Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Considerações sobre o art. 236 do Código Eleitoral

Exibindo página 5 de 5
Agenda 07/10/2007 às 00:00

8. Conclusões articuladas

1. A vedação à prisão de eleitores durante os períodos imediatamente antecedentes e posteriores à realização do pleito (salvo exceções legais) existe no Brasil desde a edição do Código Eleitoral de 1932;

2. Essa vedação tinha como objetivos, basicamente: a) garantir o comparecimento máximo às urnas, já que em muitas eleições há vitórias de candidatos por escassa margem de votos ou até por critérios de desempate; b) evitar que a prisão de candidatos, eleitores, Delegados de partidos e fiscais de partidos e coligações pudesse concorrer para a ocorrência de fraudes na apuração pela falta ou deficiência de fiscalização; c) impedir que prisões imotivadas ou arbitrárias pudessem influenciar de forma indevida o eleitorado, modificando o que seria o resultado normal da eleição caso a prisão indevida não ocorresse; d) evitar o uso de força policial para intimidar o eleitor; e) evitar o acirramento de ânimos entre partidários de agremiação políticas concorrentes.

3. Na leitura tradicional que se faz do artigo 236 do Código Eleitoral, tem cabimento, nos cinco dias que antecedem às eleições até 48 horas do encerramento da votação, além das exceções previstas expressamente nesse artigo, a prisão provisória de analfabetos não alistados; de pessoas não alistadas eleitoralmente, embora maiores de 18 anos; conscritos durante o período de conscrição; de pessoas que perderam ou tiveram suspensos os seus direitos políticos.

4. Ainda na leitura tradicional que se faz do art. 236 do CE, incabível a prisão provisória de eleitores (prisão preventiva, temporária, sentença de pronúncia) no período eleitoral. Nesse período, também não é possível a prisão de depositário infiel ou do devedor de alimentos.

5. A patente insuficiência protetiva do artigo 236 do Código Eleitoral tem levado os doutrinadores a considerá-lo revogado ou ou então a flexibilizar sua aplicação, com afirmações de que a vedação à prisão referida é inconstitucional; que só diz respeito aos crimes eleitorais propriamente ditos ou que a prisão por ordem judicial não é vedada pelo artigo em comento.

6. Há, ainda, interpretação no sentido de que a prisão provisória do eleitor pode ser feita dentro do período do art. 236 do CE, desde que decretada anteriormente a esse período.

7. A garantia posta no art. 236 do CE não é inconstitucional se flexibilizada para permitir-se a prisão provisória de autores de crimes dolosos contra a vida, crimes hediondos e roubo, bem como autorizar a prisão de candidatos que tiverem contra si sentença condenatória transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

8. Não há qualquer razão lógica ou jurídica para vedar-se a prisão de candidato no prazo do art. 236, § 1º, do Código Eleitoral em razão de sentença condenatória com trânsito em julgado, pois nesse caso o candidato estará com seus direitos políticos cassados (CF/88, art. 15, inciso III), portanto inelegível.

9. A maneira de estender-se a possibilidade de prisão provisória aos autores dos crimes dolosos contra a vida, crimes hediondos e roubo é com a utilização das denominadas decisões ou sentenças aditivas.

10. As sentenças ou decisões aditivas são decisões judiciais que, em questionamento sobre a constitucionalidade de ato normativo, acolhem a impugnação, sem invalidá-lo. Em vez de operar-se a expulsão da norma do ordenamento jurídico, ela fica mantida com o acréscimo ao seu conteúdo de uma regulação que faltava para efetivar sua concordância com a Constituição.

10. As sentenças aditivas não representam uma invasão do juiz no campo de atuação do legislador. O juiz apenas ‘revela’ uma norma que já existia no sistema.


09. Referências

BASTOS, Celso Ribeiro. As modernas formas de interpretação constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/89>. Acesso em: 05 jan. 2007.

CÂNDIDO, Joel João. Direito Eleitoral Brasileiro, 10ª edição, 2ª tiragem. Bauru: Edipro, 2003.

CAPEZ, FERNANDO. Curso de Direito Penal, vol. I, 7ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2004.

CASTRO. Édson de Rezende. Teoria do Direito Eleitoral. 2ª edição. Belo Horizonte: Mandamentos Editora, 2004.

