “moço” em nossas vidas. Alguém que interdite por nós. O estranho nos ameça e diante da ameaça, após havermos abdicado em boa parte da insterdição social pedimos ao Estado que intervenha, punindo em nosso lugar e nos dando a perspectiva racional do bem e do mal.
Nós, modernos, aprendemos a reproduzir o desenho liberal individual burguês por medo da mudança. Nos mantemos em uma lógica antropocentrica onde o homem médio é alfa e omega, e isso não se dá por acaso, se culpamos o sujeito dos vícios, absolvemos o sistema e preservamos o modelo moderno. Somos modernos.
3. RELATIVIZAÇÃO DE GARANTIAS
A partir de uma racionalidade moderna onde o padrão ideal se estabelece no mundo das ideias chegamos ao ponto em que é necessário discutirmos a respeito da relativização das garantias em especial das penais. Se o inimigo é o diferente, a quem cabe o encargo de definir quem é digno de proteção do sistema? Quem deve ser abandonado por ele? Como se escolher quando (e como) fazer com que as garantias valham? Bem, falar em garantias em graus diversos é o mesmo que se falar em ausência de garantias, daí a impossibilidade de relativizarmos algo que é fruto de um projeto civilizatório. Garantias enquanto princípios constitucionais não podem ser confundidas com benesses a serem distribuídas entre “iguais“ a partir de escolhas das diversas agências do Estado, que deveriam preserva-las, e não gerencia-las.
As questões em debate são como preservar um modelo garantista criado a partir de um paradigma objetificante do anormal de Foucault e como fugir da prisão dos gêneros, especialmente agora com a construção de valores a partir do modelo plural e do paradigma de respeito das diferenças/desigualdades. Na verdade, queríamos da modernidade apenas uma garantia, a de que tudo permanecesse como se encontrava, e isso (até isso) nos foi tirado.
A criação do homem gênero, homem médio, e a construção do perfil diferente/hostil como sendo o inimigo por si mesma parece-no deficiente para manter a ordem, ainda apostamos no enfraquecimento de garantias – se era necessária a ruptura de garantias frente ao inimigo, ao anormal agora pretendemos rompe-las frente ao risco social inerente à contemporaneidade.
Nós, modernos, transitamos de inimigos a inimigos. Bem adverte Figueiredo Dias ao lembrar do cuidado que se deve ter para não cairmos no direito penal do agente, próprio do estado nacional socialista alemão, contrário ao estado de direito e ao conceito de pessoa que lhe dá fundamentação, já que o inimigo é tido como não-pessoa.
O modelo jurídico do Brasil contemporâneo é marcado pelas garantias penais como sendo condições inafastáveis de um modelo sancionador que busca conciliar eficiencia e preservação de direitos fundamentais. A dupla face do direito penal a que Lenio frequentemente se refere é a grande questão, há a necessidade de preservar-se as garantias sem que para isso o Estado por intermédio de suas agencias incorra em excesso. Acontece que nós, modernos, buscamos no mundo ideal justificativas para que as coisas que não funcionam como espeávamos se comportem de maneira previsível.
Se as garantias são (é claro que não são) um obstáculo à eficiencia do sistema sancionador, mudamos a logica das coisas, já que não podemos mudar as coisas em si, percebemos o inimigo aprioristicamente, os vemos nos guetos e nas periferias, lá onde percebemos desde-sempre a natureza viciada de alguns pobres diabos, os desvios morais, éticos, estéticos são facilmente identificados de há muito. Na pobreza buscamos a contrução de um não sujeito, que não seja merecedor das garantias fundamentais, idealizando um mundo em que elas possam ser flexibilizadas em favor de uns e contra outros. Criamos um aparente paradoxo entre o réu e a sociedade. Garantias pró reu podem ser mitigadas desde que em favor da coletividade.
