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A acusação no processo administrativo disciplinar deve ser circunstanciada, objetiva, direta e ter previsão em um tipo legal.

Princípio da tipicidade no Direito Administrativo

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Agenda 29/11/2007 às 00:00

III – DA CORRENTE DOUTRINÁRIA CONTRÁRIA À APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR

Nosso entendimento é no sentido de que o Estado Democrático de Direito não admite que o Poder Público puna os seus servidores disciplinarmente com base em norma em branco; contudo, grande parte da doutrina, representada por ilustres e cultos administrativistas, aos quais nutrimos o maior respeito e grande admiração, ainda recalcitram em atualizar os seus ultrapassados posicionamentos, que não admitem a aplicação do princípio da tipicidade no Direito Administrativo Disciplinar.

Algumas das penalidades disciplinares, quando impostas, dado o seu caráter sancionatório, podem deixar seqüelas irreversíveis na vida do servidor público. Por essa razão, para evitar a imposição indiscriminada e arbitrária da sanção administrativa, por parte do administrador público, devem ser aplicados os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da segurança jurídica no processo administrativo disciplinar, para que o plasmado da justiça seja respeitado.

O objetivo do processo administrativo disciplinar é verificar se um fato típico, previsto no Estatuto dos Servidores Públicos ou em normas jurídicas afins, como infração disciplinar foi infringido, gerando responsabilidade para o seu infrator.

Por essa razão é que entendemos que, quando da imposição de uma sanção disciplinar, deverá a mesma ser vinculada à tipificação prevista na lei, para que seja exteriorizado o direito justo, oriundo do somatório de todos os elementos que serviram de base para que fosse perquirida a verdade real, extraída do conjunto probatório. Por isso, no apuratório punitivo, o tipo disciplinar, capaz de respaldar a aplicação de penalidades leves, médias ou graves, deve ser detalhado, descrevendo de forma analítica a conduta tida como infracional bem como a penalidade que deve ser aplicada.

A grande discussão doutrinária sobre o tema sub oculis é verificada pelo fato dos deveres, obrigações e proibições dos servidores públicos, estarem inseridos em seus Estatutos jurídicos, onde as condutas infracionais são descritas em capítulos afetos ao regime disciplinar, "através de comandos normativos proibitivos ou impositivos que trazem ora minudentes descrições, ora padrões vagos, para a definição do ilícito administrativo e do ilícito disciplinar, constituindo tipificações fluidas, abertas, flexíveis." [17]

Para se ter a devida dimensão da falta de uma precisa descrição do tipo legal, o artigo 132 da Lei nº 8.112/90 estabelece que os casos de demissão se inserem nas seguintes situações legais:

- crime contra a Administração Pública;

- abandono de cargo;

- inassiduidade habitual;

- improbidade administrativa;

- incontinência pública e conduta escandalosa, verificadas no serviço público;

- insubordinação grave em serviço;

- ofensa física, em serviço, salvo em legítima defesa própria ou de outrem;

- aplicação irregular de dinheiros públicos;

- revelação de segredo funcional;

- lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional;

- corrupção;

- acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas;

- transgressão dos incisos IX a XVI do artigo 117, da Lei nº 8.112/90 (violação à dignidade da função pública; gerência de empresa privada; advocacia administrativa; recebimento de propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão da função pública exercida; prática de usura e desídia).

Não resta dúvida que os tipos das penalidades administrativas disciplinares são abertos, diferentemente dos do direito penal, porquanto nessa última situação jurídica eles são fechados, com exceções.

Sucede que tal diferença ontológica não dá ensejo ao afastamento do princípio da tipicidade no direito administrativo sancionador, pois, apesar de serem tipos legais abertos, eles devem ser conjugados com o disposto pelo artigo 128 da Lei nº 8.112/90, que estabelece que, na aplicação das penalidades, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais. Ou seja, foram estabelecidos critérios objetivos, que complementam os tipos abertos declinados à guisa de exemplo.

Esse complemento, determinado no artigo 128 da Lei nº 8.112/90, estabelece uma certa dose de proporcionalidade quando da aplicação dos tipos abertos previstos no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União Federal, pois o poder disciplinar não é irresponsável, tendo em vista que a sanção disciplinar deve conter um equilíbrio entre a infração cometida e a responsabilidade do servidor acusado, considerando-se o dano causado ao ente público.

