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Integralização ou desincorporação de bens imóveis por instrumento público

Agenda 23/12/2007 às 00:00

Dispõe o artigo 64 da Lei 8.934/94 acerca do Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins, nos seguintes termos:

Art. 64 A certidão dos atos de constituição e de alteração de sociedades mercantis, passada pelas juntas comerciais em que foram arquivados, será o documento hábil para a transferência, por transcrição no registro público competente, dos bens com que o subscritor tiver contribuído para a formação ou aumento do capital social.

O Oficial de Registro de Imóveis analisa 8 hipóteses ante o registro da integralização ou desincorporação de bens imóveis (transferência de imóvel entre o sócio e a sociedade):

  1. formação de capital social de sociedade registrada na Junta Comercial;
  2. aumento de capital social de sociedade registrada na Junta Comercial;
  3. redução de capital social de sociedade registrada na Junta Comercial;
  4. extinção de capital social de sociedade registrada na Junta Comercial.
  5. formação de capital social de sociedade registrada no Cartório de RCPJ;
  6. aumento de capital social de sociedade registrada no Cartório de RCPJ;
  7. redução de capital social de sociedade registrada no Cartório de RCPJ;
  8. extinção de capital social de sociedade registrada no Cartório de RCPJ.

Todavia, quando do registro de tais transferências imobiliárias, alguns Oficiais de Registro de Imóveis têm entendido pela aplicação do artigo 64 da Lei 8.934/94 para todas essas hipóteses; vale dizer, têm admitido, em detrimento da forma exigida no art. 108 do CC, qual seja, a escritura pública, as certidões da Junta Comercial ou do Cartório de Registro Civil das Pessoas Jurídicas para registro das transferências de imóveis nos casos de:

1) formação;
          2) aumento;
          3) redução e
          4) extinção de capital social.

Tal aplicação extensiva do artigo 64 da Lei 8.934/94, entretanto, viola o disposto no artigo 108 do Código Civil, que estipula, como regra geral, que a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, verbis:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Ora, a forma do negócio jurídico prevista no artigo 108 – escritura pública – é requisito de validade e garantia das próprias partes nele envolvidas e de terceiros.

A validade é requisito do próprio negócio e, se inválido por defeito da forma prescrita, é ele nulo e como tal ineficaz, no plano de seus efeitos, ex vi do artigo 166 do Código Civil.

Importante, pois, ater-se às formas e solenidades que a lei considere essencial para a validade do negócio jurídico, sob pena de, embora existente, não produzir os efeitos por ele desejado.

De fato, admite-se a utilização de instrumento particular, qual seja, a certidão da Junta Comercial, com o fim de materializar a conferência de bens pelos sócios para integralizar o capital social; contudo, tal exceção, derivada do texto do artigo 64 da Lei Federal 8.934/94, deve ser interpretada restritivamente.

Conforme CARLOS MAXIMILIANO (Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 184), "as disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente".

Para CARVALHO SANTOS, as leis de exceção somente são aplicadas aos casos nelas previstos, compreendidos no seu motivo (Comentários ao Código Civil vol. 1º, p. 98).

O artigo 64 da Lei 8.934/94 permite a utilização de certidão expedida pela Junta Comercial, extraída dos atos constitutivos ou de sua alteração, como título hábil para, perante o registrador, possibilitar a alienação de direitos reais incidentes sobre imóveis, mas sempre e invariavelmente para a composição ou o aumento do capital social, e nunca para sua redução ou dissolução.

Portanto, quanto às sociedades empresárias, não há dúvida persistir o disposto no artigo 64 da Lei 8.934/94, bastando para o registro da transferência de bens imóveis, junto ao Registro de Imóveis, a certidão da Junta Comercial, para os fins que indica: formação ou aumento de capital social.

Embora esse dispositivo se refira às sociedades mercantis, seu alcance atinge as atuais sociedades empresariais, porque naquele órgão registradas.

No entanto, o artigo 64 da Lei 8.934/94 não pode ser aplicado para as sociedades registradas no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas – RCPJ, porque a intenção do legislador ao estabelecer a referida exceção tem fundamento naquelas sociedades que têm seu registro perante o Registro Público de Empresas Mercantis, ao qual ainda hoje estão vinculados o empresário e a sociedade empresária.

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A Lei 8.934/94 dispõe sobre caso específico dos registros de empresas e sociedades empresariais, ainda vigentes, segundo disposto no artigo 1.150 do Código Civil, verbis:

Art. 1.150 O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.

Prevalece, destarte, a exceção do artigo 64, a qual é restrita, refrise-se, àquelas sociedades que tem seu registro no Registro Público de Empresas Mercantis.

Assim, para se transferir bem imóvel com que o sócio contribui para a formação ou aumento do capital social da sociedade simples (antiga sociedade civil), registrada no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, o instrumento hábil para o registro observará a forma do artigo 108 do Código Civil – escritura pública.

Ademais, impõe-se ressaltar o aspecto tributário da presente questão. Isso porque, quando a forma exigida por lei é a escritura pública, e se tem o registro um instrumento particular, ocorre, a toda evidência, evasão fiscal, deixando de ser arrecadados, dentre outros, a taxa de fiscalização devida pela lavratura da escritura pública.

Para tanto, impõe-se a análise de uma hipótese a título exemplificativo, em que o sócio X apresenta para registro, alteração de contrato social de empresa, com certidão de seu arquivamento na Junta Comercial, pela qual ele, sócio, se retira da empresa e recebe, para pagamento de seus haveres, entre outros, bens imóveis.

Não deve ser aceito a registro o instrumento particular, qual seja, a alteração de contrato social, ainda que arquivado na Junta Comercial, devendo o sócio retirante X promover a escrituração do imóvel por instrumento público, por meio de dação em pagamento ou escritura de desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica, consoante faz menção o parágrafo único do artigo 36 do CTN, com o recolhimento do ITBI, em sendo o caso, e conseqüente apresentação de todas as certidões negativas exigidas por lei.

Pontofinalizando, a título conclusivo, tem-se que, dentre as hipóteses de "1" a "8" acima enumeradas, apenas as hipóteses "1" e "2" (certidão da Junta Comercial de ato de formação ou aumento de capital) constituem exceções autorizadas pelo artigo 64 da Lei 8.934/94; as demais, de "3" a "8", devem observar a regra geral prevista no artigo 108 do Código Civil, qual seja, a escrituração pública.


REFERÊNCIAS

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 184.

CARVALHO SANTOS. Comentários ao Código Civil. Vol. 1º, p. 98.

BRASIL. Lei Federal nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Novo Código Civil Brasileiro, disponível no site http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm

BRASIL. Lei Federal nº 5.172 de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional, disponível no site http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm

BRASIL. Lei Federal nº 8.934 de 18 de novembro de 1994. Dispõe sobre o Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins e dá outras providências. Disponível no site http://www.presidencia.gov.br/legislacao/

Sobre a autora
Viviane Souza Vieira

advogada em Belo Horizonte (MG), bacharel em Direito pela UFMG, especialista em Direito Processual Civil pela PUC Minas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA, Viviane Souza. Integralização ou desincorporação de bens imóveis por instrumento público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1635, 23 dez. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10787. Acesso em: 24 nov. 2024.

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