Contratos de Gestão.
A falta de disciplina genérica, no direito positivo, dos contratos de gestão dificulta uma conceituação uniforme desta multifacetada realidade, conforme reconhece a doutrina especializada (DI PIETRO, 2002, p. 199), uma vez que os contratos de gestão se aplicam a situações diversas: (a) às empresas estatais integrantes do Programa de Gestão das Empresas Estatais [08]; (b) ao Serviço Social Autônomo das Pioneiras Sociais [09], (c) às Organizações Sociais - OS [10], (d) Agências Reguladoras [11]; e, (e) às Agências Executivas. Gasparini (2002, p. 602-6032) define os contratos de gestão do seguinte modo:
ajuste celebrado pelo Poder Público com órgãos e entidades da Administração direta, indireta e entidades privadas qualificadas como organizações sociais, para lhes ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira ou para lhes prestar variados auxílios e lhes fixar metas de desempenho na consecução de seus objetivos.
Portanto, é possível verificar a existência de contratos de gestão de caráter endógeno à administração (disciplina da tutela administrativa de órgão e entidades da própria administração, como ocorrem com as agências reguladoras) e contratos de gestão de natureza exógenos (disciplina da parceria com a iniciativa privada, sendo os contratos referentes às Organizações Sociais o principal exemplo).
Desta forma, tendo em vista o "recorte metodológico" do presente trabalho, o tema será enfrentado apenas no que se circunscreve os contratos de gestão de caráter endógeno, mais especificamente àqueles que dizem respeito às Agências Executivas, tendo em vista que abordar todas as dimensões dos contratos de gestão exigiria um trabalho monográfico específico.
O contrato de gestão se constitui num instrumento/garantia de que as políticas públicas formuladas pelo núcleo estratégico sejam implementadas pelos órgãos e entidades do setor de atividades exclusivas do Estado, por implicar no estabelecimento de objetivos e metas a serem atendidos durante a vigência do contrato, com o estabelecimento dos indicadores adequados para a avaliação objetiva dos resultados, permitindo, deste modo, um monitoramento efetivo destas políticas, verificando se as mesmas atenderam às demandas e expectativas da sociedade (BRASIL, 1995b).
No âmbito federal, com a edição do Decreto n° 2.487, de 02 de fevereiro de 1998, passou a ser disciplinada a possibilidade das autarquias e fundações federais que tenham assinado um contrato de gestão serem qualificadas como agências executivas. Em 27 de maio de 1998, com a promulgação da Lei Federal n° 9.649, a matéria passou a ser disciplinada por lei, suprindo-se o hiato legal, haja vista que a ordem natural de que o regulamento deve suceder a lei a ser regulada foi invertido, suscitando questionamentos acerca da constitucionalidade destes contratos.
A Emenda Constitucional n°19, de 04 de junho de 1998, seguindo as diretrizes delineadas pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, elevou ao status constitucional a possibilidade de ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração mediante "contrato" a ser firmado entre a instituição e o poder central, no qual se estabelecerão as metas de desempenho a serem cumpridas para a manutenção da sua autonomia (contratualização do controle):
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
§ 8º A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre:
I - o prazo de duração do contrato;
II - os controles e critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes;
III - a remuneração do pessoal.
Este dispositivo constitucional autoriza a celebração de contratos de gestão com órgãos e entidades da administração pública, conferindo-lhes maior agilidade e flexibilidade para o desempenho de suas atividades, contratualizando a tutela da administração direta sobre os órgãos e entidades que lhe são vinculados.
O contrato de gestão relativo às Agências Executivas é um mecanismo de incremento da autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração, visando o deslocamento da ênfase do controle dos meios para o controle dos resultados, de acordo com o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. A ampliação da capacidade gerencial dos órgãos e entidades estatais demanda a existência de um "pacto de resultados" e que as instituições tenham efetivamente maior poder de decisão sobre os meios que lhes são disponibilizados para o atingimento dos resultados esperados e metas pactuadas.