Destarte, os padrões vagos e abertos dos tipos disciplinares, revelados por uma descrição sumária no Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União Federal, sem a mínima densidade jurídica, exige uma justificada motivação do trio processante, bem como da Autoridade Julgadora, que devem se ater a análise de todo o conjunto probatório constante do processo administrativo disciplinar, para exteriorizarem o plasmado do direito justo.

Infelizmente, esses padrões vagos e abertos de descrição das infrações disciplinares possibilitaram que grande parte da refinada doutrina administrativa defendesse o princípio da atipicidade da conduta do servidor público, ficando ao livre alvedrio da Autoridade administrativa preencher a lacuna do direito disciplinar, como bem lhe aprouver.

Por essa visão jurídica, a infração disciplinar descrita como, por exemplo, "falta grave", ficaria a cargo da Autoridade Julgadora, para desenvolver a sua fundamentação objetivando respaldar a aplicação do ato punitivo e teria a ampla discricionariedade de afastar o princípio da legalidade.

Defendendo a atipicidade como regente do processo administrativo disciplinar, José Cretella Júnior [18] adunou:

"A falta disciplinar é atípica; a infração penal é típica. (...) O poder disciplinar é, em tese, discricionário. Não vinculam os pressupostos de antecedência da lei na determinação da falta ou da sanção. Não se aplica à instância administrativa o princípio da reserva legal que domina, regularmente, a doutrina em lei penal (nullum crimen, nulla poena sine lege). Não há, em matéria disciplinar, a exigência de verificação legal da falta que se caracteriza, in genere, como violação dos deveres funcionais, a serem explicitados em atos regulamentares ou administrativos." -[Itálico e parênteses no original]-

Por esse entendimento do professor J. Cretella Júnior [19], simplesmente a atipicidade da conduta disciplinar teria o condão de afastar o princípio da legalidade da infração disciplinar, bem como a análise dos elementos objetivos, subjetivos e normativos do tipo , conferindo uma ampla, geral e irrestrita discricionariedade ao julgador do processo administrativo disciplinar e aplicador da penalidade.

A ilustre professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro [20] também se perfilha a essa corrente doutrinária, quando afirma que

"no direito administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei, como ocorre com o abandono de cargo: A maior parte delas fica sujeita à discricionariedade administrativa diante de cada caso concreto; é a autoridade julgadora que vai enquadrar o ilícito como ‘falta grave’, ‘procedimento irregular’, ‘ineficiência do serviço’, ‘incontinência pública’, ou outras infrações previstas no modo indefinido na legislação estatutária. Para esse fim deve ser levado em consideração a gravidade do ilícito e as conseqüências para o serviço público." -[Aspas no original]-

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Esse posicionamento foi defendido amplamente pela corrente francesa do início do século XX, onde renomados tratadistas, entre eles Gaston Jéze, [21] afirmaram que constituía erro fundamental confundir a infração disciplinar com a penal:

"La falta disciplinaria y la infracción penal no tiene, pues, la misma naturaleza; no nos hallamos ante una cuestión de gravedad de la falta. Confundir la falta de servicio y el delito del agente público, sería un error capital, en el que muchas veces se ha incurrido. Olvidar esta idea fundamental, es correr el riesgo de dar al poder disciplinario una significación jurídica que no tiene. La represión disciplinaria de los agentes públicos que cometen faltas y la represión penal de los agentes públicos delincuentes son dos casos totalmente diferentes."

Duez et Debeyre [22] também sustentou a diversidade fundamental do delito penal com o disciplinar, em face da diferença de seus tipos legais, tendo em vista que as infrações disciplinares não necessitavam de previsão legal, sendo desnecessária, via de conseqüência, a exigência de tipicidade, tão fundamental para o direito francês; todos os servidores públicos poderiam ser punidos quando eles infringissem deveres funcionais em sentido lato, sem que houvesse a necessidade do contexto descritivo do rol de penalidades cabíveis.

Esses posicionamentos jurídicos de doutrinadores franceses foram suficientes para influenciar A. Gonçalves de Oliveira, [23] ex-Consultor Geral da República, ao proferir alentado parecer, em 1956, como se infere:

"Para aplicação da pena disciplinar, não é necessário esteja a mesma expressamente prevista na lei, não se sujeitando à idéia da prévia tipicidade."

