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O termo inicial do prazo para cumprimento voluntário da sentença

Agenda 28/08/2007 às 00:00

Um dos pontos polêmicos da recente reforma do processo civil consiste na definição do termo a quo do prazo a que alude o art. 475-J do CPC, ou seja: a partir de quando se deve começar a contar os 15 dias para cumprimento voluntário da sentença que condena alguém a pagar quantia certa?

O próprio art. 475-J não é muito claro a respeito. Eis a sua redação, in verbis:

"Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação"

As únicas conclusões que se podem extrair da leitura desse dispositivo, e dos que lhe são imediatamente correlatos, são essas:

1º) o prazo para cumprimento voluntário não corre enquanto a sentença for ilíquida, já que está dito no art. 475-J que o devedor deve ter sido "condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação";

2º) o prazo para cumprimento voluntário só corre na execução definitiva; na execução provisória não se deve cogitar do referido prazo, pois o cumprimento voluntário atrairia a regra do art. 503 do CPC "a parte, que aceitar expressa ou tacitamente a sentença ou a decisão, não poderá recorrer", e é claro que, na execução provisória, o devedor terá recorrido, justamente por isso que a sentença exeqüenda não terá transitado em julgado – embora o recurso contra ela interposto tenha sido recebido só no efeito devolutivo. Mas há quem pense diferente (e.g.: Neves, Daniel Amorim Assumpção. "Início do cumprimento da sentença".In: Reforma do CPC: Leis 11.187/2005, 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006. São Paulo: RT, 2006, p. 211), admitindo a contagem do prazo mesmo na execução provisória.

Em suma, o prazo para cumprimento voluntário só pode começar a correr, por interpretação lógica, quando houver uma sentença condenatória líquida e com trânsito em julgado.

Quanto ao início exato do prazo de 15 dias (tempus iudicati), porém, o Código é francamente omisso. Mas é certo que ele tem que se ajustar às regras gerais do CPC a respeito do tema da contagem de prazos, daí porque aplicável a regra do art. 240: "Salvo disposição em contrário, os prazos para as partes, para a Fazenda Pública e para o Ministério Público contar-se-ão da intimação". Sem intimação, não corre prazo.

Há de haver uma intimação para o início da contagem do prazo e essa intimação, como visto, tem que ser, no mínimo, imediatamente anterior ao trânsito em julgado, pois antes do trânsito em julgado qualquer execução é provisória (art. 475-I, §1º, CPC) e, como tal, não se presta a cumprimento voluntário.

Discute-se, então, se seria necessária uma intimação específica para cumprimento voluntário ou se a intimação da última decisão do processo cognitivo, isto é, da sentença que transitará em julgado tão logo se encerre o prazo para o último recurso, já seria suficiente para o início do prazo de 15 dias para adimplemento voluntário da obrigação fixada na sentença.

Na publicação "Reforma Infraconstitucional do Judiciário", patrocinada pelo Ministério da Justiça, escreveu-se sobre o assunto: "com a nova lei, uma vez expedida a sentença, o réu é intimado a pagar o débito no prazo de 15 dias" (Reforma Infraconstitucional do Judiciário, p. 18). Parece sugerir-se que a vontade do legislador foi a de uma intimação específica para iniciar o prazo para cumprimento voluntário. E, de fato, nesse sentido postaram-se alguns autores.

A 3ª Turma do STJ, no entanto, julgando o RESP 954.859-RS (acórdão ainda não publicado), decidiu que o termo inicial dos 15 dias previstos na lei deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo, independentemente de nova intimação do advogado ou do devedor para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação. Segundo o site do STJ, o relator do recurso, Ministro HUMBERTO GOMES DE BARRROS, teria dito na sessão de julgamento: "O bom patrono deve adiantar-se à intimação formal, prevenindo seu constituinte para que se prepare e fique em condições de cumprir a condenação. Se, por desleixo, omite-se em informar seu constituinte e o expõe à multa, ele (o advogado) deve responder por tal prejuízo".

Sucede que, no caso julgado pelo STJ, ainda segundo o site daquele Tribunal, a devedora que foi condenada na multa do art. 475-J teria recebido uma guia para pagamento da obrigação, mas deixou transcorrer o prazo de 15 dias, somente tendo pago o boleto no 17º dia do prazo, daí a fixação da multa. Voltava-se a recorrente apenas contra o fato de que não foi intimada pessoalmente para o cumprimento da obrigação. Quer dizer, nesse caso não se apresentou um dos problemas mais graves para a defesa da tese de que o prazo começa a partir do trânsito em julgado, a saber: a iliquidez da dívida.

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Mesmo transitada em julgado, mesmo com parâmetros de cálculos claramente definidos, é fato que o exato valor da condenação, ainda que dependa apenas de cálculos aritméticos, dificilmente consta do julgado, daí a dificuldade para o cumprimento voluntário. O Ministro HUMBERTO GOMES DE BARRROS, porém, ressaltou que "foi imposto ao devedor o ônus de tomar a iniciativa e cumprir a sentença rapidamente e de forma voluntária", o que autoriza a conclusão de que competirá ao devedor pagar voluntariamente o valor expresso no título judicial ou que decorra dos parâmetros de cálculos por este indicados. Neste último caso, naturalmente, o credor poderá, acaso entenda incompleto o depósito, apontar o erro de cálculo e requerer a execução complementar.

Em suma: uma vez transitada em julgado a sentença líquida ou liquidável por simples cálculos, compete ao devedor cumprir a obrigação voluntariamente, no prazo de 15 dias. Não há necessidade de intimação específica para cumprimento voluntário, muito menos necessidade de intimação pessoal ao devedor.

Sobra a questão de definir-se em que momento se considera transitada em julgado uma sentença.

Há inúmeros julgados do STJ em que foi discutido esse problema, para efeito de contagem de prazo para propositura da ação rescisória. É razoável supor que tais julgados serão a base hermenêutica para definir-se o momento a partir do qual o devedor deve voluntariamente cumprir a obrigação que decorre da sentença. Merece particular interesse o acórdão do ERESP 404.777/DF, Rel. Min. FONTES DE ALENCAR, Rel. p/ acórdão Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ 11/4/2005, p. 169, no qual decidiu Corte Especial do STJ que o termo inicial para ajuizamento de ação rescisória se inicia com o trânsito em julgado material, que se verifica apenas quando esgotada a possibilidade de interposição de qualquer recurso, sendo incabível o trânsito em julgado de capítulos da sentença ou do acórdão em momentos diversos. Excepcionam-se dessa regra as hipóteses em que o recurso é intempestivo ou apresente má-fé em sua interposição (ver acórdão no RESP 639233 / DF, rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJ 14.09.2006, p. 258).

Em conclusão: o prazo para cumprimento voluntário da sentença (art. 475-J, CPC) deve iniciar-se, à luz entendimento do STJ, a partir do trânsito em julgado da sentença líquida ou liquidável por cálculos. O trânsito em julgado, por sua vez, deve ser fixado na data em que não couber mais a interposição de nenhum recurso no processo (trânsito em julgado material), seja porque foram interpostos todos os possíveis, seja pelo transcurso in albis de prazo recursal não aproveitado. Não há necessidade de intimação específica para cumprimento da obrigação.

Sobre o autor
Nazareno César Moreira Reis

juiz federal da Seção Judiciária do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Nazareno César Moreira. O termo inicial do prazo para cumprimento voluntário da sentença. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1518, 28 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10333. Acesso em: 22 dez. 2024.

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