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Retroação da Lei 14.230/21 nas ações distribuídas sob a Lei 8.429/92 que versem sobre atos dolosos

Agenda 13/10/2023 às 16:32

A nova Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 14.230/2021) limita a utilização indiscriminada da ação de improbidade, exigindo a figura do dolo direto e afastando atos ilegais menores. A retroatividade da lei mais benigna deve ser aplicada ao campo administrativo e judicial.

A Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021, publicada no D.O de 26/10/2021, alterou SUBSTANCIALMENTE a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), entrando em vigor imediatamente, na data de sua publicação.

Com a edição da nova legislação, verificou-se grande avanço no campo do Direito Administrativo Sancionador, em virtude da oportuna limitação da utilização indiscriminada da ação de improbidade para casos não extremados, haja vista a atual necessidade de estar configurado a figura do dolo direto, restando afastados os pequenos “pecados veniais” consistentes em atos ilegais, que não mais podem ser caracterizados como atos ímprobos.

O § 4º, do Artigo 1º, da Lei nº 8.429/92, incluído pela Lei nº 14.230/2021, determina a aplicação ao sistema da improbidade dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador, restando assim grafado:

“Art. 1º - O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta lei.

(...)

§ 4º - Aplica-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.”

(grifamos)

A jurisdição sancionadora deve sempre se pautar pelo garantismo judicial, aplicando às pretensões punitivas o controle de admissibilidade que resguarde de forma eficaz e permanente os direitos subjetivos do agente investigado (imputado) ou do particular (terceiro), ao invés de apenas viabilizar o exercício da persecução pelo órgão público repressor.

A irretroatividade da lei penal em direito sancionador é uma regra básica, salvo para beneficiar o Réu (Artigo 5º, XL, Constituição Federal), ou seja, a regra constitucional é a irretroatividade da lei mais severa (lex gravior), e a retroatividade da lei mais benigna (lex militior).

Mesmo o comando estando focado para o Direito Penal, por se tratar de Direito Sancionador, na hipótese da improbidade administrativa, o princípio constitucional da retroatividade da lei mais benéfica deve ser aplicado ao campo administrativo e judicial sancionador, caso das alterações introduzidas pela Lei nº 14.230/2021, cenário no qual se inserem atos ímprobos, justamente por que, assim como a lei penal, a Lei de Improbidade também prevê em seu corpo estrutural um coletivo de sanções e penalidades.

Dessa forma, a retroatividade da lei mais benigna se insere no referido princípio constitucional com aplicação para todo o exercício do jus puniendi estatal, inclusive com relação à nova Lei de Improbidade Administrativa.

Como subespécie do direito punitivo, o Direito Administrativo Sancionador é destinatário da retroatividade mais benéfica, razão pela qual novas leis que limitam a atividade repressora do Estado devem ter aplicação imediata, retroagindo para alcançar os casos em andamento.

Assim, os bens jurídicos tutelados pelo Direito Constitucional Sancionador devem ser aplicados para todo o ordenamento jurídico, por extensão lógica.

Cabe ressaltar, por outro lado, que a ação de improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, como dito no artigo 17-D, da Lei nº 8.429/92:

“Art. 17-D. A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos”. (g.n)

In casu, a aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021 foi reconhecida pelo Tema 1.199/STF com relação às ações distribuídas anteriores a sua edição, que não estivessem transitadas em julgado, ou seja, a lesão de direitos anteriores à modificação da Lei nº 8.429/92, que não tenha sido julgado de forma definitiva pelo Poder Judiciário, sofrerão incidência das novas alterações da Lei de Improbidade Administrativa.

Sobre a questão, confira-se o julgado no Ag. Reg., no Recurso Extraordinário com Agravo 1.246.594/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes1, julgado em 25/05/2023:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSO EM CURSO. DECISÃO MONOCRÁTICA RECONSIDERADA PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO.

1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal.

2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade.

3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado.