Odete Medauar [24] também defende a atipicidade das infrações disciplinares, por dois fundamentos: dificuldade de se catalogar com exatidão todas as condutas infracionais e discricionariedade do administrador público:

"Cabem algumas ressalvas a respeito da atipicidade das infrações. Dois argumentos aparecem amiúde para justificar essa atipicidade ou a não aplicação do adágio nullum crime sine lege: a) dificuldade de catalogar com exatidão todas as condutas que possam desatender deveres e proibições funcionais; b) discricionariedade do poder disciplinar."-[Itálico no original]-

No mesmo sentido, o ilustre mestre José dos Santos Carvalho Filho [25] aduz:

"Os estatutos funcionais apresentam um elenco de deveres e vedações para os servidores e o ilícito administrativo vai configurar-se exatamente quando tais deveres e vedações são inobservados. Além do mais, os estatutos relacionam as penalidades administrativas sem, contudo, fixar qualquer elo de ligação a priori com a conduta." -[Itálico no original]-

Pedimos vênia aos ilustres doutrinadores que entendem não haver a subsunção da conduta infracional disciplinar em um tipo legalmente previsto num dispositivo instituído pelo ordenamento jurídico, no sentido de que a tipicidade da infração disciplinar fere os princípios da legalidade, proporcionalidade, segurança jurídica e deixa de atender ao ideal de justiça.


IV - DO PRINCÍPIO DA TIPICIDADE NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR – ASPECTOS LEGAIS E DOUTRINÁRIOS

Para se instituir o princípio do devido processo legal na instância disciplinar, em primeiro lugar, faz-se necessário a existência de um processo justo, onde o acusado tenha a devida ciência da descrição/narração circunstanciada do fato tido como infração disciplinar, devidamente tipificado em um dispositivo legal, cuja prática lhe é imputada.

Ou seja, como averbava Heleno Cláudio Fragoso, [26]

"o elemento essencial de garantia para o acusado, a narração minuciosa do fato fundamenta o pedido, demonstra a convicção da acusação pública’, sendo justificado tanto a ação penal, como o procedimento administrativo disciplinar, porquanto é afastado ‘o arbítrio e o abuso de poder’." –[Aspas no original]-

Enfatizamos, ainda por necessário, que no atual sistema jurídico brasileiro, não existe a menor possibilidade de ser permitido aos poderes públicos, com fundamento somente em provas indiretas, reconhecer, em sede disciplinar, a responsabilidade funcional do servidor público.

Na realidade, a constitucionalização do direito administrativo, introduzida pela Carta Política de 1988, repele qualquer ato estatal que viole o dogma de que não haverá culpa penal ou administrativa por presunção ou por uma mera suspeita desacompanhadas de provas diretas ou de outros elementos legais de convicção, pois "meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação estatal." [27]

Não se admite a imposição de uma penalidade disciplinar ao servidor público, a qual por óbvio pressupõe uma condenação, sem a descrição circunstanciada e detalhada da conduta infracional praticada e da classificação do tipo legal tido como infringido, pois o princípio da legalidade estabelece essa mínima obrigatoriedade para a acusação.

Ou, em outras palavras,

"os agentes administrativos não são meros objetos da repressão disciplinar, antes assumindo um papel ativo no desenvolvimento do respectivo procedimento, que lhes concede importantes garantias de defesa, de modo a poderem influenciar o seu resultado. Aliás, só assim o procedimento disciplinar pode cumprir a sua função legitimadora do ato administrativo disciplinar." [28]

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Aproxima-se o direito disciplinar e as suas respectivas sanções do ponto de vista teorético do direito penal e de suas penas, conforme lição de Jorge de Figueiredo Dias. [29] Essa aproximação é de conseqüência do "Estado, estritamente subordinado ao princípio da legalidade da Administração." [30]

O citado penalista lusitano, Jorge de Figueiredo Dias, [31] fiel aos direitos constitucionais fundamentais dos acusados em geral e também a benéfica influência do direito penal, defende a aplicação do princípio da tipicidade no direito administrativo disciplinar, nos seguintes termos:

