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A Emenda Salomon e a retenção de fundos federais como penalidade pela restrição de propaganda e recrutamento militar pelas universidades nos EUA.

Um estudo de caso sobre controle de constitucionalidade no direito norte-americano

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Agenda 11/09/2007 às 00:00

5. O Amicus Curiae da American Civil Liberties Union

A American Civil Liberties Union protocolou petição de amicus curiae, ao lado de outras instituições de proteção de liberdades civis, a exemplo de GLAD- Gay & Lesbian Advocates & Defenders. O primeiro parágrafo do texto a propósito de identificar o interesse na causa explicita a natureza e os contornos da American Civil Liberties Union.

A propósito de observação de direito comparado, o amicus curiae começa a ser aceito pelo direito brasileiro. Há previsão legal, constante no § 2º, do art. 7º, da Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que dispõe que o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no artigo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades. No Supremo Tribunal Federal o Ministro Gilmar Mendes destaca-se, entre outros, por conta de concepção alargada de participação de amicus curiae, desconsiderando inclusive os prazos da Lei nº 9.868, de 1999 [14].

Voltando-se à peça sob análise, segue a definição da entidade, em tradução direta:

A União Americana das Liberdades Civis é organização nacional de fins não-lucrativos e apartidários, com mais de 400 mil membros, que se dedica a defender os princípios que se encontram na constituição, incluindo o princípio da liberdade de expressão. O presente caso levanta questão de interesse profundo para os membros da União Americana das Liberdades Civis. A associação vem a longo tempo se opondo aos esforços governamentais de compelir que se participe na divulgação de uma específica mensagem oficial. Esta associação também vem a longo tempo se opondo aos esforços governamentais de se penalizar aqueles que expõem o próprio pensamento. A União Americana das Liberdades Civis tem participado de uma série de discussões judiciais, sempre apoiando os princípios que defende, seja como parte, seja como amicus curiae.

A linha de argumentação da peça da União Americana das Liberdades Civis parte de premissa que imputa inconstitucionalidade à Emenda Salomon, no sentido de que a discutida emenda imporia condição inconstitucional (unconstitutional condition). A Emenda Salomon obrigaria as faculdades de Direito a prestarem assistência na disseminação de mensagens dos empregadores militares. Isto porque se condicionava o acesso a fundos federais à plena autorização para que representantes das forças armadas pudessem recrutar livremente, nos campi americanos. A Emenda Salomon estaria penalizando os requeridos, fulminando o pleno exercício da consciência. Por fim, um pouco de formalismo, dado que a petição invocava que os documentos apresentados pelo governo norte-americano não comprovavam que a Emenda Salomon, em seus aspectos e desdobramentos concretos, se substancializava como inequivocadamente constitucional. Conclui-se com parágrafo singelo, que segue em tradução livre:

Este Amigo da Corte respeitosamente requer que este Tribunal afirme que a Emenda Salomon constitui uma condição inconstitucional que viola o direito à livre expressão. Este Amigo da Corte sustenta que a Emenda Salomon não está autorizada a obrigar que se participe na disseminação de mensagens. Sustenta também que a Emenda Salomon penaliza a livre expressão, com base em pontos de vista que deverão ser sustentados, por parte dos requeridos.


6.O Acórdão da Suprema Corte:

O acórdão da Suprema Corte norte-americana no caso Rumsfeld v. FAIR foi redigido pelo Presidente daquela casa, o Chief Justice John G. Roberts. O tema liberdade de expressão consubstancia o pomo da discórdia qualificado na discussão. Identifica-se choque de princípios. Há percepção que justifica a posição das faculdades de Direito, no sentido de que possam restringir liberdade de expressão nos campi; por outro lado, suposta restrição, em princípio, afetaria a livre palavra dos recrutadores das forças armadas. E como pano de fundo, tem-se a vedação do acesso a verbas federais, por parte das faculdades que não se adequassem ao paradigma da Emenda Salomon. O teste de constitucionalidade da emenda reside em se fixar corretamente para qual lado penderia concepção mais ampla de liberdade de expressão.

