A execução da sentença condenatória sempre gerou grandes reclamações, especialmente das partes, pessoas leigas, que não compreendiam como era possível que, tendo o Poder Judiciário reconhecido seu direito e condenado o réu ao cumprimento da obrigação, necessitassem ingressar com novo processo, com todos os seus percalços, para alcançar a efetividade de seu direito, já reconhecido.
Parecia que a lei privilegiava o devedor recalcitrante em detrimento do direito do credor, pois permitia-lhe postergar o pagamento através da prática de atos processuais que, embora lícitos, acabavam por fazer arrastar-se a execução (nomeação de bens à penhora,embargos, impugnação da avaliação, formalidades da arrematação etc.). Além disso, o leilão acabava desmoralizado e esvaziado pela possibilidade, sempre presente, de invocação de nulidades, embargos de terceiro e remição dos bens, o que afastava possíveis interessados.
A reforma processual, portanto, caminhou no sentido de agilizar, simplificar e dar efetividade à sentença, ou seja, transformar aquela peça processual, que reconhece um direito e condena um devedor, em efetiva entrega do bem da vida que, através do processo, buscava o prejudicado, seja dinheiro ou outro bem/direito.
A simplificação do procedimento e as alternativas da forma de alienação dos bens penhorados, a antecipação da possibilidade de adjudicação e remição, são apenas algumas delas. Outra, fundamental, é o sincretismo de procedimento, seguindo-se ao processo de conhecimento a fase executória da sentença, estabelecendo a exigência de espontaneidade de cumprimento da sentença judicial condenatória.
O intérprete das novas normas deve fazê-lo tendo em vista essa ótica: a simplificação e eficiência do processo, como fim instrumental de alcançar ao titular do direito, de forma efetiva, o bem da vida buscado. O autor não busca a prestação jurisdicional para emoldurar a bela sentença que reconhece seu direito, mas para obter o resultado prático e concreto que dela resulta.
O art.475-J do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n° 11.232, prevê MULTA para o caso do devedor, condenado ao pagamento de valor já definido, não o efetuar no prazo de 15 dias. Trata-se de incentivo ao cumprimento espontâneo da condenação, evitando-se a sobrecarga do Poder Judiciário e a postergação do direito do credor, punição pela recalcitrância e efeito da sentença condenatória, ope legis:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação
O termo da contagem do prazo tem gerado alguma controvérsia na doutrina, porém aos poucos vai se assentando o melhor entendimento de que o prazo decorre automaticamente do trânsito em julgado.
Alguns têm defendido que corre da sentença ou do acórdão (Apelação Cível Nº 70017661646, 17ª Câmara Cível, TJRS) - o réu pode recorrer ou cumprir o julgado - se assumiu o risco de recorrer e o recurso foi improvido, incorre na multa – solução que não me parece a mais adequada.
Outros, que a multa exigiria o retorno dos autos ao Juízo de origem e a intimação pessoal do devedor (art. 557, CPC), não só do seu advogado (Agravo Interno Nº 70018256347, Décima Segunda Câmara Cível, TJRS), invocando-se as dificuldades práticas de emissão da guia de pagamento, a impossibilidade de impor-se ao procurador o ônus de cientificar o outorgante e a finalidade coercitiva da multa.
Com a devida vênia aos que pensam de forma diversa, não tenho dúvidas de que o legislador deu efetividade à sentença, exigindo jurisdicionalmente o pagamento tão logo cesse a possibilidade de modificação do julgado, pelo trânsito em julgado ou estabelecido o valor a ser pago, se necessária liquidação. O cumprimento da condenação não é um interesse meramente privado do credor, mas uma exigência da jurisdição, uma decorrência da prestação jurisdicional, onde se incluem os princípios da dignidade, seriedade e efetividade da Jurisdição prestada, estas reafirmadas na possibilidade de advertência do Juiz ao devedor (arts. 599, 600 e 601, do CPC) [01].
