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* Pós-graduada (lato sensu) em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2011). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009). Analista Judiciária de Área Judiciária do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. E-mail: tarsila.vaz@gmail.com
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As Constituições brasileiras anteriores ao texto de 1988 não fizeram qualquer referência à proteção em face da automação, inclusive aquelas que estabeleciam rol de direitos do trabalhador (art. 121, CF/1934; art. 137, CF/1937; art. 157, CF/1946; art. 158, CF/1967; e art. 165, CF/1969).
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Na doutrina (JOSÉ FILHO, 2016), geralmente, interpreta-se o direito de proteção em face da automação sob duas perspectivas: uma relacionada à empregabilidade (ou seja, garantia contra extinção de empregos ou sua depreciação) e outra concernente ao meio ambiente de trabalho (segurança e saúde do trabalhador).
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Segundo Maurício Godinho Delgado, “não se pode esquecer que as inovações tecnológicas, no mesmo instante em que ceifam certos tipos de trabalho e emprego no sistema socioeconômico, imediatamente criam outros em substituição, atados estes à nova tecnologia substitutiva do labor precedente. (...) Nesse cenário, fica bastante claro não ser apenas negativa a relação da tecnologia com o trabalho, podendo, ao revés, ter efeitos realmente positivos na geração de novas funções, profissões e empregos” (DELGADO, 2015, p. 40).
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“Por isso, pode-se dizer que as normas de eficácia plena sejam de aplicabilidade direta, imediata e integral sobre os interesses objetos de sua regulamentação jurídica, enquanto as normas de eficácia limitada são de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia, conquanto tenham uma incidência reduzida e surtam outros efeitos não essenciais, ou melhor, não dirigidos aos valores-fins da norma, mas apenas a certos valores-meios e condicionantes, como melhor se esclarecerá depois. As normas de eficácia contida também são de aplicabilidade direta, imediata, mas não integral, porque sujeitas a restrições previstas ou dependentes de regulamentação que limite sua eficácia e aplicabilidade” (1998, p. 83).
No decorrer de sua obra, José Afonso da Silva ainda explica que as normas de eficácia limitada são de dois tipos: i) de princípio institutivo; e ii) de princípio programático, sendo estas últimas, em suma, programas para serem cumpridos pelos poderes constitucionais (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos). Ademais, cabe destacar que o próprio José Afonso da Silva cita o art. 7º, XXVII, da CF/88 como exemplo de norma de eficácia limitada, definidora de princípio programático (Ibidem).
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Lei Distrital nº 3.923/2006:
Art. 1º A empresa de ônibus do Serviço de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal que venha a implantar dispositivos de leitura e registro de oferta e demanda para a cobrança de tarifas pelo sistema de bilhetagem eletrônica deve assegurar, em cada veículo e durante todo o itinerário, funções de um assistente de bordo, de forma a manter o emprego de cobrador.
Parágrafo único. Mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, a denominação assistente de bordo poderá ser substituída por outra que melhor expresse as novas funções definidas no art. 2º.
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PL 4035/2019 (Senador Paulo Paim), PLS 26/1994 (Senador Albano Franco), PLS 17/1991 (Senador Fernando Henrique Cardoso), PLS 74/1990 (Senador Fernando Henrique Cardoso), PL 1091/2019 (Deputado Wolney Queiroz), PL 2611/2000 (Deputado Freire Júnior), PL 1366/1999 (Deputado Paulo Paim), PL 34/1999 (Deputado Paulo Rocha), PL 3053/1997 (Deputado Milton Mendes), PL 325/1991 (Deputado Nelson Proença), PL 790/1991 (Deputado Freire Júnior), PL 2313/1991 (Deputado Luiz Soyer), PL 4691/1990 (Deputado Gandi Jamil), PL 6101/1990 (Deputado Jose Carlos Saboia), PL 4195/1989 (Deputado Nelton Friedrich), PL 2867/1989 (Deputado Costa Ferreira) e PL 2151/1989 (Deputada Cristina Tavares) – informação extraída da petição inicial da ADO 73, movida pela PGR, no STF, adiante citada.
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Em decisão monocrática proferida no MI nº 618, a Min. Relatora não conheceu do pedido formulado por falta de norma regulamentadora do inciso XXVII do art. 7º da Constituição Federal de 1988. Na motivação, afirmou-se, em suma, que “o art. 7º, inc. XXVII, da Constituição não estipula como direito do trabalhador proteção contra ‘inovações tecnológicas’, mas sim ‘em face da automação’, conceitos diferentes. Na automação substitui-se o trabalho humano pelo de máquinas. A inovação tecnológica está relacionada a mudanças na tecnologia, não havendo necessariamente a substituição do homem por máquina” (STF, MI nº 618/DF. Min. Rel. Carmen Lúcia, DJE 01/10/2014).