"o que estaria ligado sobretudo à circunstância de as exigências da tipicidade das infrações – em conseqüência também da culpa – se encontrarem no direito disciplinar extremamente amortecidas relativamente ao que sucede, por força do estrito princípio da legalidade, no direito penal. Não deve ser assim, e não é assim segundo o direito disciplinar português vigente. Sem prejuízo de dever conhecer-se que o direito disciplinar é, em maior medida que o direito penal, orientado para o agente, não pode esquecer-se que se trata aqui de direito sancionatório e que por isso uma consistente defesa dos direitos dos argüidos impõe que sejam respeitados no essencial os princípios garantísticos que presidem o direito penal. Por isso o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local (DL 24/84, de 16-1), se não tipificou as infraccões – os tipos de factos – que dão origem à responsabilidade disciplinar, descreveu em todo o caso o dever geral dos funcionários e agentes aos seus concretos deveres, de isenção, de zelo, de obediência, de lealdade, de sigilo, de correção, de assiduidade e de pontualidade, cuja violação sujeita os funcionários e agentes ao poder disciplinar (art. 3º do DL 24/84)." –[Parênteses no original]-

As infrações disciplinares no direito português, a que alude Jorge de Figueiredo Dias, são aquelas que estão previstas no Decreto-Lei nº 24/84, que atualizou o Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local.

O artigo 3º, do citado Decreto-Lei nº 24/84 estabelece como infração disciplinar:

"3.1. – Considera-se infração disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou agente com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce. 3.2.– Os funcionários e agentes no exercício das suas funções estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração. 3.3. – É dever geral dos funcionários e agentes actuar no sentido de criar no público confiança na ação da Administração Pública, em especial no que à sua imparcialidade diz respeito. 3.4. – Consideram-se ainda deveres gerais: a) o dever de isenção; b) o dever de zelo; c) o dever de obediência; d) o dever de lealdade; e) o dever de sigilo; f) o dever de correção; g) o dever de assiduidade; h) o dever de pontualidade."

Sendo que a jurisprudência portuguesa identifica os elementos constitutivos da infração disciplinar, como:

"São elementos essenciais da infração disciplinar: a) uma conduta do funcionário ou agente; b) o caráter ilícito desta, decorrente da inobservância de algum dos deveres gerais ou especiais inerentes à função exercida; c) o nexo de imputação, que se traduz na censurabilidade da conduta, a título de dolo ou culpa. Enferma de violação de lei, a punição por conduta a que falta alguns desses elementos." [32]

Em outro aresto, o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal estabeleceu posição sólida sobre os elementos essenciais para a tipificação de uma infração disciplinar, como se verifica da seguinte ementa:

"-São elementos essenciais constitutivos de infração disciplinar: a) uma conduta do funcionário; b) a violação de algum dos deveres gerais ou específicos; c) a censurabilidade desta, por imputação ao agente a título de dolo ou de mera culpa. A culpa envolve, por natureza, um complexo juízo de censura ou reprovabilidade que assenta sobre o nexo existente entre o facto ilícito e a vontade do agente." [33]

De igual modo, verifica-se que a Corte Superior Portuguesa não tem dúvida da necessidade jurídica de se tipificar a infração disciplinar em relação aos fatos que possam ser objeto de ilicitude, quando confrontados com a norma legal:

"- Nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1, do Estatuto Disciplinar do Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovada pelo art. 1º, do DL nº 24/84, de 16 de janeiro, só são disciplinarmente relevantes os fatos que possam ser objecto de um juízo de ilicitude face à norma ou princípio jurídico que impõe ao funcionário argüido um dever funcional geral ou especial." [34]

Como visto, o direito português exterioriza a necessidade de se identificar uma conduta ilícita por parte do servidor público responsável perante o ordenamento jurídico, através de um tipo estabelecido previamente pela lei.

Tal qual em nosso direito, mesmo que vagos ou indeterminados os conceitos dos ilícitos disciplinares de Portugal, o Poder Judiciário estabeleceu firme jurisprudência que a responsabilidade administrativa decorre, por força do princípio da legalidade, da conduta dos servidores públicos que configuram infrações, previstas em normas do Estatuto dos funcionários públicos daquele país.

Na Espanha, o artigo 25.1 da Constituição estabelece que ninguém será punido, condenado ou sancionado por falta ou infração disciplinar, sem que haja previsão na legislação vigente:

"25.1 – Nadie debe ser condenado o sancionado por acciones u omisiones que el momento de producirse no constituyan delito, falta o infracción administrativa, según la legislación vigente en aquel momento."