DECOMAIN, Pedro Roberto, e PRADE, Péricles, Comentários ao Código Eleitoral. São Paulo: Editora Dialética, 2004.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro interpretada. 3ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1997.

DÓRIA, A. Sampaio. Direito Constitucional, 5ª edição, vol. I, Tomo I, São Paulo: Max Limonad, 1962.

FRANCO, Geraldo Francisco Pinheiro. A prisão de eleitores nas vésperas da eleição. Boletim IBCCRIM, São Paulo, n.º 20, p. 01, setembro de 1994.

GOMES, Sérgio Alves. Hermenêutica jurídica e constituição no estado de direito democrático. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

JÚNIOR, Edílson Pereira Nobre. Sentenças aditivas e o mito do legislador negativo. REVISTA DE INFORMAÇÃO LEGISLATIVA n.º 170 (abril/junho de 2006), Senado Federal, 2006.

JÚNIOR, Volney Corrêa Leite de Moraes. Em torno do roubo. Campinas: Millennium Editora, 2003.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª edição. São Paulo: Editora Forense, 2005.

MENDES, Gilmar Ferreira, Jurisdição Constitucional, São Paulo: Saraiva Editora, 5ª edição, 2005.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Editora Atlas, 2004.

MIRABETE, Júlio Fabrini. Código de Processo Penal Interpretado. São Paulo: Editora Atlas, 7ª edição, 1999.

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.

RAMAYANA, Marcos. Código Eleitoral Comentado. Rio de Janeiro: Roma Victor Editora, 2004.

RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. 5ª edição, 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.

SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Sistema Constitucional das Crises: os direitos fundamentais face a situações extremas. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editora, 2004.

SILVA, Francisco Rodrigues da. Prisão de candidato no período eleitoral por força de ordem judicial. Correio Braziliense de 20 de setembro de 2002.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 9ª edição, 4ª tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 1993.

STOCCO, Rui, e STOCCO, Leandro de Oliveira. Legislação Eleitoral Interpretada – Doutrina e Jurisprudência. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.


Notas

01O PAPEL DA JUSTIÇA ELEITORAL NA CONSOLIDAÇÃO DA DEMOCRACIA: ELEIÇÕES DE 1994-96, autores JÂNIO PEREIRA DA CUNHA E JOSÉ VALENTE NETO Disponível em http://72.14.209.104/search?q=cache:vtbhfHjAaXIJ:www.pgm.fortaleza.ce.gov.br/revistaPGM/vol09/11PapelJusticaEleitoral.htm+justi%C3%A7a+eleitoral+32+degola&hl=pt-BR&gl=br&ct=clnk&cd=24&lr=lang_pt, acesso em 05.01.2007.

02 Até a Revolução de 30, o eleitor recebia o envelope lacrado e com a cédula já previamente marcada. Só ele não sabia em quem havia "votado".

03 O alistamento eleitoral e o voto são facultativos para os maiores de 16 e menores de 18 anos, nos termos do art. 14, I, ‘c’, da CF/88. No entanto, eles não estão sujeitos à prisão por serem inimputáveis; sua situação é regrada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.

04 O artigo 14, § 1º, inciso I, da CF/88 prevê o alistamento obrigatório para os maiores de 18 anos.

05 Os policiais militares, em qualquer nível de carreira são alistáveis, tendo em vista a inexistência de vedação legal. (Res. nº 15.099, de 09.03.89, rel. Min. Villas Boas).

06 Na verdade, segundo o Regulamento da Lei do Serviço Militar (Artigo 3º, 5º, Decreto n.º 57.654, de 20 de janeiro de 1966), conscritos são definidos como os brasileiros que compõem a classe chamada para a seleção, tendo em vista a prestação do Serviço Militar inicial.

07 Res. nº 15.850, de 3.11.89, rel. Min. Roberto Rosas.

08 Ensina José Afonso da Silva que ‘...pela simples escusa de consciência não se perdem os direitos políticos, mas apenas se o escusante também recusar a cumprir a prestação alternativa (1993, p. 336).

09 Registre-se aqui, no entanto, entendimento minoritário no sentido de que não há suspensão dos direitos políticos nas sentenças condenatórias transitadas em julgado pela prática de contravenções penais: " (...) condenação criminal não tem o mesmo significado que ‘condenação penal’. (...) Crime é uma infração penal e contravenção penal é uma infração penal. A condenação penal abrange a ambos. A condenação criminal, todavia, só se refere ao primeiro. Destarte, o condenado por contravenção penal não está sujeito à suspensão dos direitos políticos’ (TRESP – Representação, Processo 10.028, Classe 7ª, Acórdão n.º 126.963, Relator Juiz Souza José, j. 10.10.1996).