Embora conteste com veemência a juridicidade dos contratos de gestão (com base na precisão dogmática que lhe é peculiar, por não admitir a possibilidade jurídica de contrato entre uma pessoa jurídica de direito público e um órgão interno), Bandeira de Mello (2004, p. 215) reconhece a necessidade de curvar-se perante a constitucionalização do tema, em face da Emenda nº 19/98, que pôs uma "pá de cal" nos debates jurídicos acerca destes contratos [12]. Em sua celebre obra, Hesse (1991) sustenta que a Constituição não é apenas um documento de caráter histórico e sujeito aos fatores reais de poder, possuindo uma força normativa que lhe confere o caráter de força ativa, na medida em que tem o poder de transformar realidade, na medida em que protege o Estado Democrático de Direito das conveniências de ocasião (HESSE, 1991, p. 19).
Os contratos de gestão são um importante instrumento de ação do poder público, na medida em que exige dos órgãos e entidades que "pensem" e "ajam" estrategicamente, cumpram um programa de desenvolvimento institucional a ser cumprido, concedendo-lhes, em troca, a oportunidade de aumentar do grau de autonomia (DI PIETRO, 2002, p. 225). O propósito deste aumento do grau de autonomia é dotar os órgãos e entidades da administração – Agências Executivas – de maior flexibilidade administrativa para possibilitá-las a atingir níveis de performance institucional de excelência, não se tratando de concessão graciosa de autonomia ou com base em critérios subjetivos, mas sim um benefício decorrente de um "pacto de resultados", com fundamento em critérios técnicos e democráticos, na medida em que possibilita a todos os órgãos e entidades que se enquadrem no campo de atuação das agências executivas o acesso aos benefícios previstos em lei.
Agências Executivas.
Para a existência de uma administração pública verdadeiramente gerencial é imprescindível que haja uma definição clara dos objetivos a serem alcançados pelo órgão ou entidade, os quais devem ter uma perfeita "aderência" em relação ao planejamento estatal (Plano Plurianual e Lei de Diretrizes Orçamentárias), acompanhada de uma sistemática permanente de avaliação do desempenho institucional para verificar se os resultados esperados foram alcançados e, em caso negativo, que medidas devem ser tomadas para corrigir a disfunção.
Por outro lado, há que se considerar que somente é possível exigir resultados do administrador público se lhe for concedida um maior grau de autonomia sobre os meios postos à sua disposição para o desempenho da atividade (recursos humanos, materiais e financeiros), flexibilizando a gestão, na medida em que o enfoque do controle seja destinado aos resultados e não apenas em relação aos meios.
Como estratégia para implementação de uma administração gerencial no setor que exerce atividades exclusivas de Estado, o Plano Diretor da Reforma concebeu o Projeto das Agências Autônomas, inspiradas nas executives agencies anglo-saxãs [13], como o modelo a ser aplicado para a modernização da gestão, na medida em que, paralelamente à concessão de maior autonomia sobre os meios, há o controle finalístico da atividade estatal, com a avaliação de desempenho institucional (resultados alinhados à macro-estratégia estatal, disposta no seu Plano Plurianual)
A primeira vista os conceitos de agência executiva e agência reguladora podem levar à precipitada conclusão de que se tratam de institutos jurídicos equivalentes, embora retratem situações bem diversas, não sendo possível estabelecer uma relação necessária entre estes dois tipos de agências.
O Ministério da Administração e Reforma do Estado (BRASIL, 1998) identificou a existência de um ciclo vicioso e perverso para a sociedade, sendo o aumento da autonomia decisória do administrador sobre os meios para pôr em prática os seus projetos e atividades uma das medidas a serem adotadas para o rompimento desta triste ciranda:
É mais importante cobrar "o quê", deixando a cargo das instituições a decisão sobre o "como", obviamente exigindo de seus dirigentes a observância das leis. Com isso, a Administração Pública foge de um ciclo vicioso – e perverso para a sociedade – no qual as instituições argumentam que não podem apresentar melhores resultados porque não detêm o controle dos "meios" e os controladores dos "meios" argumentam que não podem passar para as instituições o seu controle porque elas não apresentam resultados.