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Em artigo sobre o tema, Roseniura Santos e Érica Soares também apresentam suas sugestões de medidas para regulamentar o art. 7º, XXVII, da CF/88: a) tipificação da dispensa decorrente da automação do processo produtivo como despedida arbitrária ou sem justa (CF art. 7º, I, CF); b) fixação como condição das demissões à negociação coletiva; c) implementação de programa público de qualificação profissional voltada a processos de automação outras; d) concessão de benefícios fiscais e financeiros por parte de órgãos e entidades da Administração Federal a projetos que mantenham nível razoável de emprego; e) concessão de incentivos fiscais à criação de programas empresariais de capacitação, readaptação e realocação funcional, condicionados ao aproveitamento prioritário dos trabalhadores na própria empresa em processo de automação empresarial f) relativização da regra do art. 468 da CLT, permitindo a alteração de cargo e funções decorrentes da automação produtiva; g) adoção de proibição de processos de automação como medida excepcional, paliativa e provisória (SANTOS; SOARES, 2015).
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A efetividade das normas é também denominada de eficácia social, como explica Luís Roberto Barroso: “Cabe distinguir-se da eficácia jurídica o que muitos autores denominam de eficácia social da norma, que se refere, como assinala Miguel Reale, ao cumprimento efetivo do direito por parte de uma sociedade. ao "reconhecimento" (AnerKennung) do direito pela comunidade ou, mais particularizadamente, os efeitos que uma regra suscita através do seu cumprimento. Em tal acepção, eficácia social é a concretização do comando normativo, a sua força operativa no mundo dos fatos. Da eficácia jurídica cuidou, superiormente, José Afonso da Silva, para concluir que todas as normas constitucionais a possuem e são aplicáveis nos limites de tal eficácia” (BARROSO, 1994, p. 35).
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“As veterans of the five-month strike will tell you, concerns over the use of generative AI such as ChatGPT were not even top of mind when the writers first sat down with the studios to begin bargaining. The WGA’s first proposal simply stated the studios would not use AI to generate original scripts, and it was only when the studios flatly refused that the red flags went up.
That was when the writers realized studios were serious about using AI — if not to generate finished scripts, which both sides knew was impossible at this juncture — then as leverage against writers, both as a threat and as a means to justify offering lowered rewrite fees” (MERCHANT, Los Angeles Times, 2023).
Em tradução livre: Conforme veteranos da greve de cinco meses poderão dizer, preocupações sobre o uso da IA [inteligência artificial] generativa tal como ChatGPT não estavam sequer entre as principais ideias quando os roteiristas, pela primeira vez, sentaram-se com os estúdios para começar a negociar. A primeira proposta do WGA [sindicato dos roteiristas] simplesmente declarava que os estúdios não usariam IA para criar roteiros originais, e foi somente quanto os estúdios a recusaram categoricamente que os sinais de alerta soaram.
Foi então que os escritores perceberam que os estúdios estavam pensando seriamente em usar IA – se não para gerar roteiros prontos, o que ambos os lados sabiam que era impossível nesta conjuntura – então como vantagem contra os roteiristas, ambos como ameaça e como meios para justificar propostas mais baixas de comissões para revisão de textos.
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Conforme a doutrina de Maurício Godinho Delgado, “a legislação heterônoma surge como um produto social que se adiciona à atuação coletiva obreira, afirmadora do padrão democrático da gestão trabalhista alcançado nos setores mais avançados da economia. Não esteriliza o avanço político, social e cultural da classe trabalhadora, porque não lhe retira o essencial senso de cidadania e de sujeito social, nucleares à existência e consolidação de qualquer convivência democrática” (DELGADO, 2014, p. 105).
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Nas palavras do Min. Gilmar Mendes, em seu voto como relator do RE 1.121.633 / GO: “Simplesmente negar a autonomia coletiva para deliberar sobre condições de trabalho próprias a determinada categoria, promovendo anulações seletivas daquilo que foi acordado entre forças econômicas e profissionais autônomas, acaba por representar uma reedição da tutela do Estado sobre os sindicatos” (p. 21); e “Apesar de todo o arcabouço constitucional que não apenas legitima, mas estimula a negociação coletiva, não são incomuns decisões da Justiça do Trabalho que, a partir da análise do caso concreto, interpretam cláusulas previamente estipuladas de forma a restringi-las ou a anulá-las. Diante desse quadro, a definição dos limites da intervenção judiciária deve ser clara, a fim de evitar ingerências indevidas e preservar o pactuado” (p. 25).
