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Cabe falar em concurso formal quando uma única conduta acarreta a redução do ICMS e da contribuição do PIS-PASEP/COFINS?

Agenda 06/06/2023 às 16:50

Se a justiça estadual estiver processando por prática do crime em relação ao ICMS e a justiça federal, por sua vez, estiver processando o mesmo acusado por crime em relação a redução das contribuições sociais, como proceder?

Uma das questões mais controvertidas na doutrina e na jurisprudência dos tribunais diz respeito a existência ou não de concurso formal na conduta tipificada no inciso II, do art. 1º da Lei nº 8.137/90, quando a emissão de nota fiscal subfaturada implicar redução parcial, por exemplo, do ICMS e das contribuições sociais do PIS-PASEP/COFINS ao mesmo tempo.

Transcrevemos a conduta tipificada no art. 1º, II da Lei nº 8.137/90 para melhor exame: 

“Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: 

II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;”           

O elemento nuclear do crime previsto no art. 1º é a supressão ou redução de tributo.

É crime de natureza material; sem a produção de resultado naturalístico não há que se falar em crime contra a ordem tributária.

O bem jurídico tutelado por esse art. 1º é a ordem tributária, como diz a ementa da Lei nº 8.137/90.

A ordem tributária é una. Não há ordem tributária federal, ordem tributária estadual ou distrital e ordem tributária municipal, considerando as três esferas políticas autônomas e independentes, previstas no art. 18 da Constituição, como geralmente se supõe.

No caso da conduta definida no inciso II, se resultar na supressão parcial do ICMS e da contribuição do PIS/PASEP-COFINS terá havido mais de um crime?

Existem jurisprudência e posições doutrinárias no sentido de que, no caso, teria havido o concurso formal de crimes, previsto no art. 70 do CP:

“Art. 70. Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade.”           

É correto esse posicionamento?

Na lição de Hugo de Brito Machado não há, no caso, o concurso formal.

Quem adultera nota fiscal ou utiliza nota fiscal subfaturada “preocupa-se exclusivamente em reduzir a carga tributária, que considera exagerada. Não se preocupa em saber se está suprimindo, ou reduzindo, dois, três ou mais tributos” [...]       “seja como for, relevante é notar que o concurso formal, previsto no art. 70 do CP, exige a presença de ação única, e de dois crimes como resultado desta” [...] “na hipótese do art. 1º da Lei nº 8.137/90, não se pode dizer que a supressão, ou redução, do ICMS, seja um crime, e a supressão, ou redução do IPI seja outro crime” [1]

Os crimes do art. 1º ocorrem por ação ou omissão, conforme previsões dos incisos I a IV desse art. 1º.

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Porém, trata-se de ação ou omissão no sentido de conduta do sujeito ativo, que é apenas uma, ou seja, o ato de suprimir ou reduzir tributo. Há apenas um fato ou uma conduta implicando supressão ou redução de mais de  um tributo (ICMS e contribuições sociais).

Se um indivíduo furta uma cesta contendo dez maçãs não se pode afirmar que houve dez crimes de furto, pois, uma só conduta foi praticada pelo indivíduo em questão.

Como assinalado por Hugo de Brito Machado é importante estudar o bem jurídico protegido pela norma penal do art. 1º da Lei nº 8.137/90 que é a ordem tributária que “diz respeito à unidade do tipo penal supressão ou redução de tributos, como definidos pelo art. 1º, da Lei nº 8.137, de 27-12-1990.” [2]

É importante que todas as condutas descritas nos incisos I a IV sejam analisadas em conexão com o caput do art. 1º que se refere ao crime contra ordem tributária.

Contudo, na prática, tudo é muito complicado.

Embora haja apenas um crime contra a ordem tributária quando determinada conduta resultar na redução do ICMS e da contribuição social de competência da União, por exemplo, qual o juiz competente para abrir o processo criminal? A justiça estadual ou a justiça federal? Se a justiça estadual estiver processando por prática do crime em relação ao ICMS e a justiça federal, por sua vez, estiver processando o mesmo acusado por crime em relação a redução das contribuições sociais, como proceder?

Se o crime é um só os autos deverão ser reunidos. Mas, a reunião dos processos ocorrerá em qual justiça? Na justiça federal ou na justiça comum?

Para complicar mais ainda, se o processo criminal perante a justiça comum já estiver findo com a condenação do acusado e o processo criminal perante a justiça federal estiver no início, pergunta-se, como proceder?

Verifica-se, pois, que a questão de início levantada não é nada fácil como parece. Não basta dizer que existe um só crime, porque há uma só conduta.

Certamente haverá decurso de um longo tempo para que todas as questões sejam solucionadas pela jurisprudência. 


Notas

[1]Crimes contra ordem tributária, São Paulo: Atlas, 2022, 5ª edição, p.380/381).

[2] Ob. cit. p. 375.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Cabe falar em concurso formal quando uma única conduta acarreta a redução do ICMS e da contribuição do PIS-PASEP/COFINS?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7279, 6 jun. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/104483. Acesso em: 18 dez. 2024.

Mais informações

Texto publicado no Portal Migalhas, edição nº 5.606 de 22-5-22.

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