Conferindo efetividade ao citado comando constitucional, a Lei do Regime Jurídico das Administrações Públicas e Procedimento Administrativo Comum (Lei 30/1992, de 26 de novembro), em seu artigo 129, estabelece explicitamente a necessidade do princípio da tipicidade nas infrações administrativas:

"Art. 129.1 – Solo constituyen infracciones administrativas las vulneraciones del Ordenamiento Jurídico previstas como tales infracciones por una Ley, sin perjuicio de lo dispusto para la administración local en el título XI de la Ley 7/1985, de 2 de abril, Reguladora de las Bases del Régimen Local. Las infraciones administrativas se classificarán por la Ley em leves, graves y muy graves. 2 – Únicamente por la Comisión de infracciones administrativas podrán imponerse sanciones que, en todo caso, estarán delimitadas por la ley. 3 – Las disposiciones reglamentarias de desarrollo podían introducir especificaciones o graduaciones al cuadro de las infracciones o sanciones estabelecidas legalmente que, sin construir nuevas infracciones o sanciones, no alterar la natureza o limites de los que la Ley contempla, contribuyan a la más correcta identificación de las conductas o a la más precisa determinación de las sanciones correspondientes. 4 – Las normas definidoras de infracciones y sanciones no serán susceptibles de aplicación analógica."

Jesús Gonzáles Pérez e Francisco Gonzáles Navarro, [35] ao comentarem o artigo 129, da LRJPA aduzem:

"La infracción administrativa es por lo ponto una acción previamente descrita por la ley, precisamente por una ley en el sentido formal, que haya sido emanada del Parlamento. Tipificación y reserva legal son así los dos primeros rasgos que sirven para empezar a perfilar el concepto de infracción administrativa."

Por sua vez, José Mária Quirós Lobo, [36] sobre o tema assinala que os preceitos sancionadores "em branco" são os primeiros inimigos do princípio da tipicidade disciplinar.

No mesmo sentido, em Obra específica sobre o princípio da tipicidade nas infrações disciplinares qual seja, "La Tipicidad de las Infracciones en el Procedimiento Administrativo Sancionador", Joaquim Meseguer Yebra afirmou: [37]

"La descripción de la infracción administrativa, referida a actos u omisiones aislados y concretos, no es una facultad discrecional de la Administración o autoridad sancionadora, sino propiamente una actividad jurídica de aplicación de las normas, que exige como presupuesto objetivo el encuadre o la subsunción de la infracción en el tipo predeterminado legalmente, rachazádonse criterios de interpretación extensiva o analógica. A afectos de revisión jurisdiccional la tipicidad de la infracción, supone la coincidencia de una conducta con el supuesto de hecho de la norma tipificante."

Por fim, José Manuel Serrano Alberca, [38] ao comentar a Constituição da Espanha em magistral obra organizada por Fernando Garrido Falla, também se perfilha aos posicionamentos doutrinários citados alhures:

"El principio da tipicidad, como aplicación y concreción del principio de legalidad y reserva de ley exige también la delimitación concreta de las conductas en la ley prohibiendo, con caráter general, las remisiones en blanco a preceptos de rango inferior y su interpretación analógica."

Também o Tribunal Supremo Espanhol teve a oportunidade de se manifestar no seguinte sentido:

"El derecho fundamental así enunciado (de acuerdo con el tenor literal del art. 25.1 CE) incorpora la regra nullum crimem nulla poena sine lege, extendiéndola incluso al ordenamiento sancionador administrativo y comprende una doble garantía. La primeira, de orden material y alcance absoluto, tanto por lo que se rifiere al ámbito estritamente penal como al de las sanciones administrativas, refleja la especial transcedencia del principio de seguridad en dicho ámbitos limitativos de la liberdad individual y se traduce en la imperiosa exigencia de pretederminación normativa de las conductas ilícitas y de las sanciones correspondientes." [39] -[Itálico e parênteses no original]-

O Tribunal Constitucional Espanhol em outro expressivo julgado deixou explícita a necessidade da aplicação do princípio da legalidade no âmbito do direito sancionador estatal:

"implica, por lo menos, estas três exigências: La existência de una ley (lex scripta); que la ley sea anterior al hecho sancionador (lex previa), y que la ley describa un supuesto de hecho estrictamente determinado (lex certa); lo que significa un se chazo a la analogía como fuente creadora de delitos y penas, e impide, como limite a la actividad judicial, que el Juez se convierta en legislador." [40]