4. Tendo em vista que (i) a imputação promovida pelo autor da demanda, à exemplo da capitulação promovida pelo Tribunal de origem, restringiu-se a subsumir a conduta imputada aos réus exclusivamente ao disposto no caput do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) as condutas praticadas pelos réus, nos estritos termos em que descritas no arresto impugnado, não guardam correspondência com qualquer das hipóteses previstas na atual redação dos incisos do art.11 da Lei 8.429/1992, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para julgar improcedente a pretensão autoral.

5. Recurso extraordinário com agravo conhecido e provido para reformar o acórdão recorrido e julgar improcedente a ação civil pública de responsabilidade por ato de improbidade administrativa”.

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A aplicação da retroatividade da norma mais benigna na esfera do Direito Administrativo Sancionador é uma consequência lógica do artigo 5º, XL, da Constituição Federal, que apesar de inicialmente ser endereçada para o Direito Penal, faz parte do arcabouço dos princípios constitucionais do Direito Sancionador latu sensu.

Os bens jurídicos tutelados pelo Direito Constitucional Sancionador são aplicados para todo o ordenamento jurídico, inclusive no âmbito do processo administrativo sancionador, por extensão lógica.

Em sintonia com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal, no MS 23.262/DF2, reconheceu que o princípio da presunção de inocência (LVII, art. 5º, CRFB/88) se aplica aos processos administrativos sancionadores, não se limitando só à esfera penal, como se verifica:

“Constitucional e Administrativo. Poder disciplinar. Prescrição. Anotação de fatos desabonadores nos assentamentos funcionais. Declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 170 da Lei nº 8.112/90. Violação do princípio da presunção de inocência. Segurança concedida.

1. A instauração do processo disciplinar interrompe o curso do prazo prescricional da infração, que volta a correr depois de ultrapassados 140 (cento e quarenta) dias sem que haja decisão definitiva.

2. O princípio da presunção de inocência consiste em pressuposto negativo, o qual refuta a incidência dos efeitos próprios x ato sancionador, administrativo ou judicial, antes do perfazimento ou da conclusão do processo respectivo, com vistas à apuração profunda dos fatos levantados e à realização de juízo certo sobre a ocorrência e a autoria do ilícito imputado ao acusado.

3. É inconstitucional, por afronta ao art. 5º, LVII, da CF/88, o art. 170 da Lei nº 8.112/90, o qual é compreendido como projeção da prática administrativa fundada, em especial, na Formulação nº 36 do antigo DASP, que tinha como finalidade legitimar a utilização dos apontamentos para desabonar a conduta do servidor, a título de maus antecedentes, sem a formação definitiva da culpa.

4. Reconhecida a prescrição da pretensão punitiva, há impedimento absoluto de ato decisório condenatório ou de formação de culpa definitiva por atos imputados ao investigado no período abrangido pelo PAD.

5. O status de inocência deixa de ser presumido somente após decisão definitiva na seara administrativa, ou seja, não é possível que qualquer consequência desabonadora da conduta do servidor decorra tão só da instauração de procedimento apuratório ou de decisão que reconheça a incidência da prescrição antes de deliberação definitiva de culpabilidade.

6. Segurança concedida, com a declaração de inconstitucionalidade incidental do art. 170 da Lei nº 8.112/1990.”

Apesar do art. 5º, LVII, da Constituição Federal, consagrar o princípio da presunção de inocência (também conhecido por princípio da não culpabilidade) até o trânsito em julgado de sentença penal, por pertencer ao escopo do Direito Sancionador, foi estendida a sua interpretação para os processos administrativos sancionadores, por isso não procedem posições jurídicas que preconizam o artigo 5º, XL, da CRFB/88 somente é aplicável aos processos penais por expressa redação do texto constitucional.

Tal posicionamento já havia sido advertido pelo Ministro Celso de Mello quando do julgamento ADPF nº 144, onde a Suprema Corte se posicionou que o estado de inocência não se resume ao termo estritamente penal. Ao contrário, a referida cláusula se impõe ante a intervenção estatal, quer na esfera penal ou administrativa.

Nesse sentido, segue a passagem do voto condutor do Min. Celso de Mello na ADPF nº 1443 :

"Nem se diga que a garantia fundamental de presunção da inocência teria pertinência e aplicabilidade unicamente restritas ao campo do direito penal e processual penal.