A decisão da Suprema Corte não se socorre de articulações teóricas e conceituais, a exemplo de mecanismos de solução de conflitos de princípios, o que conduziria à doutrina alemã, especialmente a partir de diferenciação entre princípios e regras, enquanto expressões concretas de normas jurídicas. A doutrina alemã, que remonta a Robert Alexy, e que no Brasil é divulgada por Gilmar Ferreira Mendes, identifica nos princípios as chamada posições prima facie, mandados de otimização, que exigem juízos de ponderação, como mecanismos de sublimação de colisão. As regras simplesmente se fracionariam em aplicáveis ou não aplicáveis, escolhidas por mecanismos de subsunção, em caso de antinomia [15]. No modelo norte-americano faz-se uso de pragmatismo indisfarçável, que nos termos de conhecida tipologia weberiana busca a autoridade na força do precedente.

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Em linhas gerais, definiu-se que a Emenda Salomon não apresenta nenhuma mácula de inconstitucionalidade. Parte-se de raciocínio que indica que o texto constitucional defere ao Congresso poder para legislar em matéria de defesa, e por conseqüência em assuntos de exército, marinha e aeronáutica. Ao Congresso também cabe o poder de confecção de normas relativas a recrutamento militar. De tal modo, compreensivo que o Congresso regulamentasse a entrada de recrutadores nos campi, mesmo vinculando a permissão ao acesso a fundos públicos, por parte das faculdades, nos termos da Spending Clause.

Realisticamente, a Suprema Corte norte-americana definiu que a Emenda Salomon oferece às faculdades de Direito uma escolha: não restrinjam o acesso de recrutadores militares nos campi ou esqueçam fundos federais. As escolas, assim, estariam livres até para não aceitarem tais fundos, o que fariam indireta e implicitamente, na medida em que resistissem à entrada de recrutadores nos campi.

No entender do acórdão, não se estava violando a primeira emenda à constituição norte-americana. E por conseqüência não se poderia cogitar de inconstitucionalidade da Emenda Salomon. A Emenda não limitaria o que as faculdades pudessem dizer, apenas exigiria, no caso dos recrutadores nos campi, que as escolas não dissessem nada. As escolas poderiam falar o que quisessem em assuntos políticos, e até poderiam criticar a presença dos militares nos campi; estas, as exatas medidas, no entender da Corte, de que os direitos de livre expressão estariam resguardados.

A Emenda Salomon regulamentaria conduta, e não fala. Afetaria o que as escolas devem fazer e não que as escolas pudessem dizer. A liberdade de expressão estaria restringida se existisse ordem governamental no sentido de que as escolas fossem constrangidas a dizer o que as autoridades quisessem; e esse não seria o caso.

Liberdade de expressão é circunstância normativa que suscita miríade de pormenores e circunstâncias distintas. É assunto recorrente no direito brasileiro, e entre nós o problema se desdobra em suas mais variadas formas. No caso norte-americano aqui estudado, embora a liberdade de expressão qualificasse questão seminal, debate ideológico complexo, entre liberais e conservadores, efetivamente marcou a questão. A Suprema Corte reverteu a decisão do Tribunal do 3º Circuito; o grupo FAIR perdeu a causa. Decidiu-se que a Emenda Salomon não aponta para nenhuma inconstitucionalidade.

Liberais pontificam nas universidades norte-americanas, vinculam-se ao partido democrata e exploram o conservadorismo do partido republicano, que presentemente conta com maioria de indicados na Suprema Corte. A decisão que incidentalmente apontou para a constitucionalidade da Emenda Salomon parece oferecer duas lições. Do ponto de vista estritamente jurídico, comprova-se a imprestabilidade de controle abstrato de constitucionalidade naquele país. Não há nos Estados Unidos judicial review de feição principal, direta, por via de ação, objetiva ou fechada. O modelo norte-americano de controle de constitucionalidade, como visto, é difuso, incidental, indireto, por via de exceção, subjetivo e aberto.

À luz de reflexão de caldo conceitual menos purista e mais político, atenta-se para avanço do neoconservadorismo, que se realiza na imagem de George W. Bush como intrépido e pragmático, destemido e resolvido, líder insurgente cuja rebeldia consiste em sufocar rebeldes. Exatamente como na sátira de George Orwell, na qual fala-se em liberdade para matá-la...