10 "Em face do disposto no artigo 15, III, da Constituição Federal, a suspensão dos direitos políticos se dá ainda quando, com referência ao condenado com sentença criminal transitada em julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena" (STF – Pleno – Rextr 179/502-SP).

11 Recurso n.º 9.760/PI – Acórdão 12.877 – Relator Ministro Eduardo Alckmin, j. 29-09-1992.

12 "Art. 302 – Considera-se em flagrante delito quem:

I – está cometendo a infração penal;

II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido, ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração;

13 Os Delegados de partidos devem ser equiparados aos membros da mesa receptora e fiscais de partidos e coligações no que pertine às restrições à prisão no período eleitoral, por analogia in bonam partem, conforme ensinam Pedro Roberto Decomain e Péricles Prade (2004, p. 300).

14 O inciso LXI do artigo 5º da CF/88 possui a seguinte redação: ‘ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei’.

15 Art. 298. Prender ou deter eleitor, membro de Mesa Receptora, Fiscal, Delegado de partido ou candidato, com violação ao disposto no art. 236: Pena – reclusão até quatro anos.

16 Projeto de lei apensado ao projeto de lei 3.735/200, de autoria do Deputado Dr. Hélio (PDT-SP), que visa acrescer, às ressalvas contra a prisão ou detenção de qualquer eleitor, no período compreendido entre os cinco dias anteriores e as quarenta e oito horas após o encerramento do pleito eleitoral, a hipótese de cumprimento de mandado de prisão expedido por autoridade judiciária competente, nos casos tipificados como crimes hediondos, assim definidos pela Lei n.º 8.072, de 25 de julho de 1990.

17 ‘A prisão de eleitores nas vésperas da eleição’, publicado no Boletim IBCCRIM n.º 20 – setembro de 1994.

18 Art. 1º O § 1º do art. 236 da Lei n.º 4.737, de 15 de julho de 1965 – Código Eleitoral, passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 236....................................

§ 1º Os membros das Mesas Receptoras e os Fiscais de Partido, durante o exercício de suas funções, não poderão ser detidos ou presos, salvo o caso de flagrante delito; da mesma garantia gozarão os candidatos, desde quinze dias antes das eleições, salvo o caso de flagrante delito, sentença transitada em julgado e prisão preventiva decretada antes do início do período estipulado neste artigo (NR)"

Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

19 Nas eleições municipais de 2004, por exemplo, Darci Savegnago (PT) elegeu-se Prefeito de Taquarucu do Sul/RS, com 999 votos, enquanto seu concorrente, Vanderlei Zanatta (PMDB), fez 996 votos.

20 Por exemplo, em Sarzedo (MG), Expedito João Bernardo (Pastor Expedito) e Marlene Ribeiro (Marlene do Sítio), ambos candidatos a Vereador pelo PDT, fizeram 151 votos, elegendo-se o primeiro por ser o mais idoso.

21 Para se ter uma boa visão do poder dos chefes locais em determinar o voto dos eleitores de alguma forma subordinados à sua ‘autoridade’, imperdível a leitura da obra ‘Coronelismo, enxada e voto’, de Victor Nunes Leal.

22 Correio Braziliense, 27 de outubro de 2002.

23 RHC 63.673-0-SP, DJU 20.06.1986, p. 10.929.

24 As modernas formas de interpretação constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n. 27, dez. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/89>. Acesso em: 05 jan. 2007.

25 Delito previsto no art. 331 do CP, cuja pena de detenção é de seis meses a um ano.

26 Citado em trecho do voto do Ministro do STF, Gilmar Mendes, no julgamento do MI 670-9/ES.

27 Direito Constitucional. Rio de Janeiro. Editora Freitas Bastos, 1956, p. 403, apud Edílson Pereira Nobre Júnior, op. cit., p. 117.

Sobre o autor
Cláudio da Silva Leiria

Promotor de Justiça no Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEIRIA, Cláudio Silva. Considerações sobre o art. 236 do Código Eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1558, 7 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10498. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!