Assim, a multa de 10% sobre o valor do débito, estabelecida no art.475-J do Código de Processo Civil, incide automaticamente se o débito não for pago no prazo de quinze dias do trânsito em julgado da condenação, se líquida, dependente apenas de cálculo aritmético [02], ou fixada em liquidação. Tal tese foi sufragada pelo STJ no Resp n° 954859, primeira manifestação do Tribunal sobre a questão, no qual foi dito:
"O termo inicial dos quinze dias previstos no Art. 475-J do CPC, deve ser o trânsito em julgado da sentença. Passado o prazo da lei, independente de nova intimação do advogado ou da parte para cumprir a obrigação, incide a multa de 10% sobre o valor da condenação. Se o credor precisar pedir ao juízo o cumprimento da sentença, já apresentará o cálculo, acrescido da multa. Esse o procedimento estabelecido na Lei, em coerência com o escopo de tornar as decisões judiciais mais eficazes e confiáveis. Complicá-lo com filigranas é reduzir à inutilidade a reforma processual (Resp 954859, Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS).
A multa incide sobre o total do débito ou do saldo, quando houver pagamento parcial, e decorre do inadimplemento. Não tem cunho de direito material, mas legal. Sua incidência é ope legis e não depende de ato ou da vontade do juiz. Incide "de forma automática caso o devedor não efetue o pagamento no prazo concedido em lei", como manifesta o ex-Ministro Athos Gusmão Carneiro, em artigo na REVISTA AJURIS Nº 102, p.63, junho/2006.
"O descumprimento da obrigação reconhecida na sentença condenatória enseja, independente de pedido da parte credora, a incidência da penalidade prevista em lei. A medida não tem sua aplicação sujeita ao arbítrio do juiz, visto que a norma é taxativa ao impor a incidência da multa no caso de não pagamento, não sendo faculdade do magistrado aplicá-la, ou mesmo deliberar acerca do percentual a ser imposto", como já afirmou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Agravo nº 70016938706).
Não há que aguardar o retorno dos autos, a intimação do advogado de que os autos retornaram ou a intimação pessoal do devedor para efetuar o pagamento, pois se exige deste que, espontaneamente, cumpra a condenação imposta pela Jurisdição à qual deve submeter-se.
A intimação do devedor, caso não tenha ocorrido o pagamento, ocorrerá, já com a multa, da penhora e avaliação, efetuada por indicação do credor, na pessoa de seu advogado, ou pessoalmente, quando poderá impugnar o valor executado, seguindo-se a alienação.
Os problemas práticos de implantação de um novo sistema são normais e as dificuldades de pagamento devem ser solucionadas administrativamente, não devendo servir para desvirtuar a efetividade que o legislador buscou implantar.
Nesse sentido já agiu prontamente a Corregedoria-Geral da Justiça, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que baixou o Provimento n° 20/2006 disciplinando a questão e instruindo sobre a forma de realização do depósito.
Considerando o advento da lei federal nº 11.232/05, que acrescentou o artigo 475-J ao Código de Processo Civil, impondo multa de dez por cento àquele que, condenado ao pagamento de quantia certa ou já estabelecida em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias;
Considerando a possibilidade de interpretação no sentido de que a fluência desse prazo se dê a partir do trânsito em julgado e quando os autos ainda se encontrem no Tribunal;
Considerando a competência do juízo de 1º grau para os atos de cumprimento da sentença, salvo quando o processo se origine no Tribunal,
Considerando, por fim, que a falta de regulamentação pode acarretar o direcionamento de petições ao 2º grau, gerando atos desnecessários e que possam retardar a celeridade processual pretendida a partir da alteração legislativa, artigo 475-P, incisos I e II, DO Código de Processo Civil
Resolve prover:
Art. 1º - a parte que pretenda promover, por sua conta e risco, depósito em conta judicial, para não responder pela multa a que alude o artigo 475-J, caput, do código de processo civil, deverá fazê-lo no juízo de 1º grau, ainda que os autos se encontrem no Tribunal, salvo nas hipóteses em que o processo seja da competência originária do Tribunal de Justiça, caso em que o depósito será feito diretamente no 2º Grau.
Parágrafo único - a expedição de guia para depósito pela serventia judicial será feita à vista dos elementos de cálculo fornecidos pelo devedor.