Torna-se importante assinalar, neste ponto, Senhor Presidente, que a presunção de inocência, embora historicamente vinculada ao processo penal, também irradia os seus efeitos, sempre em favor das pessoas, contra o abuso de poder e a prepotência do Estado, projetando-os para esferas processuais não- criminais, em ordem a impedir, dentre outras graves consequências no plano jurídico- ressalvada a excepcionalidade de hipóteses previstas na própria Constituição, que se formulem, precipitadamente, contra qualquer cidadão, juízos morais fundada em situações juridicamente ainda não definidas (e, por isso mesmo, essencialmente instáveis) ou, então, que se imponham, ao réu, restrições a seus direitos, não obstante inexistente condenação judicial transitada em julgado.

O que se mostra relevante, a propósito do efeito irradiante da presunção de inocência, que a torna aplicável a processos de natureza não-criminal, como resulta dos julgamentos ora mencionados, é a preocupação, externada por órgãos investidos de jurisdição constitucional, com a preservação da integridade de um princípio que não pode ser transgredido por atos estatais que veiculem, prematuramente, medidas gravosas à esfera jurídica das pessoas, que são, desde logo, indevidamente tratadas, pelo Poder Público, como se culpadas fossem, porque presumida, por arbitrária antecipação fundada em juízo de mera suspeita, a culpabilidade de quem figura, em processo penal ou civil, como simples réu!”

No que tange à hipótese da retroatividade da lei mais benigna na esfera do direito sancionador, Alexandre de Moraes4 averba:

“Admite-se, porém constitucionalmente, sempre a favor do agente da prática do fato delituoso, a retroatividade da lei penal mais benigna.”

Essa aplicabilidade ampla da Lei nº 14.230/2021 deve ser reconhecida em relação à retroatividade da norma mais benéfica, dada a relevância social e jurídica de tal princípio geral de Direito Sancionador.

Tal situação está definida pelo Tema 1199/STF, que determinou a aplicação da Lei nº 14.230/2021 aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, como se constata nas teses firmadas de repercussão geral do aludido julgado do ARE 843.989/Tema 1199/STF:

“1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) Aplicam-se os princípios da não ultra-atividade e tempus regit actum aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude de sua revogação expressa pela Lei 14.230/2021; devendo o juízo competente analisar eventual má-fé ou dolo eventual por parte do agente;

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei”.

É importante destacar que o STF, ao julgar o Tema 1199, teria dito que a Lei nº 14.230/2021 se aplica aos atos de improbidade culposos; porém, a excelsa Corte NÃO DISSE que tal norma se aplica APENAS e eles (atos culposos).

A limitação a expressão “atos culposos” utilizada pela Suprema Corte Federal e destacada no Tema 1199/STF, que não falou dos atos dolosos, por não serem objeto daquela demanda.

Reconhecendo tal assertiva, a Suprema Corte no Ag. Reg. na RE com Agravo 1.346.594/SP, 2ª T., determinou a aplicação imediata da Lei nº 14.230/2021 para a imputação no tipo do artigo 11, da Lei nº 8.429/92, que versa sobre ato doloso, praticado antes da vigência das respectivas alterações da lei de improbidade administrativa.

Em seu voto, no citado julgamento, o Ministro Gilmar Mendes destacou que o Plenário do Supremo Tribunal Federal se defrontou com a questão relativa à retroatividade da Lei nº 14.230/2021 a fatos ocorridos antes da sua entrada em vigência, apreciando a questão sobre a necessidade da presença do elemento subjetivo dolo e da aplicação para os novos prazos de prescrição geral e intercorrente:

“Em suma, após as alterações promovidas pela Lei nº 14.230/2021, para que haja condenação por ato de improbidade administrativa, com fundamento no art. 11 da Lei nº 8.429/1992 (ofensa a princípios da Administração Pública), há que se demonstrar a prática dolosa de alguma das condutas descritas nos incisos do dispositivo mencionado e que essa conduta seja lesiva ao bem jurídico tutelado. No julgamento do ARE 843.989 (Tema 1.199) (Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe 9.12.2022), o Plenário do Supremo Tribunal Federal defrontou- se com a questão relativa à eventual retroatividade da Lei nº 14.230/2021 a fatos ocorridos antes da sua entrada em vigência, apreciando a questão, em especial, sob a perspectiva da “necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa” e da “aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente”. Na oportunidade, foram fixadas as seguintes diretrizes quanto à retroatividade das inovações:

1. que é necessária a comprovação da presença do elemento subjetivo “dolo” para a tipificação dos atos de improbidade administrativa;

2. que a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa é irretroativa, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada e à processos de execução das penas e seus incidentes;

3. que a Lei nº 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

4. e que o novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

Como se vê, embora tenha sido afirmada a irretroatividade da extinção da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, a Corte estabeleceu exceção de retroatividade relativa para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. No particular, a tese de julgamento restou assim redigida:

A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente

(ARE 843989, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, DJe 9.12.2022).

Definiu-se, portanto, como regra, a irretroatividade da Lei 14.230/2021, ressalvados os processos em que não tenha havido condenação transitada em julgado. Dito com outras palavras, admitiu-se a aplicação das novas disposições da Lei 8.429/1992 aos processos em curso nos quais ainda não tenha sido formada a coisa julgada quanto à condenação pelo ato de improbidade”.

Na mesma direção, o Min. Herman Benjamin no Agravo em Recurso Especial nº 223540-RO5, pode também preconizar pela aplicação retroativa da Lei nº 14.230/2021 para situações dolosas, como se verifica em sua decisão monocrática:

“(...) No caso dos autos, o agravante foi condenado em virtude de violação ao art. 11, caput, da Lei 8.429/1992, dispositivo que não mais subsiste como tipo autônomo após a Lei 14.230/2021.

Dessa forma, considerando a ratio do quanto decidido no Tema/STF 1.199 (especialmente item 3), de rigor que os autos primeiramente baixem à origem a fim de que eventualmente faça o juízo de conformação do acórdão”.

O Ministro Og Fernandes no RESP 1874826/SE6, também discorreu sobre a matéria nos seguintes termos:

“Trata-se, na origem, de ação de improbidade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Sergipe.

A Lei n. 14.230/2021 trouxe mudanças significativas procedimentais e materiais. Entre essas alterações, o legislador destacou a natureza sancionatória da Lei de Improbidade, o que implica a aplicação das garantias correlatas, inclusive, retroação do tratamento mais favorável ao réu, como pode acontecer em relação à prescrição e à capitulação de atos de improbidade por violação de princípios:

Art. 1º, § 4º, da LIA. Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador”.

Dessa mesma forma, as Cortes de Justiça, ante a retroatividade benéfica da Lei nº 14.230/2021 aos casos dolosos, em consonância com o Tema 1199/STF, preconizam a sua imediata aplicação, mesmo que os fatos apurados sejam anteriores à sua vigência:

“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - ART. 11, INCISO II, DA LEI N. 8.429/1992 - REVOGAÇÃO PELA LEI N. 14.230/2021 - ATIPICIDADE SUPERVENIENTE DA CONDUTA - IMPROCEDÊNCIA.

1. O rol de condutas previsto no art. 11 da Lei n° 8429/92 possui natureza taxativa.

2. A revogação do dispositivo no qual se enquadrava o ato ímprobo descrito na inicial impede a condenação do agente (art. 11, II, da LIA, com redação dada pela Lei n. 14.230/2021)7 ”.

“IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Aguaí. Médico que, autorizado pelo então prefeito municipal, licenciou-se do cargo para, por intermédio de pessoa jurídica, se credenciar para a prestação de serviços de igual jaez, nos termos da Lei Municipal n° 2.460/2013, recebendo contrapartida substancialmente maior que seus vencimentos.

1. Tema n° 1.199. Assentou o STF que a Lei n° 14.230, de 2021, aplica-se aos fatos que, embora praticados na vigência do texto anterior, não sejam objeto de condenação transitada em julgado.