A quebra desse ciclo vicioso se impõe para que a administração pública dê um salto de qualidade no sentido do gerencialismo, com a implementação de controles de resultados e a concessão de um maior grau de autonomia aos órgãos e entidades, a qual fica condicionada ao cumprimento de metas discutidas e pactuadas com a alta administração (avaliação objetiva de resultados, com a utilização de indicadores adequados).
A estratégia do MARE para a implementação da administração gerencial no setor de atividades exclusivas do Estado era a transformação das autarquias e fundações públicas em agências autônomas, as quais passaram a ser denominadas de agências executivas.
Assim, dentro da sistemática concebida pelo MARE, torna-se possível a modificação do regime de autonomia das instituições por intermédio de um mecanismo flexível de enquadramento da entidade, por simples ato administrativo do Poder Executivo (decreto de qualificação), conforme identificado por MODESTO (2001a, p. 3-4), sendo que a manutenção desta autonomia gerencial fica vinculada ao cumprimento de metas e a obtenção de resultados.
A Lei Federal n° 9.649, de 27 de maio de 1998, estabelece que o Poder Executivo Federal poderá qualificar autarquias e fundações públicas de agências executivas, dotando-as de maior autonomia sobre os meios, desde que atendam aos requisitos legais básicos: (a) existência de plano estratégico de reestruturação de desenvolvimento institucional em andamento; e (b) ter celebrado contrato de gestão como o ministério supervisor.
Portanto, é possível concluir que nenhuma instituição nasce agência executiva, torna-se agência executiva, alcançando este status jurídico após a edição do respectivo decreto de qualificação, devendo a mesma manter um nível de desempenho institucional para manter esta condição, posto que a sua diferenciação de regime em relação aos demais órgãos e entidades da administração se dá por ato administrativo de caráter instável (decreto), que pode ser utilizado como mecanismo de estímulo de eficiência (MODESTO, 2001a, p. 8).
Agência Executiva é um qualificativo a ser concedido, por decisão do chefe do Poder Executivo, a órgãos e entidades da administração que desempenhem atividades e serviços exclusivos do Estado, sendo que a sua instituição não demanda a criação de novas estruturas do aparelhamento administrativo, extinção das estruturas já existentes ou, ainda, a alteração da natureza jurídica dos órgãos e entidades existentes. Em suma, nenhum órgão ou entidade nasce agência executiva, ele alça ao "status" jurídico-institucional de agência executiva e passa a usufruir de um maior grau de autonomia gerencial, de modo que lhe assegure maior capacidade de implementação das políticas públicas e o desempenho das atividades típicas de Estado.
Efeitos e Benefícios do Enquadramento.
A qualificação de um órgão ou entidade da administração como agência executiva surte efeitos imediatos e implica na possibilidade do órgão/entidade vir a usufruir dos benefícios previstos em lei ou em atos normativos infralegais para ampliação do seu grau de autonomia de gestão. Assim, diversamente do que ocorre com as agências reguladoras (onde vige uma pletora de atos normativos), nas agências executivas deve haver uma uniformidade de tratamento, diversamente do que ocorre com as agências reguladoras e seu "cipoal" de regramentos (MODESTO, 2001), uma vez que os benefícios são previstos abstratamente para todos os órgãos/entidades que alcancem o qualificativo de agência executiva, não ficando a administração pública ao sabor de casuísmos legislativos ou de outras vicissitudes.