Art. 2º - A realização do depósito será imediatamente comunicada, por petição, ao juízo de 1º grau ou ao relator do processo, conforme se trate das hipóteses do caput do artigo anterior.
Parágrafo único – Realizado o depósito e recebida a petição instruída da guia, após intimação do credor proceder-se-á à autuação destes documentos, como expediente avulso com o mesmo número do processo de conhecimento (numeradas as folhas no canto inferior direito), procedendo-se a respectiva anotação no sistema informatizado (até liberação do sistema Themis informar no campo ‘observações’ e ‘local dos autos’ que o processo de conhecimento está em 2º grau). Havendo pedido de liberação do valor depositado pelo credor, será este juntado ao expediente e submetido à apreciação judicial. Cópia do alvará expedido também deverá permanecer entranhada ao expediente até retorno do processo de conhecimento, quando serão, as peças, a este juntadas e numeradas da forma usual, descartando-se a capa.
Art. 3º – A pretensão liberatória e a ordem de levantamento em favor do credor sujeitam-se a exclusivo critério jurisdicional, inclusive quanto à apresentação de cópias para tanto necessárias, quando feito o depósito origem e os autos do processo não estiverem na serventia."
(Provimento Nº 20/06-CGJ DESEMBARGADOR JORGE LUÍS DALL’AGNOL CORREGEDOR-GERAL DA JUSTIÇA - publicado no dj nº 3.399, fl. 02, de 24-07-2006.
Dessa forma, não deve servir de empeço ao pagamento espontâneo o fato de encontrarem-se os autos ainda no Tribunal, como se tem defendido alhures, nem se exige a intimação pessoal do devedor para fluência do prazo, uma vez que a efetividade jurisdicional, como efeito da sentença, impõe o cumprimento da obrigação tão-logo se torne certo o valor da condenação.
Apesar da natural resistência ao novo, a efetividade da jurisdição exige que o intérprete olhe com novos olhos as inovações das reformas processuais, que tem permeado, em várias disposições processuais, regras de sobredireito - que aparentemente quebram o sistema, mas que, na verdade, alcançam ao juiz infinitas possibilidades de, no caso concreto, fazer justiça efetiva -, sob pena de manter-se o cartorialismo formalista que tanto tem atrapalhado a efetiva prestação jurisdicional, em detrimento da realização da verdadeira justiça buscada pelo cidadão, muitas vezes perdida em filigranas processuais que eternizam o procedimento.
A lei é um mero instrumento com a qual o artífice do direito deve construir a obra da justiça. O processo não é um fim em si mesmo, mas mero instrumento de sua realização. Muitas vezes os mais belos processos guardam as maiores injustiças. Justiça que tarda é uma grande injustiça.
Notas
01 Art. 599. O juiz pode, em qualquer momento do processo: I - ordenar o comparecimento das partes; II - advertir ao devedor que o seu procedimento constitui ato atentatório à dignidade da justiça.
Art. 600. Considera-se atentatório à dignidade da Justiça o ato do executado que: I - frauda a execução; II - se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos; III - resiste injustificadamente às ordens judiciais; IV - intimado, não indica ao juiz, em 5 (cinco) dias, quais são e onde se encontram os bens sujeitos à penhora e seus respectivos valores.
Art. 601. Nos casos previstos no artigo anterior, o devedor incidirá em multa fixada pelo juiz, em montante não superior a 20% (vinte por cento) do valor atualizado do débito em execução, sem prejuízo de outras sanções de natureza processual ou material, multa essa que reverterá em proveito do credor, exigível na própria execução. Parágrafo único. O juiz relevará a pena, se o devedor se comprometer a não mais praticar qualquer dos atos definidos no artigo antecedente e der fiador idôneo, que responda ao credor pela dívida principal, juros, despesas e honorários advocatícios.
02 Art. 475-B. Quando a determinação do valor da condenação depender apenas de cálculo aritmético, o credor requererá o cumprimento da sentença, na forma do art. 475-J desta Lei, instruindo o pedido com a memória discriminada e atualizada do cálculo