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“O princípio da proporcionalidade divide-se em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.
A adequação ou idoneidade exige que a medida adotada pelo Poder Público seja apta para atingir a finalidade pretendida. Deve o Judiciário, na análise desse subprincípio, identificar se o ato emanado do Legislativo ou do Executivo é idôneo para alcançar os objetivos que inspiraram a edição da norma jurídica ou do ato estatal.
A necessidade ou exigibilidade, por sua vez, preconiza que o Poder Público adote sempre o meio menos gravoso possível para o alcance de determinados objetivos. Vale dizer: dentre as inúmeras medidas possíveis para alcançar determinado objetivo, deve-se optar pela que for menos gravosa para os direitos fundamentais.
Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito encerra uma típica ponderação, no caso concreto, entre o ônus imposto pela norma e o benefício por ela produzido” (OLIVEIRA, 2006, p. 183).
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Art. 2º As pessoas naturais ou jurídicas e entes despersonalizados, que adotem programa de automação de sua cadeia de produção de bens e serviços somente poderão dispensar trabalhadores mediante prévia negociação coletiva e adoção de medidas para reduzir os impactos negativos da implantação do programa.
§ 1º As medidas a que se refere o caput devem incluir o reaproveitamento e a realocação de trabalhadores, por meio de processos de readaptação, capacitação para novas funções, treinamento e redução da jornada de trabalho.
§ 2º O direito de precedência no processo de reaproveitamento e realocação é conferido aos trabalhadores com maior idade e maior número de filhos menores de 21 anos ou dependentes.
§ 3º É anulável a ruptura contratual decorrente de processo de automação, quando descumprido o disposto nesta Lei.
§ 4º Considera-se processo de automação, para os efeitos desta Lei, todo processo de substituição ou implementação de tecnologia que implique na supressão total ou parcial de postos de trabalho, inclusive aqueles transferidos para preenchimento por empresa intermediária de contratação de trabalhadores, e sua substituição por processo ou equipamento total ou parcialmente automatizado.
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Art. 2º. A adoção ou implantação da automação, conforme definida nesta Lei, será obrigatoriamente precedida de negociação coletiva com o sindicato representativo da categoria profissional.
§1º. Em caso de inexistência de negociação coletiva prévia serão nulos, de pleno direito, os atos jurídicos tendentes à automação, cabendo reparação por perdas e danos, no que couber, aos trabalhadores prejudicados.
§2º. Inexistindo entidade sindical representativa da categoria profissional, formar-se-á comissão eleita pelos trabalhadores do estabelecimento para a específica finalidade da negociação versada no caput deste artigo.Art. 3º. Para fins de discussão, consulta, implementação e fiscalização, como também para os fins do art. 2º, o empregador ou tomador de serviços é obrigado a comunicar ao sindicato da respectiva categoria laboral e à Superintendência Regional do Trabalho competente, com antecedência mínima de seis meses em relação à data de adoção ou implantação da automação, conforme definida no art. 1º desta Lei:
I - o tipo de equipamento, mecanismo, tecnologia ou processo a ser adotado, implantado ou ampliado;
II – o nível de impacto da nova tecnologia sobre as condições de trabalho;
III – a relação dos empregados atingidos com a mudança operacional;
IV – a planificação de treinamento e readaptação dos empregados, de modo a que eles possam vir a desenvolver ou desempenhar novas funções, para o mesmo empregador ou grupo econômico.
Abstract: This article aims to analyze workers’ fundamental right to protection against automation, provided for in Article 7, XXVII, of the Federal Constitution of 1988, in terms of its efficacy and effectiveness. Based on lessons learned from a relevant event that took place abroad (a strike in Hollywood), it is argued that collective labor agreements are, in the Democratic Rule of Law established by the Federal Constitution of 1988, essential instruments for making this right effective. Finally, it is advocated that autonomous collective rules can, if they respect substantive due process of law, restrict the use of automation by employers, which should be followed by national labor courts.
Keywords: Protection against automation. Fundamental right. Efficacy and effectiveness of constitutional rules. Collective labor agreements.