Para Duarte Pereira, o crime pode ser atribuído a desvios proprio de classes sociais:
Sobre Crime como fenômeno atribuído a classes sociais: “tomemos os criminosos por índole innata ou adquirida, os que de ordinário saem das baixas camadas populares. A hereditariedade de pães exgotados, alcoólicos, degenerados, a má alimentação que na infância é só por si causa de anomalias na conformação do craneo e de diversos estados de degeneração, a ausência da educação moral, a influencia deletéria, pelo contrário, do exemplo doméstico, as más companhias, a miséria econômica e tantas outras relações sociaes são próprias a impellir o indivíduo pelo caminho do crime; não só fortalecem as tendências criminosas mas as criam.
Bem, várias são as explicações para as escolhas que nos levam à flexibilização de garantias na esfera penal. A eficácia do sistema, entendida como numero de condenações, a proteção do risco inerente de uma nova modernidade (reflexiva), a (nova) defesa social ou a defesa do acusado, desde que em proporções aceitáveis. Pronto, aqui está a questão: enquanto escolhas tudo bem, mas como fundamentar decisões sobre as questões ligadas ao garantismo?
O problema está no decisonismo. Somos garantistas, é uma questão de princípio.
4. O TERRORISTA – O INIMIGO ÚTIL
Nos extremos, nos vemos mais proximos de uma escolha certa. É claro, somos modernos e em nossa racionalidade os casos idealizados com cores mais marcantes legitimam seu modelo de comportamento como ideais para a construção dos limites do concreto.
Imaginemos um terrorista, preso em um aeroporto, logo após haver plantado uma bomba prestes a explodir. A bomba não pode ser removida, desarmada e não há tempo hábil para evacuar o lugar. A questão é: posso torturar o terrorista para descobrir o local onde a bomba está escondida, e assim levá-la para que possa explodir em local seguro?
A partir de tal construção a escolha é fácil. Um terrorista, inimigo público e do Estado. Milhares de inocentes. Ele, rompendo com o social no qual todas as eventuais vítimas estão inseridas. A escolha é fácil. Essa é a questão. Não se trata de uma questão de escolha.
Quem guarda os limites das garantias?
Estamos cansados de ouvir altos brados fundados no senso comum repetindo as máximas como garantias (como direitos humanos) são para bandidos. É necessário lembrar as primeiras lições de Cirino e de Baratta em sua criminologia crítica: não há ontologia do crime, logo não há a do criminoso. Se crimes são construções artificiais não podemos deduzir um genero maligno a partir delas.
Estamos sempre em uma determinada perspectiva (aqui entre o a priori de que falamos), sempre. Mas então como desenhar tal perspectiva? Quais são as extensões e limites das garantias? A resposta se encontra na crítica hermeneutica do direito, uma dimensão interpretativa que justamente propõem uma teoria da decisão no direito, elaborada sob o pressuposto filosófico – da filosofia hermenêutica e da hermenêutica filosófica.
A construção de horizontes se dá no plano constitucional, a partir de uma constituição produzida democraticamente e que tem como fim a construção de um Estado Social de Direito, norteado pela redução de desigualdades. O constitucionalismo coloca todos os limites institucionais para que as garantias não sejam alteradas ou, sendo, sejam dentro de limites. É bom lembrar que dizer que não se possa relativizar garantias não é sinônimo de que as garantias são estáticas, elas são fundadas em princípios.
Bem, e quanto à questão do terrorista? Sempre haverá uma opção, uma escolha e ela envolverá uma questão de alívio pessoal. A decisão e os pesadelos decorrentes dela envolvem o comprometimento com um projeto que baseia suas respostas em fundamentações comprometidas com o modelo de Estado constituído legitimamente.
Uma metáfora final: Em um dos jogos da copa do mundo de 2014 ouví algo que me interessou. Um comentarista esportivo narrando uma partida mais violenta, após fazer uma profunda análise do que se passava afirma que o juiz estaria administrando o jogo e que para isso economizava cartões amarelos. Na verdade, só os distribuía quando um dos jogadores era impedido de prosseguir com a jogada pelo adversário que o segurava pela camisa.