O mesmo Tribunal Supremo Espanhol enfrentou os conceitos de legalidade e de tipicidade nas infrações e sanções disciplinares, da seguinte forma:

"Los conceptos de legalidad y de tipicidad no se identifican, sino que el segundo tine un próprio contenido, como modo especial de realización del primero. La legalidad se cumple con la previsión de las infraciones y sanciones en la ley, pero para la tipicidad se requiere algo más, que es la precisa definición de la conducta que la ley considera pueda imponerse, siendo en definitiva medio de garantizar el principio constitucional de la seguridad jurídica y de hacer realidad junto a la existencia de una lex previa, a la de una lex certa." [41]

Após as lições doutrinárias e jurisprudenciais do direito comparado, não resta dúvida que o princípio da legalidade encontra-se encravado no processo administrativo disciplinar em seu todo, sendo que a tipicidade é uma conseqüência da sua salutar influência. Por essa concepção, quando se tratar de investigação, onde se apura a prática de ilícito criminal ou infração disciplinar, com a aplicação de penalidade, têm-se, como exigência do princípio da legalidade, as seguintes providências: [42]

- irretroatividade da lei;

- proibição de criação de ilícitos administrativos e penalidades pelos costumes ou que não estejam legalmente estabelecidos em ordenamento legal;

- impossibilidade de se utilizar o princípio da analogia para definir infrações disciplinares ou agravar/fundamentar as penalidades;

- tipicidade;

- descrição precisa e circunstanciada dos fatos, sendo vedada a acusação vaga e indeterminada.

Sobre o princípio da tipicidade no direito administrativo disciplinar, deixamos registrado em nossa Obra intitulada "Lei nº 8.112/90 Interpretada e Comentada: Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos da União": [43]

"Apesar de ilustres administrativistas defenderem que o princípio da tipicidade (tatbstand) não se aplica ao processo disciplinar, após o advento da Constituição de 1988, onde o direito administrativo foi constitucionalizado, o princípio da legalidade (art. 37, CF e o art. 5º, II, CF) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) não permitem uma acusação genérica, sem ponto de apoio em uma norma legal descritiva que reprima a conduta tida como ilícita. Na atual fase do direito constitucional administrativo não mais vigora a visão de que a acusação no processo disciplinar pode ser ampla e dissociada de um tipo legal."-[Itálico e parênteses no original]-

No mesmo sentido, o ilustre doutrinador lusitano Manoel Afonso Vaz, [44] autor da consagrada Obra "Lei e Reserva de Lei", averbou:

"A idéia fundamental, ou ponto de partida, é estabelecer, uma conexão adequada entre uma concepção particular da pessoa e os primeiros princípios de justiça, através de um procedimento de construção. Ou dito de outro modo, procura-se estabelecer um certo procedimento de construção que responda a certas exigências de razoabilidade e, dentro desse procedimento, explicitar um modo de as pessoas racionais, caracterizadas como ‘agentes de construção’, especificarem, mediante os seus acordos, os princípios de justiça." –[Aspas no original]-

Fábio Medina Osório, [45] representando a corrente doutrinária moderna, não teve dúvida em confirmar a necessidade da aplicação da teoria da tipicidade no direito administrativo:

"Sem embargo, a teoria da tipicidade é um fenômeno peculiar ao direito, sem uma necessária vinculação com a idéia de tipos penais. Daí porque, naturalmente, os tipos entram no campo administrativo, desempenhando determinadas funções. (...) O princípio da tipicidade das infrações administrativas, decorre genericamente, do princípio da legalidade, vale dizer, da garantia de que ‘ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei’ (art. 5º, II, da CF/88), sendo que a Administração Pública, ademais, está submetida a exigência de legalidade administrativa (art. 37, caput, CF/88), o que implica necessária tipicidade permissiva para elaborar modelos de contas proibidas e sancioná-los. Além disso, a garantia de que as infrações estejam previamente tipificadas em normas sancionadoras integra, por certo, o devido processo legal da atividade sancionatória do Estado (art. 5º, LIV, CF/88), visto que sem a tipificação do comportamento proibido resulta violada a segurança jurídica da pessoa humana, que se expõe ao risco de proibições arbitrárias e dissonantes dos comandos legais." –[Aspas, itálico e parênteses no original]-

Em igual diapasão, Paulo Otero, [46] eminente administrativista português, filiado à modernidade do Direito Público, não teve dúvida em adunar:

"O princípio da legalidade de ser mero limite da actividade administrativa para passar a ser igualmente, seu fundamento. A extensão do princípio da legalidade determina a evolução do princípio da reserva de lei para o princípio da reserva total de lei, através do qual todas as tarefas administrativas e o conteúdo da sua própria actividade exige a existência de um fundamento legal."