2. Fato que não se amolda aos arts. 9° e 10 da Lei n° 8.429/1992, pois não se cogitou de corrupção e não se demonstrou efetivo prejuízo ao erário. Conduta que, a despeito de configurar grave ofensa aos princípios administrativos constitucionais, notadamente da legalidade, impessoalidade e moralidade, não é mais contemplada no art. 11 da Lei da Improbidade Administrativa, agora de aplicação numerus clausus.

3. Recurso não provido8” .

Como se não bastasse, a contagem matemática dos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento e aprovação do Tema 1199/STF, na parte correspondente à retroatividade da Lei nº 14.230/2021, ficou assim sustentado:

Votos pela retroatividade de normas de Direito Material mais benéficas de Direito Administrativo Sancionador:

  1. Ministro Alexandre de Moraes: retroatividade mitigada (respeitada a coisa julgada);

  2. Ministro André Mendonça: retroatividade total (admitindo ação rescisória);

  3. Ministro Nunes Marques: retroatividade total (admitindo rescisão ampla);

  4. Ministro Dias Toffoli: retroatividade total (admitindo rescisão ampla);

  5. Ministro Ricardo Lewandowski: retroatividade total (segue André Mendonça no voto), mas adere à tese da maioria (ministro Alexandre de Moraes);

  6. Ministro Gilmar Mendes: retroatividade total (admitindo rescisão ampla);

  7. Ministro Luiz Fux: retroatividade mitigada (segue o Min. Alexandre Moraes).

Votos contrários à retroatividade de normas de Direito Material mais benéficas de Direito Administrativo Sancionador:

  1. Ministro Edson Fachin (irretroatividade total);

  2. Ministro Roberto Barroso (irretroatividade total);

  3. Ministra Carmem Lúcia (irretroatividade total);

  4. Ministra Rosa Weber (irretroatividade total)”.

Logo, a decisão da Suprema Corte terminou por consagrar a retroatividade mitigada em matéria de prática de atos de improbidade administrativa, considerando aplicável a Lei nº 14.230/2021 aos processos em curso, não transitados em julgado, mesmo que os fatos sejam anteriores à sua vigência.

Se assim foi consolidado em uma demanda em que se julgava o tipo culposo a que aludia a redação originaria do artigo 10, da Lei nº 8.429/92, é de se concluir que o STF não limitou a retroatividade da Lei nº 14.230/2021 para somente (apenas) tal conduta, aplicando-se também para as condutas dolosas não transitadas em julgado.

Tal conclusão é fruto da aplicação dos princípios do direito constitucional sancionador, que não permite a sua utilização mitigada, apenas para algumas situações benéficas de determinado segmento da sociedade. A retroatividade da Lei nº 14.230/2021 é proveniente da aplicação imediata da lei mais benéfica (artigo 5º, inc. XL, da CRFB/88), independentemente se o ato de improbidade administrativa foi praticado de forma culposa ou dolosa.


Notas

  1. STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Ag. Reg., no RE com Agravo 1.346.594-SP, decisão monocrática. 2ª T., julgado em 25/05/2023.

  2. STF, Rel. Min. Dias Toffoli, MS 23.263/DF, Pleno, julgado em 23/4/2014.

  3. STF, Rel. Min. Celso de Mello, ADPF 144, Pleno. DJ 26/02/2010.

  4. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 6. Ed., Atlas, 2006, p. 318.

  5. STJ, Rel. Min. Herman Benjamin, ARESP 2235240, 2ª T., decisão monocrática. Julgado em 29/03/2023.

  6. STJ. Rel. Min. Og Fernandes, despacho no RE 1874826, 2ª T., DJ 05/11/2021.

  7. TJ/MG, Rel. Des. Versiani Penna, Ap. Cível 1.0778.16.000163-3/001, 19º C.C., DJ 06/06/2023.

  8. TJ/SP, Rel. Des. Coimbra Schmidt, Ap. Cível 1000557-51.2019.8.26.00083, 7º C. de Direito Público, DJ 03/10/2022.

Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. Retroação da Lei 14.230/21 nas ações distribuídas sob a Lei 8.429/92 que versem sobre atos dolosos: (Tema nº 1.199 do STF). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7408, 13 out. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/106661. Acesso em: 22 dez. 2024.

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