O narrador diz em seguida que naquele jogo tudo era permitido, menos segurar o adversário pela camisa. Foi assim que o juiz resolveu agir ao sancionar. Controlar o volume e as condutas dignas de sanção para ter o jogo sob seu domínio.
Por que interditamos? Para preservar expectativas, expectativas de uma boa convivência, sempre a partir do jogo que está sendo jogado. Protegemos os princípios que regem o jogo, sob pena de não estamos falando masi da mesma coisa. Voltando à metáfora: pensei que o jogador, ao ser parado pelo adversário poderia olhar para o juiz e ver que nenhuma infração foi marcada. Perplexo se dirige ao capitão do time e pargunta o que aconteceu, por que as regras mudaram e ele não foi avisado? Mais perplexo ainda o capitão dirige-se ao técnico e pergunta: professor, por que não fui avisado da smudanças nas regras do jogo para que pudesse repassar as novas informações para o time. Aflito o técnico folheia o regulamento e não vê alterações nas regras do jogo. O jogo sai de controle, pois sem entender muito bem o que se deu os participantes entendem que naquele jogo novas regras valiam, ou que aquilo que praticavam não era mais o mesmo jogo. Katchanga real, diria Lenio.
O juiz (de futebol) não poderia ter feito, – nem ele – mas fez uma escolha, avaliou as conveniencias daquele jogo, e, a partir de suas perspectivas decidiu como administrar as garantias regulamentares. Relativizando-as na verdade rompeu com elas, o jogo manteve o nome original, mas na verdade agora era outro jogo, um jogo do qual não queremos e nem podemos participar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
-
A modernidade ainda marca profundamente nossa Pensamos ainda a partir de seus parametros devalidade e, consequentemente, buscamos no gênero uma fuga das incertezas do mundo concreto. A necessidade da testificação nos afasta do mundo concreto e consequentemente das coisas e de suas significações. Atribuímos valores ideais à s coisas a partir da percepçao que cada um tem sobre elas. A moral individual continua sendo o norte de validade das escolhas.
O advento do constitucionalismo contemporaneo brasileiro altera pouco tal Ainda estamos apegados à racionalidade moderna em busca de uma segurança que não existe. Assim sendo o assujeitamento das coisas prejudica a sua real compreensão, sequestramos os sentidos das coisas e o atribuímos novamente a partir de nossas idiossincrasias.
Se a partir de tal modo de pensar o mundo temos o certo e o errado definidos em um a priori racional podemos incluir alguns no sistema de proteção e excluir Para isso basta que sejam identificados aqueles que merecem a proteção das garantias penais e separa-los daqueles que não são dignos delas. A criação da ameaça, interna ou externa refoça a validade – necessidade de um direito penal do sujeito, inadequado a um sistema garantista.
Definida a opção por um direito penal forte, mesmoque ao arrepio constitucional torna-se necessaria a eleição dos indesejaveis, dos inimigos do rei e de sua Sabedores de sua natureza hostil de nada adianta buscar a promoção de garantias em seu favor. Às “não pessoas” aplica-se um sistema de “não garantias”. Criamos inimigos sucessivos para justificar os excessos penais contra tantos a favor de uns poucos.
A resposta para a questão passa necessariamente por uma leitura do direito adequada ao constitucionalismo contemporâneo brasileiro, insistimos, a partir da crítica hermenêutica do direito proposta por Lenio Streck, passando pela (re)construção de uma teoria da decisão, que difere diametralmente da escolha, fundada nos pressupostos filosóficos – da filosofia hermenêutica e da hermenêutica filosófica.
-
Finalmente afirmamos que na constituição produzida democraticamente encontramos os horizonte autêntico de compreensão, impondo os limites institucionais necessários para blindar as garantias penais de discursos fundados em uma moral (individual ou coletiva).