Os benefícios aptos à ampliação da autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos/entidades (agências executivas) podem envolver aspectos atinentes à sua gestão, sendo possível a previsão de maior autonomia no que tange à política de recursos humanos, serviços gerais, contratações de serviços/aquisição de bens, orçamento, finanças públicas e modificação das estruturas organizacionais. Por exemplo, na esfera federal já existe a previsão de elevação em vinte por cento do valor dos limites máximos para cada uma das modalidades de licitação e para as dispensas de licitação fundadas nos incisos I e II do art. 24 da Lei Federal n° 8.666/93, flexibilizando as regras para os procedimentos licitatórios e para as dispensas de licitação.
Não existe um "pacote" pré-definido de benefícios previstos na legislação federal para as agências executivas estaduais, pois tal medida violaria o pacto federativo, já que a auto-organização é um dos pressupostos da autonomia estadual. A título de ilustração, este trabalho contempla sugestões que poderiam vir a ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos/entidades qualificados como agências executivas:
-Remuneração Variável: implantação de sistema de "prêmio por resultados" (Lei Estadual nº 8.889/03, art. 119 e seguintes), como instrumento de remuneração variável vinculada ao alcance de resultados e de metas estabelecidas pelo planejamento estratégico institucional, objetivando ampliar os níveis de motivação dos servidores do órgão/entidade;
-Contratações de serviços e aquisições de bens: aumento dos limites máximos para cada modalidade de licitação e de dispensa, flexibilizando os limites legais para as licitações e dispensas de licitação (nos moldes da Lei Federal nº 9.648/98, que alterou a redação do art. 24 da Lei Federal 8.666/93);
-Modificação em estruturas organizacionais internas: possibilitando os órgãos e entidades da administração adequarem as suas estruturas internas, ajustando o organograma da instituição às reais necessidades e demandas existentes, desde que não implique na criação de novos cargos em comissão (flexibilização da rigidez organizacional) e respeite as finalidades institucionais do órgão/entidade (matéria atinente a competência legal);
-Programa de Estágio: adoção de regras diferenciadas para que as agências executivas possam dispor de maior autonomia para aceitar alunos universitários e de cursos profissionalizantes como estagiários, desde que haja disponibilidade orçamentária, propiciando-lhes prática profissional em complementaridade da formação acadêmica, os quais atuaram como importantes colaboradores da administração;
-Flexibilização de Jornada: criação de "banco de horas", respeitando a jornada de trabalho prevista em lei, de modo a flexibilizar a gestão dos recursos humanos, criando uma relação de maior comprometimento dos servidores, pois as dificuldades em remunerar horas extraordinárias poderiam ser suplantadas com a sistemática;
- Dispensa de celebração de termos aditivos para a prorrogação de contratos e convênios de vigência plurianual: desde que se tratem de ajustes que visem apenas identificar o crédito orçamentário à conta dos quais devem correr as despesas no exercício não é necessária a edição de aditivos, desde que não haja mudança de qualquer outra condição ou cláusula do contrato/convênio (medida de desburocratização do controle orçamentário e da gestão de contratos);
-Orçamento disposto de forma mais agregada: alocação dos recursos nos projetos/atividade capitais para o órgão ou entidade, respeitada a distinção entre os grupos de despesa, facilitando a gestão orçamentária ao permitir ao gestor alocar os recursos de forma a propiciar melhores resultados, não ficando a sua atuação "engessada" pelo excessivo detalhamento orçamentário;
-Contingenciamentos ou cortes: em vista da pactuação de um compromisso de resultados é conveniente que os recursos orçamentários destinados às agências executivas não sofram o mesmo tratamento que os recursos de entidade/órgãos que não têm um compromisso de resultados (somente poderiam ser contigenciados ou cortados em situações extremamente excepcionais e de forma diferenciada).
Os exemplos acima propostos, até mesmo pelo propósito deste artigo, servem apenas para ilustrar as possibilidades que o modelo institucional das agências executivas permite, na medida em que torna factível a flexibilização de aspectos específicos da gestão dos órgãos/entidades sem comprometer a unificação de tratamento, num pacto onde o Estado concede autonomia aos gestores e cobra resultados efetivos para a sociedade.