BIBLIOGRAFIA

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Notas

01 O writ of certiorari é o recurso em geral cabível contra decisões de 2ª instância no modelo processual norte-americano. A Suprema Corte detém discricionariedade para apreciá-lo. William H. Rehnquist, The Supreme Court, p. 224 e ss.

02 Donald Rumsfeld foi conselheiro de Richard Nixon, para quem trabalhou ao lado de Dick Cheney, atual vice-presidente norte-americano. Rumsfeld foi secretário de defesa do presidente Gerald Ford. É um dos mais importantes expoentes do Partido Republicano nos Estados Unidos. Para críticas, Michael Moore, Stupid White Men, p. 19 e 20. Para apologias, Ann Coulter, Treason, p. 42.

03 O Tribunal do 3º Circuito detém competência em matéria federal. Tem sede em Philadelphia, no estado da Pennsylvania. Tem jurisdição territorial junto aos estados de Delaware, Nova Jersey e Pennsylvania. Consultar John Meador, American Courts, p. 93.

04 A Emenda Salomon (10 U.S.C.A.), explicitada ao longo do presente texto, é de autoria do deputado Gerald Solomon, do estado de Nova Iorque. Possui duas versões. A última delas veda o repasse de fundos federais para faculdades que não permitem ou que criam dificuldades para a propaganda e recrutamento militar nos campi.

05 O amicus curiae é espécie de intervenção litisconsorcial por meio da qual interessado no desate do feito apresenta linha argumentativa que apoio um das partes. Trata-se do friend of court, do amigo da corte, instituto que começa a ser admitido pelo direito brasileiro, especialmente em âmbito de Supremo Tribunal Federal.

06 Cf. KAISER, Charles, 1968 in America, New York: Grove Press, 1988.

07 Cf. CHEMERINSKY, Erwin, Constitutional Law- Principles and Policies. New York: Touchstone Books, 1987, p. 1.028.

08 Cf. CHEMERINSKY, op.cit., loc.cit.

09 IRONS, Peter, A People´s History of the Supreme Court, New York: Penguin Books, 1999, p. 468.

10 Petição elaborada por escritório com sedes em São Francisco e em Nova Iorque, dos advogados Warrington S. Parker, III, Peter E. Gratzinger, E. Joshua Rosenkranz, Sharon E. Frase, Jean-David Barnea, Aliya Haider e Heller Ehrman. A petição é datada de 21 de setembro de 2005.

11 O modelo é denominado de CREAC, iniciais que remetem a Conclusion, Rule, Evidence, Analysis e Conclusion. Isto é, indicam-se as linhas gerais da conclusão, apresentam-se as regras aplicadas ao caso, apresentam-se as provas, analisa-se o caso e por fim retoma-se a conclusão. Na primeira página do texto abre-se pequeno espaço no qual se resume a questão posta, em poucas linhas. Concisão e objetividade são marcas dos textos forenses norte-americanos. Não há utilização apologética de doutrina. Reverencia-se moderadamente o precedente.

12 Na organização burocrática norte-americana o Departamento equivale ao Ministério na organização burocrática brasileira. Conferir, por todos, Robert A. Heineman, Steven A. Peterson e Thomas H. Rasmussen, American Government, p. 183 e ss.

13 Consultar, por todos, Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição Constitucional, especialmente o capitulo II, p. 48 e ss., que apresenta estudo vertical comparado a propósito do controle abstrato de normas perante o Bundesverfassungsgericht e o Supremo Tribunal Federal no Brasil.

14 Superior Tribunal Federal, Adin nº 2548/PR- Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão de 18 de outubro de 2005. Consultar Informativo STF nº 406.

15 Consultar, por todos, Gilmar Ferreira Mendes, in Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Ferreira Mendes, Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais, p. 241 e ss.

Sobre o autor
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Professor universitário em Brasília (DF). Pós-doutor pela Universidade de Boston. Doutor e mestre em Direito pela PUC/SP. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GODOY, Arnaldo Sampaio Moraes. A Emenda Salomon e a retenção de fundos federais como penalidade pela restrição de propaganda e recrutamento militar pelas universidades nos EUA.: Um estudo de caso sobre controle de constitucionalidade no direito norte-americano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1532, 11 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10392. Acesso em: 22 nov. 2024.

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