Outro grande expoente do direito administrativo brasileiro, Romeu Felipe Bacellar Filho, [47] amparado pela Constituição Federal de 1988, não teve dúvida em inadmitir a possibilidade jurídica da atipicidade da infração no âmbito disciplinar:

"A Constituição de 1988 não se compatibiliza com afirmações do tipo ‘no Direito Administrativo Disciplinar admite-se a atipicidade da infração e a ampla discricionariedade na aplicação da sanção, que é renunciável pela Administração, possibilidades inconcebíveis em Direito Penal’. Afinal, o princípio da reserva legal absoluta em matéria penal (5º, XXXIX, da Constituição Federal) – nullum crimen, nulla poena sine lege – estende-se ao direito administrativo sancionar." –[Aspas, itálico e parênteses no original]-

No mesmo sentido, Marçal Justen Filho: [48]

"Inexiste discricionariedade para imposição de sanções, inclusive quando se tratar de responsabilidade administrativa. A ausência de discricionariedade se refere, especialmente, aos pressupostos de imposição da sanção. Não basta a simples previsão legal da existência da sanção. O princípio da legalidade exige a descrição da ‘hipótese de incidência’ da sanção. A expressão, usualmente utilizada no campo tributário, indica o aspecto da norma que define o pressuposto da aplicação do mandamento normativo. A imposição de sanções administrativas depende da previsão tanto da hipótese de incidência quanto da conseqüência. A definição deverá verificar-se através da lei (...)." –[Aspas no original]-

Sem o nexo entre a conduta descrita no "libelo acusatório", (equivalente a portaria inaugural e mandado de citação do processo administrativo disciplinar) e o tipo legalmente estabelecido em lei para uma futura punição, não haverá legitimidade a aplicação de uma sanção disciplinar, porquanto o Estado Democrático de Direito não permite a existência de normas incriminadoras em branco.

Os elementos descritivos do tipo, segundo Hans Heinrich Jescheck e Thomas Weingend, [49]

"son conceptos que pueden ser tomados tanto del cotidiano como del uso de lenguage jurídico y que describe objetos del mundo real. Son susceptibles de una verificación fática y, por este motivo, también pueden ser concebidos como componentes ‘descritivos’ aún cuando la determinación de su más exacto contenido sólo se consiga a través de la referencia a una norma, mostrando asi en cirta medida un contenido jurídico." –[Aspas no original]-

Sobre a taxatividade no direito penal, da lei ser a única fonte definidora de crimes, extrai-se as brilhantes lições de Celso Delmanto: [50]

"(...) as leis que definem crimes devem ser precisas, marcando, exatamente a conduta que objetivam punir. Assim, em nome do princípio da legalidade, não podem ser aceitas leis vagas ou imprecisas, que não deixem perfeitamente delimitado o comportamento que pretendem incriminar os clamados tipos penais abertos... Por outro lado, ao juiz que vai aplicar leis penais é proibido o emprego da analogia ou da interpretação com efeitos extensivos para incriminar algum fato ou tornar mais severa sua punição. As eventuais falhas da lei incriminadora não podem ser preenchidas pelo juiz, pois é vedado a este completar o trabalho do legislador, para punir alguém."

Exige, também, o direito administrativo disciplinar uma descrição legal do tipo subsumido a uma conduta específica, conjugada ou imbricada com uma correspondente penalidade.

Esse tipo legal proibitivo, vinculado a uma sanção disciplinar, é suficiente para afastar o princípio da atipicidade da conduta do servidor público, em decorrência de que a infração disciplinar não pode ser fundamentada/embasada por preceitos fluidos ou discricionários da Administração Pública, para que ela "possa entender violado determinado preceito primário (tipo), independentemente de perfeita subsunção." [51]

Sobre o autor
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes. A acusação no processo administrativo disciplinar deve ser circunstanciada, objetiva, direta e ter previsão em um tipo legal.: Princípio da tipicidade no Direito Administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1611, 29 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10702. Acesso em: 18 nov. 2024.

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